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MÓDULO PERDA DE SANGUE – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA DEFINIÇÃO A HDA é definida como: Qualquer perda sanguínea que possa ocorrer dentro do TGI, em qualquer parte entre o esôfago proximal e o final do duodeno, no ligamento de Treitz. EPIDEMIOLOGIA Tem incidência de 48 a 172 casos a cada 100.000 habitantes ao ano, e é responsável por cerca de uma internação a cada 10.000 adultos/ano. Ocorre 2x mais frequentemente em homens do que em mulheres. A mortalidade associada à HDA varia entre 1,9 e 2,5%. A!! A hemorragia ocasionada por DUP, seguida da síndrome de hipertensão portal com ruptura de varizes esofágicas ou gástricas, são as causas mais frequentes de sangramento digestivo alto. CLASSIFICAÇÃO A classificação era importante antes da endoscopia diagnóstica e, sobretudo, da terapêutica endoscópica como ferramentas no manuseio das HDA. Didaticamente, uma maneira antiga de classificar as HDA dividia em: HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA É definida como um sangramento originário da ruptura de varizes esofágicas ou gástricas visualizado no momento da endoscopia ou a presença de varizes esofágicas calibrosas em paciente com sangue no estômago sem qualquer outra causa de hemorragia identificada. As varizes gastresofágicas são veias dilatadas e tortuosas, consequência de doença hepática, que provoca algum grau de hipertensão portal. Elas aumentam gradativamente com o tempo e podem se romper, ocasionando HDA de instalação rápida e maciça. Os principais preditores de sangramento digestivo por ruptura de varizes esofagogástricas são: Presença de sinais da cor vermelha e o tamanho das varizes; Gravidade da doença hepática; e Gradiente de pressão de veia hepática ≥ 12 mmHg. A!! O calibre das varizes está associado ao risco de HDA, apresentando maior risco de sangramento os portadores de varizes de grosso calibre. O episódio de sangramento é considerado clinicamente relevante quando há: Necessidade de transfusão de 2 ou mais unidades de sangue dentro de 24 horas, associado à pressão sistólica <100mmHg; OU Mudança postural da pressão sanguínea >20mmHg e/ou frequência cardíaca >100bpm no momento da admissão hospitalar. Os principais fatores preditores de mortalidade no sangramento varicoso incluem: Idade >60 anos; Instabilidade hemodinâmica; Presença de comorbidades; Uso de anticoagulantes e AINE; Sangramento volumoso ou persistente; Recidiva precoce de HDA; e Necessidade de hemotransfusão. MÓDULO PERDA DE SANGUE – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves A avaliação das comorbidades ajudam a: Identificar os pacientes de pior prognóstico; e Persistência de fatores etiológicos, como infecção crônica pelo vírus C e alcoolismo, agrava a síndrome de hipertensão portal. HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NÃO VARICOSA Ocorre por lesão da mucosa e ou vaso local subjacente do esôfago, estômago ou duodeno, por ulceração ou erosão. ________________________________________ Após os avanços da endoscopia no diagnóstico e nas modalidades hemostáticas, essa divisão tem sido menos importante, pois a abordagem inicial se assemelha progressivamente. FISIOPATOLOGIA HDA VARICOSA A hipertensão portal (HP) é definida como: Aumento do gradiente de pressão venosa hepática (GPVH) >6 mmHg. As varizes esofágicas surgem quando o GPVH atinge 10 mmHg e a ruptura das varizes ocorre com gradientes >12 mmHg. A HP pode ser classificada em: Pré-hepática; Intra-hepática: subdividida em pré- sinusoidal, sinusoidal e pós-sinusoidal; e Pós-hepática. Classificação da HP e principais etiologias associadas A!! As principais causas de HDA varicosa no Brasil são a forma hepatoesplênica da esquistossomose e a cirrose hepática de origem alcoólica e por vírus das hepatites B ou C. O aumento da pressão portal está associado ao desenvolvimento de circulação colateral, o que permite que o sangue da veia porta a seja desviado para a circulação sistêmica. Estas derivações podem ocorrer: No cárdia, através das varizes esofagogástricas; No canal anal, com acometimento dos vasos hemorroidais; No ligamento falciforme do fígado, através das veias para-umbilicais; Na parede abdominal e tecidos retroperitoneais; No desvio de sangue a partir do diafragma, vasos da topografia do estômago, pâncreas, baço e veia suprarrenal, que podem drenar para a veia renal esquerda. As varizes gastroesofágicas são as colaterais portossistêmicas mais relevantes, por causa do risco de ruptura com hemorragia varicosa, a complicação letal mais comum da cirrose. As varizes esofágicas são originadas da dilatação e da elevação da pressão das veias periesofágicas e perfurantes, que