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Fichamento

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BOBBIO, Norberto. Teoria das formas de governo na história do pensamento político. Edipro: São Paulo. 2017. (p. 87-102) Sara, Fichamento Jean Bodin .
A Teoria das Formas de Governo ( Pg. 87, 89, 91 e 93)
“Os antigos tinham introduzido a distinção entre formas boas e más com base em critérios bem precisos, como o da força e do consentimento, ou o do interesse comum e do interesse próprio dos governantes.”
“Procuraram identificar certas diferenças fundamentais, que pudessem justificar uma distinção baseada em elementos não-acidentais. Aliás, o próprio Bodin, contradizendo-se, voltará a introduzir a distinção tradicional entre o bom governo e o mau ao falar das formas de governo (que distingue, como se disse, das formas de Estado).”
“Procuremos entender o raciocínio de Bodin. O poder soberano consiste eminentemente na capacidade de fazer leis, isto é, de estabelecer as normas gerais que interessam a toda a comunidade. Das duas uma: ou povo não tem o poder de legislar, e o Estado não é misto (será aristocrático, se esse poder pertencer ao senado; monárquico, se pertencer ao rei); ou então o poder pertence ao povo - e o Estado é democrático.”
“O soberano - seja um monarca ou uma assembleia - ou tem todo o poder, ou não tem poder. Quando o poder está dividido, o Estado perde unidade, e com ela a estabilidade. Ou o Estado é uno ou não chega a ser um Estado.” (P. 87)
Bodin (P. 88, 90, 92 e 94)
“A resposta de Bodin a esta objeção é muito clara: se examinarmos com cuidado sua constituição, em profundidade e não apenas em termos formais, veremos que esses Estados não são de fato mistos, porque neles uma das partes componentes prevaleceu sempre sobre as outras.”
“Bodin acompanha a afirmativa de princípio com uma crítica sutil às antigas constituições de Esparta e de Roma que, como já vimos, eram consideradas modelos do Estado misto; e acrescenta a crítica dos escritores modernos, que interpretaram como Estado misto a república de Veneza. Para Bodin, a república de Roma é democrática; Veneza, aristocrática. Repete insistentemente que o Estado dividido é péssimo.”
“Estados compostos ressurge, na análise que Bodin faz dos Estados históricos, com a distinção entre o título de soberania (que pode pertencer, por exemplo, a um monarca, quando se trata de uma monarquia) e o seu exercício, que o rei pode delegar, por exemplo, a uma assembléia aristocrática ou popular.” (P. 88)
"O regime pode ser monárquico, mas ter governo democrático, se o príncipe permite que todos participem das assembléias, das magistraturas, dos cargos públicos, das recompensas, sem levar em conta a nobreza, a riqueza ou os méritos de cada um. Por outro lado, o regime pode ser monárquico e o governo aristocrático, se o príncipe só confere poderes e benefícios aos nobres, aos mais ricos ou aos que mais os merecem. Assim também uma aristocracia pode ter governo democrático, se honras e recompensas são distribuídas igualmente por todos os súditos; e governo aristocrático, se só são distribuídas aos nobres ou aos ricos. Essa variedade de formas de governo tem induzido alguns a erro, ievando-os a postular formas mistas de Estado', sem perceber que o governo de um Estado é coisa bem diferente da sua administração e do modo de governá-lo"
“Que se pode deduzir da distinção entre Estado e governo? Uma tipologia das constituições muito mais rica do que a que Bodin tinha deixado supor, ao propor inicialmente uma divisão tríplice das constituições simples. Nas passagens reproduzidas podemos ver que as constituições não são apenas três, porém seis: monarquia aristocrática, monarquia democrática, aristocracia aristocrática, aristocracia democrática, democracia aristocrática e democracia democrática.”
A distinção entre Estado e governo será retomada dois séculos mais tarde por Rousseau, no Contrato Social, com uma diferença: para Rousseau, a soberania reside unicamente no povo, no corpo coletivo que exprime a vontade geral; portanto, para ele há só uma forma de Estado: a que se fundamenta na soberania popular, e que chama de "república" 
(P. 89)
Mas no do poder executivo, o qual pode ser confiado a um só magistrado, a um grupo de magistrados ou a todo o povo: "Em primeiro lugar, o corpo soberano pode confiar o encargo do governo a todo o povo ou à sua maior parte, de modo que haja mais cidadãos magistrados do que simples cidadãos. A essa forma de governo se dá o nome de 'democracia'. Ou então, pode restringir o governo nas mãos de uma minoria, de modo que haja mais cidadãos simples do que cidadãos magistrados: é a 'aristocracia'. Por fim, pode concentrar todo o governo nas mãos de um único magistrado, do qual todos os demais recebem seu poder. Essa terceira forma é a mais comum: a 'monarquia', ou governo real"
“Sua preferência pessoal escolhe a monarquia , a lógica de Rousseau é a mesma de Bodin. Para Rousseau também uma das características da soberania é a indivisibilidade (assunto do capítulo ad hoc, o II do Livro II).”
“Essa breve referência a Rousseau nos permite esclarecer melhor a inovação de que Bodin tanto se orgulha, e que consiste na interpretação diferente de fenômeno tão freqüente nas constituições de todos os tempos a presença simultânea de órgãos monocráticos e de órgãos colegiados, de colegiados restritos e representativos da maioria do povo; isto é, de órgãos que representam princípios constitucionais diversos: ora o monárquico, ora o aristocrático, ora o democrático.”
