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ISSN 2176-1396 COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: PRÁTICAS EM CONSTRUÇÃO Beatriz Gomes Nadal1 - UEPG Eixo – Políticas Públicas e Gestão da Educação Agência Financiadora: Fundação Araucária Resumo Trata-se de pesquisa que buscou aproximar-se do trabalho de coordenadores pedagógicos que atuam em escolas públicas. Teve como objetivos configurar um conceito de coordenação pedagógica do trabalho coletivo escolar; conhecer as características do trabalho desenvolvido pelos pedagogos no interior das escolas públicas relacionando-o às características da política educacional e da estrutura organizacional das escolas e contribuir para os processos de reflexão profissional de pedagogos que atuam na gestão escolar. Desenvolveu-se na perspectiva dos estudos culturais, numa abordagem qualitativa que contemplou estudo bibliográfico e coleta de dados por meio de questionários com questões abertas. A pesquisa revelou que a gestão democrática centrada na elaboração e consecução do projeto político pedagógico por meio do trabalho coletivo ainda não é uma realidade constituída de forma plena no interior das escolas, as quais partilham de valores ligados ao funcionamento burocratizado da instituição, ainda que este se apresente em franca disfunção podendo significar resistência ou tentativa de superação de uma organização carente de uma nova ou outra racionalidade de trabalho. Quanto à coordenação pedagógica destas organizações, inferimos que o trabalho que mais se evidencia é o da coordenação burocratização existente, ainda não tendo se revelado de forma plena a coordenação político-democrática do esforço humano coletivo por meio da formação contínua, reflexiva e colaborativa na escola. Palavras-chave: Escola. Administração escolar. Coordenação do trabalho pedagógico. Cultura escolar. 1 Doutora em Educação: Currículo pela PUCSP. Professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: beatrizgnadal@gmail.com mailto:beatrizgnadal@gmail.com 6800 Introdução A escola é mais do a simples observação do prédio ou a leitura do regimento escolar podem sugerir. Constituída de convenções, sentidos, significados, valores e crenças, a instituição produz sua existência a partir da totalidade do contexto social e político, das condições materiais e organizacionais que lhe são próprias e da atuação dos sujeitos concretos que nela atuam. É uma produção material e social que se reproduz e altera dialeticamente, estabelecendo uma dinâmica própria, o que nos levou a buscar desvela-la e compreendê-la a partir de seu movimento interno. Por ser dialética e dinâmica, a escola apresenta-se tanto instituída (recebe influências que podem vir a alterá-la) como instituinte (influencia a instituição a fim de mantê-la nos padrões vigentes). Sua dimensão determinante ou estabelecida é bastante responsável pela manutenção de padrões de comportamento e trabalho, contribuindo, ao mesmo tempo, para que a identidade da instituição permaneça, para que valores, rituais e crenças sejam perpetuados, para que soluções historicamente criadas no desenvolvimento da tarefa educativa sejam transmitidas aos novos membros que chegam e para que sua função na sociedade seja percebida com certa regularidade. O instituído é importante, mas, ao mesmo tempo em que exerce um papel contributivo e positivo frente à instituição e ao trabalho, pode influenciar para que estes permaneçam pouco alterados, o que pode significar fechamento para seu entorno e o consequente distanciamento entre a função social exercida e a demandada da população. Nesta perspectiva e entendendo a importância estudos e pesquisas que apoiem as escolas em seu processo de avanço, desenvolvemos a pesquisa aqui apresentada que se voltou ao estudo do trabalho de coordenação pedagógico na organização escolar, tendo como objetivos configurar um conceito de coordenação pedagógica do trabalho coletivo escolar; conhecer as características do trabalho desenvolvido pelos pedagogos no interior das escolas públicas relacionando-o às características da política educacional e da estrutura organizacional das escolas e contribuir para os processos de reflexão profissional de pedagogos que atuam na gestão escolar. A coordenação escolar no âmbito da administração escolar É porque a escola é uma organização que se torna possível falar em administração ou gestão. O alcance dos fins à que a instituição se propõe, bem como a articulação dos segmentos 6801 no interior da escola exige a tomada contínua de decisões com vistas à gestão