atravessam a camada muscular do esôfago, dilatando o plexo venoso da submucosa. Em pacientes com varizes gástricas, sem varizes de esôfago associadas e/ou com varizes duodenais isoladas, a suspeita de hipertensão portal segmentar deve ser aventada, podendo surgir após patologias da veia esplênica, como trombose ou estenose. HDA NÃO VARICOSA A doença péptica ou a síndrome dispéptica se instala quando há desequilíbrio entre a produção de ácido clorídrico e os elementos naturais da defesa da mucosa do TGI alto, com o predomínio da primeira. MÓDULO PERDA DE SANGUE – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves Assim, causa lesão na mucosa, podendo acometer a submucosa e até mesmo a muscular própria. A HDA de origem na hipersecreção ácida quase sempre ocorre quando a úlcera ou erosão cloridopéptica da mucosa, de alguma forma, acomete um vaso sanguíneo subjacente. Então elas sangram a partir de um vaso em sua base, mais frequentemente com lesão arterial, a qual sofre erosão por um processo ácido péptico. A secreção ácida péptica causa uma arterite com infiltração de polimorfonucleares. Essa arterite envolve o perímetro da artéria, sendo mais intensa no lado próximo à base da úlcera, onde ocorre necrose da parede vascular, causando a ferida sangrante. ETIOLOGIAS HDA VARICOSA VARIZES ESOFÁGICAS As varizes esofágicas estão presentes em 50% dos pacientes com cirrose hepática no momento do diagnóstico de cirrose. Cerca de 1/3 dos pacientes com cirrose hepática terão hemorragia varicosa e 70% dos pacientes com hipertensão portal têm as varizes esofágicas como etiologia da HDA. A!! Os pacientes com cirrose mais avançada com classificação de Child-Pugh B ou C apresentam taxa mais elevada de sangramento. O risco de sangramento das varizes esofágicas é relacionado ao: Tamanho; Grau de disfunção hepática; e Presença de marcas vermelhas ou “red spots”. A!! As varizes esofágicas associadas a hipertensão portal e cirrose representam cerca de 10 a 15% de todos os casos de HDA. VARIZES GASTROESOFÁGICAS As varizes gastroesofágicas são uma consequência direta da hipertensão portal, que ocorre pelo: Aumento da resistência ao fluxo portal; Aumento do influxo de sangue no sistema venoso portal. O aumento da resistência acontece pela/pelo: Distorção da arquitetura hepática, por fibrose e regeneração nodular; e Aumento do tônus vascular devido à disfunção endotelial e à diminuição da biodisponibilidade do óxido nítrico. A formação de varizes esofágicas leva à descompressão do sistema porta, transportando o sangue para a circulação sistêmica. O gradiente venoso portal normal é de 1 a 5 mmHg e quando ultrapassa 10 mmHg pode ocorrer a formação de varizes. Esse processo é modulado por: Fatores angiogênicos concomitantemente com a formação de colaterais portossistêmicos e portal- venosos; Aumento de influxo de sangue como resultado da vasodilatação esplâncnica; e Aumento do débito cardíaco. A!! O crescimento das varizesé influenciado pelo aumento de pressão e do fluxo da circulação portal. HDA NÃO VARICOSA SANGRAMENTO DE ÚLCERAS PÉPTICAS O sangramento de úlceras pépticas representa em torno de 20 a 25% de todas as causas de HDA, uma diminuição em relação aos números próximos MÓDULO PERDA DE SANGUE – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves a 50% de séries de décadas anteriores e que já haviam diminuído para números entre 35 e 40% recentemente. As úlceras gástricas sangrantes são mais frequentes que as úlceras duodenais. Uma revisão sistemática relatou uma incidência de sangramento de úlcera péptica que variou de 4 a 57 episódios por 100 mil habitantes por ano; outras análises mostram esses números superiores a 100 casos por 100 mil habitantes, sendo 2x mais prevalentes em homens. O aumento do uso de ácido acetilsalicílico por doenças cardiovasculares pode elevar a incidência de HDA por úlceras pépticas, mas não é um fenômeno que está acontecendo. Em um estudo transversal de pacientes com aspirina e HDA se verificou baixa adesão ao uso de drogas gastroprotetoras. Os principais fatores associados com sangramento de úlcera péptica incluem: Infecção pelo Helicobacter pylori; Uso de AINE’s; Estresse fisiológico, sepse e choque; Hipersecreção ácida. ESOFAGITE EROSIVA A esofagite erosiva representa de 12 a 15% dos episódios de HDA, com uma incidência rapidamente crescente. ÚLCERAS DE ESTRESSE São caracterizadas por: Erosões da mucosa que ocorrem normalmente no fundo e no corpo do estômago, e eventualmente no antro. São observadas em pacientes graves, mas mesmo em pacientes em terapia intensiva não são uma complicação frequente, com prevalência de cerca de 1,5% dos pacientes. SÍNDROME DE MALLORY-WEISS É caracterizada