“Os teóricos do governo misto sustentam que se trata de uma divisão do poder soberano em partes distintas, cada uma das quais tem uma soberania limitada. Bodin, ao contrário, sustenta que se trata de um Estado em que o governo, ou poder executivo, é regulado na base de um princípio diferente daquele que fundamenta o poder soberano” 
(P. 90)
 “Bodin, que não crê na possibilidade da coexistência de poderes soberanos, vê um poder predominante (o verdadeiro poder soberano) e outros poderes subordinados, que constituem não o regime (o Estado) mas o governo; não o poder legislativo, que fundamenta todos os outros, mas o poder executivo, que age em nome e por conta do legislativo.”
“A distinção entre "regime" e "governo", Vimos que esta distinção é útil para compreender a realidade complexa dos Estados sem recorrer à teoria do governo misto, que Bodin considera uma simples ficção. Vimos também que Bodin rejeita, nas teorias tradicionais, não só o conceito de governo misto mas também o das formas corrompidas.”
“A monarquia real ou legítima é aquela em que os súditos obedecem às leis do rei, e o rei às leis da natureza, restando aos súditos a liberdade natural e a propriedade dos seus bens.”
“A monarquia despótica é aquela em que o príncipe se assenhoreou de fato dos bens e das próprias pessoas dos súditos, pelo direito das armas e da guerra justa, governando-os como um chefe de família governa seus escravos.”
“A monarquia tirânica é aquela em que o monarca viola as leis da natureza, abusa dos cidadãos livres e dos escravos, dispondo dos bens dos súditos como se lhe pertencessem".
(P. 91)	
“A corrupção não afeta o Estado, mas o governo. Examinemos por um momento a diferença que existe entre monarquia real e monarquia tirânica. O rei é o monarca que respeita as leis da natureza; o tirano é o que não as respeita.”
"A diferença mais notável entre o rei e o tirano é que o rei se conforma às leis da natureza, e o tirano as viola. Um cultiva a piedade, a justiça, respeita a palavra empenhada; o outro não reconhece Deus, fé ou lei. O primeiro faz tudo o que considera útil para o bem comum e o cuidado dos súditos; o outro só age em função de vantagens particulares, ou por vingança, ou capricho... Um se compraz de ser visto e ouvido diretamente pelos súditos; o outro se oculta deles, como se fossem seus inimigos. Um leva muito em conta o amor do povo, o outro deseja ser temido... Um é venerado e amado por todos os súditos, o outro os odeia a todos, e é por todos odiado... Um é homenageado em vida e chorado depois de morto; o outro é difamado enquanto vive e, depois de morto, toma-sesua memória como exemplo".
“Bodin reconhece a despótica, tema que não é novo: Aristóteles já o tinha tratado. De modo não diferente do aristotélico, Bodin considera como elemento característico do despotismo a relação senhor-escravo. Déspota é o que governa o povo como um senhor dirige seus escravos. O que muda, com relação a Aristóteles, é a justificação do poder despótico: na Política, Aristóteles não hesitara em falar em povos naturalmente servis, seguindo sua teoria da diferença natural entre senhores e escravos, concepção que não se poderia mais sustentar depois de séculos de cristianismo.” ( P. 92)
Não as toleraram mas as impuseram, quando isso lhes foi possível, a povos considerados inferiores. Sem revelar qualquer embaraço, Bodin dá este outro exemplo: "Depois de reduzir ao seu domínio o reino do Peru, o Imperador Carlos V se fez monarca despótico daquele país, onde os súditos não possuem bens senão em caráter provisório, pela duração da sua vida".
“Exemplo que introduz um caso novo, extremamente interessante, na fenomenologia do despotismo: o despotismo colonial, relacionado com vínculo entre europeus "livres" e povos "servis". Observe-se que o despotismo deixa de ser exclusivamente "oriental", para tornar-se também "ocidental", toda vez que as grandes nações do Ocidente entram em contato com povos de outros continentes, considerados inferiores. E outras palavras, a existência de povos servis não justifica só o despotismo doméstico, mas oferece um argumento para legitimar também o desptismo exercido sobre eles por povos que não admitiriam um regime despótico para si mesmos.”
“De acordo com a tradição, distingue-se a monarquia despótica da tirania, a primeira das quais é considerada superior à segunda. Essa superioridade consiste no fato de que a monarquia despótica é severa no exercício do poder, mas tem uma justificativa, e portanto é em última instância legítima; a tirania, porém, além de severa é ilegítima (a comparação é feita, naturalmente, entre o despotismo e a tirania ex defectu, tituli).”
 (P. 93)
"De modo mais geral pode-se dizer que, se quisermos identificar o regime despótico com o tirânico, chegaremos a afirmar que não há diferença entre o inimigo legítimo, na guerra, e um ladrão - entre o príncipe legítimo e o bandido, a guerra legalmente declarada e a força ilegal e violenta".
"O motivo por que a monarquia despótica é mais duradoura do que as outras reside no fato de que é mais respeitável, e que os súditos dependem inteiramente - no que concerne a sua vida, liberdade e propriedade - do soberano que os conquistou com justo título, o que reduz completamente sua ousadia; é o que acontece também com o escravo, cônscio da sua condição, que se torna geralmente humilde, vil, de ânimo servil, como se costuma dizer. De outro lado quando se tenta submeter homens livres, donos de seus bens, usurpando o que lhes pertence, eles logo se rebelam, porque têm o espírito generoso, nutrido de liberdade e não abastardado pela servidão" (P. 94)

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