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19 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre Lúpus Eritematoso Sistêmico e Síndrome do Anticorpo Fosfolípide INTRODUÇÃO ❖ Doença inflamatória, crônica, que ocorre em surtos e remissões e afeta a pele, rins, articulações, pulmões, SNC, membranas serosas; ❖ Tem como principal característica a produção de auto-anticorpos; ❖ O padrão inicial (5-7 anos) de acometimento é o que tende a prevalecer ao longo da doença. Se eu abro o lúpus com um quadro articular e cutâneo, a tendência é que essa manifestação ocorra ao longo da vida do paciente. EPIDEMIOLOGIA ❖ Mulheres jovens em idade fértil (20-30 anos) ❖ 9-10 mulheres para 1 homem ❖ Mortalidade e prevalência são maiores em não brancos ❖ Outras doenças (principalmente imunológicas) podem favorecer o surgimento de LES: o PTI, PTT, SAF, lúpus discóide, lúpus cutâneo subagudo Existe lúpus induzido por medicamentos, que pode acometer mulheres de mais idade; mas, normalmente, o lúpus primário acomete mulheres jovens. Lúpus discoide e lúpus cutâneo subagudo são lúpus de pele, não necessariamente precisa ter um acometimento sistêmico. ❖ Fatores de risco: o Tabagismo o Deficiência seletiva de IgA o Deficiência homozigótica de C1q, C1s, C4 o EXPOSIÇÃO SOLAR ❖ Ativação: o Gestação o Infecções o Cirurgias o Estresse A exposição solar é um dos fatores que mais ativa o lúpus. Tanto serve como trigger, como pode reativar um quadro que já vinha controlado. Além disso, o tabagismo. Não é a mesma alteração que ocorre na AR, mas o tabagismo pode influenciar. Como fator de ativação, qualquer tipo de estresse, qualquer fator que cause alteração no organismo. É importante lembrar SEMPRE da EXPOSIÇÃO SOLAR, o paciente com lúpus tem que ser bem orientado quanto a isso, não se expor ao sol e, se houver exposição, que seja sempre com filtro solar. FISIOPATOLOGIA ❖ 88% tinham pelo menos 1 anticorpo positivo antes do diagnóstico (FAN, antifosfolipídes, anti Ro e anti La) O estudo que obteve esse resultado foi feito com soldados. Dosaram seus anticorpos e os acompanharam ao longo da vida. 88% dos pacientes que desenvolviam alguma doença reumatológica já possuíam anticorpos positivos mais ou menos 5 anos antes da doença. Isso é importante para que haja cautela ao pedir os exames complementares. Por exemplo, uma paciente pode ter FAN positivo, mas não ter sintomas. EITOLOGIA ❖ Predisposição genética (HLA DR3 e DR4 – DQW1, DQW2), deficiência do complemento ❖ Fatores ambientais → exposição solar e medicamentos (hidralazina, por ex.) 20 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre ❖ Infecções → EBV? O Epstein-Barr mimetiza algumas estruturas humanas e o corpo começa a produzir o anticorpo contra o EBV. Por ter antígenos parecidos com os humanos, o sistema imunológico começa a atacar as células do próprio organismo. Essa imagem acima e à esquerda, exemplifica. No início do quadro, tem o FAN positivo... hormônios femininos, drogas, fazendo o início da produção de anticorpos e depois sua multiplicação e início da lesão celular. Por fim, tem a expansão e a manifestação clínica. Isso pode acontecer em um período de cerca de 5 anos. No gráfico, temos o início da produção dos anticorpos e sua positividade em relação ao tempo de diagnóstico. Percebe-se que vai aumentando o número de pessoas com anticorpo positivo até chegar ao diagnóstico e depois isso estabiliza, mas ele vem crescendo ao longo dos 5 anos. Por que o lúpus é mais comum em mulher? Alguns estudos tentam explicar isso: ❖ Estrógeno estimula linfócitos B e T, aumenta a expressão do HLA e das moléculas de adesão ❖ Redução das células Treg e ativação da via Th17 → Via que dá o feedback negativo ao sistema imune, diminuindo a produção de células, de citocinas ❖ Mediada por