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1 AS CRISES NO MUNDO E OS EFEITOS PARA OS DIREITOS DA PERSONALIDADE (Grupo 2) IDDM EDITORA ISBN 978-85-66789-35-5 Prof.ª Dra. Daniela Menengoti Ribeiro (UniCesumar) Prof. Dr. Nitish Monebhurrun (Centro Universitário de Brasília) Prof. Me. Diogo Valério Felix (UniCesumar) O Mestrado em Ciências Jurídicas e o Curso de Direito da Unicesumar promovem o III Con- gresso Internacional de Direitos da Personalidade e IV Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade, sob o tema "Direitos da Personalidade de Minorias e de Grupos Vulnerá- veis". Trata-se da terceira edição de um evento internacional que debate os direitos da personali- dade, tanto no que se refere aos novos direitos e aos limites da sua proteção na atualidade, quanto nos mecanismos jurídicos e extrajurídicos, políticas públicas e ações judiciais voltadas a sua concretização, juntamente com a quarta edição do evento nacional de Novos Direitos de Direitos da Personalidade, que neste ano realizar-se-ão concomitantemente promovendo a integração de discente, docente, pesquisadores e profissionais das mais diversas áreas do co- nhecimento. O evento se justifica, primeiramente, em razão da temática dos direitos da personalidade ser abordada de forma inédita pelo Mestrado em Ciências Jurídicas da Unicesumar, e, por propor- cionar uma cooperação internacional através do amplo diálogo e aproximação entre pesquisa- dores brasileiros e estrangeiros sobre as inovações normativas, institucionais, jurisprudenciais e as mais recentes literaturas na área. Quanto ao alcance, o evento justifica-se por propiciar a difusão de conhecimento entre os pesquisadores, professores, mestrandos, doutorandos e estudantes da graduação. Além disso, o evento será aberto ao público e a toda a comunidade científica do Brasil e do exterior, que será convidada a participar com envio de artigos científicos, painéis, exposição de arte e minicursos. AS CRISES NO MUNDO E OS EFEITOS PARA OS DIREITOS DA PERSONALIDADE (Grupo 2) PRIMEIRA EDIÇÃO MARINGÁ – PR 2017 IDDM EDITORA Todos os Direitos Reservados à Rua Joubert de Carvalho, 623 – Sala 804 CEP 87013-200 – Maringá – PR IDDM EDITORA As crises no mundo e os efeitos para os direitos da personalidade (grupo 2). / organizadores, Daniela Menengoti Ribeiro, Nitish Monebhurrun, Diogo Valério Felix. – 1. ed. – Maringá, Pr: IDDM, 2017. 134 p. Modo de Acesso: World Wide Web: <https://www.unicesumar.edu.br/category/mestrado/> ISBN: 978-85-66789-35-5 1. Internet. 2. Dignidade da pessoa humana. 3. Inclusão. 4. Acesso à justiça. 5. Tutela estatal. I. Título. CDD 22.ed. 346.013 Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi –Bibliotecária CRB/9-1610 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) C932 Copright 2017 by IDDM Editora Educacional Ltda. CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Alessandro Severino Valler Zenni, Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Lattes: http://lattes.cnpq.br/5969499799398310 Prof. Dr. Alexandre Kehrig Veronese Aguiar, Professor Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2645812441653704 Prof. Dr. Fabrício Veiga Costa, Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Proteção em Direitos Funda- mentais da Universidade de Itaúna. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7152642230889744 Prof. Dr. José Francisco Dias, Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9950007997056231 Profª Drª Sônia Mari Shima Barroco, Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0910185283511592 Profª Drª Viviane Coelho de Sellos-Knoerr , Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito da Unicuritiba. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4609374374280294 http://lattes.cnpq.br/5969499799398310 http://lattes.cnpq.br/2645812441653704 http://lattes.cnpq.br/7152642230889744 http://lattes.cnpq.br/9950007997056231 http://lattes.cnpq.br/0910185283511592 http://lattes.cnpq.br/4609374374280294 6 PREFÁCIO Eventos, livros e artigos, podem, de uma ou de outra forma, ser autorreferência. Neste sen- tido, inicia-se o presente prólogo dizendo que, observado em todos os seus aspectos, o presente livro materializa a autorreferência de um evento, do conjunto de capítulos que o totaliza, e da har- monia da obra em si mesma. Resultado do III Congresso Internacional de Direitos de Personalidade, e do IV Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade, realizados conjuntamente pelo Programa de Pós-gra- duação Stricto Sensu em Direito e pelo Curso de Direito do Centro Universitário de Maringá, duran- te os dias 26, 27 e 28 de setembro de 2016, este livro corporifica a maturidade científico-jurídica dos autores dos trabalhos que foram apresentados perante o GT1 que se desenvolveu durante o evento, e cujo nome original dá título ao livro. Neste sentido, importante dizer que o evento contou com o protagonismo de professores e profissionais, do Brasil e do exterior, que proferiram palestras relacionadas à temática dos Direitos da Personalidade, associada aos Novos Direitos, Minorias e Grupos Vulneráveis. Ademais, merece especial alusão a presença do público, formado por mais de mil e quinhentas pessoas que presti- giaram todas as atividades promovidas no decorrer dos dias de sua realização. Em relação ao livro que ora se apresenta, transcendental subscrever que a atualidade dos Direitos da Personalidade e dos Novos Direitos está a exigir reflexões que dimensionem, de um lado, o papel do Estado, do Direito e da própria sociedade, e de outro, os mecanismos de defesa e garantia jurídica e extrajurídica, as políticas públicas e as ferramentas que estão disponíveis à sua concreção. Por isto, capital enaltecer que, as páginas que seguem, oferecem o mais moderno e aguçado pensamento científico sobre o tema, pois tanto acirram o debate acadêmico sobre pontos contro- vertidos, como elucidam dúvidas, e provocam indagações que determinam a necessária continui- dade da discussão jurídica sobre questões ainda carentes de consolidação pelo Direito pátrio. Os organizadores da obra, outrora Coordenadores do Grupo de Trabalho que acolheu a apre- sentação verbal das produções intelectuais aqui concentradas, fazem jus ao nosso particular aplau- so, pois lograram reunir o resultado de pesquisas que percorreram, com maturidade acadêmico- -científico, todas as particularidades de cada assunto que perfaz um a um dos capítulos do livro. É deste modo que, na qualidade de Coordenadores do evento, cumpre-nos dizer que este livro não pode, sob qualquer hipótese, permanecer adormecido nas prateleiras de uma biblioteca. Tanto o seu conteúdo, como o trabalho científico que deu guarida à produção literária que se colo- ca à disposição do leitor, conclamam que o mesmo circule pelo universo acadêmico, seja utilizado como ferramenta de consulta, e adotado como referência obrigatória nas pesquisas implementadas pela influência, ou inspiração, dos assuntos retratados nesta obra. 1 Grupo de Trabalho. 7 Finalmente, estendemos um efusivo e afetuoso agradecimento para todos os que colabora- ram para o sucesso do III Congresso Internacional de Direitos de Personalidade, e do IV Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade. Aos Organizadores da obra, subscrevemos a grati- dão pela diligência, tanto na Coordenação do GT, como no adensamento dos artigos. Aos autores de cada um dos capítulos, assinamos um portentoso parabéns pelo brilho de sua pesquisa, e pela plenitude de seu manuscrito. José Eduardo de Miranda, Ph. D. José Sebastião de Oliveira, Ph. D. Valéria Silva Galdino Cardin, Ph. D. SUMÁRIO AS CRISES NO MUNDO E OS EFEITOS PARA OS DIREITOS DA PERSONALIDADE (GRUPO 2) DIREITOS HUMANOS E A DIVERSIDADE CULTURAL: O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MULTICULTURAL INTRODUÇÃO 12 DIREITOS HUMANOS 13 DA CONCEPÇÃO DE REFUGIADO NO DIREITO INTERNACIONAL 16 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS E A CRISEHUMANITÁRIA CONTEMPORÂNEA 18 A DIVERSIDADE CULTURAL E O DIREITO: A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MULTICULTURAL 20 CONCLUSÃO 23 REFERÊNCIAS 24 DO MEDO AO ILÍCITO: A AUTO VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRIVACIDADE NA BUSCA DE REDUZIR A CRIMINALIDADE URBANA INTRODUÇÃO 28 DA DISCIPLINA JURÍDICA DA VIDA PRIVADA 29 O USO INTENSIVO DA INTERNET NA ATUALIDADE 31 A RENÚNCIA ILÍCITA DO DIREITO À PRIVACIDADE COMO MEIO DE PROTEÇÃO 35 CONCLUSÃO 36 REFERÊNCIAS 36 SUMÁRIO GLOBALIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E A ATUAÇÃO DOS HATERS NA ERA DIGITAL: DISCURSO DE ÓDIO COMO VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA CONSIDERAÇÕES INICIAIS 38 GLOBALIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO NA ERA DIGITAL 39 HATERS E A IDENTIDADE DO ÓDIO 41 DISCURSO DO ÓDIO COMO UMA CONSTRUÇÃO POLÍTICA E VIOLADORA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS 46 REFERÊNCIAS 47 IMPRESCINDIBILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO ANVERSO ÀS PRÁXIS DETECTADAS NA SOCIEDADE SUPERINFORMACIONAL INTRODUÇÃO 49 SOCIEDADE SUPERINFORMACIONAL 50 PRESTABILIDADE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO MUNDO CIBERNÉTICO 53 APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO 57 CONCLUSÃO 59 REFERÊNCIAS 60 L’INCLUSIONE SOCIALE DEI DISABILI: L’APPROCIO NORMATIVO BRASILIANO DOPO LA CONVENZIONE ONU DEL 2006 INTRODUZIONE 65 LA CONVENZIONE DELLE NAZIONI UNITE SULLE PERSONE CON DISABILITA’: UNO STRUMENTO CONDIVISO. 