por uma laceração na mucosa do esôfago distal à junção gastroesofágica que ocorre após repetidos esforços para vomitar, embora esse antecedente frequentemente esteja ausente na história clínica. O sangramento ocorre quando a laceração envolve o plexo venoso ou arterial esofágico subjacente. A!! Ocorre principalmente em etilistas e gestantes; geralmente o sangramento cessa de forma espontânea. NEOPLASIAS DO TRATO GASTROINTESTINAL Representam < 3% das causas de sangramento agudo alto; Podem ser de natureza benigna ou maligna, de sítio primário ou metastático. O sangramento habitualmente não é grave, mas as taxas de complicações são maiores do que das úlceras pépticas. LESÃO DE DIEULAFOY A lesão de Dieulafoy é um vaso submucoso aberrante dilatado que pode erodir o epitélio de revestimento sobrejacente não associado com uma úlcera primária. O sangramento é recorrente, pode ser maciço e associado com várias EDA sem diagnóstico. FÍSTULA AORTOENTÉRICA Deve ser considerada em pacientes com: Sangramento profuso e cirurgia de aneurisma de aorta prévia; Úlcera penetrante; Invasão tumoral; Trauma; Radioterapia; e Perfuração por corpo estranho. MÓDULO PERDA DE SANGUE – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves A!! O sangramento gastrointestinal alto também pode ter origem no sistema biliar (hemobilia) ou nos ductos pancreáticos. ANGIODISPLASIAS DO TGI ALTO São também conhecidas por malformações arteriovenosas, teleangiectasias e ectasias vasculares. Cursam usualmente com sangramento de pequena monta e com frequência são diagnosticadas a partir de sangue oculto positivo nas fezes ou investigação de anemia ferropriva, raramente causando HDA aguda com procura ao departamento de emergência (DE). A!! Raramente se apresentam como etiologia de sangramento gastrointestinal agudo. ________________________________________ Em cerca de 10 a 15% dos casos não é identificada a etiologia da HDA. Legenda: Principais etiologias de hemorragia digestiva alta por ordem decrescente ACHADOS CLÍNICOS A apresentação inicial da HDA pode ser na forma de: Hematêmese: vômitos de sangue fresco ou em forma de borras de café ou de coágulos. Cerca de 30% dos doentes com HDA apresentam este sinal. Melena (apresentação mais comum): fezes pretas, malcheirosas, de cor de alcatrão, que aderem à luva ou à sanita; resulta de sangue digerido no trato digestivo. Melenas sem hematêmese encontram- se em 20% dos doentes com HDA; 50% tem hematêmese e melenas associadas. Hematoquezia: fezes misturadas com sangue não digerido; pode ter variações da cor, dependendo da intensidade da hemorragia: vermelho ou castanho. Encontra-se em 5 –10% dos doentes com HDA; A presença de hematoquezia indica HDA com perda de mais de 1000 ml num curto intervalo de tempo. O lavado com sonda nasogástrica pode orientar a fonte de sangramento. Porém 16% dos pacientes com HDA apresentam lavado negativo e guidelines recentes orientam que não deve ser realizado rotineiramente. A anamnese e o exame físico são importantes para tentar definir a etiologia e a gravidade da HDA. A queda da PA sistólica em mais de 10 mmHg; ou O aumento do pulso em mais de 10 bpm quando o paciente passa da posição de decúbito para ortostase indica perda de pelo menos 1.000 mL de sangue. Classificação e reposição volêmica em choque hipovolêmico Dados como: Infecção por vírus C e etilismo significativo podem sugerir o diagnóstico de varizes esofágicas. MÓDULO PERDA DE SANGUE – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves A presença de síndrome dispéptica e o uso de AINE podem sugerir o diagnóstico de DUP. As esofagites também podem cursar com sintomas dispépticos. O toque retal é indicado em todos os pacientes e pode demonstrar sangue em dedo de luva; Já a presença de linfonodos supraclaviculares é sugestiva de doença neoplásica maligna. Os achados que sugerem sangramento varicoso por cirrose ou hipertensão portal são: Spiders e teleangiectasias; Hepatomegalia; Esplenomegalia; ou Presença de encefalopatia hepática. ________________________________________ A HDA pode surgir de maneira súbita e volumosa, forçando o paciente a procurar atendimento médico rapidamente, muitas vezes com hematêmese ou até choque hemorrágico. Outra forma de apresentação é o sangramento mínimo e crônico, sem vômitos e imperceptível ao exame das fezes e a olho nu. Nessa situação, o paciente pode ser diagnosticado com anemia crônica ferropriva DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O principal diagnóstico diferencial são as: Hemorragias digestivas baixas, principalmente se associadas com trânsito intestinal lento, que pode confundir a origem do sangue.
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