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CONCEITO A asma é uma doença inflamatória crônica, caracterizada por hiperresponsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxoaéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, manifestando-se clinicamente por episódios recorrentes de sibilância, dispnéia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite e pela manhã ao despertar. Resulta de uma interação entre genética, exposição ambiental a alérgenos e irritantes, e outros fatores específicos que levam ao desenvolvimento e manutenção dos sintomas. EPIDEMIOLOGIA É considerada uma das enfermidades mais antigas da humanidade e que, apesar da atual existência de recursos terapêuticos efetivos, ainda carrega um estigma de doença grave, intratável e geradora de sofrimento. A prevalência média brasileira de asma é alta, em torno de 24% entre escolares e 19% entre adolescentes, e encontra-se entre os 20 principais motivos de consulta na APS. Cerca de 50% a 80% das crianças asmáticas desenvolvem sintomas antes do quinto ano de vida. O diagnóstico pode ser difícil nessa faixa etária e tem importantes implicações. A prevalência de sintomas de asma entre adolescentes no Brasil, de acordo com estudos internacionais, foi de 20%, uma das mais elevadas do mundo. Um estudo da Organização Mundial da Saúde entre adultos de 18 a 45 anos indicou que 23% dos brasileiros tiveram sintomas de asma no último ano. No entanto, apenas 12% da amostra tinham diagnóstico prévio de asma. Em 2012, um estudo com 109.104 adolescentes confirmou taxas de prevalência de sintomas de asma de 23% e de diagnóstico prévio de asma de 12%. A mortalidade da asma no no Brasil ainda é alta. Embora tenha havido uma pequena redução (10%) do total de óbitos de 2008 para 2013, aproximadamente 3 pacientes ainda morrem de asma diariamente no país. As internações hospitalares em decorre ̂ncia de doenças respiratórias são um resultado negativo na qualidade de vida dos pacientes e no sistema público de saúde. O Brasil, de acordo com o DATASUS, tem mais de 120.000 hospitalizaço ̃es anuais por asma. Apesar da redução das internações hospitalares por asma (36%), as internações ainda continuam altas. No entanto, essa queda se traduz em um achado positivo para o sistema público de saúde do ponto de vista epidemiológico, a esse fato atribui-se a implantação de uma política nacional de sau ́de pública pelo Ministério da Saúde em 2009, pela qual medicamentos para asma (beclometasona e salbutamol) passaram a ser fornecidos de maneira fácil e gratuita em todo o território nacional. É possível que essa política de saúde pública tenha facilitado o acesso a medicamentos de controle e resgate para pacientes com asma em todo o país. Menos de 1% dos pacientes hospitalizados morrem de asma no Brasil. Demonstrando que o tratamento da asma grave em pacientes internados é aparentemente eficaz, o que indica que ressalta a dúvida sobre os motivos pelos quais as taxas de óbito domiciliar por asma são tão altas no Brasil. Outro achado positivo é o tempo de hospitalização por asma, a média de tempo foi de 3 dias, independentemente de fatores geográficos, semelhante à de países desenvolvidos, tais como o Reino Unido. – FATORES DE RISCO Atopia é o principal fator de risco para asma, e os indivíduos não atópicos têm risco muito pequeno de desenvolver a doença. Os pacientes asmáticos frequentemente apresentam outras doenças atópicas, sobretudo rinite alérgica e dermatite (eczema) atópica. Os alérgenos que causam sensibilização em geral são proteínas com atividade de protease, e os alérgenos mais comuns são derivados dos ácaros da poeira doméstica, dos pelos de gatos e cães, das baratas, do pólen das gramíneas e das árvores e dos roedores. A atopia é causada pela produção geneticamente determinada de IgE específicos, e muitos pacientes têm história familiar de doenças alérgicas. Fatores endógenos Predisposição genética Atopia Hiper-reatividade das vias aéreas Sexo (ocorre mais frequentemente em meninos