66 IL DIRITTO ALL’INCLUSIONE SOCIALE DEI DISABILI NELLA CONVENZIONE. 68 IL CASO DEL BRASILE: IL RICEPIMENTO DELLA CONVENZIONE NEL PIANO INTERNO 70 SUMÁRIO L’ATTACO ALLO STATUTO: IL SUPREMO GARANTISCE LA SUA INTEGRITA’ 71 CONCLUSIONI 74 BIBLIOGRAFIE 75 O ACESSO À JUSTIÇA NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO PARA PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E MENOS DESENVOLVIDOS INTRODUÇÃO 77 PANORAMA DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO 78 O ACESSO AO ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS 80 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ACESSO À JUSTIÇA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E MENOS DESENVOLVIDOS NO ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS 90 REFERÊNCIAS 91 O REFLEXO DA CRISE ESTATAL NA GARANTIA DE DIREITOS HUMANOS DOS AGENTES PENITNCIÁRIOS. INTRODUÇÃO 95 PAPEL DO ESTADO NA PROMOÇÃO DE DIREITOS 96 DA CRISE DAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS E A SEGURANÇA PÚBLICA 97 DA SAÚDE MENTAL DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS 99 DA INEFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS 102 CONCLUSÃO 104 REFERÊNCIAS 106 SUMÁRIO OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA FRENTE AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE: COMO UMA FORMA DE JUSTIÇA LIGADA À IGUALDADE SOCIAL INTRODUÇÃO 108 UM BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E DA EDUCAÇÃO IN- CLUSIVA 110 FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA FRENTE AOS DI- REITOS DA PERSONALIDADE: COMO UMA FORMA DE JUSTIÇA LIGADA À IGUALDADE SOCIAL 112 CONCLUSÃO 117 REFERÊNCIAS 119 TECNOLOGIA E SEGURANÇA DE DADOS DIGITAIS INTRODUÇÃO 122 SEGURANÇA DIGITAL 122 CAPTAÇÃO E GUARDA DE DADOS DIGITAIS 125 SEGURANÇA DOS DADOS E O DIREITO À PRIVACIDADE 126 OFENSA AOS DIREITOS INDIVIDUAIS 129 SEGURANÇA E PROTEÇÃO VIRTUAL. 130 CONSIDERAÇÕES FINAIS 131 REFERÊNCIAS 132 12 DIREITOS HUMANOS E A DIVERSIDADE CULTURAL: O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MULTICULTURAL Flávia Francielle da Silva Mestranda em Ciências Jurídicas pela Unicesumar – Centro Universitário Cesumar. Especialista em Direito Contratual da Empresa pela UniCuritiba - Centro Universitário de Curitiba (2015). Graduado em Direito pela UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa (2012). flaviafrancielle@gmail.com. Valéria Silva Galdino Cardin Pós-doutora em Direito pela Universidade de Lisboa; Doutora e mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professora da Universidade Estadual de Maringá e da Unicesumar - Centro Universitário Cesumar; Advogada no Paraná. valeria@galdino.adv.br. RESUMO: O presente trabalho abordou a importância da proteção à diversidade cultural e os desafios que ela impõe à sociedade globalizada, principalmente, em relação à proteção das minorias culturais e como a construção da sociedade multicultural, por meio do diálogo intercultural, é o ponto de partida para a superação dos episódios de intolerância e de violações sucessivas da dignidade humana e dos direitos humanos. Para o desenvolvimento do tema, utilizou- se a revisão bibliográfica e a análise legislativa em pesquisa eminentemente teórica, à luz do método dedutivo de abordagem. PALAVRAS-CHAVES: Direitos Humanos. Refugiados. Multiculturalismo. Diálogo Intercultural. INTRODUÇÃO O fluxo migratório não é um fenômeno recente, já que historicamente o homem nunca deixou de circular pelo mundo. Do mesmo modo, o conceito de refugiado também não é atual, já que des- de 1921 há uma certa preocupação quanto à proteção de pessoas que se acham em circunstâncias especiais de abandono no país ao qual pertencem. É inegável a atual intensificação do deslocamento forçado de pessoas ao redor do mundo e, estima-se que até o final de 2015 um total de 65,3 milhões de pessoas se deslocaram em razão de guerras e/ou conflitos, sendo que em 2015 os novos deslocados somaram 12,4 milhões, segundo o que aponta o relatório “Tendências Globais1”. Ocorre que, apesar das convenções e tratados internacionais preverem solidariedade e coo- peração para a proteção de refugiados, o intenso fluxo migratório coloca em evidência a diversida- de cultural e, expõe, principalmente, a inabilidade e o despreparo de governo e população para lidar com a diferença, colocando-o equivocadamente como um problema. A partir deste cenário, entende-se que o debate acerca da valorização e do respeito à diversi- dade cultural como um direito contemporâneo se mostra essencial, já que diante de uma sociedade cada vez mais globalizada, em que a homogeneização cultural já não se sustenta, a convivência pacífica por meio do diálogo é um caminho a ser desbravado. 1 O relatório “Tendências Globais” é elaborado anualmente pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), sendo que o mais recente é o do ano de 2015. 13 Sendo assim, o presente trabalho – que se materializa por intermédio de pesquisa legislativa e doutrinária, sob a pálio do método de abordagem lógico-dedutivo – tem como escopo suscitar a discussão acerca do direito à diversidade cultural sob a perspectiva da atual crise humanitária, decorrente da intensificação dos movimentos migratórios. Para tanto, primeiramente será feita uma breve análise histórica dos direitos humanos, no in- tuito de entender o desafio atual a ser enfrentado perante o atual cenário, onde emerge o problema cultural decorrente da intensificação dos movimentos migratórios, ganhando destaque a figura do refugiado. A partir de então, para melhor compreensão do tema, na segunda parte será feita uma análise do conceito de refugiado sob a perspectiva do Direito Internacional, passando-se então a discorrer sobre o presente contexto dos fluxos migratórios, tomando por base o relatório “Tendências Glo- bais”, elaborado em 2015 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Por fim, nos dois últimos tópicos abordar-se-á o conceito contemporâneo de cultura passan- do então à concepção do que é a diversidade cultural e os desafios que ela impõe à sociedade globalizada, principalmente, em relação à proteção das minorias culturais e como a construção da sociedade multicultural por meio do diálogo intercultural é o ponto de partida para a superação dos episódios de intolerância e de violações sucessivas da dignidade humana e dos direitos humanos. 1. DIREITOS HUMANOS Primeiramente, insta salientar, que a historicidade dos direitos humanos remete à metáfora da “árvore milenar”, na qual esta corresponderia à consciência jurídica, isso é a ideia de direito, que suporta todas as adversidades naturais (chuva, ventos, etc.) as quais é exposta. E, que de tempos em tempos é atingida pela força imperiosa da “ventania evolucionista e revolucionária”, decorrente, principalmente,das deficiências sociais, que levam ao seu ressurgimento e a novas floradas, isso é: os novos direitos2. Sob esta perspectiva lógica, é que se afirma que os direitos humanos não podem ser tratados como uma construção completa, acabada3, na medida em que são edificados e moldados gradati- vamente no decorrer dos séculos sob a influência de concepções principiológicas jusnaturalistas e filosóficas4. Debruçando-se sob a perspectiva histórica, observa-se que a Independência dos Estados Uni- dos da América e a Revolução Francesa são acontecimentos marcantes na linha evolutivo-histórica dos direitos humanos, que culminaram com a Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776 e com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, respectivamente5. 2 ALTAVILA, Jayme de. Origem do Direito dos Povos. 9 ed. São Paulo: Ícone, 2001, p. 09. 3 ARÉCHAGA, Eduardo Jiménez. Derecho internacional público. Montevidéu: Fundación de Cultura Universitaria, 1995. 4 PIOSEVAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 5 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 14 Após a Segunda Guerra Mundial, consolidou-se a preocupação em criar mecanismos a fim de coibir episódios semelhantes, assim foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 e, em 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, iniciando-se uma nova fase histórica6, marcada pela internacionalização e universalização dos direitos humanos. Segundo Noberto Bobbio: [...] somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza históri- ca de que a humanidade – toda humanidade – partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens. [...] Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado7. Observa-se, assim, que apesar da relevância das conquistas da Declaração americana e da Declaração francesa, ao consolidarem a ideia de que os homens nascem livres e iguais, não é universal, isso é não abarca o homem em sua essência, estando tais direitos adstritos ao homem enquanto cidadão do Estado que os reconhece8. Observa-se que é na Declaração de 1948 que os direitos humanos ganham o destaque me- recido no cenário internacional, isso porque diante das atrocidades perpetradas no decorrer da Segunda Guerra Mundial, houve a conscientização mundial de que a proteção apenas da figura do cidadão era insuficiente, de modo que os direitos do homem atingem, enfim, a universalidade, isso é a proteção supera as fronteiras e compreende toda a humanidade9. Pode-se conceituar assim os direitos humanos10, em linhas gerais, como sendo posições ju- rídicas que resguardam ao ser humano, pela sua própria condição humana e independentemente 6 Norberto Bobbio (2004) em sua obra “A Era dos Direitos” ao tratar da historicidade dos direitos humanos ressalta três fases históricas dos direitos humanos, sendo que a primeira é identificada nas obras filosóficas que sustentavam o direito natural do homem e, ao se ter o reconhecimento dessas teorias por um legislador tem-se a consolidação de um sistema de valores, que ao entendimento do autor é o que ocorreu quando da Declaração de Direito dos Estados Norte-americanos e com a Declaração Francesa. Já a segunda fase é marcada pela positivação de direitos válidos dentro de um determinado Estado e, por fim, a terceira fase que tem como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, onde esses direitos assumiram um caráter universalista. 7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8 DOUZINAS, Costas. O paradoxo dos direitos humanos. Tradução de Caius Brandão. In: Pensar os Direitos Humanos: desafios nas sociedades democráticas. Anuário do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Direitos Humanos – UFG. vol. 1. n.1, 2011. 9 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 10 A respeito da conceitualização dos direitos humanos Flávia Piovesan ensina que: “no dizer de Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Considerando a historicidade destes direitos, pode-se afirmar que a definição de direitos humanos aponta a uma pluralidade de significados. Tendo em vista tal pluralidade, destaca-se a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida com o advento da Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993”. PIOVESAN, Flávia. A Universalidade e a Indivisibilidade dos Direitos Humanos: desafios e perspectivas. In: BALDI, César Augusto (org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 46. 15 da ordem constitucional ao qual está vinculado, uma série de direitos e garantias tidos como essen- ciais ao seu pleno desenvolvimento11. Contemporaneamente, sob a perspectiva do fenômeno da globalização12, é inconcebível falar em direitos humanos sem considerar a diversidade e a pluralidade13, isso porque “são caracterís- ticas da condição humana”14 de uma sociedade que “aparece, cada vez mais, diferenciada e plu- ralista na ordem cultural e cosmovisual e isso tem repercussões ao nível da formação da vontade política”15. A diversidade e a pluralidade cultural estão intimamente ligadas ao multiculturalismo e a in- terculturalidade, isso porque a convivência de grupos culturalmente díspares num mesmo espaço (seja sob a perspectiva regional ou internacional) é um terreno fértil para o surgimento de conflitos sob as mais variadas perspectivas16, que podem culminar no alijamento e na marginalização de grupos minoritários. Neste contexto, verifica-se que, sob a perspectiva da diversidade cultural, a universalidade dos direitos humanos, tal qual como foram concebidos, já não se coaduna com as particularidades da sociedade atual, de modo que Flávia Piovesan relata que a proteção eficaz dos direitos huma- nos “demanda não apenas politicas universalistas, mas também específicas, endereçadas a gru- pos socialmente vulneráveis, enquanto vítimas preferenciais de exclusão”17. Assim, de acordo com Boaventura de Souza Santos, as minorias detêm o direito a serem iguais quando a diferença as inferioriza e, o direito a serem diferentes quando a igualdade as descaracterizam18, de modo que, hodiernamente, o desafio dos direitos humanos em relação aos grupos minoritários, como será melhor abordado no decorrer do trabalho, é assegurar não só o seu protagonismo combatendo a discriminação de qualquer ordem, mas também preservar a sua diversidade cultural, fomentando o diálogo intercultural para a então construção de uma sociedade multicultural. 11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 12 A globalização trata-se de um fenômeno social, político e econômico, que tem como característica principal a aproximação/integração dos países em geral, que viabiliza a circulação de pessoas e, principalmente, de bens e de serviços. STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. A promessa não-cumprida de benefícios globais.São Paulo: Futura, 2002. 13 Vale lembrar que diversidade e pluralidade não devem ser considerados sinônimos, já que enquanto o primeiro está relacionado às desigualdades sociais, econômicas e a heterogeneidade entre os sujeitos, já a pluralidade, por sua vez, está ligada à ideia de multiplicidade de povos e indivíduos. LAFFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos: a contribuição de Hannah Arendt. In: Estudos Avançados. v. 11, n. 30, 1997. Disponível em: <http://dx.doi. org/10.1590/S0103-40141997000200005>. Acesso em: 25 jul. 2016. 14 LAFFER, Celso. A reconstrução dos Direitos Humanos: a contribuição de Hannah Arendt. In: Estudos Avançados. v. 11, n. 30, 1997. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141997000200005>. Acesso em: 25 jul. 2016. 15 FERNANDES, António Teixeira. Direitos humanos e globalização. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, série I, vol. 19, 2009. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7200.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2016. 16 Estudiosos das diversas áreas do conhecimento tem como pauta, por exemplo, o estudo de conflitos raciais, religiosos, sociais, culturais e econômicos. 17 PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. In: Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos. v.1, n.1, 2004. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1806- 64452004000100003>. Acesso em: 30 jul. 2016. 18 SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 462. 16 Considerando que o foco do trabalho é analisar a diversidade cultural como um desafio à contemporaneidade, principalmente sob a perspectiva da atual crise humanitária, onde se destaca a figura do refugiado, não há como avançar no estudo sem entender primeiramente o conceito de refugiado no Direito Internacional. 2 DA CONCEPÇÃO DE REFUGIADO NO DIREITO INTERNA- CIONAL O conceito de refugiado não é recente, já que desde 1921, em razão da queda do Império Otomano e da Revolução Russa, há certa preocupação quanto à proteção de pessoas que se encontram em circunstâncias especiais de abandono no país ao qual pertencem (que são nacio- nais)19. Em 1950, com o intuito de coordenar a ação internacional para proteger as pessoas deslo- cadas, foi criado, pela Assembleia Geral da ONU, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, que diante da necessidade de se definir a condição jurídica do refugiado, elaborou a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados. O referido estatuto foi adotado, em 28 de julho de 1951, por uma Conferência de Plenipoten- ciários das Nações Unidas, e entrou em vigor em 1954, sendo que em seu bojo trouxe a concepção de refugiado como sendo toda pessoa que “em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, e temendo ser perseguida [...] se encontre fora do seu país de naciona- lidade [...]”20. A referida Convenção agrega ao conceito de refugiado duas limitações, a primeira é a li- mitação em razão do tempo, pois de acordo com o artigo 1º da mesma, o temor de perseguição estava relacionado aos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, uma exigência dos Governos ao adotarem a Convenção, como forma de limitar suas responsabilidades apenas em relação às circunstâncias de refúgio já conhecidas ou às situações que poderiam surgir desses eventos. A segunda limitação é geográfica, prevista no artigo 1(B) da Convenção, já que aos Estados contratantes ficou resguardada a liberdade para “definir a restrição geográfica dos acontecimentos que fundamentariam o pedido de refúgio, estabelecendo que os fatos deveriam ter ocorrido na Europa”21. Diante das transformações sociais, surgiram novas situações e com elas a necessidade de ampliação do conceito de refugiado e da consequente aplicação da Convenção de 1951. Assim, 19 PAMPLONA, Danielle Anne; PIOVESAN, Flávia. O Instituto do Refúgio no Brasil: práticas recentes. In: Revista de Direitos Fundamentais e Democracia. v. 17, n. 17, 2015. Disponível em: http://revistaeletronicardfd. unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/629. Acesso em: 29 jul. 2016. 