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Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Antibióticos – Inibidores de síntese proteica (macrolídeos e aminoglícosideos) Muitos antimicrobianos exercem seu efeito antimicrobiano agindo nos ribossomas bacterianos e inibindo a síntese proteica das bactérias. Os ribossomas bacterianos diferem estruturalmente dos ribossomas citoplasmáticos dos mamíferos; em geral, a seletividade pelos ribossomas bacterianos minimiza potenciais consequências adversas resultantes da interrupção da síntese proteica nas células do hospedeiro mamífero. Contudo, concentrações elevadas de cloranfenicol ou tetraciclinas podem causar efeitos tóxicos como resultado da interação com ribossomas mitocondriais de mamífero, pois a estrutura de ribossomas mitocondriais se parece mais com a de ribossomas de bactérias. Tetraciclinas As tetraciclinas consistem em quatro anéis fundidos com um sistema de ligações duplas conjugado. Substituições nesses anéis alteram a farmacocinética individual e o espectro de atividade antimicrobiana. • Mecanismo de ação As tetraciclinas entram nos microrganismos suscetíveis por difusão passiva e também por um mecanismo proteico de transporte dependente de energia próprio da membrana citoplasmática interna da bactéria. As tetraciclinas se concentram no interior das células dos microrganismos suscetíveis. Elas se ligam reversivelmente à subunidade 30S do ribossoma bacteriano. Essa ação impede que o RNA transportador (RNAt) se ligue ao complexo RNA mensageiro (RNAm)- ribossoma, inibindo, assim, a síntese de proteínas da bactéria. • Espectro antibacteriano As tetraciclinas são antimicrobianos bacteriostáticos eficazes contra uma ampla variedade de microrganismos, incluindo bactérias gram-positivas e gram-negativas, protozoários, espiroquetas, micobactérias e espécies atípicas (Fig. 39.3). • Resistência A resistência natural às tetraciclinas mais frequente é uma bomba de efluxo que as expele para fora da célula, impedindo, assim, o seu acúmulo intracelular. Outros mecanismos de resistência bacteriana às tetraciclinas incluem inativação enzimática e produção de proteínas bacterianas, que impedem a ligação da tetraciclina no ribossoma. OBS.: a resistência a uma tetraciclina não confere resistência universal a todas elas. • Farmacocinética 1. Absorção: são adequadamente absorvidas após ingestão oral. A administração com produtos lácteos ou outras substâncias que contenham cátions di e trivalentes diminuem a Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 absorção, particularmente para a tetraciclina, devido à formação de quelatos não absorvíveis. 2. Distribuição: as tetraciclinas se concentram na bile, no fígado, nos rins, no líquido gengival e na pele. Além disso, elas se fixam nos tecidos em calcificação (p. ex., dentes e ossos) ou em tumores com alto conteúdo de cálcio. Todas as tetraciclinas atravessam a barreira placentária e se concentram em ossos e dentição fetais. 3. Eliminação: tetraciclina e doxiciclina não são biotransformadas no fígado. A tetraciclina é eliminada inalterada primariamente na urina, e a minociclina sofre biotransformação hepática e é eliminada em menor extensão pelos rins. OBS.: em pacientes com comprometimento renal, prefere-se a doxiciclina, pois é eliminada primariamente pela bile nas fezes. • Efeitos adversos 1. Desconforto gastrintestinal: a azia é, em geral resultado de irritação da mucosa gástrica e com frequência é responsável pela não aderência às tetraciclinas. A esofagite pode ser minimizada pela coadministração com alimentos ou líquidos e pelo uso de cápsulas em vez de comprimidos. OBS.: as tetraciclinas, devem ser tomadas em jejum. 2. Efeitos nos tecidos calcificados: o depósito nos ossos e na dentição primária ocorre durante o processo de calcificação nas crianças em crescimento. Isso pode causar coloração e hipoplasia dos dentes e interrupção temporária do crescimento. O uso de tetraciclinas em pediatria é limitado. 3. Hepatotoxicidade: pode ocorrer hepatotoxicidade com doses altas, particularmente em gestantes e em pacientes com disfunção hepática ou renal preexistente. 4. Fototoxicidade: podem ocorrer queimaduras graves em pacientes que receberam tetraciclina e são expostos ao sol ou a radiações ultravioleta (UV). OBS.: ocorre com qualquer tetraciclina, mas é mais frequente com tetraciclina e com demeclociclina. Os pacientes devem ser aconselhados a usar proteção solar adequada. 5. Disfunção vestibular: tonturas, vertigens e zumbidos podem ocorrer particularmente com minociclina, que se concentra na endolinfa do ouvido e afeta sua função. 6. Pseudotumor cerebral: hipertensão intracraniana benigna caracterizada por cefaleia e visão embaçada ocorre raramente em adultos. OBS.: embora a interrupção do fármaco reverta essa condição, não está claro se podem ocorrer sequelas permanentes. 