INF alfa → Responsável pelo processo antiviral. Por isso, faz sentido associar o EBV como um trigger de doença reumatológica Aqui à esquerda, temos os triggers. A fisiopatologia das doenças reumatológicas são parecidas. Eu tenho um trigger que é genético, ambiental, hormonal ou algum fator viral e vai ativar tanto o sistema imune inato, no reconhecimento de antígenos, quanto o sistema imune adaptativo, principalmente, com a produção de anticorpos. Em baixo na imagem, tem a ativação do linfócito B, que tem um papel importante nessa doença especificamente e vai haver produção de anticorpos, ativação do complemento e lesão tecidual. É isso que vai levar à manifestação clínica do lúpus. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ❖ Sintomas sistêmicos: o Fadiga, mialgia, febre (36%), perda ponderal (21%), ganho de peso (hipoalbuminemia → edema) ❖ Articular → Um pouco diferente da AR o Manifestação inicial mais comum o Migratória, simétrica, raramente deformante → Artropatia de Jaccoud 21 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre Pra lúpus também se considera artralgia, não só artrite, que tem os sinais inflamatórios. Pode haver isso no lúpus também, mas pode também ser apenas um quadro de dor articular, mais mecânico mesmo, mas conta como critério também. Percebe-se que o paciente tem as deformidades, mas, ao raio-x, não tem erosões. Tem deformidades e um pouco de subluxação, não chega a ter luxação completa. São redutíveis: se você puxa, o dedo cosegue ficar normal, quando você solta, o dedo volta a essa posição. ❖ Mucocutâneo: o 73% do início do quadro o Rash em asa de borboleta, lesões discóides, alopecia, úlceras orais indolores o Fenômeno de Raynaud Na foto acima, o rash em asa de borboleta, que poupa o sulco nasolabial; outras doenças reumatológicas podem também manifestar o rash malar, mas essas pegam o sulco nasolabial. O fenômeno de Raynaud é bem comum em várias doenças reumatológicas. Precisa ser perguntado ativamente na consulta, pois nem sempre o paciente relata. Pode se perguntar com uma frase simples: “Sua mão fica roxa no frio?” Se for algo que chama realmente atenção, o paciente vai dizer que sim. Esse é o mecanismo, demonstrado na figura à direita: inicialmente, há uma vasoconstrição periférica, uma palidez seguida de cianose porque faltou sangue e o tecido começa a sofrer uma falta de oxigenação e, posteriormente, uma vasodilatação reflexa com eritema. Essas são as três fases. Nem sempre dá pra identificar direito essas três fases. Na consulta, esse fenômeno não precisa ser induzido. Muitas pessoas tem Raynaud e é um quadro primário, não há doença associada. Num quadro secundário, está associado a doenças reumatológicas. Como diferenciar? Através de um exame chamado capilaroscopia, pelo qual se observa o dedão por um microscópio, buscando ver os capilares do leito ungueal. Se o fenômeno for secundário, há uma deleção desses capilares, que ficam tortuosos. Se o fenômeno é primário, não há alteração nenhuma. É um exame dificil de pedir, poucos lugares fazem, mas é interessante no caso de fenômeno de Raynaud. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ❖ Renal o Síndrome nefrótica, síndrome nefrítica o 50% assintomáticos Lúpus subagudo, normalmente em lugares fotossensíveis. Lesões anulares, com bordas, um pouco mais claras no centro. Essas lesões subagudas podem fazer ulcerações, podendo pegar principalmente região de tórax, mas também face e couro cabeludo. Essas três imagens acima são de lúpus mais crônico. Na lesão dos dedos (terceira imagem) pode ter prurido, está muito associada ao frio. Na lesão da segunda imagem, já não há prurido, é o lúpus discoide. Inclusive, pode haver só essa lesão, sem lúpus sistêmico. Aí, é um tratamento da dermatologia. Pode-se determinar que é lúpus por biópsia local. O reumato identifica se é sistêmico ou não. Na primeira imagem, é o lúpus túmido, com lesões mais elevadas, o que é uma característica do lúpus crônico. O agudo tem a característicade rash e o subagudo tem as úlceras (pele, boca, mucosa...) 