dos elementos da organização: o planejamento, a organização do trabalho, a manutenção da direção (coordenação), a avaliação e a formação. A administração, assim, pode ser considerada a “atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para se atingir os objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnico-administrativos. ” (LIBÂNEO, 2007, p. 78). Ao definir a administração como a adequada utilização de recursos para o alcance de determinados fins, Paro (2012), por sua vez, assevera que se trata de uma atividade essencialmente humana pois, conforme já exposto, é exclusiva do homem a capacidade de observar o mundo e projetar-se diante dele, estabelecendo finalidades para sua ação. Se o trabalho é a energia humana empregada para o alcance destes fins, a administração é o uso racional e adequado dos recursos no decorrer do processo. São dois os tipos de recurso mobilizados no processo administrativo: recursos objetivos e recursos subjetivos. Os recursos objetivos referem-se às condições objetivas necessárias para a realização do trabalho. Envolvem objetos/instrumentos e conhecimentos/técnicas. Objetos e instrumentos de trabalho são os dados que serão manipulados durante a produção deste, podendo ser materiais ou não. Conhecimentos e técnicas, por sua vez, mediam o uso a ser feito dos objetos e instrumentos por caracterizarem-se como elementos conceituais. (PARO, 2010, p. 767) Os recursos subjetivos correspondem à própria energia humana, não ao homem enquanto recurso humano – porque, enquanto sujeito, este é tomado como fim, não como meio – mas aos recursos do homem, sua capacidade de trabalho, conforme Paro aponta recorrendo à Marx: são “o conjunto de faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento toda vez que produz valores de uso” (idem). Referem-se ao esforço empregado por meio do trabalho e em função de sua finalidade. Para que os pressupostos de racionalidade e economia no emprego dos recursos se efetivem, recursos objetivos e subjetivos precisam estar articulados. Deste modo, além de indissociáveis, os recursos também remetem aos dois grandes campos da administração: a racionalização do trabalho (articulação entre recursos e trabalho com vistas à adequação e economia) e a coordenação do esforço humano (ou do trabalho) coletivo. Racionalização do trabalho e coordenação cruzam-se precisamente no processo de trabalho, do qual depende a realização dos objetivos da organização. A racionalização do 6802 trabalho não pode desconsiderar que tais recursos são manipulados por pessoas. De igual modo, a coordenação não pode ignorar que o escopo principal para a realização dos objetivos é a integração desses recursos aos recursos objetivos de que se dispõe. (PARO, 2010, p. 767) Entendendo-se a coordenação como processo ou movimento de ordenar as ações em comum, e considerando-se que todas as ações/trabalho são intencionais por serem empreendidas por sujeitos detentores de vontade, não indiferentes frente ao mundo, infere-se que a problemática central de que se reveste a administração é a da coordenação enquanto articulação das diferenças num grupo cujos vínculos se constituampela interlocução, a soma e a cooperação em torno, justamente, dos objetivos e propostas da instituição: a constituição do trabalho coletivo. Assim, a coordenação é o processo ou trabalho de organizar a ação em comum, um movimento de articulação de grupo capaz de contribuir para que este se constitua, de fato, como unidade social. Enquanto dimensão do processo administrativo, a coordenação é um processo que está para além do cargo ou papel de coordenador e, como destacam Alonso (2002) e Paro (2012), pode ou deve ser exercido por qualquer pessoa que a componha. Ao coordenador pedagógico atribui-se a responsabilidade maior pelo trabalho pedagógico: “O cerne do trabalho do pedagogo escolar é justamente a coordenação do trabalho pedagógico e o trabalho pedagógico, por sua vez, é o núcleo das atividades escolares. Ele representa o conjunto de todas as práticas educativas que se desenvolvem dentro da escola. ” (PINTO, 2011, p. 151). Em consequência, a coordenação não pode se configurar como simples direcionamento dos recursos humanos para tarefas em comum, mas que se constitua como o processo de fazer convergir intencionalidades, valores, desejos, conhecimentos e capacidades para um fim em comum, sem que isso implique na sujeição daqueles que são coordenados. Tratam-se de diferentes concepções: administrar/coordenar como controle e imposição ou como democratização das relações e emancipação. A