antes da puberdade e em meninas após a puberdade). Etnia Obesidade Infecções virais nos primeiros anos de vida Fatores ambientais Alérgenos do ambiente doméstico Alérgenos do ambiente externo Sensibilizantes ocupacionais Tabagismo passivo Infecções respiratórias Poluição do ar (partículas de diesel, óxidos nitrogenados) Dieta Exposição a umidade e mofo Paracetamol Desencadeantes Alérgenos Infecções virais das vias aéreas superiores Exercício e hiperventilação Ar frio Dióxido de enxofre e gases irritantes Fármacos (β-bloqueadores, ácido acetilsalicílico) Estresse Irritantes (aerossóis de uso doméstico, vapores de tintas). Ao estudar ler página 7017 do Harrison. FISIOPATOLOGIA Inflamação crônica das vias aéreas inferiores – reação inflamatória na parede brônquica. Afeta tanto as vias aéreas proximal quanto a distal, porém não altera os alvéolos! A inflamação ocorre através de uma rede de interações moleculares, e é a causa da hiper- reatividade brônquica. Crise asmática: quando estímulos como infecções, contato com alérgenos, mudanças climáticas, exercícios físicos, et c, podem desencadear um quadro de obstrução aguda das vias aéreas inferiores Desequilíbrio imunológico na diferenciação dos Linfócitos T-helper. Os linfócitos podem se diferenciar em: Th1: resposta protetora contra agentes infecciosos Th2: inflamação alérgica, função não é de “defesa” Nos asmáticos, existe um predomínio dos linfócitos Th2, os quais estimulam, pela secreção de citocinas específicas, os seguintes e ventos secundários: (1) Proliferação de mastócitos (2) Produção de IgE por linfócitos B (3) Recrutamento de eosinófilos à mucosa respiratória. Os linfócitos T têm um papel importante na regulação da inflamação das vias aéreas pela liberação de citocinas. A mucosa brônquica inflamada diminui o diâmetro das vias aéreas e aumenta a produção de muco. A hiper-reatividade brônquica representa uma resposta exagerada de numerosos estímulos endógenos e exógenos. O mecanismo envolvido na hiper-reatividade inclui estimulação do músculo liso das vias aéreas, e liberação de mediadores dos mastócitos e outras células envolvidas na inflamação. No infiltrado inflamatório existem numerosos neutrófilos, eosinófilos e mastócitos desgranulados e espessamento da membrana basal. O lúmen dos bronquíolos está preenchido com muito muco. IgE → o contato inicial de um alérgeno com a mucosa conduz a uma serei de reações que levam à produção de IgE pelos linfócitos B. A IgE produzida sensibiliza os mastócitos nos tecidos, e em circulação ligam-se a receptores de basófilos provocando uma resposta imediata de hipersensibilidade. Mediadores inflamatórios → são responsáveis direta ou indiretamente pela contração do músculo liso das vias aéreas, que pela liberação de outros mediadores quer pela ativação de neurotransmissores; têm influência na secreção de muco pelas glândulas submucosas, aumentam a permeabilidade vascular com exsudação do plasma para o lúmen e podem ativar células provenientes da circulação que por sua vez liberam outros mediadores. Mastócitos → são células presentes no epitélio mucoso e submucoso dos brônquios. A ativação dos mastócitos ocorre logo após a exposição a alérgenos, liberando mediadores responsáveis pela rápida broncoconstrição. Um destes mediadores é a histamina, que além de rápida broncoconstrição, produz vasodilatação com formação de edema, aumentando a secreção de muco local. Os principais mediadores da reação imediata na asma são a histamina, as prostaglandinas e os leucotrienos. Linfócitos B e T → os linfócitos B são os iniciadores da reação alérgica no individuo asmático. Após a estimulação da célulaapresentadora de alérgeno e liberação de IL -1, os linfócitos B diferenciam-se em células plasmáticas secretoras de IgE, que por sua vez ligam aos receptores dos mastócitos, basófilos e eosinófilos. A intensidade da resposta imune vai depender da regulação da síntese de IgE pelo linfócito B. Já os linfócitos T têm um papel importante na formação, regulação e persistência da