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APG 13 - Megaesôfago

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A doença de Chagas é causada pela infecção pelo protozoário Trypanossoma cruzi e as principais 
manifestações são a cardiomiopatia chagásica e a doença gastrointestinal. 
 Patogênese 
Essas manifestações digestivas ocorrem na fase crônica da doença e vão depender de fatores 
do parasita e de fatores do hospedeiro. 
A carga do parasita provavelmente influencia o grau de inflamação e a progressão da doença. 
Além da inflamação causada pela presença do parasita, ocorre também uma lesão tecidual 
imunomediada devido a reatividade cruzada entre os antígenos do parasita e as proteínas da 
superfície do neurônio entérico. 
Assim, a patogênese consiste na destruição (desnervação) dos neurônios do sistema nervoso 
entérico, envolvendo os nervos simpáticos e parassimpáticos, podendo ocorrer no plexo mucoso 
(Meissner) e mioentérico (Auerbach). 
Além disso, observou-se também redução das células intersticiais de Cajal que atuam na 
modulação da motilidade do tubo digestivo. 
Histologicamente, têm-se: redução neuronal e áreas focais de fibrose no músculo liso e nos 
plexos mioentéricos, juntamente com infiltrados linfocíticos na submucosa, no plexo 
mioentérico e no músculo liso. Além disso, a parte muscular pode hipertrofiar como forma de 
compensação dessa reação, sendo o esôfago e o cólon os locais mais atingidos. 
 Manifestações Clínicas 
Podem ocorrer sintomas transitórios durante a fase aguda de infecção, como: disfagia e dor 
retroesternal, dor abdominal e diarreia. Durante a fase crônica, os sintomas se dividem em: 
- Manifestações esofágicas: 
Pacientes com anormalidades de motilidade menores podem ser assintomáticos ou podem 
desenvolver disfagia e regurgitação progressiva devido à perda neuronal. 
Inicialmente, a disfagia ocorre com alimentos sólidos evoluindo para os líquidos, fazendo com 
que os pacientes afetados comam mais devagar podendo até adotar manobras específicas que 
facilitem essa alimentação, como levantar o pescoço ou jogar os ombros para trás. 
A regurgitação de alimentos insípidos não digeridos ou saliva é comum e, em casos graves, pode 
resultar em aspiração. A parti da cronicidade da doença, esse alimento pode se alojar no 
esôfago e causar dor retroesternal devido a irritação local, ulceração, sangramento e presença 
de fístulas. 
A desnutrição também pode ser observada. 
- Manifestações no cólon: 
O envolvimento do cólon resulta em dilatação progressiva, estando o cólon sigmóide dilatado e 
alongado em quase todos os casos de megacólon, e o envolvimento retal sendo observado em 
80% dos casos. 
Os pacientes apresentam constipação lentamente progressiva, podendo ser acompanhado de 
inchaço e, menos frequentemente, dor abdominal em cólica. 
 
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Em uma minoria de pacientes, essa retenção prolongada de fezes pode levar à formação de 
fecalitos, os pacientes apresentam desconforto abdominal leve ou plenitude retal, podendo ser 
diagnosticados por palpação abdominal e exame retal. 
- Outras manifestações no trato gastrointestinal: 
Disritmias gástricas, alterações no esvaziamento gástrico, distensão, hipoperistalse, 
hipocloridria e, às vezes, hipertrofia pilórica. 
Hipertrofia das glândulas salivares está associada ao megaesôfago e o reflexo esofágico causa 
a sialorreia. Colecistomegalia e coledocodilatação são manifestações raras que acometem o 
trato biliar. 
Os distúrbios motores do esôfago podem ser divididos em: distúrbios de musculatura estriada, 
quando acontecem devido alterações na faringe e/ou esfíncter esofágico superior, ou em 
distúrbios da musculatura lisa, quando estão relacionados a acometimento no corpo esofágico 
e/ou esfíncter esofágico inferior (EEI). 
Esses dois tipos de distúrbios podem ser classificados em primários, quando a alteração motora 
esofágica é a própria manifestação da doença, ou secundários, quando o comprometimento do 
esôfago é devido a uma doença sistêmica de base. 
A acalasia (AC) engloba a falta de relaxamento do EEI à deglutição e ausência de peristaltismo 
no corpo do esôfago, sendo o mais comum distúrbio de musculatura lisa. Pode ser classificada 
conforme sua etiologia em: idiopática ou chagásica (também chamado de megaesôfago). 
EPIDEMILOGIA 
A acalasia (AC) idiopática é relativamente incomum, não tendo distinção entre sexo, podendo 
ser encontrada em qualquer idade, porém só é diagnosticada entre 30e 60 anos. Nos países 
onde a DC é endêmica, observa-se elevado número de pessoas acometidas pela doença. 
ETIOLOGIA 
A etiologia da AC idiopática é desconhecida, ao passo que a AC secundária é decorrente de 
doenças que causam anormalidades motoras esofágicas semelhantes ou idênticas à da 
idiopática, principalmente da doença de chagas. 
MORFOFIS IOLOGIA DO ESÔFAGO 
A parede do esôfago é composta pelas camadas mucosa e muscular (dividida em camada circular 
interna e longitudinal externa). 
A inervação do esôfago compreende a porção intrínseca – composta pelo plexo submucoso 
(Meissner), que está entre as camadas muscular mucosa e muscular própria; e pelo plexo 
mioentérico (Auerbach) que fica entre as camadas muscular circular e longitudinal – e a porção 
extrínseca formada pelo nervo vago. 
O plexo mioentérico é mais denso e compreende dois tipos de neurônios efetores: o primeiro 
promove excitação colinérgica para as camadas circular e longitudinal, e o segundo excitação 
não colinérgica para a camada circular. 
 