organização escolar e a coordenação pedagógica A pesquisa 6803 A pesquisa voltou-se ao trabalho de coordenadores pedagógicos que atuam em escolas públicas. Este profissional foi escolhido por sua centralidade tanto no processo de organização da unidade escolar, como na relação com os professores enquanto protagonistas da tarefa educativa. Problematizou-se a dimensão instituída do trabalho de pedagogos que atuam na gestão de escolas públicas de Ensino Fundamental (segundo segmento) e/ou Médio tendo como objetivos: configurar um conceito de coordenação pedagógica do trabalho coletivo escolar; conhecer as características do trabalho desenvolvido pelos pedagogos no interior das escolas públicas relacionando-o às características da política educacional e da estrutura organizacional das escolas e contribuir para os processos de reflexão profissional de pedagogos que atuam na gestão escolar. A natureza da problemática e os objetivos a que nos propusemos apontaram para o trabalho na perspectiva dos estudos culturais ou, mais especificamente, da abordagem qualitativa do tipo interpretativo. Gimeno Sacristán e Pérez Gomez (1998, p.103) argumentam em favor da pesquisa interpretativa quando afirmam que Os comportamentos do sujeito, seus processos de aprendizagem e as peculiaridades de seu desenvolvimento, somente podem ser compreendidos se somos capazes de entender os significados que se criam em suas trocas com a realidade física e social ao longo de sua singular biografia. Para esta perspectiva, o homem é um animal suspenso em redes de significados que, em grande parte, ele mesmo contribuiu para tecer. A pesquisa envolveu estudo bibliográfico e coleta de dados por meio de questionários com perguntas abertas aplicados com pedagogos. O estudo bibliográfico fundamentou-se essencialmente nos trabalhos de Paro (2010; 2012) e Libâneo (2007) na discussão sobre a administração escolar; Domingues (2014), Libâneo (2007), Rangel (2002), Ferreira (2002), Pimenta (1998) e Pinto (2011) quanto à coordenação pedagógica. A pesquisa de campo se deu por meio da utilização de questionários com questões abertas. Foram selecionados coordenadores pedagógicos (pedagogos) do quadro efetivo de escolas da rede estadual de ensino, do município de Ponta Grossa, com tempo de exercício profissional entre 1 a 3 anos. Este critério foi adotado com a finalidade de selecionar sujeitos que, por encontrarem-se na fase de iniciação profissional, estariam, em tese, mais expostos à organização instituída da escola, possivelmente percebendo-a com mais clareza. Os instrumentos foram enviados por via eletrônica para 41 pedagogos e, destes, 12 realizaram a devolução. 6804 Os sujeitos da pesquisa foram denominados de CP1, CP2... CP12 e os dados de suas falas organizados pelo critério de maior incidência em torno do Organização escolar e coordenação pedagógica. Organização escolar e coordenação pedagógica: o instituído, o instituinte Para constituir na perspectiva político-democrática do trabalho coletivo a fim de que se efetive a mediação entre o aluno e a cultura, efetivando a formação, é fundamental que o trabalho de coordenação pedagógica se desenvolva numa perspectiva político-democrática. A mediação escolar se efetiva essencialmente pela mediação do professor com o aluno, o que permite afirmar que o eixo central do trabalho do coordenador pedagógico é a constituição do trabalho coletivo junto aos professores a partir das características e necessidades que o trabalho pedagógico coloca. Este entendimento é expressado por Medina quando afirma que supervisor é: [...] parceiro político-pedagógico do professor que contribui para integrar e desintegrar, organizar e desorganizar o pensamento do professor num movimento de participação continuada, no qual os saberes e os conhecimentos se confrontam. As sínteses colhidas nos confrontos são referências que sustentam a ação do professor como regente de classe. Nesta problematização está implícita a ação que integra o professor e o supervisor com a comunidade na qual a escola se insere. (MEDINA, 1997, p. 32) No processo educativo, coordenador, professor e aluno movem-se como sujeitos. É desejável, assim, que a relação pedagógica entre eles se estabeleça calcada em princípios de autonomia, ou seja, permitindo a vivência da democracia na relação coordenador – professor – aluno. A prática educativa se desenvolve essencialmente na sala de aula, mas não se restringe a ela. Para além dos contextos externos que a conformam há, também no interior da escola, um conjunto de espaços e sujeitos intervenientes. Ao