inflamação das vias aéreas na asma. Embora os mastócitos sejam responsáveis por iniciar o processo inflamatório logo após a exposição aos alérgenos, os linfócitos são responsáveis pela persistência da inflamação e cronicidade do próprio processo. Eosinófilos → o número total de eosinófilos circulantes está relacionado com a gravidade da asma. O predomínio de eosinófilos é encontrado no remodelamento brônquico que acontece quando correm várias alterações estruturais das vias respiratórias podendo acarretar no seu estreitamento irreversível. Além dos eosinófilos, fazem parte desta condição: • Desnudamento epitelial • Edema da membrana basal • Hipertrofia/hiperplasia das glândulas submucosas e da camada muscular Citocinas: • IL-1 e TNF-alfa • GM-CSF • Histamina, NO, PGD2 Em resumo, a reação alérgica no individuo asmático, ocorre em duas fases. Uma fase imediata, que ocorre minutos após o contato com o alérgeno e depende da ativação mastocitária pela IgE, e uma fase tardia, que ocorre 4-8 horas após o contato com o alérgeno e envolve mediadores mastocitários pro-inflamatórios, eosinófilos e ativação dos linfócitos T, o que por sua vez induz o edema brônquico. Patogênese da asma alérgica O antígeno inalado é processado pelas células dendríticas e apresentados às células T CD4+ Th0. As células B são estimuladas pelas células Th0 CD4+ e células T naturais Killers (NKT) para a produção de IgE. A IgE secretado, em seguida, liga-se aos mastócitos no parênquima pulmonar. O antígeno inalado liga-se ao IgE, estimulando desgranulação dos mastócitos, que por sua vez conduz à liberação de mediadores da resposta imediata e da resposta tardia. Histaminas e os leucotrienos produzem broncoespasmos e edemas das vias aéreas. A liberação dos fatores quimiotáticos, juntamente com fatores das células TCD4+ Th2, facilitam o trânsito de eosinófilos da medula óssea para as paredes das vias aéreas. Estas respostas tardias, juntamente com os mediadores liberados por células NKT e Th2 CD4+, conduzem a uma produção excessiva de muco, inflamação das paredes das vias aéreas, lesões e hiperresponsividade (fator estimulador de colônias granulócitos e macrófagos GM- CSF; IL-interleucina). (CCL = ligante de quimiocina; IFN-gma = interferon-gama; IL = interleucina). Patogênese da asma induzida por vírus Os vírus inalados infectam as células epiteliais e causam apoptose de algumas delas. A liberação de fatores quimiotáticos promove o recrutamento de macrófagos para o parênquima pulmonar, onde os macrófagos ingerem o epitélio morto. É neste momento que inicia uma resposta aguda que consiste de broncoespasmo. De modo similar à asma alérgica, o vírus inalado é processado pelas células dendríticas e apresentado às células Th2 CD8+. As células Tc0, Tc1 e Tc2 constituem os subgrupos de células T CD8+. Estas células produzem grandes quantidades de IFN. A perforina liberada pelas células T causa apoptose nas células infectadas. As células B produzem IgG, que é capaz de neutralizar o vírus. Acredita-se que estes eventos estejam relacionados à resposta crônica, a qual consiste em inflamação das vias aéreas, hiperplasia de células globosas e hiper responsividade as vias aéreas. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Sintomas • Dispneia. • Desconforto torácico (sensação de aperto no peito). • Chiado. Sinais • Tosse • Sibilo • Agitação • Aumento da frequência respiratória • Aumento da frequência cardíaca • Diminuição da função pulmonar O uso de musculatura assessória e a dificuldade de falar frases completas podem ou não estar presentes, dependendo da gravidade da crise. CONDUTA DIAGNÓSTICA São indicativos de asma: Um ou mais dos sintomas: Dispneia, tosse crônica, sibilância, aperto no peito ou desconforto torácico, particularmente à noite ou nas primeiras horas da manhã; Sintomas episódicos; Melhora espontânea ou pelo uso de medicações específicas para asma (broncodilatadores, anti- inflamatórios esteroides); Três ou mais episódios de sibilância no último ano; variabilidade sazonal