22 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre O acometimento renal é super importante. É um dos que mais leva a morbimortalidade, podendo levar facilmente à diálise, se não tratado, e até mesmo à óbito. Em 50% é assintomático, e a proteinúria será descoberta através do exame ao investigar o lúpus ou em seguimento desse paciente. ➢ Classes nefrite: o I mesangial mínima o II mesangial proliferativa o III proliferativa focal o IV proliferativa difusa o V membranosa o VI fibrose Essas classes definem a gravidade. São definidas em biópsia. A mesangial mínima e a mesangial proliferativa são as menos graves, às vezes nem precisam ser tratadas, uma imunossupressão leve consegue resolver. Já as classes III, IV e V são as mais graves, sendo a IV a mais grave de todas e também a mais frequente. Gera um quadro mais de síndrome nefrítica com hipertensão, proteinúria < 3,5 e cilindros no sumário de urina. É muito rápida, pode ter crescente na biópsia e isso exige que o tratamento seja agressivo. Essas classes ajudam a dizer se há atividade leve, moderada, grave ou se só tem fibrose no rim. É por isso que normalmente se faz a biópsia renal desses pacientes com suspeita de nefrite. A membranosa tá mais associada com a síndrome nefrótica e também é grave, mas é um pouco menos grave do que a III e IV. Como pensar num acometimento renal se 50% são assintomáticos? Todo paciente que eu penso em lúpus, preciso pelo menos de um sumário de urina, uma proteína de 24h ou uma proteinúria e creatinúria numa amostra de urina isolada. Precisa ter proteinúria > 0,5g para pensar em nefrite. Ai, eu descubro a classe biopsiando o rim. Muitas vezes não se faz a biópsia porque o tratamento de todas as classes de nefrite acaba sendo meio parecido. Mas o ideal seria biopsiar todo mundo, pra saber o grau de atividade e o grau de cronicidade daquele rim. Ureia e creatinina também ajudam a saber se há disfunção renal. Tem gente que já abre em urgência/emergência dialítica. Passado renal é importante saber, porque é uma das manifestações mais graves do lúpus. ❖ Pulmonar o Pleurite, derrame pleural, pneumonite, hipertensão pulmonar, TEP No acometimento pulmonar, o mais comum é o derrame pleural. ❖ Gastrointestinal o Pancreatite lúpica o Vasculite mesentérica O acometimento gastrointestinal no lúpus é bem raro, mas pode acontecer. A pancreatite lúpica é bem grave, é uma manifestação ruim do lúpus. A vasculite mesentérica também é muito ruim. Tudo o que tem vasculite não é muito legal. ❖ Cardíaco o Percardite, endocardite de Libbma-Sacks, bloqueio átrio-ventricular no LES neonatal A manifestação cardíaca mais comum é o derrame pericárdico, a pericardite. Mas também pode haver uma endocardite chamada de Libbma-Sacks, que é uma endocardite não-infecciosa, há espessamento das válvulas e uma vegetação (?) local por espessamento. Normalmente, o tratamento é a imunossupressão normal, não precisa de cirurgia, nem nada. Pacientes com anti-Ro (ou anti-SSA), tem que pensar em bloqueio átrio-ventricular em pacientes com LES neonatal. O lúpus neonatal acontece normalmente em mães que são lúpicas ou anti-Ro positivo. Então, toda lúpica que tem anti-Ro positivo e vai engravidar, precisa ser seguida de perto, principalmente na parte cardíaca fetal, porque nascer com BAV e parar logo depois do nascimento. Tem que fazer cardiotocografia. Pode ter também um nascimento com lúpus cutâneo, rash, ulcerações no corpo do bebê. ❖ Hematológico o Linfadenomegalia, esplenomegalia, hepatomegalia