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A inervação extrínseca é proveniente de dois núcleos principais do nervo vago: as fibras 
nervosas provenientes do núcleo ambíguo (NA) fornecem inervação direta as placas motoras da 
porção estriada do esôfago, em contrapartida, a fibras vindas do núcleo motor dorsal do vago 
(NMD) provêm inervação indireta para a parte muscular lisa, através de sinapses com os 
neurônios do plexo mioentérico. O esfíncter superior do esôfago é inervado pelo ramo faríngeo 
do nervo vago via NA e o esfíncter inferior é inervado pelas fibras nervosas do NMD. 
PATOGÊNESE 
Preconiza-se que a acalasia resulte de inflamação e degeneração de neurônios na parede 
esofágica. 
A desnervação acontece em vários níveis e de maneira irregular ao longo do tubo digestivo 
reduzindo o número de células nervosas do plexo mioentérico, consequentemente afetado a 
fisiologia motora dos locais afetados, principalmente esôfago e cólon. 
Essa desnervação pela atuação dos parasitas pode ocorrer por dois motivos: 
 Teoria neurotóxica: as substâncias neurolíticas liberadas pelo amastigota do T. cruzi 
destruiriam o neurônio, principalmente na fase aguda. 
 Teoria autoimune: o amastigota libera antígenos que se depositam nas células neuronais, 
sensibilizando-as. Logo, desenvolve-se uma reposta imune com liberação de 
autoanticorpos contra as células já sensibilizadas, promovendo sua destruição. 
F ISIOPATOLOGIA 
O que caracteriza a fisiopatologia da AC, tanto a idiopática quanto a chagásica, é a desnervação 
esofágica, caracterizada pela destruição do plexo mioentérico do esôfago (e as células que 
restam ficam rodeadas por linfócitos) e degeneração de fibras aferentes vagais e do núcleo 
dorsal motor do vago (NMD). 
No EEI, o relaxamento é ausente ou incompleto tendo perda dos neurônios inibitórios do plexo 
mioentérico que contém os neurotransmissores óxido nítrico e peptídeo intestinal vasoativo. 
Além disso, perde-se também um mecanismo que coordena o sistema nervoso, a musculatura 
lisa, as células intersticiais de Cajal e os neuromediadores. 
Com isso, observa-se aumento da pressão basal do EEI, pois a via excitatória está preservada 
enquanto os mecanismos inibitórios estão ausentes. 
Enquanto na AC idiopática a desnervação é predominantemente pré-ganglionar com 
hipersensibilidade do EEI à gastrina e aumento da pressão basal desse esfíncter, na AC 
chagásica ocorre hiposensibilidade a este hormônio com pressão do EEI menor do que na 
idiopática, sugerindo anormalidadestanto nas vias inibitórias como excitatórias. 
Além disso, os pacientes com acalasia também podem ter um defeito sutil no relaxamento 
reflexo do esfíncter esofágico superior (EES). A distensão esofágica abrupta que ocorre 
quando o gás do estômago entra repentinamente no esôfago normalmente desencadeia um 
relaxamento reflexo de EES, permitindo que o gás escape pela boca na forma de arroto. 
Na porção do músculo liso do corpo esofágico, a perda de neurônios inibitórios resulta em 
aperistalse, traduzido por ausência de contrações ou contrações simultâneas. Com o passar d 
tempo, o esôfago vai dilatando, surgindo então o megaesôfago. 
 
