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1 A doença de Chagas é causada pela infecção pelo protozoário Trypanossoma cruzi e as principais manifestações são a cardiomiopatia chagásica e a doença gastrointestinal. Patogênese Essas manifestações digestivas ocorrem na fase crônica da doença e vão depender de fatores do parasita e de fatores do hospedeiro. A carga do parasita provavelmente influencia o grau de inflamação e a progressão da doença. Além da inflamação causada pela presença do parasita, ocorre também uma lesão tecidual imunomediada devido a reatividade cruzada entre os antígenos do parasita e as proteínas da superfície do neurônio entérico. Assim, a patogênese consiste na destruição (desnervação) dos neurônios do sistema nervoso entérico, envolvendo os nervos simpáticos e parassimpáticos, podendo ocorrer no plexo mucoso (Meissner) e mioentérico (Auerbach). Além disso, observou-se também redução das células intersticiais de Cajal que atuam na modulação da motilidade do tubo digestivo. Histologicamente, têm-se: redução neuronal e áreas focais de fibrose no músculo liso e nos plexos mioentéricos, juntamente com infiltrados linfocíticos na submucosa, no plexo mioentérico e no músculo liso. Além disso, a parte muscular pode hipertrofiar como forma de compensação dessa reação, sendo o esôfago e o cólon os locais mais atingidos. Manifestações Clínicas Podem ocorrer sintomas transitórios durante a fase aguda de infecção, como: disfagia e dor retroesternal, dor abdominal e diarreia. Durante a fase crônica, os sintomas se dividem em: - Manifestações esofágicas: Pacientes com anormalidades de motilidade menores podem ser assintomáticos ou podem desenvolver disfagia e regurgitação progressiva devido à perda neuronal. Inicialmente, a disfagia ocorre com alimentos sólidos evoluindo para os líquidos, fazendo com que os pacientes afetados comam mais devagar podendo até adotar manobras específicas que facilitem essa alimentação, como levantar o pescoço ou jogar os ombros para trás. A regurgitação de alimentos insípidos não digeridos ou saliva é comum e, em casos graves, pode resultar em aspiração. A parti da cronicidade da doença, esse alimento pode se alojar no esôfago e causar dor retroesternal devido a irritação local, ulceração, sangramento e presença de fístulas. A desnutrição também pode ser observada. - Manifestações no cólon: O envolvimento do cólon resulta em dilatação progressiva, estando o cólon sigmóide dilatado e alongado em quase todos os casos de megacólon, e o envolvimento retal sendo observado em 80% dos casos. Os pacientes apresentam constipação lentamente progressiva, podendo ser acompanhado de inchaço e, menos frequentemente, dor abdominal em cólica. 2 Em uma minoria de pacientes, essa retenção prolongada de fezes pode levar à formação de fecalitos, os pacientes apresentam desconforto abdominal leve ou plenitude retal, podendo ser diagnosticados por palpação abdominal e exame retal. - Outras manifestações no trato gastrointestinal: Disritmias gástricas, alterações no esvaziamento gástrico, distensão, hipoperistalse, hipocloridria e, às vezes, hipertrofia pilórica. Hipertrofia das glândulas salivares está associada ao megaesôfago e o reflexo esofágico causa a sialorreia. Colecistomegalia e coledocodilatação são manifestações raras que acometem o trato biliar. Os distúrbios motores do esôfago podem ser divididos em: distúrbios de musculatura estriada, quando acontecem devido alterações na faringe e/ou esfíncter esofágico superior, ou em distúrbios da musculatura lisa, quando estão relacionados a acometimento no corpo esofágico e/ou esfíncter esofágico inferior (EEI). Esses dois tipos de distúrbios podem ser classificados em primários, quando a alteração motora esofágica é a própria manifestação da doença, ou secundários, quando o comprometimento do esôfago é devido a uma doença sistêmica de base. A acalasia (AC) engloba a falta de relaxamento do EEI à deglutição e ausência de peristaltismo no corpo do esôfago, sendo o mais comum distúrbio de musculatura lisa. Pode ser classificada conforme sua etiologia em: idiopática ou chagásica (também chamado de megaesôfago). EPIDEMILOGIA A acalasia (AC) idiopática é relativamente incomum, não tendo distinção entre sexo, podendo ser encontrada em qualquer idade, porém