o Pancitopenia, trombofilias Nunca pensar logo de cara que é lúpus quando o paciente apresenta esse quadro de linfadenomegalia, esplenomegalia e hepatomegalia. Pensar mais em linfoma, leucemia, em outras causas de linfadenomegalia... quadro infeccioso, tuberculose ganglionar, outras coisas que não sejam lúpus. Depois de uma biópsia de linfonodo eu posso pensar mais em lúpus. Pancitopenia é o mais comum. Anemia, leucopenia e plaquetopenia: eu posso ter os três juntos, isolados ou em dupla, mas é 23 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre bastante comum também. E as trombofilias adquiridas, vamos ver a SAF hoje, mas eu posso ter outros tipos de trombofilias. ❖ Imunológico o Produção de anticorpos Menos de 1% dos pacientes com LES tem FAN negativo. Desses 1%, 80% tem anti-Ro positivo. Ou seja, é praticamente impossível ter um diagnóstico de lúpus sem anticorpo. ❖ SNC o Distúrbio cognitivo, psicose, convulsão, mielite transversa, AVC por tromboembolismo, neuropatia periférica Distúrbio cognitivo é difícil de quantificar. Psicose é bem grave, pode haver quadros de alucinação visual, auditiva, agitação... é uma psicose bem importante. Rara, porém, grave. ❖ Oftalmológico o Ceratoconjuntivite sicca A ceratoconjuntivite sicca pode ou não estar associada ao Sjogren, mas o LES por si só pode causar também. CASO CLÍNICO Paciente F.A.N., 24 anos, comparece no pronto socorro e refere que foi a praia há 1 semana e depois, vem notando eritema em face e tronco, além de início de dores articulares em mãos, pés ombros, e veio ao pronto socorro por um edema e dor em MID. Nega comorbidades. Em uso de anticoncepcional oral. Perguntariam mais alguma coisa? Sinais inflamatórios, caracterização da dor, histórico familiar, febre, sintomas associados... Pensariam em quais diagnósticos diferenciais? AR, quadro infeccioso, Epstein-Barr, Chikungunya... vários quadros que podem dar dor articular e rash. Sempre precisa abrir o leque e pensar em outros diagnósticos. Pediriam algum exame? Ureia e creatinina, sumário de urina, RX da mão, sorologia para arboviroses, C3 e C4, VHS, FAN, hemograma, anti-DNA dupla fita (anti-dsDNA), anti-SM... EXAME FÍSICO No que eu vou focar no exame físico? Na pele: rash malar, lúpus discoide, alopecia. Cabeça e pescoço: Aumento de parótida, linfonodemegalia cervical, úlceras não dolorosas em região nasal, oral. Tórax: Vai ver também murmúrio vesicular diminuído em base, em casos de derrame pleural. Na parte cardíaca, pode ver sopro pericárdico, uma pericardite. No abdome, pode ver alteração de vasculite mesentérica, hepatomegalia, esplenomegalia... tudo examinado clinicamente. Em extremidades, livedo reticular, fenômeno de Raynaud, vasculite digital. Na parte musculoesquelética, vou investigar sinovite, fibromialgia... os pontos de fbromialgia são bem importantes, porque esses quadros crônicos podem evoluir com fibromialgia associada. Na parte neurológia, avalia-se a parte cognitiva, neuropatia óptica, neuropatias periféricas... podem haver vários acometimentos neurológicos no lúpus. EXAMES LABORATORIAIS ❖ PCR, VHS ❖ Hemograma 24 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre ❖ Investigar anemia hemolítica – haptoglobina, coombs direto, bilirrubinas, LDH, esquizócitos, reticulócitos o Se houver anemia no hemograma, tem que investigar anemia hemolítica, que é mais grave no lúpus. ❖ Complemento: C3, C4 o Há muito consumo de complemento, causando uma queda de C3 e C4 como marcadores de atividade. ❖ Função renal, eletrólitos ❖ Proteinúria 24h ou proteinúria/creatinina isolada + sumário de urina ❖ Albumina o Lembrar das proteínas, que estarão diminuídas. Se tiver uma proteinúria, logicamente, a albumina cai. Isso pode causar edema de extremidades e até mesmo anasarca. ❖ Exames de imagem