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RESUMO The idea of global civil society de Mary Kaldor

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Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila) 
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais 
Relações Internacionais Além do Estadocentrismo – MRI0028 – 2021.1 
Discente: Geovana Alves de Melo – 2020101000011687 
 
KALDOR, Mary. The idea of global civil society. International Affairs, 79, n. 3, 2003. 
583-593. 
 
 Ao iniciar uma palestra em memória de Martin Wight, a autora Mary Kaldor já 
recorre às intensas mudanças que o mundo sofreu no último século: uma maior conexão 
e interdependência entre os Estados, o surgimento de uma governança global ao passo 
que mais grupos, movimentos e organizações, das mais variadas ordens, começam 
também a se expressar internacionalmente (2003, p. 583). A primazia dos Estados, pois, 
passou a ser contestada, questionada se havia ainda uma utilidade para ela. Kaldor, no 
entanto, não descarta em nenhum momento o forte protagonismo estatal no cenário 
internacional, mas enfatiza os diversos agentes que passaram a atuar com mais 
intensidade e visibilidade, em todas as camadas da sociedade global (2003, p. 583). 
 Assim, ela vê que o termo de “sociedade civil” pode ter se popularizado 
recentemente, mas que vem de uma longa tradição que, com o passar da História e das 
Ideias, se modificou bastante. Seu intuito, com a palestra, é demonstrar todas as suas 
evoluções e as possibilidades ainda por vir para o termo (KALDOR, 2003, p. 584). 
 Anteriormente, não havia diferença entre a sociedade civil e o Estado. A relação 
entre os dois, pois, era governada por uma espécie de “contrato social” – tal teorizado, 
cada um a sua própria maneira, por Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques 
Rousseau. Firmado em tempos imemoráveis e, ora, até fictícios, o contrato social submete 
todo e qualquer indivíduo à lei, tal personificada no Estado. É com o pensamento de Hegel 
que a sociedade civil toma o significado de ser “tudo aquilo que está entre a família e o 
Estado”, principalmente a economia (KALDOR, 2003, p. 584). Então, já no século XX, 
o que se entende por sociedade civil passa a abranger as atividades e cenários políticos, 
culturais e intelectuais. 
 Apesar das modificações no entendimento do termo, Kaldor identifica uma 
definição central de sociedade civil como o espaço em que se cria o consentimento dos 
indivíduos às leis (2003, p. 585). Peço licença para pelo menos uma citação direta: “a 
sociedade civil é o processo pelo qual indivíduos negociam, argumentam, se aliam e lutam 
contra uns aos outros e/ou com as autoridades políticas e econômicas” (KALDOR, 2003, 
p. 585). As concepções sobre ela, pois, mudam ao passo que as preocupações dos 
indivíduos, organizados coletivamente, também mudam. 
 Todas essas definições concebem a sociedade civil como atreladas a um único 
território e, devido à ausência de uma autoridade acima da soberania nacional – a chamada 
anarquia do sistema internacional – conciliar ambos os campos acaba sendo uma tarefa 
difícil. No entanto, Kaldor vê em Kant, teórico que ela tem como principal referência, a 
exceção entre tais definições, pois ele tinha uma “sociedade civil universal” como única 
possibilidade de convivência pacífica e harmoniosa entre os indivíduos e Estados (2003, 
p. 586). 
 Já nas décadas de 70 e 80, ainda mais novas concepções sobre sociedade civil 
surgem na América Latina e no Leste Europeu, num processo quase que sem relação. Em 
ambos os casos, a sociedade civil se desvincula do Estado, justamente pelo acirramento 
entre esses dois “entes”. Vale lembrar que, na época, tanto a América Latina quanto o 
Leste Europeu viviam sob governos autoritários, o que não só gerou desamparo e 
repressão às populações, mas forte desconfiança e demonização da política e do Estado. 
