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SANGRAMENTO NA 2ª METADE DA GESTAÇÃO PLACENTA PRÉVIA Considera-se placenta prévia aquela situada total ou parcialmente no segmento inferior do útero, a partir da 22ª semana Classificação A placenta prévia pode ser classificada em 4 tipos: central, parcial, marginal e baixa Fatores de risco · A cesárea anterior constitui o fator de risco mais importante para a placenta prévia e o risco aumenta progressivamente com o número de procedimentos. · Qualquer cicatriz uterina · Idade materna avançada · Paridade · Multiparidade (5 ou + filhos) · Tabagismo · Gravidez gemelar · Abortamento · Número de curetangens · Outros: cirurgia uterina, uso de cocaína, mulheres que residem em altitudes elevadas e feto do sexo masculino Quadro clínico Hemorragia · A hemorragia indolor, de sangue vermelho, brilhante, desvinculada de quaisquer esforços ou traumatismos, ocorre em mais de 90% dos casos, em geral despontando no último trimestre. · Habitualmente, as perdas se sucedem, hemorragias cada vez mais importantes, pausas que se amiúdam, espoliação maciça pela intensidade ou que, somadas as crises, exsanguinam lentamente a gestante. Diagnóstico Exame físico · A palpação é capaz de identificar a estática fetal alterada: situações oblíquas e transversas (15%), apresentação pélvica (15%) e cefálicas altas, por motivo da interposição da placenta entre a cabeça e o andar superior da bacia. · A ausculta do abdome revela batimentos cardíacos e a cardiotocografia (CTG) demonstra ser boa a vitabilidade fetal. · A exploração digital do canal cervical está proscrita, pois há muito perdeu validade em face da precisão do diagnóstico ultrassonográfico. Exame especular · Confirma, sob visão direta, que a hemorragia tem origem no canal cervical. Parto · A hemorragia tende a crescer de intensidade com o progresso da dilatação, que é proporcional à superfície da placenta descolada. · Nas placentas baixas, o sangue tende a deter-se quando se realiza a amniotomia. Secundamento · O acretismo é comum; as retenções placentárias são habituais; a deficiente miocontração do segmento inferior é outro fator a provocar dificuldades nos 3º e 4º períodos (atonia e hemorragia) Puerpério · Restos placentários podem permanecer aderidos e se infectar, especialmente pela proximidade entre a zona de inserção e a vagina. · A subinvolução uterina e a anemia favorecem o aparecimento da infecção puerperal. Ultrassonografia · O diagnóstico da placenta prévia deve ser realizado por ultrassonografia transabdominal de 20 a 24 semanas, mas a confirmação é feita pela ultrassonografia transvaginal, muito mais precisa que a abdominal, bem aceita pela paciente e segura, pois não causa sangramento · Estima-se que cerca de 90% das placentas prévias diagnosticadas na ultrassonografia de 2º trimestre resolvam-se no exame de 36 semanas, pela expansão do segmento inferior no 2º e no 3º trimestre, fenômeno conhecido como “migração placentária”. · A despeito de 2/3 das mulheres com placenta prévia sangrarem no período anteparto, esses raramente são episódios graves a ponto de exigirem interrupção da gravidez. · Acredita-se que as mulheres com placenta prévia que apresentam sangramento (sintomáticas) e que permaneçam hemodinamicamente estáveis possam ser conduzidas ambulatorialmente · O achado de área sonolucente na margem placentária que recobre o orifício interno (OI) do colo (seio marginal) eleva em 10 vezes o risco de hemorragia grave anteparto. · O colo com comprimento < 3 cm, pela ultrassonografia de 3o trimestre, indica possibilidade elevada de cesárea de emergência, antes de 34 semanas, por sangramento importante anteparto. · Pacientes que apresentam distância entre a borda da placenta e o OI ≥ 2 cm podem ser candidatas ao parto vaginal. Aquelas com essa distância < 4 cm (placenta baixa) apresentarão sangramento intenso no pós-parto. PLACENTA ACRETA E VASA PRÉVIA Duas condições estão intimamente associadas à placenta prévia: placenta acreta e vasa prévia. Elas elevam sobremaneira a morbiletalidade materna e fetal; a acreta, a da mãe; e a vasa prévia, a do feto. A classificação do acretismo baseia-se na profundidade da invasão: placenta acreta adere ao miométrio; increta invade o miométrio; e percreta perfura o peritônio, alcançando, por vezes, órgãos vizinhos como a bexiga e os paramétrios A placenta acreta corresponde a 80% dos casos de acretismo; a increta, a 15% , e a percreta, a 5% O fator de risco mais importante para