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Úlcera por pressão

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Úlcera por pressão
Introdução
Lesão localizada na pele e/ou no tecido e na estrutura subjacente, geralmente sobre uma proeminência óssea, resultante de pressão isolada ou de pressão combinada com fricção e/ou cisalhamento. Ocorre principalmente em idosos e imobilizados, sobretudo quando debilitados, com alteração da sensibilidade ou em tratamento prolongado.
Localizações mais frequentes: isquiática, sacrococcígea, trocantérica e calcânea. Mais raramente: regiões occipital, dorsal e escapular, cotovelos, joelhos, nariz, queixo e testa.
A presença de lesão por pressão aumenta em até 5 vezes o período de internação hospitalar e em 2 a 4 vezes o risco de morte em idosos internados em UTI, além de apresentar impacto negativo na qualidade de vida.
Em um terço dos casos há recorrência, independentemente do tipo de tratamento, clínico ou cirúrgico.
As denominações “úlcera de decúbito” e “escara de decúbito” não devem ser utilizadas, pois o termo “decúbito” relaciona-se com a posição horizontal e muitas úlceras se formam em pacientes assumindo outras posições; além disso, o termo “escara” refere-se exclusivamente à presença de crosta necrótica, o que nem sempre ocorre.
Causas
Pressão. Pressão sobre uma região dura, que frequentemente excede a pressão de enchimento capilar (32 mmHg). (Aplicação de alta pressão durante 2 horas provoca isquemia tecidual irreversível e necrose.)
Deslizamento. Forças de cisalhamento que se desenvolvem quando uma pessoa na posição sentada desliza em direção ao chão ou em direção ao pé da cama, quando deitada.
Fricção. Forças friccionais que se desenvolvem quando se puxa o paciente sobre o lençol, provocando perda do estrato córneo cutâneo.
Umidade. A umidade, por causa de incontinência ou transpiração, provoca maceração da pele, que se torna mais aderente, aumentando o efeito da fricção. Contribui, também, para o desenvolvimento de infecção ao criar condições favoráveis à proliferação de germes.
Isquemia de reperfusão. Mecanismo proposto recentemente, em que se postula que a restauração do fluxo sanguíneo para uma área isquêmica pode ampliar a úlcera ou torná-la mais crônica devido à produção continuada de mediadores inflamatórios e radicais livres.
Estagiamento
O estagiamento das úlceras de pressão, revisto recentemente pelo National Pressure Ulcer Advisory Panel, foi adotado internacionalmente e está descrito a seguir.
Suspeita de lesão tissular profunda. Área localizada de pele intacta de coloração púrpura ou castanha ou bolha sanguinolenta devido a dano no tecido mole, decorrente de pressão e/ou cisalhamento. Pode ser de difícil detecção em indivíduos com pele de tonalidade mais escura (Figura 76.1 A).
Estágio I. Pele intacta com hiperemia persistente e hipersensibilidade (Figura 76.1 B).
Estágio II. Perda parcial da espessura dérmica, escoriação, formação de vesículas, eritema nitidamente definido e edema local (Figura 76.1 B e C).
Estágio III. Formação de úlcera que atinge o tecido subcutâneo. A fáscia muscular é visualizada, mas a lesão não a atravessa. Pode incluir descolamento e túneis (Figura 76.1 C).
Estágio IV. Perda total de tecido com exposição óssea, de músculo ou tendão. Pode haver esfacelo ou escara em algumas partes da ferida. Frequentemente inclui descolamento e túneis (Figura 76.1 D).
Úlceras que não podem ser classificadas. Lesão com perda total de tecido, na qual a base da úlcera está coberta por esfacelo (amarelo, marrom, cinza, esverdeado ou castanho) e/ou há escara no leito da lesão.
Úlceras em cicatrização. Continuam com a última classificação recebida.
Figura 76.1 Úlcera por pressão. A. Área de pele de coloração púrpura na região trocantérica com suspeita de lesão tissular profunda. B. Estágios I e II. C. Estágios II e III. D. Estágio IV.
Fatores de risco
•Imobilidade é o fator mais importante
•Quadriplegia, paraplegia, estado de coma, doenças neurológicas, idade avançada com alterações cutâneas senis, percepção diminuída da dor, alteração dos mecanismos de defesa e cicatrização lenta de feridas
•Outros fatores significativos: neuropatia, insuficiência vascular, alterações da consciência ou cognição, atrofia muscular, rigidez ou hipertonia muscular, incontinência, desnutrição (hipoalbuminemia, anemia), diabetes, edema, higiene e vestuário inadequados, pressão contra superfícies duras (camas, cadeiras), fricção, cisalhamento, contato com agentes físicos e químicos (sabonetes, adesivos, curativos), medicamentos sedativos ou hipnóticos, neoplasias malignas, fratura de quadril e trombose venosa profunda.
Manifestações clínicas
Dependem do estágio em que se encontra a lesão:
•Exsudação
•Secreção purulenta
•Sinais de necrose
•Odor fétido
•Dor.