conforme acometimento o Se eu achar, através do exame físico, que há um derrame pleural, posso pedir RX de tórax para avaliar. Se eu achar que tem pericardite, posso pedir uma ECO. No quadro articular, posso pedir RX. Posso pedir também USG de rins e vias urinárias pensando se é um quadro mais crônico ou agudo, se tem trombose renal... ANTICORPOS – QUAIS SOLICITAR? ❖ Células Hep-2 → Coloca soro do paciente + Anti IgG❖ Sensibilidade 98%, Especificidade 45% Aqui é uma imagem do FAN. Ele é operador-dependente, ou seja, depende de quem vai ler o exame. É super complexo. Cada padrão de FAN é bem estudado e bem documentado. Aqui, eu trouxe alguns padrões. Normalmente, essas células aqui são de câncer de faringe, é uma célula que foi isolada há muito tempo e você tem só as outras células que ela deu origem. São chamadas de Hep-2 e se proliferam muito rápido, é possível ver várias mitoses acontecendo. Nesse ambiente, coloca-se o soro do paciente e um anti-IgG, que vai se ligar ao anticorpo do paciente (se houver) e esse anti-IgG vai brilhar. Isso aqui que tá brilhando em verde é o anticorpo do paciente, que se ligou ao anti-IgG. Então, você tem aqui um padrão nuclear homogêneo (A), tem nenhum pontinho, corou todo. Em (B), já tenho um nuclear pontilhado. Em (C), tem um padrão nuclear pontilhado grosso, tá um pouquinho mias grosso que B. Em (E), já é mais citoplasmático. O padrão AC-2 seria característico para LES? Tem várias outras doenças que podem dar FAN positivo. Esse AC-2 às vezes é só do laboratório. Porque assim, o que eu vou olhar no FAN? A titulação dele (1:80, 1:320; 1:1280) e o padrão, que vai dar lá em cima. Vou ter, por ex.: FAN nuclear pontilhado fino denso ou citoplasmático... e aí, cada padrão está relacionado aos seus anticorpos, que são mais de 1000. Os principais estão aqui abaixo. O FAN pode ser positivo em hepatite, HIV, sífilis, sarcoidose, AR, e também em pessoas normais. 15% de pessoas normais tem FAN positivo, sem significado clínico. O padrão mais comum nessa situação é o nuclear pontilhado fino denso. Além disso, hipotireoidismo pode dar, anti-TPO também, anti-tireoglobulina, qualquer alteração de tireoide, vitiligo, outras doenças autoimunes, hepatite autoimune... Ou seja, o FAN pega muitos anticorpos, é mais um exame de triagem inicial na reumatologia. Você já usa pensando no que vai achar, qual será a titulação e qual anticorpo eu vou pensar em pedir na sequência. ❖ FAN o Nuclear pontilhado fino denso; o Nuclear pontilhado fino → anti-Ro -SSA, anti-La – SSB; o Nuclear homogêneo → anti-dsDNA, anti-histona (relacionado ao lúpus fármaco- induzido); o Nuclear pontilhado grosso → Anti-RNP (muito relacionado com doença mista do tecido conjuntivo), anti-Sm; o Citoplasmático → Lembrar do anti-P (mais importante para lúpus, mas pode dar outros). COISAS IMPORTANTES EM RELAÇÃO AO ANTICORPO: Ele é específico, vai vir reagente, não reagente ou indeterminado. Mas vem positivo ou negativo. Eu considero o FAN positivo se tiver uma alta titularidade. Se ele tem uma titularidade baixa, significa que tem pouco anticorpo e pode até mesmo ser um erro laboratorial (1:80, 1:160 são valores baixos). CHAMO ATENÇÃO PARA TRÊS: Anti-Sm, Anti-dsDNA e anti-P. O anti-Sm é o mais específico para lúpus. Se ele vier positivo, muito possivelmente 25 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre será lúpus mesmo. Os outros dois são marcadores de atividade de doença. Ou seja, quando a doença está controlada, eles somem. São os únicos anticorpos que podem desaparecer. Os demais, ficam presentes pelo resto da vida. O anti-dsDNA está muito associado com atividade renal (nefrite lúpica), enquanto o anti-P está muito relacionado ao SNC e à psicose lúpica. A intenção é zerar anti-dsDNA e anti-P. O anti-P é difícil de