tratar da questão, Sacristán (2000) considera que a aprendizagem é influenciada (e mediada) por condições ou contextualização institucional: A prática do ensino não é, pois, um produto de decisões dos professores, a não ser unicamente à medida que modelam pessoalmente este campo de determinações, que é dinâmico, flexível e vulnerável à pressão, mas que exige atuações em níveis diversos, não o didático, mas sim o político, o administrativo e o jurídico, para lhe impor rumos distintos. [...] O ambiente contextual do currículo é condição para que determinados efeitos possam ser obtidos do mesmo, à medida que são uma dimensão relevante das atividades de ensino e de aprendizagem. (p. 91) 6805 Com recurso à Apple, o autor também aponta dimensões constitutivas do contexto escolar no qual o conjunto de aprendizagens se desenvolve: o conjunto arquitetônico da escola, os aspectos materiais e tecnológicos, os sistemas simbólicos, as habilidades do professor, os estudantes e os componentes organizativos e de poder. (ibid.). Infere-se, assim, que a coordenação do pedagógico se faz pela relação próxima com o professor e os processos da sala de aula e em inter-relação com as demais dimensões do ambiente pedagógico, conjunto do qual decorrem possíveis dimensões para o trabalho desse profissional. Bibliografias do campo da coordenação pedagógica –, Pimenta (1988), Rangel (2002), Pinto (2011), Domingues (2014) – apontam possíveis dimensões constituintes do trabalho do coordenador pedagógico, a saber: a administração dos alunos, dos professores e dos serviços gerais (LOURENÇO FILHO (1972); trabalho com os objetivos da escola pública, com os conteúdos e sua função no atendimento às classes populares, com os métodos e técnicas de ensino e a avaliação (PIMENTA, 1988); o processoensino-aprendizagem incluindo “currículos, programas, planejamento, avaliação, métodos de ensino e recuperação” (RANGEL, 2002); a coordenação junto aos professores e aos alunos; o desenvolvimento profissional dos educadores e a articulação da escola com a comunidade local (PINTO, 2011) e a formação continuada dos professores no interior da escola, articulada ao projeto político- pedagógico (DOMINGUES, 2014). Em conjunto, os estudos permitem ver uma clara evolução do trabalho do coordenador pedagógico que avança de uma concepção não necessariamente restrita, mas técnica e liberal na proposta de Lourenço Filho (o autor já considerava, por exemplo, a formação de professores como um trabalho do coordenador), para uma ação fortemente comprometida política e socialmente na concepção de Pimenta. O trabalho de Rangel amplia o debate de forma significativa ao incluir o projeto político-pedagógico nos campos de abrangência e a necessidade da pesquisa. Pinto e Domingues acrescentam e desenvolvem a questão ao referenciar o processo de coordenação no projeto político-pedagógico da escola, o que traz implicações importantes em termos da consideração da cultura escolar, da comunidade educativa envolvendo os funcionários enquanto educadores e, em especial, ao configurar o processo de coordenação como ação se estabelece com o professor enquanto construtor de sua práxis por meio de um movimento de reflexão sobre a mesma. 6806 É possível concluir, desse modo, que o trabalho de coordenação pedagógica decorre das demandas da organização escolar pautadas na elaboração e efetivação da proposta político- pedagógica da escola por meio da constituição do trabalho coletivo. A organização da escola para a vivência de seu projeto (e alcance de seus fins) aponta para necessidades em diversas instâncias, pois trata-se de um conjunto de fatores intervenientes. Todavia, sem desconsiderá- los, “é preciso estar claro que a melhor das práticas de gestão, a participação dos professores e os processos democráticos somente têm sentido se estiverem diretamente associados à melhoria das metodologias do ensino e aprendizagem” (LIBÂNEO, 2007, p. 304). No interior da pesquisa buscamos conhecer como se deu o trabalho de coordenação das escolas, as tarefas encampadas, a centralidade do trabalho de formação de professores, as dificuldades enfrentadas e possibilidades de superação construídas. Para tanto o instrumento de coleta de dados contemplou uma pergunta especificamente dirigida à tal preocupação. Indagados sobre as atividades que realizavam como coordenadores pedagógicos (pedagogos) nas escolas e instigados a estimar o tempo que cada uma delas ocupava no conjunto do trabalho, obtivemos 88 indicações de respostas. A atividade (1) de controle da rotina, organização, controle do uniforme, controle dos processos de entrada, atrasos, intervalo e saída de aula, combate ao uso do celular foi indicada 12 vezes. (2) Atender pais de alunos e (3) atender alunos também foram mencionadas 12 vezes cada. Juntos, estes três grupos de atividade foi considerado, pelos coordenadores, como sendo os que mais ocupam os dias de trabalho, empenhando entre 50 a 75% do tempo. 