20 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU). Convenção Relativa Ao Estatuto Dos Refugiados. Genebra: ACNUR, 1951. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/ portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf?view=1>. Acesso em: 31 jul. 2016. 21 PAMPLONA, Danielle Anne; PIOVESAN, Flávia. O Instituto do Refúgio no Brasil: práticas recentes. In: Revista de Direitos Fundamentais e Democracia. v. 17, n. 17, 2015. Disponível em: http://revistaeletronicardfd. unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/629. Acesso em: 29 jul. 2016. 17 foi aberto para adesão, em 1967, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, que excluiu tanto a limitação em razão do tempo como a geográfica, conforme se denota no artigo 122. Apesar das conquistas, sob a perspectiva internacional, alcançadas pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo de 1967, “com o passar dos anos, muitos poucos refugiados se enquadravam na definição “clássica” de refugiado”, principalmente no contexto dos refugiados oriundos dos conflitos no continente americano23, em razão da América Central. Assim, foi criada a Declaração de Cartagena, adotada pelo “Colóquio sobre Proteção Interna- cional dos Refugiados na América Central, México e Panamá: Problemas Jurídicos e Humanitários” em 1984, que apesar de não ser um instrumento impositivo, desponta como um importante marco jurídico que alargou o conceito de refugiados. Isso porque, o item III da referida Declaração, na Terceira conclusão, considera como refu- giados pessoas “que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado grave- mente a ordem pública”24. Há, a partir de então, uma profunda mudança no enquadramento das pessoas deslocadas no conceito de refugiado, se anteriormente tal condição ficava adstrita geográfica e temporalmente, com a Declaração de Cartagena é a violação maciça dos direitos humanos o alicerce para a con- cessão do refúgio25. 22 ARTIGO1 Disposições Gerais §1. Os Estados Membros no presente Protocolo comprometer-se-ão a aplicar os artigos 2 a 34, inclusive, da Convenção aos refugiados, definidos a seguir. §2. Para os fins do presente Protocolo, o termo “refugiado”, salvo no que diz respeito à aplicação do §3 do presente artigo, significa qualquer pessoa que se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as palavras “em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e...” e as palavras “...como conseqüência de tais acontecimentos” não figurassem do §2 da seção A do artigo primeiro. O presente Protocolo será aplicado pelos Estados Membros sem nenhuma limitação geográfica; entretanto, as declarações já feitas em virtude da alínea “a” do §1 da seção B do artigo1 da Convenção aplicar-se-ão, também, no regime do presente Protocolo, a menos que as obrigações do Estado declarante tenham sido ampliadas de conformidade com o §2 da seção B do artigo 1 da Convenção. 23 PAMPLONA, Danielle Anne; PIOVESAN, Flávia. O Instituto do Refúgio no Brasil: práticas recentes. In: Revista de Direitos Fundamentais e Democracia. v. 17, n. 17, 2015. Disponível em: http://revistaeletronicardfd. unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/629. Acesso em: 29 jul. 2016. 24 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU). Declaração de Cartagena. Cartagena: ACNUR, 1984. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/ Instrumentos_Internacionais/Declaracao_de_Cartagena.pdf?view=1>. Acesso em: 01 ago. 2016. 25 PAMPLONA, Danielle Anne; PIOVESAN, Flávia. O Instituto do Refúgio no Brasil: práticasrecentes. In: Revista de Direitos Fundamentais e Democracia. v. 17, n. 17, 2015. Disponível em: http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com. br/index.php/rdfd/article/view/629. Acesso em: 29 jul. 2016. 18 3 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS E A CRISE HUMANITÁRIA CON- TEMPORÂNEA São inúmeros os motivos que levam todos os anos milhares de pessoas a arriscar a sua pró- pria vida e, não raramente de toda sua família na busca por um lugar que lhes ofereçam condições de mudar de vida, dentre eles destacam-se as guerras, perseguições políticas, desastres naturais, crises econômicas, entre outros. Apesar de ser atualmente um tema em destaque na mídia nacional e internacional, a imigra- ção não é um fenômeno recente, uma vez que “seja pelas causas de ordem natural, que motivaram principalmente o homem primitivo, seja pelas e ordem econômica e social, hoje preponderantes, o homem nunca parou de circular pelo mundo”26. Assim, o fenômeno da imigração entendido como o deslocamento de pessoas, seja individual ou em grupos, do seu lugar de origem e/ou residência para um outro destino, para que ali se es- tabeleça permanentemente ou por algum tempo, com o intuito de alcançar melhores condições de vida ou para satisfazer alguma necessidade27. Javier de Lucas, por sua vez, ressalta que há dois tipos de movimentos migratórios: “os bons” e os “não desejados”, sendo que o primeiro abarca desde trabalhadores qualificados e necessários nos países desenvolvidos, passando pelas práticas culturais ocidentais até a circulação de capital e/ou propriedade intelectual. Já no segundo enquadram-se, por exemplo, os trabalhadores com baixa ou nenhuma qualificação e aqueles que são o foco do trabalho, os refugiados e imigrantes forçados28. Vale destacar que até o final do século XIX a imigração era livre, sendo que o primeiro registro de restrição ocorreu em 1793 com a lei de imigração na Inglaterra, a partir do século XX populari- zou-se a adoção do regime de quotas, onde os países passaram a estabelecer o número de imi- grantes29. Uma outra mudança que se observa com o passar do tempo é o perfil dos fluxos migratórios, se outrora preponderava a emigração nos países europeus, após a Segunda Guerra Mundial, os países desenvolvidos, dentre eles os países europeus, passaram a ser os maiores receptores de imigrantes30. 26 CAVARZERE, Thelma Thais. Direito Internacional da Pessoa Humana: a circulação internacional de pessoas. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 08. 27 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; SILVA, Ana Paula Dittgen da. Direitos Humanos e Novos Direitos: um olhar para os movimentos migratórios. In: Direitos Humanos e Novos Direitos Na Contemporaneidade. COELHO, L. F.; MICHALOSKI, R. T. e ROCHA, S. C. (coords.). Francisco Beltrão: Grafisul, 2014. 28 DE LUCAS, Javier. Los inmigrantes como ciudadanos. apud SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; SILVA, Ana Paula Dittgen da. Direitos Humanos e Novos Direitos: um olhar para os movimentos migratórios. In: Direitos Humanos e Novos Direitos Na Contemporaneidade. COELHO, L. F.; MICHALOSKI, R. T. e ROCHA, S. C. (coords.). Francisco Beltrão: Grafisul, 2014. 29 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; SILVA, Ana Paula Dittgen da. Direitos Humanos e Novos Direitos: um olhar para os movimentos migratórios. In: Direitos Humanos e Novos Direitos Na Contemporaneidade. COELHO, L. F.; MICHALOSKI, R. T. e ROCHA, S. C. (coords.). Francisco Beltrão: Grafisul, 2014. 