A úlcera de pressão pode ser difícil de ser avaliada em pacientes com gesso, aparelhos ortopédicos ou meias elásticas de suporte.
Pacientes com estado mental alterado ou sequela neurológica podem não se queixar de dor.
Diagnóstico diferencial
•Úlcera de estase ou isquêmica
•Vasculites
•Câncer
•Lesão por irradiação
•Pioderma gangrenoso.
Exames complementares
•Dependem da doença de base
•Hemograma: leucocitose indica inflamação ou infecção
•VHS: para avaliação de inflamação ou infecção
•Proteinograma, dosagem de ferritina, ferro sérico e colesterol total para avaliação do estado nutricional
•Exame simples de urina e urocultura em caso de incontinência urinária
•Exame parasitológico de fezes e exames para investigação do Clostridium difficile, em caso de incontinência fecal
•Hemocultura se houver sinais de infecção (eritema circundante, secreção purulenta, odor fétido), bacteriemia ou sepse
•Indicações de biopsia: feridas que não cicatrizam, apesar do tratamento adequado, úlcera com exposição de osso, suspeita de úlcera de Marjolin (neoplasia maligna que se origina de uma cicatriz).
Complicações
•Infecção local (bastonetes gram-negativos; cocos grampositivos, principalmente estafilococos; anaeróbios e fungos), celulite, artrite séptica, osteomielite, bacteriemia, sepse, endocardite infecciosa, necrose e perda importante de tecido, meningite, infestação da úlcera por larvas (miíase), amiloidose, formação de osso heterotópico, carcinoma de células escamosas na úlcera (úlcera de Marjolin).
Atenção 
Não realizar cultura de swab para diagnosticar o agente infeccioso, uma vez que possui baixo valor diagnóstico, pois esta técnica identifica apenas a colonização da superfície.
Tratamento
•Avaliar o paciente pela história e exame físico completos, dando atenção especial ao estado nutricional e neurológico, à capacidade funcional e cognitiva e condições da residência
•Tratar as doenças de base
•Nutrição: 30 a 40 cal/kg/dia, sendo 1,25 a 1,50 g/kg/dia de proteínas. Vitaminas e suplementos só são recomendados se houver indicação. Manter albumina sérica maior que 3,5 g/ℓ, zinco plasmático maior que 10 μmol/ℓ e saturação de oxigênio maior 95%. Não foi demonstrada a eficácia da suplementação nutricional entérica ou parenteral na prevenção e tratamento das úlceras de pressão, a não ser que haja indicação e a alimentação por via oral (VO) não esteja sendo suficiente para manter o paciente adequadamente nutrido (Cereda, E. et al., 2011)
•Reduzir a pressão sobre a pele: camas especiais e mudança de posição do paciente a cada 2 horas. Colchões com fluidos, gel ou ar, ou colchões de pressão estática e de espuma. Superfícies que proporcionam menor retenção de calor e menor chance de lesão por fricção ou cisalhamento têm maiores vantagens (McInnes, E. et al., 2011)
•Banho: evitar água quente, fricção da pele, produtos irritativos e que ressecam a pele
•Hidratar a pele
•Evitar a umidade da pele: cuidados de higiene e controle da incontinência fecal e urinária (sonda vesical, trocas frequentes de fraldas – realizar desvio cirúrgico do trânsito intestinal, se necessário)
•Manter cobertas as úlceras de estágios III e IV e as não classificadas
•Limpeza da úlcera: usar solução salina em forma de irrigação com pressões entre 8 e 15 psi. Evitar soluções “limpadoras” ou agentes antissépticos
•Desbridamento: a retirada de tecidos necróticos permite ocorreto estagiamento da lesão e acelera a cicatrização. O desbridamento pode ser cirúrgico (bisturi), mecânico não cirúrgico (solução salina sob pressão), autolítico (a partir de enzimas da própria lesão), enzimático (papaína, colagenase, estreptoquinase, tripsina, fibrinolisina, desoxirribonuclease) ou a laser
•Tratar a infecção secundária
•Substituir o tecido perdido por enxertos: indicado para úlceras de pressão de estágios III e IV de difícil cicatrização. Pacientes debilitados, hemodinamicamente instáveis ou com doença grave devem ser tratados clinicamente.
 Tratamento medicamentoso
•Antibióticos de ação sistêmica nos casos de infecção local que não responde ao tratamento com curativos. Celulite, abscessos, osteomielite, artrite, bacteriemia e sepse necessitam tratamento específico
Para saber mais
Curativos para úlcera de pressão
Importantes para proteger a ferida e promover a cicatrização, os curativos devem ser úmidos na região central da ferida.
A pele na periferia da lesão deve permanecer seca.