dos sintomas e história familiar positiva para asma ou atopia; Diagnósticos alternativos excluídos. ANAMNESE As seguintes perguntas devem ser formuladas aos pacientes (ou pais) para se estabelecer o diagnóstico clínico de asma: Tem ou teve episódios recorrentes de falta de ar (dispnéia)? Tem ou teve crises ou episódios recorrentes de chiado no peito (sibilância)? Tem tosse persistente, particularmente à noite ou ao acordar? Acorda por tosse ou falta de ar? Tem tosse, sibilância ou aperto no peito após atividade física? Apresenta tosse, sibilância ou aperto no peito após exposição a alérgenos como mofo, poeira domiciliar ou animais, irritantes como fumaça de cigarro ou perfumes, ou após resfriados ou alterações emocionais como riso ou choro? Usa alguma medicação quando os sintomas ocorrem, e com que frequência? Há alívio dos sintomas após o uso de medicação? Tem antecedentes familiares de doenças alérgicas ou asma? Tem ou teve sintomas de doenças alérgicas (especialmente rinite ou dermatite atópica)? O diagnóstico é confirmado pela demonstração de limitação variável ao fluxo de ar. As medidas da função pulmonar fornecem uma avaliação da gravidade da limitação ao fluxo aéreo, sua reversibilidade e variabilidade, além de fornecer confirmação do diagnóstico de asma. Reversibilidade é mais utilizado para indicar melhoras rápidas no VEF1 ou PFE após a inalação de um beta-agonista de ação rápida ou a melhora gradual em dias ou semanas após a introdução de medicação controladora efetiva. Variabilidade indica melhora ou deterioração dos sintomas ou função pulmonar no decorrer do tempo. Pode ocorrer durante o dia, com o passar dos dias ou semanas ou anualmente. A obtenção de uma história de variabilidade é componente essencial no diagnóstico de asma além de fazer parte dos critérios para o estabelecimento do controle da asma. Medidas de função pulmonar: Espirometria Esta parte do exame é a mais importante no que concerne à asma. O paciente faz uma inspiração profunda máxima e depois expira de forma forçada todo o ar possível. Os principais parâmetros analisados na espirometria são: VEF1: este é o volume expiratório forcado no primeiro segundo e está caracteristicamente reduzido na crise asmática e frequentemente no período intercrítico. Seu aumento após a prova broncodilatadora é um critério diagnóstico de asma. Pode ser utilizado para quantificar a gravidade da doença: (1) Asma leve: VEF1 > 80% do previsto. (2) Asma moderada: VEF1 60-80% do previsto. (3) Asma grave: VEF1 <60% do previsto O VEF1 de um adulto está em torno de 2L. LEMBRAR QUE... Uma espirometria normal com história clínica sugestiva não exclui o diagnóstico. Pacientes com sintomas intermitentes ou asma controlada geralmente têm espirometria inteiramente normal mesmo antes do uso de broncodilatador. Pico de Fluxo Expiratório (PFE): O PFE é importante para o diagnóstico, monitoração e controle da asma. A variação diurna do PFE pode ser utilizada para se documentar a obstrução do fluxo aéreo. São indicativos de asma: - Aumento de pelo menos 15% no PFE após inalação de um broncodilatador ou um curso oral de corticosteróide; - Variação diurna no PFE maior que 20% (diferença entre a maior e a menor medida do período) considerando medidas feitas pela manhã e à tarde, ao longo de um períodode duas a três semanas. (1) Asma leve: >80% do previsto. (2) Asma moderada: entre 60 - 80% do previsto. (3) Asma grave: <60% do previsto. Diagnóstico da alergia A anamnese cuidadosa é importante para a identificação de prováveis alérgenos, podendo ser confirmados por provas in vivo (provas cutâneas) ou in vitro (determinação de concentração sanguínea de IgE específica): • testes cutâneos devem ser realizados utilizando-se extratos biologicamente padronizados; a técnica mais utilizada é a de puntura. Em nosso meio predominam os antígenos inaláveis, sendo os mais frequentes os ácaros das espécies Dermatophagoides pteronyssinus e Blomia tropicalis. • outros alérgenos inaláveis (pólen, baratas, epitélio de gatos