o acretismo é a placenta prévia em mulheres cesareadas (placenta prévia- cesárea); e o risco aumenta com o número de procedimentos. A placenta prévia-acreta-cesárea ocorre pela deficiência de decídua basal na zona da cicatriz uterina. A incidência de placenta prévia no termo da gravidez é de 0,5 a 1,0% . A elevação do número de cesáreas aumenta a taxa de placenta prévia, e a de acreta acompanha. Quanto maior o número de cesáreas anteriores, maior o risco de placenta acreta Os principais achados sonográficos sugestivos de acretismo incluem: · Perda/irregularidade da zona hipoecoica retroplacentária · Adelgaçamento do miométrio (< 1 cm) · Lagos placentários anômalos com fluxo turbulento ao · Doppler colorido · Hipervascularização ou disrupção da interface serosa-parede vesical com protrusão do tecido placentário para dentro da bexiga Tanto a ultrassonografia quanto a ressonância magnética (RM) são altamente sensíveis e específicas para diagnosticar ou excluir a placenta acreta. A ultrassonografia é o procedimento de escolha pela praticidade e pelo baixo custo, com sensibilidade de 77 a 87% e especificidade de 96 a 98%) A RM seria especialmente útil para caracterizar o tipo de acretismo (acreta, increta, percreta), assim como a invasão de estruturas vizinhas (bexiga e paramétrios) DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA (DPP) O descolamento prematuro da placenta normalmente inserida (DPP) é a separação intempestiva da placenta implantada no corpo do útero, antes do nascimento do feto, em gestação de 20 ou mais semanas O DPP incide em 1% das gestações e é causa importante de sangramento vaginal na segunda metade da gravidez, especialmente entre 24 e 26 semanas A mortalidade materna é de 0,4/1.000 casos A mortalidade perinatal é consequência da asfixia intrauterina e da prematuridade, e 15 a 20% dos recém- nascidos podem apresentar sequelas neurológicas. ETIOLOGIA Os fatores de risco para o DPP incluem: · História do acidente em gravidez anterior · Trauma · Tabagismo, uso de cocaína · Gravidez múltipla · Hipertensão, pré-exlâmpsia · Idade materna avançada · Ruptura prematura das membranas pré-termo (RPMP) · Placenta circunvalada, infecção intreuterina (corioamnionite, dengue, polidramnia e doppler de uterina anormal A hipertensão está relacionada com 20 a 30% dos casos de DPP. A associação DPP e toxemia é denominada gestose hemorrágica. O DPP tem sido recentemente associado ao uso de cocaína, que é conhecida por apresentar efeitos hipertensivos e vasoconstritivos. CLASSIFICAÇÃO É classificado em três graus, levando-se em conta os achados clínicos e laboratoriais: · Grau I: Assintomático ou apresenta sangramento genital discreto, sem hipertonia uterina significativa e com vitalidade fetal preservada. Sem repercussões hemodinâmicas e coagulopatias materna. O diagnóstico é realizado após o nascimento por presença de coágulo retroplacentário. · Grau II: Sangramento genital moderado com hipertonia uterina. Repercussões hemodinâmicas na mãe, com aumento de frequência cardíaca, alterações posturais da pressão arterial e queda do nível de fibrinogênio. Feto vivo, porém com vitalidade fetal prejudicada. · Grau III: Caracteriza-se por óbito fetal e alterações mais acentuadas de hipotensão arterial materna e hipertonia uterina. Divide-se em: · IIIA: Com coagulopatia instalada. · IIIB: Sem coagulopatia instalada. PATOLOGIA ALTERAÇÕES UTEROPLACENTÁRIAS Não importa a etiologia do DPP, o sangue chega à zona de clivagem deciduoplacentária e inicia a separação; vasos maternos se abrem e o espaço retroplacentário é invadido. O útero, quereage com hipertonia, aumenta a tensão no local da coleção sanguínea, provocando o descolamento de novas áreas. Parte do sangue coagula, fica aprisionada atrás da placenta e será eliminada somente após o parto, constituindo o hematoma retroplacentário. Outra parte descola as membranas e flui para o exterior, configurando a hemorragia externa, que ocorre em 80% dos casos; nos 20% restantes, o sangue fica totalmente retido, determinando a hemorragia oculta. Ocasionalmente, o sangue pode alcançar a cavidade amniótica, por soluções de continuidade das membranas, e causar o hemoâmnio. Quando as membranas permanecem íntegras e se encontram totalmente descoladas pelo sangue, o peso do hematoma retroplacentário e o da própria placenta podem determinar a rotação intrauterina do ovo, constituindo a eventualidade rara do prolapso da placenta Em 10 a 20% dos casos de DPP, a hemorragia