30 MIALHE, Jorge Luís. Imigração e Dupla Nacionalidade: aspectos histórico-jurídicos. In: BOCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; MALATIAN, Teresa (Orgs.). Políticas Migratórias: fronteiras dos direitos humanos no século 19 Os movimentos migratórios atuais podem ser caracterizados em razão de sua dimensão glo- bal, pois ultrapassam as fronteiras de um Estado nacional e trazem implicações no mundo como um todo, já em razão de sua diversidade complexo, ao concatenar multiplicidade de objetivos e sujeitos e, por fim, integral, ao abarcar diferentes aspectos sociais, econômicos, entre outros31. Vive-se, nos últimos anos, uma onda de deslocamentos forçados de pessoas ao redor do mundo, sendo fato recorrente nos meios de comunicação, onde se estima que até o final de 2015 somou-se um total de 65,3 milhões de pessoas deslocadas em razão de guerras e/ou conflitos, acrescente-se que os novos deslocados apenas em 2015 somaram 12,4 milhões, é o que aponta o relatório “Tendências Globais”, sendo que essa dimensão fica mais clara se considerarmos que a cada cento e treze pessoas da população mundial uma é solicitante de refúgio. Ressalta-se que a imigração, de um modo geral, não é bem vista, sendo que no decorrer da história os discursos favoráveis e desfavoráveis em relação aos movimentos migratórios foram se alternando, “dependendo do benefício ou prejuízo que o deslocamento de pessoas cause a deter- minados grupos dentro do sistema capitalista”32. Já a repulsa pelos imigrantes e refugiados é motivada por vários fatores, como a etnia, religião e cultura, e, apesar de haver certo fluxo de refugiados à países em desenvolvimento, como o Brasil, são os países europeus os principais destinos, o que reforça o embate entre os países desenvolvi- dos e os países em desenvolvimento, já que os refugiados em sua grande maioria, são originários de países pobres e buscam um recomeço em países desenvolvidos33. Esse afluxo de imigrantes oriundos do denominado Terceiro Mundo em direção principalmen- te à Europa tem levado ao surgimento dos denominados “coletivos humanos diversos”, sendo que “a partir de 1950 os europeus tornaram-se minoritários se comparados ao número crescente de imigrantes originários da África, Ásia e da América Latina”34. Por tais motivos observa-se que é equivocada a crença de que as dificuldades enfrentadas pelos refugiados se encerram com a sua chegada ao destino. Após o seu ingresso no país receptor essas pessoas enfrentam, além das dificuldades naturais do processo de adaptação, manifesta- ções discriminatórias decorrentes, principalmente, das diferenças culturais. XXI. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 31 DE LUCAS, Javier. Los inmigrantes como ciudadanos. apud SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; SILVA, Ana Paula Dittgen da. Direitos Humanos e Novos Direitos: um olhar para os movimentos migratórios. In: Direitos Humanos e Novos Direitos Na Contemporaneidade. COELHO, L. F.; MICHALOSKI, R. T. e ROCHA, S. C. (coords.). Francisco Beltrão: Grafisul, 2014. 32 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; SILVA, Ana Paula Dittgen da. Direitos Humanos e Novos Direitos: um olhar para os movimentos migratórios. In: Direitos Humanos e Novos Direitos Na Contemporaneidade. COELHO, L. F.; MICHALOSKI, R. T. e ROCHA, S. C. (coords.). Francisco Beltrão: Grafisul, 2014. 33 De acordo com o relatório “Tendências Globais”, a Síria (que soma 4,9 milhões de refugiados), o Afeganistão (com 2,7 milhões de refugiados) e a Somália (com 1,1 milhão de refugiados) destacam-se como sendo as principais origens de refugiados. Já como maior receptor, pelo segundo ano consecutivo, destaca-se a Turquia que até o final de 2015 abrigava um total de 2,5 milhões de refugiados. 34 MIALHE, Jorge Luís. Imigração e Dupla Nacionalidade: aspectos histórico-jurídicos. In: BOCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; MALATIAN, Teresa (Orgs.). Políticas Migratórias: fronteiras dos direitos humanos no século XXI. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 216. 20 4. A DIVERSIDADE CULTURAL E O DIREITO: A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE MULTICULTURAL A imigração sempre esteve presente ao longo da história da humanidade, contudo, nos últi- mos anos a intensificação dos movimentos migratórios, principalmente os ditos “não desejados”, tem propiciado a coexistência, muitas vezes não pacífica, de grupos culturalmente díspares em um mesmo território geográfico, acarretando choques civilizatórios. Isso acontece porque a imigração introduz a incerteza no país receptor35 e esse atrito entre as culturas coloca a diversidade como sendo uma ameaça perante a comunidadeinternacional. Tal situação colocou em evidencia a temática da diversidade cultural, sendo que em 2005 foi promo- vida, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU), a Con- venção Sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais36. Ainda neste sentido, visando uma mudança no cenário mundial o Relatório Mundial da ONU de 2005, com o tema “Investir na diversidade cultural e no diálogo intercultural”, destacou o caráter emergencial da discussão a respeito da diversidade cultural sob diversas perspectivas, entendendo ser imprescindível a identifi cação de: [...] um fio condutor principal entre a multiplicidade de possíveis interpretações; l mostrar a im- portância da diversidade cultural nos diferentes domínios de intervenção (línguas, educação, comunica ção e criatividade) que, à margem das suas funções intrínsecas, se revelam essenciais para a salvaguarda e para a promoção da diver sidade cultural; l convencer os decisores e as diferentes partes inter venientes sobre a importância em investir na diversidade cultural como dimensão es- sencial do diálogo intercultural, pois ela pode renovar a nossa percepção sobre o desenvolvimento sustentável, garantir o exercício eficaz das liberdades e dos direitos humanos e fortalecer a coesão social e a governança democrática37. Contudo, para que se possa tratar de diversidade cultural sob a perspectiva dos direitos hu- manos, bem como sua importância para o desenvolvimento humano, primeiramente, é essencial entender o conceito contemporâneo de cultura. A cultura congrega diversos significados, oriundo do verbo colere que se refere a cuidado38, sob a perspectiva antropológica pode ser entendido como uma construção social que integra a identidade do ser humano, abarcando as representações, os discursos e os hábitos sociais. Segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha, a cultura está ligada: [...] a capacidade de pensar sobre a realidade e de construir significados para a na- tureza, para o tempo e o espaço, bem como para os outros seres humanos e todas as suas obras. A essa construção simbólica que vai guiar toda ação humana, dá-se 35 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; SILVA, Ana Paula Dittgen da. Direitos Humanos e Novos Direitos: um olhar para os movimentos migratórios. In: Direitos Humanos e Novos Direitos Na Contemporaneidade. COELHO, L. F.; MICHALOSKI, R. T. e ROCHA, S. C. (coords.). Francisco Beltrão: Grafisul, 2014. 36 Resultado da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em sua 33ª Reunião, celebrada em Paris no ano de 2005. 37 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Relatório Mundial da UNESCO: Investir na diversidade cultural e no diálogo intercultural. 2005. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/ images/0018/001847/184755por.pdf . Acesso em: 01 ago. 2016. 38 CHAUI, Marilena. Cultura e democracia . In: Crítica y emancipación: Revista latinoamericana de Ciencias Sociales. ano 1, n. 1. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2016. 21 no nome de cultura. Cultura, portanto, é o modo como indivíduos e comunidades respondem às suas necessidades e aos seus desejos simbólicos39. A diversidade cultural, conforme já consolidado no preâmbulo da Con venção Sobre a Prote- ção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, é um atributo essencial e patrimônio comum da humanidade, capaz de criar “um mundo rico e variado que aumenta a gama de pos- sibilidades e nutre as capacidades e valores humanos”, sendo essencial para o desenvolvimento sustentável das nações e para a paz e a segurança40. Apesar de geralmente preservar as suas raízes a cultura não se mostra constante e perma- nente, mas sim dinâmica e mutável na medida em que reflete os valores comungados pela socie- dade em dado período. A preservação da identidade cultural e o fomento do diálogo intercultural despontam como de- safios oriundos da globalização e da intensificação dos fluxos migratórios41, opondo-se às correntes homogeneizadoras, que têm perdido vigência desde o final do século passado42. Ocorre que a sociedade globalizada é uma realidade persistente e, que traz ao plano interna- cional problemas relativos à multiplicidade de formas singulares de ser43. Na sociedade ocidental persiste a ideia de universalidade, pois apesar de as culturas considerarem “os seus valores má- ximos como os mais abrangentes”, “apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como univer- sais”44. A tese universalista mantém os grupos minoritários em condição de inferioridade e marginali- zação. Desta forma, não há como falar em minorias e diversidade sem abordar o multiculturalismo, uma vez que este traz à tona o binômio paradoxal da igualdade e diferença45. O multiculturalismo, neste contexto, emerge como um fenômeno que possibilita a coexistência pacifica entre culturas dispares sem renegar nenhuma delas, extirpando de seu bojo situações de justaposição ou de dominação e subalternidade de culturas. Com o escopo de construir relações entre grupos culturalmente diversos o multiculturalismo busca resguardar a diversidade cultural, bem como o direito de identidade46. 39 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. Editora Moderna: São Paulo, 2005, p. 20-21. 40 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU). Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. 2005. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/ politicas5/-/asset_publisher/WORBGxCla6bB/content/convencao-sobre-a-protecao-e-promocao-da-diversidade-das- expressoes-culturais/10913. Acesso em: 01 ago. 2016. 41 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU). Relatório Mundial da UNESCO: Investir na diversidade cultural e no diálogo intercultural. 2005. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/ images/0018/001847/184755por.pdf . Acesso em: 01 ago. 2016. 42 MONTIEL, Edgar. A nova ordem simbólica: a diversidade cultural na era da globalização. In: SIDEKUM, Antônio (Org.). Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí: Unijuí, 2003. 43 CARVALHO, Rosangela Tenório. Discursos pela interculturalidade no campo curricular da educação de jovens e adultos no Brasil nos anos de 1990. Recife: Bagaço, 2004. 44 SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova: evista de Cultura e Política. n. 39, 1997. p. 111. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451997000100007> Acesso em: 01 ago. 2016. 45 SANTOS, Boaventura de Sousa. (org). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 46 ANSIÓN, Juan. Educar en la interculturalidad. Lima: Centro de Estudios y Publicaciones, 2000. 22 Nota-se assim, que a simples existência de uma multiplicidade de culturas não é sinônimo de uma sociedade multicultural, já que nesta predomina o diálogo crítico entre tais culturas, contribuin- do “com o surgimento de formas mais humanas de convivência e de crescimento pessoal de cada um dos seres humanos”47. A sociedade multicultural não é um fenômeno espontâneo, mas é construída por meio do diálogo intercultural, que possibilita as aprendizagens recíprocas por meio de processos interativos e, que sob a perspectiva jurídica dos direitos humanos, tem como principal desafio ponderar os ideais universalistas ao fato de que “cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade”48. Ocorre que apesar da existência de declarações, convenções e resoluções da ONU, que se mostram impor tantes instrumentos jurídicos no campo internacional, priorizando em seu bojo a proteção da dignidade humana, são insuficientes, fato corroborado pelo próprio relatório da ONU, lançado em dezembro de 2015 (Re|ShapingCultural Policies - Reformulando Políticas Culturais)49. Tal relatório traz à discussão um feedback dos avanços e inovações desde 2005, quando foi promovida a Convenção e elaborado o relatório voltado à diversidade cultural, até o ano de 2015 com o objetivo de avaliar como a sua implementação influenciou o processo de criação e/ou refor- mulação de políticas públicas voltadas à diversidade cultural. Embora a Convenção tenha trazido avanços, principalmente, na ampliação da noção e dis- cussões a respeitos de políticas de proteção à diversidade cultural e ampliação da atuação dos ministérios da cultura, de acordo com o relatório as políticas voltadas à proteção da diversidade cultural avançaram de forma lenta, sendo que entre as áreas pouco exploradas destacam-se a falta de parceria entre os governos e as organizações da sociedade civil e a promoção de direitos humanos e das liberdades fundamentais. Percebe-se que a insuficiência dos mecanismos e organismos internacionais na implementa- ção da proteção e promoção da diversidade cultural se concentra principalmente no que se refere à sua eficá cia. Isso porque a universalidade constante em seu bojo ainda é uma realidade e, parece desconsiderar: [...] as especificidades/particularidades que cada pessoa/povo carrega em si. Isso significa, parafraseando Simone de Beauvoir (1949), que nós não nascemos huma- nos, tornamo-nos hu manos, produtos de uma construção singular, cultural e histórica e que por isso, sentimos, pensamos e existimos a partir de perspectiv as diferentes. O mundo, por si só, comporta a diversidade, pois, não basta nascermos com a carga genética da espécie humana faz-se também necessário tornarmo-nos humanos, me- diante contato com os outros, autênticos mediadores dos padrões culturais, agentes do processo que nos torna seres humanos50. 47 SOUZA, João Francisco de. Atualidade de Paulo Freire: contribuição ao debate sobre a educação na diversidade cultural. Recife: Bagaço; Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular da UFPE (NUPEP), 2001, p. 13. 48 PIOSEVAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.22. 49 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (ONU). Re|Shaping Cultural Policies. 2015. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002428/242866E.pdf . Acesso em: 02 ago. 2016. 50 SILVA, Itamar Nunes. Educação em direitos humanos: reverberação do discurso da diversidade nas escolas da rede pública estaduais de Pernambuco. 2015. 256 f. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal de 23 O diálogo intercultural desponta como fator determinante para a construção de uma socieda- de multicultural, mostrando-se capaz de promover o respeito as diferenças, a inclusão e o pleno desenvolvimento do ser humano. O isolamento de grupos culturalmente diferentes em guetos multiculturais, prática que se ob- serva em alguns países receptores de imigrantes e refugiados, em nada acrescenta para a constru- ção da sociedade multicultural. Tal prática não respeita as diferenças, tampouco permite o diálogo intercultural, bem como impossibilita a convivência pacífica e a aprendizagem com a diversidade, mas ao contrário consiste no não enfrentamento do problema, agravando ainda mais os choques culturais. Se por um lado a discussão acerca da proteção da diversidade cultural e o respeito às diferen- ças tem ganhado espaço, principalmente nas sociedades ocidentais, do mesmo modo episódios de violência e intolerância alastram-se, uma vez que a intervenção das Nações Unidas, por meio de seus organismos, tem sido pouco eficaz. Deste modo, um dos maiores desafios para a construção de uma sociedade efetivamente mul- ticultural, será a construção de um arcabouço jurídico capaz de respeitar as diferenças, bem como superar as relações de desigualdades e de dominação dos países historicamente hegemônicos. CONCLUSÃO No presente estudo foi feita uma breve análise histórica a respeito dos direitos humanos, deixando já de início em aberto o desafio a ser enfrentado por este no contexto atual, já que prá- ticas universalistas não se mostram eficientes em uma sociedade que concatena a pluralidade e a diversidade em seu seio, principalmente em relação aos grupos minoritários que por vezes são colocados à margem pela maioria. Dentre as minorias destacam-se os refugiados, grupo negligenciado pela comunidade inter- nacional, sendo que os movimentos migratórios sempre fizeram parte da história da humanidade, tardios foram os tratados e convenções que lhes reconheceram o núcleo mínimo de direitos sem os quais não é possível garantir uma vida digna. Isso acontece porque a imigração não é bem vista na sociedade internacional e, principalmen- te, considerando que os fluxos migratórios são, em sua grande maioria, de pessoas oriundas de países pobres que buscam uma oportunidade nos países ditos desenvolvidos. Apesar de a solidariedade e a cooperação serem princípios preconizados pela comunidade internacional, os direitos humanos, por vezes, não são observados nos casos de refúgio. A intensificação dos fluxos migratórios, como visto, tem levado à coexistência de grupos cul- turalmente díspares em um mesmo território geográfico, de modo que se por um lado a cultura mostra-se como um fenômeno basilar ao desenvolvimento humano, ao ser fator essencial para a construção de sua identidade, esta também pode acarretar os ditos choques civilizatórios, quando Pernambuco, Recife, 2015. p. 88. 24 uma ou mais culturas diferentes entram em rota de colisão. Nesta perspectiva, a diversidade cultural emerge como um imperativo ético que demanda tolerância em uma ordem jurídica em que a abordagem universalista já não atende aos anseios consolidados, por favorecer a marginalização e o processo de dominação de um povo em relação a outro. De modo que o incentivo ao diálogo intercultural desponta como o primeiro passo para a superação dos conflitos culturais. Apesar de várias convenções, declarações e resoluções da ONU, preconizarem a solidarieda- de e a cooperação no âmbito internacional, bem como priorizarem a proteção das minorias para o desenvolvimento sustentável e a promoção da paz, tais documentos mostram-se insuficientes sob a perspectiva jurídica, na medida em que não se mostram eficazes. Observa-se uma grande disparidade entre os ideais teoricamente ratificados pelos países e a sua execução prática, sendo que a sociedade multicultural se mostra como uma meta a ser alcan- çada por meio da implementação de políticas públicas e iniciativas de governos em parceria com organizações da sociedade civil que tenham como fim a conscientização e a inclusão do “outro” como cidadão, superando as atuais práticas que diante de suas diferenças culturais, deixam de enfrentar o embate e optam pela dominação ou marginalização em guetos das minorias culturais. REFERÊNCIAS ALTAVILA, Jayme de. Origem do Direito dos Povos. 