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MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 
A acalasia tem início insidioso e a progressão da doença é gradual. 
A queixa mais comum é a disfagia. Inicialmente se apresenta de forma intermitente e depois 
lentamente progressiva, tanto para líquidos quanto para sólidos, podendo também ser uma 
disfagia paradoxal (só pra sólidos). É percebida principalmente em terço distal da região 
retroesternal, porém alguns pacientes a referem ao nível de fúrcula esternal. 
As regurgitações ocorrem com frequência, no início de material semelhante a clara de ovo, que 
corresponde à estase salivar. À medida que a doença avança, o paciente regurgita os alimentos 
até horas após a ingestão, principalmente à noite, provocando tosses, engasgos, sensação de 
sufocação. 
A perda de peso também é frequente, pode ser importante em jovens na fase inicial da doença. 
Nas fases iniciais da doença pode ter queixa de dor torácica que se confunde com angina, devido 
a sua localização, frequentemente retroesternal irradiada para a mandíbula. Esta dor surge 
espontaneamente e melhora com ingestão de líquidos e com eructação. 
Alguns pacientes possuem como queixa a pirose, relatada no início da doença e também 
precedendo a disfagia. Tosse noturna é referida por alguns pacientes. 
Sialorreia em grande quantidade é um sintoma menos comum, surgindo durante a alimentação, 
acompanhando a disfagia ou a dor torácica. Obs: na AC chagásica, observou-se sialorreia 
acompanhada de hipertrofia das glândulas salivares, pois elas estão desnervadas. 
Pode-se observar também: soluços, constipação intestinal, manifestações cardíacas. 
RISCO DE CÂNCER 
Pacientes com megaesôfago apresentam risco aumentado de câncer de esôfago. 
 Presume-se que um dos fatores responsáveis pelo desenvolvimento da neoplasia seria a 
regurgitação, uma vez que ela induz a irritação crônica da mucosa, associada ao tratamento 
inadequado (miotomia sem cirurgia anti-refluxo). 
Além disso, a estase do bolo alimentar, na porção distal do órgão, também poderia ser outro 
fator patogênico importante, devido à esofagite que desencadeia. 
DIAGNÓSTICO 
Deve-se suspeitar de acalasia nos seguintes pacientes: 
 Disfagia para sólidos e líquidos 
 Pirose que não cessa com o tratamento com inibidor da bomba de prótons 
 Alimentos retidos no esôfago na endoscopia alta 
 Resistencia aumentada à passagem de um endoscópio através da junção esofagogástrica 
Exames complementares etiológicos 
- Reação de fixação de complemento: tem elevada sensibilidade para detecção de T. cruzi. 
- Reação de imunofluorescência indireta: sensibilidade de até 100%. 
- Reação de hemaglutinação indireta: alta sensibilidade e especificidade. 
- Ensaio imunoenzimático (ELISA) 
 
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- Xenodiagnóstico: pesquisa do parasito no conteúdo intestinal e nas fezes dos vetores. 
Radiografia de esôfago (Esofagograma) 
Os achados radiológicos característicos da acalasia incluem: 
- Graus variados de dilatação do esôfago, 
acompanhados de retardo do esvaziamento com 
formação de nível hidroaéreo e afilamento simétrico 
e gradual no nível da junção esofagogástrica com 
aspecto de “bico de passarinho” ou “ponta de lápis. 
- Mais raramente, encontra-se presença de 
divertículo epifrênico, esôfago com aspecto sigmoide 
e ausência de bolha gástrica. - Retardo do meio de 
contraste. 
- Ausência de peristalse do órgão com ou sem contrações terciárias. 
A dilatação desse esôfago pode ser classificada de duas formas: 
Endoscopia Digestiva Alta 
É útil na exclusão de alteração orgânica como causa da disfagia e evetualmente diagnóstico de 
complicações da AC. 
Os achados incluem esôfago dilatado que contém material residual. A aparência do EEI pode 
variar de normal a um anel muscular espesso com confirguração em roseta na visão retroflexa. 
A junçãoesofagogástrica encontra-se geralmente fechada, com luz virtual e pode oferecer 
resitência a progressão do aparelho. 
Esofagomanometria (EM) 
Método padrão ouro para o diagnóstico de AC, pois além de confirmar o diagnóstico ele também 
avalia o relaxamento e a pressão do EEI pré e pós tratamento, além de orientar a posição do 
cateter da pHmetria prolongada. 
Como a AC é uma doença de musculatura lisa, os achados manométricos ocorrem nos dois terços 
distais do órgão. Os achados mais comuns: falta de relaxamento ou relaxamento incomum do 
EEI e aperistalse do corpo esofágico. Relaxamentos ausentes ocorrem quando não existe queda 
da pressão no EEI basal. 
Em relação ao corpo esofágico, a perda da peristalse pode ser registrada como ausência de 
contrações ou contrações simultâneas. 
 