•Hidrocoloides e hidrogéis: indicados para úlcera de pressão seca ou pouco exsudativa (estágios I e II). Podem ser usados em áreas de alto risco como prevenção. Trocas a cada 7 dias ou a cada 3 dias se houver necrose. Não recomendados para úlceras infectadas
•Alginato: indicado para úlcera de pressão muito exsudativa (estágios II, III e IV). Propriedades hemostáticas. Trocar quando úmida, não excedendo 7 dias. Pode ser usado em feridas infectadas
•Espumas: usar em úlceras de pressão exsudativa
•Hidrofibras: indicadas para úlceras de pressão altamente exsudativas e cavitadas. Duração de 4 a 7 dias
•Filmes poliméricos: são folhas adesivas transparentes. Podem ser usados sobre curativos não aderentes, como cobertura complementar
•Carvão ativado: recomendado para úlceras de pressão exsudativas com odor fétido/contaminação bacteriana. Trocar quando úmido
•Curativos com prata: têm ação bactericida. Indicados para úlceras infectadas ou colonizadas. Evitar uso prolongado
•Ácidos graxos: usar em úlceras de pressão com tecido de granulação
•Fatores de crescimento: podem estimular a angiogênese, formação de colágeno, granulação, epitelização e cicatrização (alguns estudos mostram benefício, porém não há evidência para uso rotineiro).
•Antibióticos tópicos: para pacientes em cuidados paliativos. Considerar também em caso de feridas que não cicatrizam após 2 a 4 semanas de tratamento adequado
•Casos mais leves: amoxicilina-clavulanato: 500 mg, VO, de 8/8 h; ou ampicilina-sulbactam: 375 a 750 mg, VO, de 12/12 h; ou levofloxacino: 250 a 500 mg/dia, VO; ou moxifloxacino 400 mg/dia, VO (tem maior cobertura anaeróbia do que as demais quinolonas)
•Casos graves: amoxicilina-clavulanato: 1 g, IV, de 8/8 h; ou ampicilina-sulbactam: 1,5 a 3 g, IV, de 8/8 h; ou levofloxacino: 500 mg/dia, IV; ou moxifloxacino: 400 mg/dia, IV; ou clindamicina: 600 a 900 mg, IV, de 8/8 h, + aminoglicosídio (amicacina ou gentamicina) – opção pouco usada em idosos, devido aos efeitos adversos e à necessidade de ajuste das doses de acordo com a idade e função renal; ou clindamicina: 600 a 900 mg, IV, de 8/8 h, + ciprofloxacino: 200 a 400 mg, IV, de 12/12 h; ou clindamicina: 600 a 900 mg, IV, de 8/8 h, + ceftriaxona: 1 a 2 g, IV ou IM, de 12/12 ou 24/24 h; ou ceftriaxona: 1 a 2 g, IV ou IM, de 12/12 ou 24/24 h, + metronidazol: 200 a 500 mg, IV de 8/8 h; ou ciprofloxacino: 200 a 400 mg, IV, 12/12 h, + metronidazol: 200 a 500 mg, IV, de 8/8 h
•Casos muito graves: ertapeném: 1.000 mg, IM ou IV, de 24/24 h, exceto se houver suspeita ou confirmação de infecção por Pseudomonas; ou imipeném: 500 a 1.000 mg, IV, de 6/6 h; meropeném: 500 a 2.000 mg, IV, de 8/8 h; ou ticarcilina-clavulanato: 3,1 g, IV, de 4/4 h
•Terapias adjuvantes: existem evidências de benefício no tratamento com estimulação elétrica, terapia hiperbárica e terapia por pressão negativa. O uso de luz infravermelha ou ultravioleta, ultrassom e laser ainda não tem utilidade comprovada.
Prevenção
A informação mais importante sobre as úlceras de pressão é que elas são preveníveis.
•Identificar precocemente indivíduos de alto risco e eliminar os fatores de risco. Há muitas escalas de avaliação, sendo a e Braden uma das mais usadas
•Prevenir e reduzir a imobilidade
•Reduzir a pressão: protocolos de mobilização – frequentes mudanças (2/2 h) de posição do paciente, camas e colchões especiais, sendo os colchões de pressão alternantes os que evidenciaram maior benefício
•Manter decúbitos laterais de 30°, e cabeceira da cama no máximo a 30°
•Não estão recomendadas a proteção com luvas com água e almofadas circulares do tipo “donut”
•Não arrastar o paciente na cama; usar dispositivos de elevação, rolamentos, ou lençóis de transferência
•Dar suporte nutricional, pois o paciente apresenta maior necessidade calórica ao repouso
•Prestar cuidados de higiene: absorventes (sem ser de tecido) para reduzir a umidade
•Tratar incontinência urinária e/ou fecal
•Identificar precocemente áreas de vermelhidão da pele
•Realizar manejo da dor
•Tratar doenças concomitantes
•Fornecer orientação para a família e a equipe de saúde.
Evolução e prognóstico
•Cicatrização na maioria dos casos, com tratamento adequado
•Causas de não cicatrização: manutenção da pressão, infecção local e/ou sistêmica e/ou piora das condições clínicas do paciente.
FONTE: Clínica médica na Prática diária. Porto.

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