12 indicações também se referiram à (4) substituição de professores em situações de falta como atividade que ocupa cerca de 2 a 3 dias da semana. A outra atividade com maior incidência foi a (5) relativa ao trato com os professores, com 11 indicações, sendo que destas 7 mencionaram “conversas” com os professores que estavam em hora-atividade, 3 consideraram esse trabalho como “acompanhamento pedagógico” e apenas 2 indicações trataram da questão enquanto formação na hora-atividade e/ou hora-atividade dirigida. O enfoque pedagógico mais direto também pode ser identificado nas atividades de (6) acompanhamento do planejamento, com 3 indicações, sendo que 2 destas mencionaram que é realizada bimestral e/ou semestralmente; (7) reuniões pedagógicas e de pais – 3 indicações –; (8) organização de materiais didáticos – 3 indicações e (9) atividades relativas ao processo de avaliação – 2 indicações sendo 2 relativas ao conselho de classe, 1 à análise de instrumentos de avaliação e 1 apontando a elaboração de simulados. Trabalhos associados aos (10) registros da burocracia escolar foram indicados 8 vezes distribuídas do seguinte modo: 2 indicações para orientação e análise de livros de chamada; 3 6807 indicações para relatórios e preenchimentos de documentação exigida pelo núcleo de educação e 3 indicações relativas à preenchimento de relatórios de frequência dos alunos que recebem bolsa família. Identificou-se, ainda, (11) o acompanhamento dos alunos especiais incluídos – 2 indicações e (12) elaboração do projeto político pedagógico, mencionada 1 vez. (13) Outras atividades foram apontadas em 3 situações. Observou-se que o funcionamento da organização escolar impõe aos coordenadores uma série de demandas que, do modo como acontecem, se justificam mais pela burocratização do que pela racionalidade do trabalho coletivo e democrático, apontando que a gestão da rotina (entrada, intervalo e saídas de aula; uso do uniforme e não uso de celulares; frequência e assiduidade, registro em fichas, preenchimento de atas) e das relações interpessoais (atendimento a alunos em disfunção em processos de aula; atendimento a pais) se constitui como a tarefa mais presente no trabalho dos coordenadores. Apesar de reconhecerem que a grande maioria do tempo é gasta com atendimento a pais e alunos em situação de “indisciplina” e baixo aproveitamento, o entendimento de que o trabalho pedagógico se centra na ação conjunta com os professores no processo ensino- aprendizagem foi expresso na maioria das falas, seja para reconhecer a importância de que este trabalho comece a ser feito, seja para ilustrar situações em que já acontece: Parte pedagógica: 5% do meu tempo é para o trabalho pedagógico, sendo quase nada do meu tempo. É sabido que deveria ser ao contrário, deveria ser 70% do tempo para o trabalho pedagógico de auxílio a professores, melhorias das ações pedagógicas, desenvolvimento de projetos para atender as demandas necessárias dos alunos, entre outros. CP 11 Se há clareza quanto ao foco no pedagógico, infere-se a necessidade de enfrentamento, por parte da escola, das dificuldades que a ela se apresentam – os alarmantes quadros de “indisciplina” comprovam a existência de problemas – por meio de processos de formação contínua calcados na reflexão sobre o sentido do trabalho educativo, voltados à construção de compreensões e propostas pedagógicas para a democratização da aprendizagem. Entende-se a formação como o processo com maior potencial para sustentar o desenvolvimento dos professores e a efetivação coletiva de uma proposta pedagógica democrática e democratizante para aqueles a quem a escola se destina. 