e cães) têm menos importância. Alimentos raramente induzem asma. • a determinação de IgE sérica específica confirma e complementa os resultados dos testes cutâneos, fornecendo dados quantitativos, mas, por ser mais onerosa, não tem sido recomendada rotineiramente. Testes adicionais: Em indivíduos sintomáticos com espirometria normal e ausência de reversibilidade demonstrável ao uso de broncodilatador, o diagnóstico pode ser confirmado pela demonstração de hiperresponsividade das vias aéreas. As medidas de hiperresponsividade refletem a sensibilidade ou facilidade com que as vias aéreas reagem aos estímulos externos que podem causar sintomas de asma e os resultados do teste são usualmente expressos como a concentração (ou dose) provocadora do agonista utilizado em causar uma queda significativa no VEF1 (por convenção ≥ a 20%): Teste de broncoprovocação com agentes broncoconstritores (metacolina, histamina, carbacol) com alta sensibilidade e alto valor preditivo negativo. Teste de broncoprovocação por exercício demonstrando queda do VEF1 acima de 10 a 15%. DIAGNÓSTICO EM LACTENTES Até o momento, não existem marcadores bioquímicos ou testes clínicos capazes de fornecer, com precisão, o diagnóstico de asma em lactentes e pré-escolares. Crianças menores de 5 anos, em sua maioria, não conseguem realizar espirometria; a dosagem de IgE alterada depende da idade da criança e é de difícil interpretação nos mais jovens. O Quadro 3 define risco de asma em lactentes. Aqueles que apresentam 2 critérios maiores, sendo um deles o número 1 ou 2, ou aqueles que apresentarem 2 critérios maiores e 2 menores, devem ser considerados de alto risco para sibilância persistente e diagnóstico de asma. EXAME FÍSICO GERAL Observa-se em pessoas com asma: • Taquipneia (25 - 40 irpm). • Taquicardia. • Pulso paradoxal (queda exagerada da PAS durante a inspiração). • Oximetria de pulso (saturação próxima dos 90%). Exame do Tórax • Uso da musculatura acessória. • Hiper-insuflação torácica. • Fase expiratória prolongada. • Hipertimpanismo à percussão. • FTV diminuído. • Presença de sibilos à ausculta. OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES Gasometria: sinais de gravidade; PFE < 30% após tratamento (box 2). Radiografia de tórax: suspeita de pneumonia, pneumotórax ou necessidade de internação. Hemograma: suspeita de infecção associada. Eletrólitos: coexistência de doenças cardiovasculares, uso de diuréticos ou de altas doses beta-2 agonistas. ECG: pacientes com mais de 50 anos e com doença cardíaca ou DPOC. Classificação da gravidade para início de tratamento A classificação da gravidade tem como principal função a determinação da dose de medicamentos suficiente para que o paciente atinja o controle no menor prazo possível. Estima-se que 60% dos casos de asma sejam intermitentes ou persistentes leves, 25% a 30% moderados e 5% a 10% graves. Ressalta-se que embora a proporção de asmáticos graves represente a minoria dos asmáticos ela concorre com a maior parcela na utilização dos recursos de saúde. A avaliação usual da gravidade da asma pode ser feita pela análise da frequência e intensidade dos sintomas e pela função pulmonar. A tolerância ao exercício, a medicação necessária para estabilização dos sintomas, o número de visitas ao consultório e ao pronto-socorro, o número anual de cursos de corticosteroide sistêmico, o número de hospitalizações por asma e a necessidade de ventilação mecânica são aspectos também utilizados para classificar a gravidade de cada caso. A caracterização da gravidade da asma deve envolver a gravidade da doença subjacente propriamente dita e sua responsividade ao tratamento. Em consequência disso, a asma pode se apresentar com graves sintomas e limitação ao fluxo de ar e ser classificada como persistente grave na apresentação inicial, mas responder muito bem ao tratamento e necessitar de uma dose baixa de medicação controladora e ser então caracterizada como asma leve ou moderada. Mais ainda, a gravidade não é uma característica fixa do