dosar, nem todo laboratório dosa, além de ser caro. Então, anti-dsDNA serve como base para seguir o tratamento. CRITÉRIOS – SLICC 2012 Esses critérios são importantes, mas são muito sensíveis e pouco específicos, ou seja, eu posso ter muita gente que vai preencher critério, sem ser realmente LES. Por exemplo, se eu tenho alopecia e úlceras orais, anemia decorrente de alguma coisa, um FAN de 1:80... já entra aqui no critério. Então, tem que ter muito cuidado com a interpretação dos critérios. Eu preciso de 4, sendo que pelo menos 1 anticorpo positivo ou 1 imunológico que são esses aqui do lado direito. Teste de COOMBS positivo fala a favor de anemia hemolítica. Posso ter paciente com LES que não fecha critério e paciente que fecha critério e não em LES. OUTROS CRITÉRIOS Os critérios mais recentes são esses da tabela à esquerda. ACR 1997, SLICC 2012 e ACR-EULAR 2017. O ACR-EULAR é o mais recente, mas ainda não existem muitos estudos em relação ao mesmo. Então, a gente para aqui no SLICC 2012, que tem uma sensibilidade muito boa (95%) e uma especificidade razoavelmente boa (90%). Aqui à direita, são os critérios do ACR-EULAR, que na verdade, muda pouca coisa em relação ao SLICC. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ❖ Doenças infecciosas o Endocardite ❖ Linfoproliferativas → Linfoma, leucemia ❖ Doenças autoinflamatórias → Febre familiar do mediterrâneo ❖ Artrite reumatoide ❖ Sjogren ❖ Lúpus cutâneo ❖ PTT/Síndrome hemolítica urêmica ❖ Anemia hemolítica autoimune ❖ SAF primária LEMBRAR QUE OS CRITÉRIOS AJUDAM, MAS NÃO EXCLUEM NEM CONFIRMAM DIAGNÓSTICO. 26 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre Outras doenças reumatológicas ou não reumatológicas podem cursar com quadro semelhante ao da LES, já que a doença acomete muitos sistemas. Em quadros articulares e com rash cutâneo, por exemplo, obrigatoriamente eu tenho que pensar em causas mais simples primeiro. As doenças autoinflamatórias cursam com alteração do sistema imune inato, então, não tem produção de anticorpo. VOLTANDO AO CASO CLÍNICO... ❖ Hemograma: Pancitopenia o Coombs positivo, LDH aumentado, bilirrubina aumentada, reticulócitos aumentados ❖ PCR 0,01 ❖ Proteinúria/Creatinúria 3,5mg ❖ Sumário de urina: cilindros hemáticos, proteinúria +++/IV ❖ Ureia:100 ❖ Creatinina: 2,0 ❖ FAN: aguarda/ Anticorpos: aguarda ❖ C3: 40 (referência 70/80) C4: 2 (referência: 15) Como tratá-la? Aqui, a gente tem uma resposta muito boa ao corticoide. Eu tenho muito anticorpo, então, vou precisar usar corticoide em uma dose mais alta. Inicialmente, enquanto o paciente não vai ao reumatologista, normalmente se usa metilprednisolona 1mg/kg e posso até segurar os outros imunossupressores até o reumato avaliar, mas eu preciso segurar essa atividade. A ideia aqui seria uma pulsoterapia, fazer uma dose mais alta de metilprednisolona, 1000mg diárias por 3 dias. O tratamento deve ser rápido. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO ❖ Educação sobre a doença ❖ Apoio psicológico ❖ Atividade física ❖ Evitar tabagismo ❖ Controle rigoroso dos fatores de risco cardiovasculares → Meta: PA 130X80 ❖ Dieta rica em cálcio + vit D ❖ Fotoproteção ❖ Avaliação conjunta de fertilidade/ anticoncepção Doença crônica e limitante. Vou usar corticoide em altas doses, então, tem risco de osteoporose, glaucoma, catarata, insuficiência adrenal, síndrome de Cushing... TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ❖ Depende do envolvimento dos órgãos e sistemas ❖ Corticoide o Dose alta – 0,5 a 1mg/kg ❖ Hidroxicloroquina sempre que possível ❖ Reduz reativação ❖ Melhora perfil lipídico ❖ Reduz risco de trombose e infecções Tem uma regrinha básica na reumato: Se eu tenho um acometimento leve, que não mata (quadro articular, cutâneo, plaquetopenia e anemia leves...), eu