6808 A formação continuada é um processo que visa capacitar2 ou desenvolver os professores no próprio local de trabalho, a escola. É um “processo que procura desenvolver de maneira sistemática e contínua todos os recursos do homem-educador envolvido com o trabalho escolar, objetivando uma prática pedagógica competente” (FUSARI e RIOS, 1995, p. 42), podendo desenvolver-se por meio de cursos, grupos de estudo, projetos de investigação, encontros para trocas de experiência, discussões e demais formas de estudo, em que problemas enfrentados por cada professor coordenem-se com problemas e ações da escola, enquanto coletividade. A proposta de formação continuada e em serviço surgiu pela necessidade de apoiar os docentes na reflexão sobre seu trabalho, considerando-se a singularidade de que se reveste, a importância de serem considerados sujeitos na construção de seu conhecimento profissional, a relevância de que a formação esteja articulada aos problemas concretos vividos pelos professores no processo ensino-aprendizagem(e demais dimensões a ele subjacentes). Mesmo que indesejada, a formação continuada realizada fora3 da escola a partir das propostas do sistema, agrupando professores de diferentes escolas e realidades, é a modalidade de formação que mais têm tradição, conforme confirmam as pesquisadas: Existem formações elaboradas pela Secretaria de Educação que vêm prontas para serem aplicadas. Ao final da formação é preciso que haja um trabalho escrito para ser enviado a Secretaria como “prova” do que foi feito. Não tem como mudar muita coisa do que vem elaborado. As formações continuadas são estabelecidas em calendário próprio, são realizadas nas semanas pedagógicas e nos dias de formação em ação. CP4 Nenhuma formação na escola. A formação que recebi foi da SEED, e também de alguns cursos que fiz [...]. CP2 Ocorre as disponibilizadas pela SEED, porém acho que a mesma possui um conteúdo muito “fraco” e que não trabalha com a realidade de cada escola. Com seus problemas e reais necessidades de formação. CP6 Somente a formação proposta pelo núcleo de educação, que já vem pronta e acabada apenas para ser colocada em prática, fora isso, não tem formação proposta pela equipe pedagógica por falta de horário, data e professor que queira participar. CP12 Várias limitações associam-se aos processos de formação, como a baixa quantidade de horas em relação à quantidade de conteúdos que se pretende discutir, temas gerais para 2 Por capacitação se está entendendo o sentido de tornar capaz, habilitar, que o termo possui. A esse respeito veja: MARIN, Alda Junqueira. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções. In: Cadernos CEDES n 36. 3 Por “fora da escola” não estamos considerando apenas o fator “fora do espaço físico da escola” mas, essencialmente, “fora da realidade, proposta e necessidades da escola. Fora, também, da comunidade escolar. 6809 professores provenientes de instituições diferentes, transposição do conteúdo para a prática pedagógica em outro tempo/espaço, incorrendo em dificuldades para o professor (que estará sozinho nesse momento), formação realizada por profissionais que, muitas vezes, não conhecem a prática escolar (acadêmicos, pesquisadores), proposição de inovações curriculares/metodológicas que exigirão mais elementos do professor do que os passíveis de serem abordados no curso de formação (REALE et all., p. 1995). Além das dificuldades sentidas pelos coordenadores para o acompanhamento pedagógico e a formação de professores em decorrência da força da rotina cotidiana sobre seu fazer, observa-se aquelas que são produto da política e gestão estabelecidas pelo sistema para as escolas, fragilizando-nas e (propositadamente?) e impondo barreiras nem tão facilmente transponíveis: [...] uso controlado da internet que várias vezes ficava indisponível aos professores e fez com que alguns planos feitos com eles de uso de novas ferramentas tecnológicas em sala de aula fossem limitados. CP9 Ao buscar observar a sala de aula, percebo o quão “triste” é a estrutura física da sala onde os alunos estão, nada motivador para os estudos; o excesso de atividades burocráticas ou de atendimentos por indisciplina são tantos que não possibilitam momentos de planejamento dentro da escola; forma como são distribuídos os professores para trabalhar na escola não possibilita que os mesmos se envolvam em discussões da escola, pois um mesmo professor assume aulas em várias escolas, dedicando a cada local estritamente o tempo de aula de hora-atividade; baixa remuneração dos professores, que exige com que assumam muitas aulas para constituir um salário para suas despesas. CP7 A falta excessiva de professores dificulta o nosso trabalho e desorganiza todo o funcionamento do colégio. Os alunos ficam agitados, e são nestes momentos que ocorrem os maiores números de ocorrências com alunos, porque o professor não vem e, sempre que possível, fazemos a troca de aulas com outros professores e isto faz com que os alunos fiquem agitados e insatisfeitos. Quando não tem como trocar aula os alunos ficam no pátio com os agentes