paciente com asma e pode se alterar com os meses ou anos. Neste sentido, uma avaliação periódica do paciente com asma e o estabelecimento do tratamento de acordo com o nível de controle seria mais relevante e útil. IDENTIFICAÇÃO DO ASMÁTICO DE RISCO A causa da morte por asma é asfixia na quase totalidade dos casos. Tratamento excessivo, como causa de óbito, é raro. Por isso, é preciso identificar os seguintes aspectos que indicam maior risco para os pacientes: • Três ou mais visitas à emergência ou duas ou mais hospitalizações por asma nos últimos 12 meses • Uso frequente de corticosteroide sistêmico • Crise grave prévia, necessitando intubação • Uso de dois ou mais tubos de aerossol dosimetrado de broncodilatador/mês • Problemas psicossociais (ex.: depressão) • Comorbidades – doença cardiovascular ou psiquiátrica • Asma lábil, com marcadas variações de função pulmonar (> 30% do pfe ou do vef1 previstos) • Má percepção do grau de obstrução CONDUTA TERAPÊUTICA Inclui medidas preventivas para o desencadeamento da crise, tratamento da crise instalada e educação do paciente e de seus familiares para conviver com uma doença crônica. Os objetivos do tratamento são: • Atingir e manter o controle dos sintomas • Manter as atividades da vida diária normais, incluindo exercícios. • Manter a função pulmonar normal ou o mais próximo possível do normal • Prevenir as exacerbações • Minimizar os efeitos colaterais das medicações • Prevenir a mortalidade Não-farmacológico Abordagem integral O paciente com asma deve ser avaliado de forma integral. A abordagem das questões psicossociais e emocionais associadas à doença, tanto da família quanto do paciente, a educação e o esclarecimento em relação às dúvidas e à convivência com uma doença crônica devem ser avaliados em todas as consultas. Controle ambiental Deve ser oferecido, em todas as consultas, o aconselhamento sobre cessação do tabagismo do paciente e dos familiares, bem como aconselhamento para evitar exposição aos alérgenos ambientais/ocupacionais. Atividade física O paciente asmático deve ser estimulado a realizar atividade física regularmente e receber orientação em relação ao tratamento da broncoconstrição desencadeada pelo exercício. Vacinação Pacientes com asma em uso de corticoide inalatório devem receber a vacina da Gripe (Influenza). Alergias e atopias O paciente deve ser orientado sobre a possibilidade de coexistência de atopias e de outras alergias (medicamentosas e alimentares). Sempre que possível, manter o tratamento adequado para atopias (rinite alérgica). Adesão e revisão do uso correto de dispositivos A revisão da adesão e do uso correto de dispositivos inalatórios deve ser feita sistematicamente em todos os pacientes que usam o medicamento. Preferencialmente, através do uso supervisionado (trazer a medicação na consulta utilizar junto com o profissional de saúde). FarmacológicoMedicação sintomática (resgate) Beta2-agonista e anticolinérgico são broncodilatadores utilizados para aliviar os sintomas da asma e devem estar prescritos para todos os pacientes, mesmo para os pacientes com asma controlada, para o uso conforme a necessidade. Medicação de controle (uso contínuo) O tratamento da asma em longo prazo é realizado através de um manejo medicamentoso sequencial determinado pela resposta clínica ao tratamento. Os pacientes que alcançam controle satisfatório devem manter o tratamento no estágio com a menor dose do medicamento que controla os sintomas da doença. Por exemplo, pacientes que persistem com asma parcialmente controlada ou não controlada em uso de β2 agonista de curta ação para resgate (Estágio 1) devem iniciar corticoide inalatório em dose baixa para o tratamento de manutenção (Estágio 2). O corticoide inalatório reduz a inflamação das vias áreas, controla os sintomas, reduz risco de futuras crises. Pacientes que persistem sem controle da doença com medicação no Estágio 2, pode-se iniciar β2 agonista de longa ação associado ao corticoide inalatório em dose baixa (primeira escolha