só é diagnosticada entre 30e 60 anos. Nos países onde a DC é endêmica, observa-se elevado número de pessoas acometidas pela doença. ETIOLOGIA A etiologia da AC idiopática é desconhecida, ao passo que a AC secundária é decorrente de doenças que causam anormalidades motoras esofágicas semelhantes ou idênticas à da idiopática, principalmente da doença de chagas. MORFOFIS IOLOGIA DO ESÔFAGO A parede do esôfago é composta pelas camadas mucosa e muscular (dividida em camada circular interna e longitudinal externa). A inervação do esôfago compreende a porção intrínseca – composta pelo plexo submucoso (Meissner), que está entre as camadas muscular mucosa e muscular própria; e pelo plexo mioentérico (Auerbach) que fica entre as camadas muscular circular e longitudinal – e a porção extrínseca formada pelo nervo vago. O plexo mioentérico é mais denso e compreende dois tipos de neurônios efetores: o primeiro promove excitação colinérgica para as camadas circular e longitudinal, e o segundo excitação não colinérgica para a camada circular. 3 A inervação extrínseca é proveniente de dois núcleos principais do nervo vago: as fibras nervosas provenientes do núcleo ambíguo (NA) fornecem inervação direta as placas motoras da porção estriada do esôfago, em contrapartida, a fibras vindas do núcleo motor dorsal do vago (NMD) provêm inervação indireta para a parte muscular lisa, através de sinapses com os neurônios do plexo mioentérico. O esfíncter superior do esôfago é inervado pelo ramo faríngeo do nervo vago via NA e o esfíncter inferior é inervado pelas fibras nervosas do NMD. PATOGÊNESE Preconiza-se que a acalasia resulte de inflamação e degeneração de neurônios na parede esofágica. A desnervação acontece em vários níveis e de maneira irregular ao longo do tubo digestivo reduzindo o número de células nervosas do plexo mioentérico, consequentemente afetado a fisiologia motora dos locais afetados, principalmente esôfago e cólon. Essa desnervação pela atuação dos parasitas pode ocorrer por dois motivos: Teoria neurotóxica: as substâncias neurolíticas liberadas pelo amastigota do T. cruzi destruiriam o neurônio, principalmente na fase aguda. Teoria autoimune: o amastigota libera antígenos que se depositam nas células neuronais, sensibilizando-as. Logo, desenvolve-se uma reposta imune com liberação de autoanticorpos contra as células já sensibilizadas, promovendo sua destruição. F ISIOPATOLOGIA O que caracteriza a fisiopatologia da AC, tanto a idiopática quanto a chagásica, é a desnervação esofágica, caracterizada pela destruição do plexo mioentérico do esôfago (e as células que restam ficam rodeadas por linfócitos) e degeneração de fibras aferentes vagais e do núcleo dorsal motor do vago (NMD). No EEI, o relaxamento é ausente ou incompleto tendo perda dos neurônios inibitórios do plexo mioentérico que contém os neurotransmissores óxido nítrico e peptídeo intestinal vasoativo. Além disso, perde-se também um mecanismo que coordena o sistema nervoso, a musculatura lisa, as células intersticiais de Cajal e os neuromediadores. Com isso, observa-se aumento da pressão basal do EEI, pois a via excitatória está preservada enquanto os mecanismos inibitórios estão ausentes. Enquanto na AC idiopática a desnervação é predominantemente pré-ganglionar com hipersensibilidade do EEI à gastrina e aumento da pressão basal desse esfíncter, na AC chagásica ocorre hiposensibilidade a este hormônio com pressão do EEI menor do que na idiopática, sugerindo anormalidadestanto nas vias inibitórias como excitatórias. Além disso, os pacientes com acalasia também podem ter um defeito sutil no relaxamento reflexo do esfíncter esofágico superior (EES). A distensão esofágica abrupta que ocorre quando o gás do estômago entra repentinamente no esôfago normalmente desencadeia um relaxamento reflexo de EES, permitindo que o gás escape pela boca na forma de arroto. Na porção do músculo liso do corpo esofágico, a perda de neurônios inibitórios resulta em aperistalse, traduzido por ausência de contrações ou contrações simultâneas. Com o passar d tempo, o esôfago vai dilatando, surgindo então o megaesôfago. 