posso tratar com medicamento oral, apesar de demorar um pouco mais para fazer efeito. Se eu tenho um quadro mais grave, que pode entrar em diálise, pode ter AVC, quadro neurológico, quadro renal... se faz a pulsoterapia com metilprednisolona 1000mg/dia por 3 dias e, posteriormente, dosar uma medicação o mais potente possível. No caso do LES, tem a ciclofosfamida que também é feita em pulsoterapia (pode ser mensal ou a cada 15 dias) por 3 a 6 meses, para tentar salvar aquele órgão. E se há uma doença MUITO GRAVE, paciente com hemorragia alveolar, precisou ser intubado, tá na UTI, eu sei que há atividade de doença, aí eu vou fazer a imunoglobulina, a plasmaférese,que vão tentar tirar o máximo possível de anticorpo circulante para reduzir formação de imunocomplexos e ativação do sistema imunológico. Eu posso associar nesse paciente a pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida (?) inclusive, eu posso fazer tudo, pensando que esse paciente está muito grave e se eu não fizer nada, ele vai a óbito. Então, eu gosto de resumir a esses três níveis de acometimento pra organizar o pensamento. 27 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre No início, acaba se utilizando dose alta de corticoide, normalmente prednisona ou metilprednisolona. Hidrocortisona tem ação muito rápida e a dexametasona tem ação muito longa. O ideal é a ação intermediária. Hidroxicloroquina para LES é muito importante, ela modula toll-like receptor tipo 4, reduzindo a apresentação de antígeno. Em casos mais leves, só hidroxicloroquina e corticoide já resolve. ❖ Metotrexato → Articular ❖ Leflunomida → Articular ❖ Azatioprina → Hematológico/cutâneo/renal ❖ Micofenolato de mofetil → Renal/cutâneo/neurológico ❖ Ciclosporina, Tacrolimus, Dapsona, Danazol→ Segundas opções. ❖ Ciclofosfamida → Renal/neurológico. Usada também em manifestações mais graves, renais. Mais comumente feita em dose mensal, endovenosa. ❖ Rituximabe/Belimumabe → Em estudo – Renal? Os dois tem o mesmo objetivo: reduzir linfócito B e, consequentemente, reduz produção de anticorpo. SEGUIMENTO ❖ Exames laboratoriais e consultas frequentes → Fundamentais para ver atividade da doença ❖ Avaliar sempre risco cardiovascular e HAS ❖ Avaliar osteoporose e efeitos colaterais dos medicamentos o Ciclofosfamida tem como efeito colateral importante redução de fertilidade e induz até mesmo menopausa precoce. Em uso de metotrexato, mulher não pode engravidar. ❖ Risco alto de óbito por infecções (50%) o Aumento de 10 mg de prednisona aumenta em 10x risco de infecção Tocilizumabe tem sido usado para tratamento de covid grave. É um anti IL-6 e inibe inflamação. Aqueles pacientes imunossupressos tendem a desenvolver um quadro leve de covid. O problema de covid é a tempestade inflamatória. Tem hiperinflamação, aumento importante de PCR, VHS... se eu tenho isso reduzido, eu tendo a não ter essa tempestade de citocina. Então, imunossupressão não é fator de risco pra covid. Caso o paciente se infecte, eu reduzo ou suspenso a imunossupressão para que o corpo consiga combater a infecção se for grave. Se for infecção leve, não altera. VOLTANDO AO CASO CLÍNICO... O que seria o edema de MID? Lembrar que edema unilateral, pensa-se sempre em trombose, ainda mais sendo uma paciente lúpica. ❖ Doença multissistêmica autoimune adquirida associada a tromboses arteriais e venosas recorrentes E/OU morbidade gestacional E persistência de antifosfolípides ❖ 50% dos pacientes com SAF tem LES → SAF secundária ❖ Antifosfolípides estão presentes 30-40% dos pacientes com LES ❖ SAF primária é a causa mais comum de trombofilia adquirida e responde por 15-20% das TVPs, 1/3 dos AVCs em <50anos e 10-15% das perdas fetais recorrentes Você tem um quadro com trombose, aborto de repetição e anticorpo antifosfolípide