7. Contraindicações: As tetraciclinas não devem ser administradas em gestantes ou lactantes nem em crianças com menos de 8 anos de idade. Aminoglicosídeos Os aminoglicosídeos são usados para o tratamento de infecções graves decorrentes de bacilos gram-negativos aeróbicos. Contudo, sua utilidade clínica é limitada por graves toxicidades. O termo “aminoglicosídeo” se origina da sua estrutura: dois aminoaçúcares unidos por ligação glicosídica a um núcleo hexose central. • Mecanismo de ação Os aminoglicosídeos difundem-se por meio de canais porina na membrana externa dos microrganismos suscetíveis. Esses microrganismos também têm um sistema dependente de oxigênio que transporta o fármaco através da membrana citoplasmática. Dentro da célula, eles se fixam na subunidade ribossomal 30S, onde interferem com a Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 montagem do aparelho ribossomal funcional e/ou causam a leitura incorreta do código genético pela subunidade 30S do ribossoma completo. Os antimicrobianos que interrompem a síntese proteica em geral são bacteriostáticos; os aminoglicosídeos são os únicos a atuar como bactericidas. O efeito bactericida dos aminoglicosídeos é concentração-dependente, isto é, a eficácia depende da concentração máxima (Cmáx) do fármaco acima da concentração inibitória mínima (CIM) do microrganismo. Para os aminoglicosídeos, a Cmáx é de 8 a 10 vezes a CIM. Eles também exibem efeito pós-antimicrobiano (EPA), que é supressão bacteriana continuada após a concentração do antimicrobiano cair abaixo da CIM. Quanto maior a dosagem, mais longo o EPA. OBS.: tendo em vista essas propriedades, o aumento do intervalo entre dosagens (uma dose alta única é administrada por dia) é usado com mais frequência do que dosagens diárias divididas. Isso diminui o risco de nefropatia e aumenta a adesão ao tratamento. • Espectro antibacteriano Os aminoglicosídeos são eficazes contra a maioria dos bacilos aeróbicos gram-negativos, incluindo os que podem ser resistentes a múltiplos fármacos. OBS.: os aminoglicosídeos são associados, com frequência, a antimicrobianos β-lactâmicos para obter efeito sinérgico, particularmente no tratamento de endocardite infecciosa por Enterococcus faecalis e Enterococcus faecium. • Resistência A resistência aos aminoglicosídeos ocorre via 1) bomba de efluxo; 2) diminuição da captação; e/ou 3) modificação e inativação por síntese de enzimas associada a plasmídeos. Cada uma dessas enzimas tem sua própria especificidade aminoglicosídica;portanto, a resistência cruzada não pode ser presumida. • Farmacocinética 1. Absorção: a estrutura policatiônica altamente polar dos aminoglicosídeos impede absorção adequada após administração oral. Por isso, todos os aminoglicosídeos (exceto a neomicina) precisam ser administrados por via parenteral para alcançar níveis séricos adequados. 2. Distribuição: devido à sua hidrofilicidade, as concentrações tissulares podem ser subterapêuticas, e a penetração na maioria dos líquidos orgânicos é variável. Todos os aminoglicosídeos atravessam a barreira placentária e podem acumular no plasma fetal e no líquido amniótico. OBS.: devido à baixa distribuição no tecido gorduroso, os aminoglicosídeos são dosados com base na massa corporal magra, não na massa corporal total. OBS.: contra infecções localizadas no sistema nervoso central (SNC), pode ser usada a via intratecal (IT). 3. Eliminação: mais de 90% do aminoglicosídeo parenteral é excretado inalterado na urina. Ocorre acúmulo em pacientes com disfunção renal, sendo necessário ajustar a dosagem. • Efeitos adversos É necessário monitorar os níveis terapêuticos de gentamicina, tobramicina e amicacina para assegurar dosagem adequada e minimizar a toxicidade relacionada com a dosagem. Os idosos são particularmente suscetíveis à nefro e à ototoxicidade. 1. Ototoxicidade: está relacionada diretamente com picos plasmáticos elevados e com a duração do tratamento. O antimicrobiano acumula na endolinfa e na perilinfa do ouvido interno. A surdez pode ser irreversível e também atinge o feto em desenvolvimento. Vertigens também podem ocorrer. 2. Nefrotoxicidade: a retenção dos aminoglicosídeos pelas células tubulares proximais interrompe os processos de transporte mediados por cálcio. Isso resulta em lesão renal que varia de insuficiência renal leve e reversível até grave, potencialmente irreversível, e necrose tubular aguda. 3. Paralisia neuromuscular: este efeito adverso está associado com aumento rápido da concentração ou administração Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 concomitante de bloqueadores neuromusculares. OBS.: a administração de gliconato de cálcio ou neostigmina pode reverter o bloqueio que causa a paralisia. 