O que se desejava, pois, era mudar a sociedade através de ações “de baixo”, autônomas e 
coletivas, pois as instituições já não eram terrenos possíveis. 
 Dessa falta de vínculo com o Estado e seu território, nasceu também a 
possibilidade de se conectar com grupos de organização civil de outros lugares, fazer as 
demandas de um lugar reverberarem em outros. Através do auxílio dessas redes vastas e 
da mobilização de certos acordos e legislações, tais grupos puderam acionar a 
comunidade internacional para pressionar seus governos a tomarem políticas e rumos 
mais tolerantes (KALDOR, 2003, p. 587). Tantas ideias, tantas ações autônomas, 
recorrendo ao ambiente internacional por auxílio, estimularam processos de 
democratização em ambas as regiões e novas mudanças e apropriações do que se entende 
por sociedade civil. 
 Em seguida, Kaldor elenca três paradigmas presentes nos debates sobre sociedade 
civil após a década de 90 (2003, p. 588). Um ativista, outro neoliberal e, por último, um 
pós-moderno. O primeiro é caracterizado pela apropriação do termo por movimentos 
surgidos ainda no fim da década de 60, que levantaram questões como as de gênero, meio 
ambiente, paz e direitos humanos. A ação contínua desses grupos, suas conexões e 
visibilidade fizeram nascer regimes de governança global especialmente em temas 
humanitários (KALDOR, 2003, p. 588). 
Já a versão neoliberal é uma apropriação do Ocidente, que, de certa forma, “doma” 
seus movimentos sociais, institucionalizando-os. A expressão da sociedade civil, então, 
se dá por organismos não governamentais (ONGs), que não só substituem algumas 
funções dos Estados, mas competem uma com a outra, quase como num mercado 
(KALDOR, 2003, p. 589). Quanto à pós-moderna, esta rejeita a visão de que a sociedade 
civil seja uma exclusividade ou uma invenção do Ocidente “democrático”, pautada no 
individualismo exacerbado. Organizações comunitárias, de ordem religiosa e tradicional 
em países considerados autoritários também funcionariam como uma espécie de 
sociedade civil. 
Para Kaldor, as três concepções devem ser levadas em conta, pois, como 
sociedade civil é um conceito normativo, que se baseia na construção de consentimento 
e emancipação individual, não há como desenhar, com tanta exatidão, seus limites (2003, 
p. 590). O que importa, pois, é como as sociedades civis atuam de forma a modificar o 
ambiente, as leis e as normativas pelas quais os Estados agem, criando um sistema global 
amplamente – mas ainda desigual – interconectado. 
Em seguida, a autora reflete sobre as mudanças que podem ocorrer no cenário 
posterior ao ataque às Torres Gêmeas em Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001, a 
Guerra contra o Iraque e, claro, a Guerra ao Terror (2003, p. 591). A criação de uma 
constante sensação de terror e insegurança já é, por si só, um ataque à sociedade civil, 
além de a declaração de guerra ser uma questão de Estado – o que eu não concordo tanto 
assim. Kaldor se questiona se todos esses processos mencionados podem bloquear ou 
dificultar o processo de globalização e, claro, as atividades das sociedades civis globais 
(2003, p. 591). 
Sua resposta é não, visto que novas alianças, novos grupos, especialmente de 
ativistas, continuam a surgir, se articulando para levar o “de dentro” para “fora”. O que, 
em minha opinião, é óbvio, já que prefiro partir de uma visão que não se centre tanto nos 
Estados Unidos e em seu consentimento para que um fenômeno global aconteça. É claro 
que é o país mais poderoso até então, chamado de “o último Estado-nação” (KALDOR, 
2003, p. 591), mas até ele foi constrangido por movimentos sociais internos, como na 
Guerra ao Vietnã. 
A autora termina seu texto/palestra advogando pela ampliação da atuação das 
sociedades civis, especialmente na busca pela paz, pelo fim da violência internacional e 
uma maior harmonia no sistema global (2003, p. 593).

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