4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A acalasia tem início insidioso e a progressão da doença é gradual. A queixa mais comum é a disfagia. Inicialmente se apresenta de forma intermitente e depois lentamente progressiva, tanto para líquidos quanto para sólidos, podendo também ser uma disfagia paradoxal (só pra sólidos). É percebida principalmente em terço distal da região retroesternal, porém alguns pacientes a referem ao nível de fúrcula esternal. As regurgitações ocorrem com frequência, no início de material semelhante a clara de ovo, que corresponde à estase salivar. À medida que a doença avança, o paciente regurgita os alimentos até horas após a ingestão, principalmente à noite, provocando tosses, engasgos, sensação de sufocação. A perda de peso também é frequente, pode ser importante em jovens na fase inicial da doença. Nas fases iniciais da doença pode ter queixa de dor torácica que se confunde com angina, devido a sua localização, frequentemente retroesternal irradiada para a mandíbula. Esta dor surge espontaneamente e melhora com ingestão de líquidos e com eructação. Alguns pacientes possuem como queixa a pirose, relatada no início da doença e também precedendo a disfagia. Tosse noturna é referida por alguns pacientes. Sialorreia em grande quantidade é um sintoma menos comum, surgindo durante a alimentação, acompanhando a disfagia ou a dor torácica. Obs: na AC chagásica, observou-se sialorreia acompanhada de hipertrofia das glândulas salivares, pois elas estão desnervadas. Pode-se observar também: soluços, constipação intestinal, manifestações cardíacas. RISCO DE CÂNCER Pacientes com megaesôfago apresentam risco aumentado de câncer de esôfago. Presume-se que um dos fatores responsáveis pelo desenvolvimento da neoplasia seria a regurgitação, uma vez que ela induz a irritação crônica da mucosa, associada ao tratamento inadequado (miotomia sem cirurgia anti-refluxo). Além disso, a estase do bolo alimentar, na porção distal do órgão, também poderia ser outro fator patogênico importante, devido à esofagite que desencadeia. DIAGNÓSTICO Deve-se suspeitar de acalasia nos seguintes pacientes: Disfagia para sólidos e líquidos Pirose que não cessa com o tratamento com inibidor da bomba de prótons Alimentos retidos no esôfago na endoscopia alta Resistencia aumentada à passagem de um endoscópio através da junção esofagogástrica Exames complementares etiológicos - Reação de fixação de complemento: tem elevada sensibilidade para detecção de T. cruzi. - Reação de imunofluorescência indireta: sensibilidade de até 100%. - Reação de hemaglutinação indireta: alta sensibilidade e especificidade. - Ensaio imunoenzimático (ELISA) 5 - Xenodiagnóstico: pesquisa do parasito no conteúdo intestinal e nas fezes dos vetores. Radiografia de esôfago (Esofagograma) Os achados radiológicos característicos da acalasia incluem: - Graus variados de dilatação do esôfago, acompanhados de retardo do esvaziamento com formação de nível hidroaéreo e afilamento simétrico e gradual no nível da junção esofagogástrica com aspecto de “bico de passarinho” ou “ponta de lápis. - Mais raramente, encontra-se presença de divertículo epifrênico, esôfago com aspecto sigmoide e ausência de bolha gástrica. - Retardo do meio de contraste. - Ausência de peristalse do órgão com ou sem contrações terciárias. A dilatação desse esôfago pode ser classificada de duas formas: Endoscopia Digestiva Alta É útil na exclusão de alteração orgânica como causa da disfagia e evetualmente diagnóstico de complicações da AC. Os achados incluem esôfago dilatado que contém material residual. A aparência do EEI pode variar de normal a um anel muscular espesso com confirguração em roseta na visão retroflexa. A junçãoesofagogástrica encontra-se geralmente fechada, com luz virtual e pode oferecer resitência a progressão do aparelho. Esofagomanometria (EM) Método padrão ouro para o diagnóstico de AC, pois além de confirmar o diagnóstico ele também avalia o relaxamento e a pressão do EEI pré e pós tratamento, além de orientar a posição do cateter da pHmetria prolongada. Como a AC é uma doença de musculatura lisa, os achados manométricos ocorrem nos dois terços distais do órgão. Os achados mais comuns: falta de relaxamento ou relaxamento incomum do EEI e aperistalse do corpo esofágico. Relaxamentos ausentes ocorrem quando não existe queda da pressão no EEI basal. Em relação ao corpo esofágico, a perda da peristalse pode ser registrada como ausência de contrações ou contrações simultâneas. 