9 ed. São Paulo: Ícone, 2001. ANSIÓN, Juan. Educar en la interculturalidad. Lima: Centro de Estudios y Publicaciones, 2000. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. Editora Mo- derna : São Paulo, 2005. ARÉCHAGA, Eduardo Jiménez. Derecho internacional público. Montevidéu: Fundación de Cul- tura Universitaria, 1995. BOBBIO, Norberto. 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For the theme of development, we used the literature review and the legislative analysis in highly theoretical research in the light of the deductive method of approach. KEYWORDS: Human Rights. Refugees. Multiculturalism. Intercultural Dialogue. 28 DO MEDO AO ILÍCITO: A AUTO VIOLAÇÃO DO DIREITO À PRIVACIDADE NA BUSCA DE REDUZIR A CRIMINALIDADE URBANA Beatriz dos Santos Mourão Graduanda em Direito pelo UniCesumar – Centro Universitário Cesumar. Pesquisadora de Iniciação Científica do UniCesumar – Centro Universitário Cesumar. Membro do Grupo de Pesquisas (CNPq) “Internacionalização do direito: dilemas constitucionais e internacionais contemporâneos”. Endereço Eletronico: beatrizmourao@outlook.com Antonio Lorenzoni Neto Doutor em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR; Mestre em Tutela dos Direitos Supra-Individuais pela Universidade Estadual de Maringá – UEM; Especialização em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL; Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR. É professor do Mestrado em Agroecologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), e professor de Direito Ambiental e de Processo Civil na UNICESUMAR, e de Direito do Consumidor na Faculdade Maringá. Membro do Grupo de Pesquisas (CNPq) “Internacionalização do direito: dilemas constitucionais e internacionais contemporâneos”. Foi Diretor do Curso de Direito e também do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) da PUCPR (Campus Maringá). Advogado. Endereço eletrônico: antonio.lorenzoni@unicesumar.edu.br RESUMO: A pesquisa busca demonstrar, pelo método indutivo, que o direito à privacidade está em crise na atualidade. Este fato é consequência de uma sociedade mundial que sofre com a violência urbana e não vê no Estado um mecanismo de proteção eficiente para os delitos do cotidiano. Consequentemente, as pessoas estão renunciando odireito à vida privada, expondo sua intimidade na internet por meio de redes sociais, cuja exposição gera uma aparente sensação de desestímulo à repetição do crime. Contudo, o que ocorre é renúncia generalizada ao direito à privacidade, o faz com que o direito à privacidade entre em crise pois ele não está sendo devidamente protegido e violado no âmbito de sua indisponível. PALAVRAS-CHAVE: Internet; Crise do Direito à Privacidade; Violência Urbana. INTRODUÇÃO Com a popularização da internet ficou mais fácil para a sociedade utilizá-la, tanto que hoje é difícil conhecer alguém que não tenha ao menos uma rede social. Não somente isso, a internet se tornou tão popular que chegamos ao ponto das pessoas começarem a entrar cada vez mais jovens na rede, além de existir uma parcela da população de idade mais avançada que começou a procu- rar meios para aprender como utilizar esta tecnologia. Em contrapartida, temos a cada dia uma sociedade mais violenta, a violência urbana está todos os dias nos jornais e outros meios de informações se tornando um fato comum nas cidades. Também conseguimos perceber que a cada dia diminuímos nossa confiança no Estado que em função da quantidade de demanda exigida a polícia e ao poder judiciário não consegue atender a todas as necessidades de segurança de forma célere. Ao se deparar com esses fatos a sociedade passou a ver na internet um mecanismo de se- gurança. Elas abrem mão de seu direito à privacidade e postam seus relatos de fatos violentos das quais são vítimas nas redes sociais a fim de conseguirem justiça. Em outras palavras a rede social virou um “novo espaço” de produção de “boletins de ocorrência”. 29 O problema dessa nova tendência é que a internet não gera segurança, não é porque todo mundo agora sabe que alguém sofreu determinada forma de violência que se está seguro ou que a justiça foi alcançada. Muito pelo contrário, esta pratica faz com que o direito à privacidade entre em crise, pois nos mais diversos locais do mundo as pessoas estão utilizando da internet para expor sua intimidade ao mundo. A proteção do direito não se faz apenas com a publicidade dos fatos, ela possui um procedi- mento a ser respeitado. Não é porque um delito está na internet que a vítima teve seu dano repa- rado ou indenizado. Esta prática acaba com o direito de privacidade da vítima, pois esta exposição ocorre de modo indevido podendo, inclusive, gerar dano. DESENVOLVIMENTO DA DISCIPLINA JURÍDICA DA VIDA PRIVADA O direito à privacidade não foi sempre reconhecido como um direito autônomo, ele normal- mente era visto como um direito intrínseco ao direito de propriedade. Este fato se torna notório após uma análise dos trabalhos dos juízes de antes do século XIX, isto porque estes só conseguiam proteger as informações privadas quando resguardavam o direito de propriedade (SAMPAIO, 1998, p.38-39). A partir do final do século XIX a proteção do direito à privacidade começou a ser feita de modo autônomo, esta mudança ocorreu em função da mudança no modo de pensar da sociedade que começou a desenvolver a ideia da personalidade humana como algo inviolável (SAMPAIO, 1988, p.54) separando os bens do ser. Em outras palavras, quando a sociedade passou a reconhecer a dignidade da pessoa humana o direito à privacidade passou a ser analisado de forma autônoma e passou-se a respeitar todas as suas peculiaridades. Identifica-se que a proteção à vida privada é de suma importância para a sociedade. Esta proteção, de acordo com o professor José Afonso da Silva ocorre por dois meios, a proteção ao segredo da vida privada e ao segredo da vida privada e a liberdade da vida privada (2014, p.210). Isto significa que, tanto o direito de se manter em segredo informações íntimas quanto o direito a expor estas mesmas informações para satisfazer a vontade do indivíduo são protegidos pelo orde- namento pátrio atual. Atualmente o Direito à vida privada é disciplinado, no Estado Brasileiro, tanto pelo artigo 5º, inciso X51 da Constituição Federal como no artigo 2152 do Código Civil. Este direito não é regulado de forma isolada, ou seja, não se protege somente o bem jurídico privacidade propriamente dito, e sim da vida privada, visto que, a privacidade trazida pelos textos legais contextualizam onde é possível encontrar a privacidade. 51 Art. 5º, inciso X, CF: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 52 Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. 30 É importante salientar que, o Brasil não e o único Estado que prevê este direito, a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, prevê em seu artigo XII que “Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação[...]”. Vida privada de acordo com Zulmar Fachin consiste “no espaço reservado a cada pessoa que não pode ser invadido por outrem sem seu consentimento” (2013, p.256). Em outras palavras, pode-se entender este direito como o direito de se ficar só, ou seja, é entregar ao ser humano o poder de manter suas coisas e suas ideias para si mesmo, não precisando expor suas vontades a sociedade. É o responsável por impedir que haja intromissão de terceiros em assuntos familiares ou de caráter personalíssimos do ser humano (PACCINELI JR.,2015, p.287). Outro conceito para privacidade é apontado pelo professor José Afonso da Silva que afirma que privacidade é a capacidade e possibilidade de toda pessoa, de modo autônomo, decidir sobre a publicidade de fatos sobre seu cotidiano, sobre sua vida e relações sociais (2014, p. 208). Podemos concluir, portanto, que o Ordenamento Jurídico Pátrio ao disciplinar a vida privada dá ao cidadão a prerrogativa de poder decidir sobre quais pontos da sua vida ele quer que a socie- dade saiba, afinal, o ser humano é um ser capaz e dotado de Dignidade da Pessoa Humana, logo, está apto a realizar atos da vida civil por conta própria. DA NATUREZA DO DIREITO À VIDA PRIVADA A Constituição Federal traz em seu artigo 5º inciso X o seguinte enunciado: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A conclusão mais óbvia que podemos extrair deste enunciado é que o direito à privacidade é uma norma constitucional. Sendo uma norma constitucional, entende-se que a mesma está acima das demais normas in- fraconstitucionais, uma vez que, o texto constitucional é o fundamento para estas. Logo os manda- mentos legais do Estado brasileiro devem observar e procurar meios de resguardar à vida privada. Além da interpretação acima, podemos entender que o direito à privacidade é caracterizado como um direito fundamental, consequentemente este não é disponível, pois ao dispor da privaci- dade este ato poderia causar lesão. Reafirmando esta ideia, Ingo Sarlet conceituou direitos funda- mentais como sendo: “[...] todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância, inte- gradas ao texto constitucional e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos, bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal”. (1988 apud FACHIN, 2013, p.232). Com isto, podemos concluir que, o direito à vida privada por ser fundamental é também indis- ponível. 