educacionais, gerando muitos transtornos. CP11 Ao buscar observar a sala de aula, percebo o quão “triste” é a estrutura física da sala onde os alunos estão, nada motivador para os estudos; o excesso de atividades burocráticas ou de atendimentos por indisciplina são tantos que não possibilitam momentos de planejamento dentro da escola; forma como são distribuídos os professores para trabalhar na escola não possibilita que os mesmos se envolvam em discussões da escola, pois um mesmo professor assume aulas em várias escolas, dedicando a cada local estritamente o tempo de aula de hora-atividade; baixa remuneração dos professores, que exige com que assumam muitas aulas para constituir um salário para suas despesas. CP7 6810 A formação contínua no interior da escola, ao contrário, procura se estruturar de modo a superar tais dificuldades históricas no “treinamento” de professores. A articulação teoria- prática busca ser resgatada pelo movimento de reflexão dos professores sobre seu cotidiano pedagógico, estimulando-os a, mais do que incorporar novas discussões acerca de teorias já formuladas, instituírem-se como produtores de conhecimentos práticos (advindos da reflexão sobre a experiência da prática). Em seu contexto, o trabalho docente pode ser analisado no conjunto das dimensões organizacionais que lhe constituem e no conjunto de dimensões que constituem o próprio professor enquanto sujeito. Os dados da pesquisa levam a reconhecer que ainda que não haja uma cultura de reflexão instituída interior das instituições, muitos gérmens e sentidos a ela relacionados já podem ser observados: Foram pequenas conquistas, mas significativas. A que avalio como a melhor foi a hora atividade dirigida. É uma exigência do NRE, mas na nossa escola deu certo e fomos além. Montei um cronograma mensal e deixei a temática a escolha dos professores. A metodologia era diferenciada para cada professor. Tem uns que odeiam ler, eu respeito, embora avalie como contraditório. Com uns, lia e discutia, com outros conversava a partir de práticas ou planejamento. Falávamos de aluno, mas o propósito era encontrar soluções. A temática mais pedida era avaliação de aprendizagem. Até os alunos sentiram os impactos dos estudos, pois comentavam que as aulas estavam mais legais e não faziam somente provas como instrumentos avaliativos. O projeto de leitura também ficará como prática na escola, pois os professores perceberam o avanço que os alunos tiveram a partir da implementação do projeto. CP3 Provoquei a organização de um grupo de formação continuada de pedagogos; construí o projeto de formação de líderes de turma, como forma de trazer para a discussão os alunos; estive mais próxima dos professores, ouvindo suas ansiedades e dialogando para a superação de dificuldades. CP7 Consegui fazer com que alguns professores mudassem sua visão em relação aos alunos e qual o papel da escola na vida deles. Orientando os mesmos em relação as novas práticas. Consegui também orientar diversas famílias e alunos, os quais melhoraram muito durante o ano. CP6 Situada na escola, a formação contínua ressignifica o trabalho do coordenador pedagógico e a própria gestão escolar pela atuação na perspectiva de parceria e cooperação, estimulando e apoiando o professor– estabelecendo a indispensável interlocução – e refletindo sobre seu próprio fazer coordenador. Tem potencial para garantir, também, a articulação do trabalho coletivo e democrático pela reflexão referenciada ao projeto político pedagógico construído pelo coletivo escolar. Trata-se de uma formação democrática porque é colaborativa, cooperativa, coletiva. A formação continuada justifica-se, por fim, pelo pressuposto da 6811autonomia docente, do reconhecimento do professor como sujeito de si e da organização escolar, conforme assevera Barroso (2000, p. 30): A construção da autonomia enquanto mudança organizacional exige que os seus membros aumentem o seu conhecimento sobre os seus modos de funcionamento e sobre as regras e estruturas que a governam. Esta aprendizagem organizacional (da e pela organização) constitui um instrumento necessário para que os actores de uma organização conheçam o seu próprio campo de autonomia e o modo como está estruturado, condição para fazer das “autonomias individuais”, “autonomias colectivas”. Na medida em que o professor é sujeito de sua própria formação, articulando-a a partir de seu trabalho e em função dele, ele não apenas se forma como, também, exercita a autonomia e a participação, elementos fundantes do processo de gestão. Este exercício