6 Quando ao esfíncter superior, há referência à pressão de repouso com valores semelhantes na acalasia idiopática. Manometria esofágica A manometria de alta resolução tem uma sensibilidade maior que a convecional, pois fornece detalhes aprimorados na caractrização da acalasia e da morfologia da junção esofagogásrica, classificando a acalasia em três subtipos que podem orientar o manejo. Achados na manimetrial convencional: - Aperistalse nos dois terços distais do esôfago: visto na parte do músculo liso do esôfago. - Relaxamento incompleto do EEI: é esse achado que distingue a acalasia de outros distúrbios associados à aperistalse. - Pressão elevada do EEI em repouso: a perda de neurônios inibitórios em pacientes com AC pode fazer com que a pressão nesses esfíncter aumentem. A manometria de alta resolução subdivide a AC em três subtipos: - Tipo I (clássica): a deglutição não resulta em nenhuma alteração significativa na pressurização esofágica, ou seja, AC com mínima pressurização. - Tipo II: a deglutição resulta em pressurização simultânea que abrange todo o comprimento esofágico, ou seja, AC com compressão esofágica. Tipo III (espática): a deglutição resulta em contrações ou espasmos prematuros e frequentemente obliterantes do lúmen. Ultrassonografia Os achados incluem uma camada de músculo circular espessada no EEI e através do esôfago do músculo liso. Além de avaliar a espessura da parede esofágica. TRATAMENTO Os objetivos do tratamento são: aliviar os sintomas, melhorar ou aliviar o esvaziamentoesofágico, prevenir o desevolvimento do megaesofago e suas complicações. Assim, todas as opçoes terapêuticas, exceto a cirúrgica, visam diminuir a pressão no EEI para desobstruir o trânsito alimentar, facilitanto o esvaziamento do esôfago. Infelizmente, nenhum tratamento pode reverter a degeneração das células ganglionares, restaurar os neurônios esofágicos perdidos e, portanto, normalizar a função esofágica. Logo, os tratamentos disponíveis não normalizam a deglutição, eles simplesmente a melhoram. Tratamento Farmacológico Os nitratos e antagonistas dos canais de cálcio são os medicamentos mais comumente empregados no tratamento clínico em todos os pacientes que tolerarem seu uso. Os nitratos (dinitrato de isossorbia 5 a 10 mg por dia) são administrados 10 a 15 min antes das refeições, o efeito dele é aumentar a concentração de NO nas células musculares lisas, resultando em relaxamento. São administrados via sublingual, reduzindo a pressão no EEI após 15 min que foi administrado e persistindo a ação por 90min. Os antagonistas do canal de cálcio, como o nifedipino (10 a 30 mg ao dia), inibema musculatura lisa e agem 30 min após sua administração via sublingual, diminuindo a pressão no EEI. 7 Os bloqueadores de canais de cálcio não são mais indicados por causa do risco de efeitos adversos, incluindo hipotensão grave e complicações isquêmicas. Toxina Botulínica (BoTox) A BoTox é um potente inibidor da acetilcolina, tendo ação excitatória no tônus do EEI, tem sido usada em injeções locais por via endoscópica, com redução dos sintomas do paciente, da pressão no EEI e do diâmetro esofágico. Essa injeção tem a vantagem de ser menos invasiva em comparação com a cirurgia e pode ser facilmente realizada durante a endoscopia de rotina. A ação dessa medicação dura em média cerca de 6 meses. É indicada para: idosos com comorbidades e pacientes com alto risco cirúrgico, falha no tratamento cirúrgico, falência na reposta a múltiplas dilatações, dilatação pneumática com perfuração e associação com divertículo epifrênico. Dilatação Pneumática da Cárdia (DPC) É o tratamento conservador mais comumente empregado para tratamento da AC, tem como objetivo romper as fibras musculares do EEI, reduzindo sua pressão e a obstrução funcional do esôfago, fazendo com que tenha melhora no esvaziamento esofágico e da disfagia. Tratamento cirúrgico Pode ser feito através de técnicas conservadoras (esofagomiotomias) ou cirurgias mais invasivas (esofagoplastias e esofagectomias). A cirurgia conservadora mais comum é a esofagomiotomias de Heller, que consiste na secção das camadas musculares do esôfago distal e da cárdia, em geral acompanhada de procedimento antirrefluxo.
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