terapêutica para o Estágio 3) ou, como segunda opção, manter somente corticoide inalatório em dose média/alta. Pacientes que persistem sintomáticos no Estágio 3, podem ser manejados na APS com aumento da medicação para o Estágio 4 (corticoide inalatório em dose média/alta associado β2 agonista de longa ação). Porém, recomenda-se que pacientes que necessitam manter tratamento em Estágio 4 ou 5 sejam encaminhados para avaliação conjunta com serviço especializado em Pneumologia. ASMA NO IDOSO A asma é subdiagnosticada no idoso por várias razões: Menor percepção da dispneia. Interpretação da dispneia como uma consequência natural da idade. Doenças associadas (cardiovasculares, hipotiroidismo) Dificuldade de comprovação objetiva da obstrução das vias aéreas. As etapas do tratamento não diferem das dos indivíduos de outras faixas etárias, mas alguns aspectos merecem ser enfatizados: - Possíveis comorbidades podem estar presentes - Os β2-agonistas podem provocar tremores ou agravar tremores preexistentes. - Os β2-agonistas podem ter efeitos menos expressivos, já que pode haver disfunção de β- receptores. - Por sua maior segurança os anticolinérgicos devem ser indicados quando for necessária medicação broncodilatadora contínua. - A vacinação anual anti-influenza e a antipneumocócica a cada 5 - 7 anos devem ser indicadas. - A técnica de utilização de medicações inalatórias deve ser revisada regularmente e a utilização de espaçadores para o uso dos aerossóis dosimetrados deve ser estimulada quando inaladores de pó não puderem ser utilizados - É fundamental verificar a adesão, que pode não ser adequada devido à prescrição de vários medicamentos, declínio cognitivo com perda de memória, limitações físicas, dificuldade na compra por questões financeiras ou apatia. ASMA NA GRAVIDEZ A gravidez tem um efeito variável sobre o curso da asma, podendo permanecer estável, piorar ou melhorar, com retorno ao estado anterior à gravidez em cerca de três meses após o parto. Os sintomas geralmente melhoram durante as últimas 4 semanas da gravidez e o parto não costuma associar-se com piora da asma. O manejo difere muito pouco daquele preconizado para não-grávidas. O subtratamento resulta em maior risco para a mãe e para o feto do que o uso de quaisquer drogas necessárias para o controle da doença. Há baixo risco de malformações congênitas associadas às medicações usualmente utilizadas no tratamento da asma. Pacientes com asma mal controlada devem ser cuidadosamente monitorizadas quanto ao retardo de crescimento intrauterino do feto e pré- eclâmpsia. Monitorização fetal intensiva é essencial em mulheres com asma aguda durante a gravidez. Sobre o parto: Ocitocina é a droga de escolha para indução do parto. Crises de asma no momento do parto devem ser tratadas de maneira usual. Algumas medicações potencialmente usadas para indicações obstétricas em pacientes com asma devem ser evitadas pela possibilidade de broncoespasmo. Estas incluem: • Prostaglandina F2α • Ergonovina • Agentes antiinflamatórios não esteróides (pacientes sensíveis). CONDUTA EDUCACIONAL Recomendam-se pontos chave a serem incluídos nas atividades educativas: • Explicação sobre a asma ser uma doença inflamatória e existir uma hipersensibilidade a desencadeantes distintos (infecção viral, tabaco, etc.). • Orientação de que a asma pode ser controlada e que a presença de sintomas requer revisão do tratamento. • Orientação sobre as diferenças existentes entre os medicamentos de alívio (broncodilatadores) e os medicamentos de manutenção/controle (anti-inflamatórios). • Orientação sobre os principais desencadeantes. • Retirada de alérgenos, como estratégia, não é recomendada, por ser dispendiosa e sem comprovação da sua efetividade. Alguns desencadeantes comuns, como o ato de fazer exercício e o de rir, não devem ser evitados, e outros, como infecções respiratórias virais e estresse, são difíceis de evitar. • Explicação sobre um plano de ação escrito que contemple os sinais e sintomas de descontrole, instruções sobre o ue fazer e quando procurar atendimento. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Os principais diagnósticos diferenciais em adultos são: • Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (especialmente se o paciente é tabagista) • Insuficiência Cardíaca Congestiva, • Hiperreatividade pós infecciosa, • Discinesia de cordas vocais, • Doença difusa do parênquima pulmonar, • Bronquiectasias, • Síndrome de hiperventilação (como transtornos de ansiedade), entre outros. Crianças menores de cinco de idade Rinossinusite Doença pulmonar crônica da prematuridade e malformações congênitas Fibrose cística, bronquiectasias, bronquiolite obliterante pós-infecciosa e discinesia ciliar Síndromes aspirativas (refluxo gastroesofágico, distúrbios de deglutição, fístula traqueoesofágica e aspiração de corpo estranho) Laringotraqueobroncomalácia, doenças congênitas da laringe (estenose e hemangioma) e anel vascular Tuberculose Cardiopatias Imunodeficiências Crianças acima de cinco anos e adultos Rinossinusite Síndrome de hiperventilação alveolar e síndrome do pânico Obstrução de vias aéreas superiores (neoplasias e aspiração de corpo estranho) Disfunção das cordas vocais DPOC e outras doenças obstrutivas das vias aéreas inferiores (bronquiolites, bronquiectasias e fibrose cística) Doenças difusas do parênquima pulmonar Insuficiência cardíaca diastólica e sistólica Doenças da circulação pulmonar (hipertensão e embolia) PROGNÓSTICO Na maioria das crianças, a asma regride com a idade. Entretanto aproximadamente 1 em cada 4 indivíduos, os sibilos persistem até a idade adulta ou desenvolve-se recidiva após muitos anos. Pacientes do sexo feminino, tabagistas ativos e passivos, sensibilidade à poeira de acarinos domésticos e ¼ daqueles que tiveram início em idade precoce constituem fatores de risco de persistência e a recidiva. Embora um número significativo de mortes por ano seja atribuível à asma, a maioria dessas mortes é prevenível com o tratamento. Portanto de modo geral, o prognóstico é bom, com o acesso e a adesão adequados ao tratamento. Um dos fatores de risco de óbito, envolve a falta do corticoide oral principalmente naqueles pacientes que dão entrada no hospital apresentando crises agudas e valores baixos do PFE. Diante disso alguns estudos realçam a importância da ingestão de corticoides por via oral antes mesmo da hospitalização, aumentando a probabilidade de uma possível recuperação nesses pacientes,já que o uso de corticoides inaláveis diminui a internação hospitalar e as taxas de mortalidade. Com o tempo, as vias respiratórias de alguns pacientes asmáticos sofrem alterações estruturais permanentes (remodelamento) e evoluem com obstrução do fluxo respiratório de base que não é completamente reversível. Por isso, a utilização agressiva e precoce de fármacos anti-inflamatórios pode ajudar a prevenir esse remodelamento. COMPLICAÇÕES Os asmáticos apresentam maior risco de complicações pulmonares pós-operatórias e o broncoespasmo intraoperatório deve ser encarado como uma complicação com potencial risco para a vida. Com o tempo, as vias respiratórias de alguns pacientes asmáticos sofrem alterações estruturais permanentes (remodelamento) e evoluem com obstrução do fluxo respiratório de base que não é completamente reversível. DALCIN, Paulo de Tarso Roth; PERIN, Christiano. Manejo da asma aguda em adultos na sala de emergência: evidências atuais. Rev Assoc Med Bras. v. 55, n. 1, p. 82-88. 2009. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • BORGES, Wellington (Org.). Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2017. • Cardoso TA, Roncada C, Silva ER, Pinto LA, Jones MH, Stein RT, Pitrez PM. Impacto da asma no Brasil: análise longitudinal de dados extraídos de um banco de dados governamental brasileiro. J. Bras. Pneumol. 2017. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1806- 37132017000300163&lng=en&nrm=iso>. • Grayson MH, Holtzman MJ. Asthma. ACP Medicine. 2013. 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