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Quando ao esfíncter superior, há referência à pressão de repouso com valores semelhantes na 
acalasia idiopática. 
Manometria esofágica 
A manometria de alta resolução tem uma sensibilidade maior que a convecional, pois fornece 
detalhes aprimorados na caractrização da acalasia e da morfologia da junção esofagogásrica, 
classificando a acalasia em três subtipos que podem orientar o manejo. 
Achados na manimetrial convencional: 
- Aperistalse nos dois terços distais do esôfago: visto na parte do músculo liso do esôfago. 
- Relaxamento incompleto do EEI: é esse achado que distingue a acalasia de outros distúrbios 
associados à aperistalse. 
- Pressão elevada do EEI em repouso: a perda de neurônios inibitórios em pacientes com AC 
pode fazer com que a pressão nesses esfíncter aumentem. 
A manometria de alta resolução subdivide a AC em três subtipos: 
- Tipo I (clássica): a deglutição não resulta em nenhuma alteração significativa na pressurização 
esofágica, ou seja, AC com mínima pressurização. 
- Tipo II: a deglutição resulta em pressurização simultânea que abrange todo o comprimento 
esofágico, ou seja, AC com compressão esofágica. 
Tipo III (espática): a deglutição resulta em contrações ou espasmos prematuros e 
frequentemente obliterantes do lúmen. 
Ultrassonografia 
Os achados incluem uma camada de músculo circular espessada no EEI e através do esôfago do 
músculo liso. Além de avaliar a espessura da parede esofágica. 
TRATAMENTO 
Os objetivos do tratamento são: aliviar os sintomas, melhorar ou aliviar o 
esvaziamentoesofágico, prevenir o desevolvimento do megaesofago e suas complicações. Assim, 
todas as opçoes terapêuticas, exceto a cirúrgica, visam diminuir a pressão no EEI para 
desobstruir o trânsito alimentar, facilitanto o esvaziamento do esôfago. 
Infelizmente, nenhum tratamento pode reverter a degeneração das células ganglionares, 
restaurar os neurônios esofágicos perdidos e, portanto, normalizar a função esofágica. Logo, 
os tratamentos disponíveis não normalizam a deglutição, eles simplesmente a melhoram. 
Tratamento Farmacológico 
Os nitratos e antagonistas dos canais de cálcio são os medicamentos mais comumente 
empregados no tratamento clínico em todos os pacientes que tolerarem seu uso. 
Os nitratos (dinitrato de isossorbia 5 a 10 mg por dia) são administrados 10 a 15 min antes das 
refeições, o efeito dele é aumentar a concentração de NO nas células musculares lisas, 
resultando em relaxamento. São administrados via sublingual, reduzindo a pressão no EEI após 
15 min que foi administrado e persistindo a ação por 90min. 
Os antagonistas do canal de cálcio, como o nifedipino (10 a 30 mg ao dia), inibema musculatura 
lisa e agem 30 min após sua administração via sublingual, diminuindo a pressão no EEI. 
 
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Os bloqueadores de canais de cálcio não são mais indicados por causa do risco de efeitos 
adversos, incluindo hipotensão grave e complicações isquêmicas. 
Toxina Botulínica (BoTox) 
A BoTox é um potente inibidor da acetilcolina, tendo ação excitatória no tônus do EEI, tem sido 
usada em injeções locais por via endoscópica, com redução dos sintomas do paciente, da pressão 
no EEI e do diâmetro esofágico. 
Essa injeção tem a vantagem de ser menos invasiva em comparação com a cirurgia e pode ser 
facilmente realizada durante a endoscopia de rotina. 
A ação dessa medicação dura em média cerca de 6 meses. 
É indicada para: idosos com comorbidades e pacientes com alto risco cirúrgico, falha no 
tratamento cirúrgico, falência na reposta a múltiplas dilatações, dilatação pneumática com 
perfuração e associação com divertículo epifrênico. 
Dilatação Pneumática da Cárdia (DPC) 
É o tratamento conservador mais comumente empregado para tratamento da AC, tem como 
objetivo romper as fibras musculares do EEI, reduzindo sua pressão e a obstrução funcional do 
esôfago, fazendo com que tenha melhora no esvaziamento esofágico e da disfagia. 
Tratamento cirúrgico 
Pode ser feito através de técnicas conservadoras (esofagomiotomias) ou cirurgias mais 
invasivas (esofagoplastias e esofagectomias). 
 A cirurgia conservadora mais comum é a esofagomiotomias de Heller, que consiste na secção 
das camadas musculares do esôfago distal e da cárdia, em geral acompanhada de procedimento 
antirrefluxo.

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