positivo. ❖ SAF primária x SAF secundária ❖ HLA-DR7, DR4, DRw53, DQw7 MECANISMO ❖ Two hit hypotesis → 1º exposição a agentes infecciosos + 2º tabagismo, imobilização prolongada, gestação, ACO, usuárias de 28 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre TRH, oncológicos (fatores de risco para trombose em geral) ❖ Mecanismo de perda gestacional → Trombose intraplacentária, alteração da invasão trofoblástica e redução de bHCG Inicialmente, há uma exposição a agentes infecciosos mais um segundo fator que vai propiciar essa trombose. Essa trombose tem anticorpos associados, que são 3. Além disso, tem associação com alguns HLAs, então a SAF e o LES. compartilham HLAs em comum nas duas doenças. Na SAF secundária, há associação ao LES. Na primária, não há doença associada. QUADRO CLÍNICO ❖ TVP: Manifestação mais comum o Complica com TEP em 1/3 dos casos o Trombose venosa renal, oclusão venosa retiniana, Budd chiari (trombose hepática), TVC ❖ Trombose arterial → Mais raro o Cerebrovascular (AVC), pele (úlcera, livedo), cardíaco (IAM), renal (microangiopatia trombótica, entra como diagnóstico diferencial de nefrite lúpica), TGI (isquemia mesentérica), oftalmo (art retiniana) ❖ Morbidade gestacional o 2º trimestre mais específica (50% dos casos) → No 1º trimestre tem muita perda gestacional por malformação fetal, alterações genéticas o Associação com pré-eclâmpsia, RCIU (crescimento intrauterino restrito), síndrome HELLP, parto prematuro CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS ❖ Sapporo → 1 critério laboratorial + 1 critério clínico ➢ Anticoagulante lúpico, anti B2 glicoproteína IA, anticardiolipina IgG, IgM, IgA (PRECISA SABER O NOME DESSES ANTICORPOS!) ➢ Trombose arterial ou venosa OU perda fetal recorrente (>3 com IG <10 semanas) OU morte inexplicada do feto >10 semanas OU >1 parto prematuro <34 semanas por eclâmpsia, pré- eclâmpsia ou insuficiência placentária DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ❖ Distúrbio da coagulação ❖ Neoplasias ❖ Síndrome nefrótica ➢ Redução da anti-trombina 3, causando predisposição à trombose ❖ Peri parto ❖ Endocardite infecciosa ❖ Embolia de colesterol ❖ Fibrilação atrial ❖ Vasculites ❖ Doença de Behcet ❖ Hepatopatias – Alargam TTPA ❖ Antifosfolípides – Idosos (3%), sífilis, HIV, infecções ➢ Não são específicos! TRATAMENTO ❖ Anticoagulação o INR 2-3 se evento venoso/ 3-4 se evento arterial 29 Tassara Carneiro | Reumatologia | 7º Semestre o AVC: AAS 300mg → se novo evento, Marevan INR 2-3 o Gestação: AAS 1000mg + enoxaparina plena (dosando fator anti XA) ❖ SAF obstétrico o AAS 100mg antes da gestação o AAS 100mg + enoxaparina profilática na gestação → Manter por 8 semanas no pós parto Eu vou anticoagular essa paciente se ela já teve algum evento, por ex., se ela teve TVP, vou precisar anticoagular. Inicialmente, com enoxaparina e, posteriormente, Marevan. SEMPRE. Não adianta usar os novos anticoagulantes, tem estudo recente que demonstra que eles são inferiores a muitas chances de re-trombose. Se a paciente jovem teve AVC, a recomendação é usar AAS 300mg, se tiver um novo evento, eu anticoagulo. Se for uma gestação e essa paciente teve trombose prévia, eu vou usar AAS e enoxaparina plena, sempre dosando o fator anti XA, porque a enoxaparina, principalmente em gestantes, obesos, pode alterar. O SAF obstétrico ocorre quando o paciente só teve o quadro gestacional, só teve aborto, ou pré-eclâmpsia... daí, você vai tratar para evitar que aquela paciente tenha a segunda complicação gestacional. AAS antes da gestação e, no caso de já estar gestante, AAS + enoxaparina profilática. LES + antifosfolípides + assintomáticos → AAS 100mg + HCQ 400mg Lembrar que HCQ reduz bastante risco de trombose!
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