oculta é intensa; as hemácias e o soro, provenientes do coágulo retroplacentário, são impulsionados pelo miométrio, em que dissociam o sistema de miofibrilas. Trata-se do quadro da apoplexia uteroplacentária ou útero de Couvelaire. O útero, as tubas uterinas, os ovários e os ligamentos largos, à conta das efusões sanguíneas ou equimoses que se assestam sob a serosa, mostram coloração azulada marmórea característica. A atonia uterina que se observa no pós-parto é, em grande parte, proveniente dessa desorganização da estrutura miometrial. O DPP, em última análise, decorre da hemorragia na interface decíduo-placentária. Atualmente, sabe-se que o DPP pode ter a sua origem no primeiro trimestre da gravidez, pela placentação defeituosa, em que é deficiente a invasão trofoblástica, com remodelação incompleta das artérias espiraladas – como mostram as biopsias do leito placentário e o Doppler da artéria uterina anormal (incisura) no exame realizado entre 20 e 24 semanas de gestação. O DPP, o crescimento intrauterino restrito (CIR), a toxemia, o parto pré-termo, a RPMP e o abortamento tardio teriam o mesmo modelo etiopatogênico, constituindo as Grandes Síndromes Obstétricas. Certamente, em alguns casos, o DPP é processo agudo, como costuma ocorrer no trauma e na descompressão súbita que resulta da ruptura das membranas no polidrâmnio ou após o parto do primeiro gemelar A separação aguda da placenta corta o suprimento fetal de oxigênio e de nutrientes, e o feto geralmente morre quando o descolamento é maior que 50% Em casos de DPP recente, o exame da placenta delivrada revela coágulo aderido à sua face materna; nos casos antigos, no local do descolamento, há depósitos de fibrina, infartos e depressão característica, conhecida como cratera. Como referido, a incidência de placenta circunvalada é elevada ALTERAÇÕES RENAIS O DPP é a causa mais comum de necrose cortical aguda na gravidez Graus incompletos da afecção, a necrose tubular aguda, provocam oligúria temporária, com eventual recuperação; manifestações graves, responsáveis pela anúria completa, são raras. ALTERAÇÕES DE SHEEHAN A síndrome de Sheehan (ou necrose hipofisária pós-parto) é outra complicação importante do DPP, principalmente nos casos com grande sangramento, choque e coagulação intravascular disseminada (CID). Além dos fatores de risco para a necrose hipofisária, a adeno-hipófise sofre hipertrofia na gravidez, devido ao aumento das células lactóforas, produtoras de prolactina (PRL), pelo estímulo estrogênico, o que demanda maior afluxo sanguíneo. No pós-parto, a mulher tem agalactia, amenorreia e, com o tempo, insuficiência da suprarrenal e hipotireoidismo. A ressonância magnética mostra imagem característica de “sela vazia”. ALTERAÇÕES DA HEMOCOAGULAÇÃO A cascata da coagulação é ativada pela liberação de tromboplastina (fator tecidual) na circulação materna, proveniente do hematoma, com o consumo dos fatores da coagulação determinando a CID. A CID está presente em 10% dos casos de DPP, especialmente nos graves, suficientes para determinar o óbito fetal. Quadro clínico · O quadro clínico do DPP é variável, podendo haver desde casos assintomáticos até aqueles nos quais há morte fetal e grave morbidade materna. Os sintomas clássicos são sangramento vaginal e dor abdominal. · O volume da hemorragia vaginal tem pouca correlação com o grau do DPP. Por outro lado, a extensão do descolamento está associada ao óbito fetal: separação > 50% , já se disse, leva à natimortalidade com frequência. · A hipertonia uterina é pontual, acompanhada de contrações de elevada frequência e de baixa intensidade. · À palpação, o útero é duro e doloroso. · A convergência de tantos fatores adversos à vitalidade fetal – diminuição da superfície de trocas placentárias, hipertonia uterina, hipotensão arterial, eventual toxemia associada – deflagra sinais de sofrimento no feto; ou em caso de óbito, a ausência dos batimentos cardíacos Em 50% dos casos, a cardiotocografia (CTG) revela traçados característicos de sofrimento fetal: desaceleração tardia, variabilidade reduzida, bradicardia. Menos frequentemente, e em especial nos casos de DPP com hemorragia oculta e morte fetal, o primeiro sinal clínico é a coagulopatia. Nesse cenário, é comum o choque hipovolêmico materno. A necrose tubular ou a cortical, consequentes à hipovolemia e à CID, conduzem à oligúria e à insuficiência renal aguda. Estágios iniciais de isquemia renal determinam a necrose tubular, que é reversível; a necrose