participativo na gestão de sua própria formação passa, por sua vez, pela própria formação, que o autonomiza para decidir, escolher caminhos, construir compreensões. A administração de sua formação permite-lhe aprender a participação. A formação, por sua vez, abre possibilidades para que viabiliza a participação democrática na gestão. Dito de outro modo: são eixos de ligação extrema, pois é a própria formação quem dá condições para que os professores saibam e exerçam a participação no processo de gestão democrática, ao mesmo tempo em que tal processo de gestão é fundamental para que a formação reflexiva dos professores se configure como formação dos professores em coletividade buscando articular-se diante das dificuldades hoje existentes nas organizações escolares. Compreende-se, assim, a gestão e a formação contínua como práticas articuladas da organização escolar. Considerações finais O interesse da presente pesquisa voltou-se ao conhecimento do processo de coordenação pedagógica na perspectiva de como este se constitui no interior das escolas, e teve como objetivos: configurar um conceito de coordenação pedagógica do trabalho coletivo escolar; conhecer as características do trabalho desenvolvido pelos pedagogos no interior das escolas públicas relacionando-o às características da política educacional e da estrutura organizacional das escolas e contribuir para os processos de reflexão profissional de pedagogos que atuam na gestão escolar. No que se refere à coordenação, compreendeu-se seu sentido de coordenação do esforço humano coletivo, tal como asseverado por Paro (2010; 2012). Formulamo-la numa perspectiva 6812 que humanize os membros enquanto sujeito de escolhas, bem como democratize a relação entre eles pela democracia e via trabalho coletivo. Os homens precisam estar juntos para humanizar-se via partilha da cultura socialmente produzida. A necessária divisão dos recursos e do trabalho para a produção da existência demanda relações de entendimento mútuo e cooperação: trabalho coletivo. Dada a natureza das organizações escolares, o trabalho coletivo pode ser considerado, então, uma condição inerente. Constituí-lo, por sua vez, parece ser o grande desafio que move a gestão escolar. Ao intencionar conhecer as características do trabalho desenvolvido pelos pedagogos no interior das escolas, observamos que quando a administração se faz no interior de organizações “reais”, decisão, organização e formas de funcionamento passam a ser fortemente influenciados por fatores de ordem organizacional – crenças, valores, rituais, processos, recursos... – desencadeando fenômenos de incompletude, imprevisibilidade e dinâmicas institucionais sempre “em alteração”. A organização escolar exercer uma força com nuances burocratizados sobre o trabalho dos coordenadores pedagógicos, afastando-os da articulação do coletivo ao projeto político-pedagógico da escola. Ainda que invistam grande parte do tempo envolvidas na gestão dos alunos e do relacionamento com as famílias, as coordenadoras têm a clareza do caráter pedagógico que seria importante imprimir ao seu trabalho, revelando o conflito que permeia o exercício da função. Assim, para contribuir para os processos de reflexão profissional de pedagogos que atuam na gestão escolar apontamos a formação continuada reflexiva do coletivo escolar como uma possível alternativa para as contradições que se apresentam. Todavia, a formação proposta pelo sistema a partir de suas demandas é a que prevalece, em detrimento da formação centrada no espaço e realidade institucional. Dificuldades advindas da organização política do sistema de ensino também afastam os coordenadores do núcleo pedagógico; as condições materiais e organizacionais propiciadas às escolas têm peso determinante em tal questão. Todavia, apesar da realidade escolar que se apresenta instituída, há movimentos iniciados em torno da formação continuada e reflexiva, focada no avanço da prática pedagógica das escolas. A escola resiste e se refaz. A força do instituído impôs-se fortemente entre as jovens coordenadoras pedagógicas investigadas que, em alguns momentos, adaptaram-se para usufruir de formas adequadas, viáveis e econômicas de realizar o trabalho, também como condição de sobrevivência. Em outros, engendraram possibilidades de superação. Entre elas, há clara compreensão dos 6813 elementos contraditórios da organização escolar instituída e, ao mesmo tempo, a visualização de possibilidades de reconfiguração positiva destes. REFERÊNCIAS ALONSO, M. 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