4. Reações alérgicas: dermatite de contato é uma reação comum para a neomicina aplicada topicamente. Macrolídeos e Cetolídeos Os macrolídeos são um grupo de antimicrobianos com uma estrutura lactona macrocíclica à qual estão ligados um ou mais açúcares desoxi. • Mecanismo de ação Os macrolídeos se ligam irreversivelmente a um local na subunidade 50S do ribossoma bacteriano, inibindo, assim, etapas de translocação na síntese de proteínas. Eles também podem interferir em outras etapas, como a transpeptização. Geralmente considerados bacteriostáticos, os macrolídeos podem ser bactericidas em dosagens mais elevadas. • Espectro antibacteriano 1. Eritromicina: é eficaz contra vários dos mesmos microrganismos da benzilpenicilina. Por isso ela pode ser usada em pacientes alérgicos à benzilpenicilina. 2. Claritromicina: tem atividade similar à da eritromicina, mas também é ativa contra Haemophilus influenzae. 3. Azitromicina: embora menos ativa contra estreptococos e estafilococos do que a eritromicina, a azitromicina é muito mais ativa contra as infecções respiratórias por H. influenzae e Moraxella catarrhalis. 4. Telitromicina: tem espectro antimicrobiano similar ao da azitromicina. Além disso, a modificação estrutural dos cetolídeos neutraliza os mecanismos de resistência mais comuns) que os tornam ineficazes. • Resistência A resistência aos macrolídeos está associada com 1) a incapacidade do microrganismo de captar o antimicrobiano; 2) a presença de uma bomba de efluxo; 3) a diminuição da afinidade da subunidade ribossomal 50S pelo antimicrobiano, resultante da metilação de uma adenina no RNA ribossomal bacteriano 23S em microrganismos gram-positivos; e 4) a presença de uma eritromicina esterase associada a plasmídeo em microrganismos gram-negativos, como as Enterobacteriaceae. • Farmacocinética 1. Administração: todos são adequadamente absorvidos por via oral. OBS.: os alimentos interferem na absorção de eritromicina e azitromicina, mas podem aumentar a absorção de claritromicina. 2. Distribuição: A eritromicina se distribui bem em todos os líquidos corporais, exceto no LCS. Os quatro fármacos se concentram no fígado: Claritromicina, azitromicina e telitromicina são amplamente distribuídas nos tecidos. A Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 azitromicina se concentra nos neutrófilos, macrófagos e fibroblastos, e os níveis séricos são baixos. OBS.: a azitromicina tem a meia-vida mais longa e o maior volume de distribuição dos quatro fármacos. 3. Eliminação: Eritromicina e telitromicina são extensamente biotransformadas no fígado. Elas inibem a oxidação de inúmeros fármacos por meio de sua interação com o sistema CYP450. 4. Excreção: Eritromicina e azitromicina são concentradas e excretadas primariamente na bile como fármacos ativos. Ocorre reabsorção parcial por meio da circulação entero-hepática. Em contraste, a claritromicina e seus metabólitos são eliminados pelos rins, bem como pelo fígado. OBS.: a dosagem deste fármaco deve ser ajustada em pacientes com insuficiência renal. • Efeitos adversos 1. Irritação e motilidade gástrica: é o efeito adverso mais comum dos macrólideos e pode levar à pouca aderência ao tratamento. 2. Icterícia colestática: este efeito ocorre especialmente com a forma estolato da eritromicina. 3. Ototoxicidade: surdez transitória foi associada à eritromicina, especialmente em dosagens elevadas. 4. Contraindicações: pacientes com disfunção hepática devem ser tratados com cautela com eritromicina, telitromicina ou azitromicina, pois esses fármacos acumulam no fígado. Hepatotoxicidade grave com a telitromicina limitou seu uso, considerando ainda a existência de alternativas. OBS.: os macrolídeos e cetolídeos podem prolongar o intervalo QTc e devem ser usados com cautela em pacientes com condições pré- arrítmicas ou uso concomitante de fármacos pró-arrítmicos. 5. Interações farmacológicas: eritromicina, telitromicina e claritromicina inibem a biotransformação hepática de inúmeros fármacos, o que pode levar ao acúmulo tóxico desses compostos. Pode ocorrer interação com digoxina. Nesse caso, o antimicrobiano elimina espécies da flora intestinal que ordinariamente inativam a digoxina, levando, assim, à sua maior reabsorção nfaca circulação entero- hepática. Referências: EDITORIA DE WANNMACHER, Lenita; FERREIRAS, Maria Beatriz Cardoso (editora). Farmacologia clínica para dentistas. 3.ed. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 545. p GOODMAN & GILMAN. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 12ª Ed. Rio de Janeiro; Editora Guanabara Koogan. 2012. WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
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