cortical, por sua vez, é irreversível. O toque no início do DPP mostra colo imaturo, longo e com dilatação mínima; a bolsa das águas está tensa (pela hipertonia uterina) e, apenas rompida, despeja, em jato forte, o líquido amniótico, em um ou outro caso hemorrágico (hemoâmnio). A cervicodilatação pode ser completada com rapidez surpreendente, e a expulsão fetal costuma ocorrer com a mesma agilidade. A placenta, já descolada, é expelida logo a seguir, juntamente com o hematoma retroplacentário; na face materna, mostra a cratera característica. Na oportunidade, é comum observar o parto em alude: feto, placenta e páreas, expulsos em turbilhão, com coágulo apegado. No pós-parto, especialmente nas formas apopléticas, são frequentes as hemorragias incoercíveis, atribuídas não apenas à atonia uterina, mas associadas aos distúrbios da hemocoagulação, que não são privativos do quarto período ou do puerpério. Já nas primeiras horas de evolução do descolamento, sobretudo quando a sintomatologia é mais ostensiva e grave, podem surgir os primeiros sinais da discrasia (sangue vaginal que não coagula, hematomas nos locais de punção, gengivorragias etc.), cujo diagnóstico pode ser confirmado por meio de testes específicos O desenvolvimento da sintomatologia do DPP é gradual e ocorre em algumas horas, acompanhando, juntamente, o aumento da área placentária descolada e a intensidade da hemorragia oculta. DIAGNÓSTICO O diagnóstico pode ser clínico ou obtido por meio da ultrassonografia ou da ressonância magnética. Clínico · Sangramento e dor abdominal, por vezes história de trauma Ultrassonografia · O coágulo é identificado apenas à ultrassonografia em 25% dos casos · A imagem sonográfica no DPP depende da extensão e da localização do coágulo, assim como da duração do acidente · A localização mais frequente do hematoma é a subcoriônica. Na fase aguda, o hematoma costuma ser hiper/isoecoico comparado com a placenta; nesses casos, a ultrassonografia pode mostrar apenas placenta heterogênea e espessada (> 5 cm). Posteriormente, dentro de 1 semana, o hematoma torna-se hipoecoico e, após 2 semanas, sonolucente Ressonância magnética · A ressonância magnética (RM) diagnostica 100% dos casos de DPP e tem importância no prognóstico · A intensidade do sinal do hematoma pode ser correlacionada com o prognóstico clínico do DPP. · As imagens magnéticas podem ser classificadas em quatro tipos: hiperaguda, aguda, subaguda precoce e subaguda tardia. As imagens hiperaguda/aguda estão associadas aos quadros de DPP instável (graus 2 e 3) e as imagens subagudas precoce/tardia, ao DPP estável (grau 1). Do nosso ponto de vista,a RM estaria especialmente indicada nos casos de DPP “crônico”, que será comentado adiante. TRATAMENTO O tratamento depende da extensão do DPP, do comprometimento materno e fetal e da idade da gravidez Em casos de DPP com feto vivo e periviável (≥ 23 semanas), está indicada a interrupção da gravidez, de preferência pela operação cesariana. Embora o útero de Couvelaire, por si só, não seja indicação de histerectomia (subtotal), a atonia uterina intratável pode indicá-la. Antes, a massagem uterina, o uso de ocitócicos (ocitocina, misoprostol) e a chamada “prova da sutura” são procedimentos válidos; então, inicia-se a síntese do miométrio e aguarda-se o resultado Em casos de DPP grave com morte fetal ou feto inviável, o parto vaginal é o indicado. Em geral, após a amniotomia, o útero se contrai vigorosamente e o parto progride de maneira muito rápida. Há risco iminente de coagulopatia e de choque hipovolêmicos que, caso ocorram, devem ser tratados. Muitos casos de DPP estão associados à pré-eclâmpsia grave, que também deve ser medicada. Após o parto, a paciente deve ser meticulosamente monitorada pela grande incidência da atonia pós-parto Em gestações pré-termo (< 34 semanas), quando o quadro do DPP não é grave (“crônico”) e os estados materno e fetal estão estáveis, pode-se recomendar a conduta conservadora com rigorosa vigilância das condições maternas e fetais. Entre 24 e 34 semanas, prescreve-se o corticoide para amadurecer o pulmão fetal, muitas vezes associado a tocolítico. Hospitalização prolongada e monitoramento materno e fetal (CTG) são necessários. A RM seriada avalia a evolução do hematoma (as imagens subagudas, especialmente a tardia, indicam um hematoma estável). A alta da paciente poderá ser cogitada se o feto estiver em boas condições de vitabilidade
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