31 Outrossim, em relação a este direito é que o mesmo é considerado um direito da personalida- de, por direito a personalidade podemos entender que é um direito “inato do ser humano, além de irrenunciável, absoluto, inalienável,indisponível, decorrente do direito material” (MORAES; POMIM [et. al.], 2014 p.37). Conclui-se, portanto, que o direito à privacidade é indisponível, inviolável, irrenunciável. Sen- do assim, ele deve ser protegido por todos os meios jurídicos admitidos a fim de não gerar dano ao indivíduo. O USO INTENSIVO DA INTERNET NA ATUALIDADE No ano de 1969, nos Estados Unidos a internet foi criada, claro que a ela não nasceu do modo como conhecemos hoje, naquela época ela era conhecida como “aparnet” e funcionava para inter- ligar laboratórios de pesquisa (SILVA, 2001, WEB). Desde então a internet não parou de se desenvolver e nos dias de hoje é acessada por milha- res de pessoas do mundo. Uma pesquisa realizada pela ITU (União Internacional de Telecomuni- cações) no ano de 2014 mostra que até o final deste ano 44 por cento das casas do mundo teriam acesso à internet enquanto no ano de 2010 apenas 30 por cento das casas tinham este acesso53 (ITU, 2014, p.29). Dentro do território nacional o IBGE apresentou uma pesquisa no ano de 2008-2009 que apontava que Tabela 01- Dados Sobre Uso da Internet no Brasil por Faixa Etária nos anos de 2008-2009 Faixa Etária Percentagem de Uso 10 a 14 anos 51% 25 a 29 anos 44,20% 50 anos ou mais 11,20% Fonte: IBGE54 Esta mesma pesquisa, no ano de 2011-2012 mostrou dados que comprovam que o uso da internet está em crescimento 53 No texto original: “The latest ITU data show that by end 2014, almost 44 per cent of the world’s households will have Internet access at home, up from 40 per cent one year earlier and 30 per cent four years earlier”. 54 Os dados desta pesquisa estão disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ trabalhoerendimento/pnad2013/default_reponderadas.shtm>. Acessado em: 18 ago. 2016. 32 Tabela 02 - Dados Sobre Uso da Internet no Brasil por Faixa Etária nos anos de 2011-20012 Faixa Etária Percentagem de Uso 10 a 14 anos 63,7% 25 a 29 anos 60,30% 50 anos ou mais 18,40% Fonte: IBGE55 A partir desses dados podemos concluir que o uso da internet aumentou nos últimos anos e que futuramente, provavelmente, não haverá mais distinção de uso em relação a idade, visto que o número de usuários de acordo com a faixa etária está caminhando para um número comum. Com isso, conclui-se que o uso da internet é de suma importância para toda a sociedade e esta, por sua vez, está caminhando para um uso cada vez mais democrático, independentemente de idade, que terão acesso a esta tecnologia. Muito dificilmente estes números irão, em algum momento, regredir, isto porque existem pro- jetos realizados no mundo todo que auxiliam a levar a internet para os locais mais distantes a fim de conseguir possibilitar que mais pessoas a utilizem. Um exemplo deste tipo de projeto é o projeto Loon que visa levar a internet para as regiões rurais e remotas além de suprir a falhas na cobertura de internet e levar esta conexão a locais que tenham sofrido algum tipo de desastre e estejam mo- mentaneamente sofrendo com a ausência de rede56. Fica evidente, portanto, que a população mundial está a cada dia aumentando o uso da inter- net. E com isso, surgem também as redes sociais que nada mais são que um espaço para as pes- soas se relacionarem virtualmente. São exemplos de redes sociais o Twitter, Snapchat, Instagram, Facebook, entre outros. Estas são tão utilizadas pela população em geral que esta última, no ano de 2015, comemorou o fato de que uma em cada sete pessoas no mundo utilizam o Facebook, conforme informou seu criador Mark Zuckerberg57. O CRESCIMENTO DA CRIMINALIDADE URBANA E SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS Outros dados estatísticos que têm sofrido com grande crescimento de seus números são os que demonstram o aumento da violência urbana. Em 2014, por exemplo, o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) publicou que a taxa de ocorrências de latrocínios58 no Brasil era de 0,87 por 100 mil habitantes, taxa que no ano de 2011 era de 0,72 por 100 mil habitan- tes59. 55 Os dados desta pesquisa estão disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ trabalhoerendimento/pnad2013/default_reponderadas.shtm>. Acessado em: 18 ago. 2016. 56 Mais informações do Projeto Loon estão disponíveis em: <https://www.google.com/intl/pt-BR/loon/>. 57 Disponível em:< http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/08/facebook-bate-marca-de-1-bilhao-de- usuarios-conectados-em-um-unico-dia.html>. Acessado em: 16 ago.2016. 58 Latrocínio é o nome dado pela doutrina para a conduta prevista no artigo 157, §3º in fine, do código penal que consiste no roubo seguido de morte. 59 Disponível em:< https://www.sinesp.gov.br/estatisticas-publicas>. Acessado em: 16 ago 2016. 33 Além destes dados o Sinesp também publicou que no ano de 2011 a taxa de furto60 de veícu- los registrados era de 238,77 por 100 mil veículos e no ano de 2014 esta taxa alcançou 319,47 por 100 mil veículos. Outro índice, também apontado pelo Sinesp, mostra o aumento da taxa de roubos61 de veí- culos, que em 2011 era de 192,81 por 100 mil veículos e em 2014 era de 290,12 por 100 mil habi- tantes. Com isto resta comprovado que a violência urbana está em crescimento nos últimos anos no Brasil. Ao analisar países estrangeiros, podemos perceber que este crescimento não é exclusivo do Brasil, um exemplo disso, a título meramente informativo, são os números apontados pela Inter- pol62 (Organização Internacional de Polícia Criminal), que mostram que ocorreram, no ano de 2011, 7.097.877 assaltos carros e no ano de 2014 este número subiu para 7.411.706, correspondentes aos delitos registrados nos 126 países que compartilharam com a Interpol seus dados internos. No Uruguai, por exemplo, o Knoema, uma empresa estadunidense que fornece serviço de dados, estatísticas mundiais, registrou no ano de 2011 443,1 roubos por 100.000 habitantes, já no ano de 2014 este número subiu para 541,8 por 100.000 habitantes63. Em Luxemburgo, um pequeno país da Europa, os dados apresentados pelo Knoema mostram que as taxas de roubos em 2011 foram de 76,5 por 100 mil habitantes e que em 2014 foram de 110,5 por 100 mil habitantes64. Na Itália também podemos encontrar números de aumento de violência urbana, em uma pes- quisa realizada pelo Knoema em 2011 este país registrou 204.891 roubos a residências por 100 mil habitantes, número que no ano de 2014 subiu para 255.886 por 100 mil habitantes65. A pesquisa também mostrou que na França, país vizinho à Itália, podemos também pode- mos encontrar números crescentes neste tipo de roubo, no ano de 2011 foi registrado na França 216.271 roubos a domicílios por 100 mil habitantes e no ano de 2014 este índice alcançou 232.502 roubos por 100 mil habitantes66. Outro dado importante a ser observado é o que mostra o nível confiança nas instituições de proteção fornecidas pelo Estado, conforme dados do Índice de Confiança na Justiça brasileira – IC- JBrasil, no ano de 2011 ficou registrado que o índice de confiança no Poder judiciário era de 34%, 60 Furto consiste na conduta de subtrair coisa móvel alheia para si ou outrem conforme o artigo 155 do código penal. 61 Roubo consiste na conduta de subtrair coisa móvel alheia para si ou outrem mediante ameaça ou violência a pessoa ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistencia conforme o artigo 157 do código penal. 62 Disponível em:< http://www.interpol.int/Crime-areas/Vehicle-crime/Database-statistics>. Acessado em 18 ago. 2016. 63 Disponível em:< http://pt.knoema.com/atlas/topics/Estat%C3%ADsticas-criminais/Agress%C3%B5es- Sequestros-Roubos-Estupros/Roubos-taxa>. Acessado em: 18 ago. 2016. 64 Disponível em:< http://pt.knoema.com/atlas/topics/Estat%C3%ADsticas-criminais/Agress%C3%B5es- Sequestros-Roubos-Estupros/Roubos-taxa>. Acessado em: 18 ago. 2016. 65 Disponível em:< http://pt.knoema.com/atlas/topics/Estat%C3%ADsticas-criminais/Assaltos-Furtos-de- Ve%C3%ADculos-e-Roubo-a-resid%C3%AAncias/Roubo-a-resid%C3%AAncias-total>. Acessado
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