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CONSTIPAÇÃO INTESTINAL DEFINIÇÃO A definição de constipação é relativa e envolve aspectos como consistência, frequência e dificuldade de evacuação. Toda evacuação dolorosa ou associada à dificuldade por um intervalo de tempo igual ou superior a três dias deve ser tratado como constipação. A constipação é um processo que tende a autoperpetuação quando não interrompido: a evacuação dolorosa inibe a criança de esvaziar o reto, levando à maior retenção, gerando um ciclo vicioso que tende a agravar progressivamente a situação. É sabido que a distensão do reto em longo prazo provoca uma redução da sensibilidade do reflexo de defecação e da efetividade da peristalse. Eventualmente, as fezes mais liquefeitas presentes no reto proximal podem escoar através da parede intestinal, ao redor do bolo fecal impactado, vindo a exteriorizar-se de modo quase imperceptível pela criança. Os pais geralmente referem este sinal (encoprese ou “soiling”) como sendo “diarreia”, quando na verdade trata-se de escoamento de fezes líquidas ao redor do bolo fecal endurecido e impactado da constipação. EPIDEMIOLOGIA A constipação é um dos sintomas mais frequentes da faixa etária pediátrica, sendo responsável por cerca de 3% dos atendimentos em ambulatórios de pediatria e 25% dos atendimentos no ambulatório de gastroenterologia. Na grande maioria das vezes (90-95%) deriva de origem funcional e apenas uma minoria é secundária à doença orgânica. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL CONSTIPAÇÃO FUNCIONAL DEFINIÇÃO É caracterizada como um atraso ou dificuldade de defecação por um período superior a duas semanas. É também chamada idiopática, e por definição não é provocada por qualquer anormalidade estrutural ou funcional no trato gastrointestinal. Pode e deve ser diferenciada da constipação “orgânica” através da história e exame físico. CLÍNICA A constipação funcional caracteristicamente se inicia logo após o período neonatal e desenvolve-se após a passagem dolorosa do bolo fecal pelo reto, desencadeando o ciclo vicioso dor – retenção fecal – constipação – dor. A dor durante a evacuação pode ser identificada através de comportamentos típicos e postura que a criança manifesta: contração da musculatura glútea, extensão rígida das pernas enquanto a criança está deitada; algumas crianças se agacham ou se escondem para evacuar. Quando o paciente consegue evacuar, elimina fezes volumosas e de grande calibre. A encoprese, caracterizada pela perda fecal involuntária e geralmente de aspecto pastoso ou líquido, também é uma queixa frequente e erroneamente interpretada como diarreia. Lembrar sempre que constipação associada a perda de peso, déficit de desenvolvimento, dor abdominal grave, vômitos persistentes e fissuras/fístulas perianais crônicas devem levantar a hipótese de causa orgânica para a síndrome. Ao exame físico constatamos grande bolo fecal palpável na região suprapúbica, e ao toque retal é possível verificar uma ampola dilatada e preenchida com fezes. A presença de anormalidades cutâneas (ex.: massas, tufos capilares) na coluna dorsal associada ao desaparecimento dos reflexos cutâneo-superficiais cremastérico e retal deve levantar a suspeita de lesão medular. A ausência de reflexos profundos em membros inferiores associado à espasticidade pode sugerir síndrome da medula ancorada. Na presença de história e exame físico típicos, exames complementares são desnecessários. TRATAMENTO 1. Orientação da família a respeito da benignidade do quadro, mas da necessidade de adoção de medidas comportamentais e medicamentosas para tratamento da condição. 2. Desimpactação fecal: deve ser realizada por dois a cinco dias, isto é, antes do início do tratamento de manutenção para permitir a remoção do bolo fecal endurecido e impactado nos segmentos colorretais mais baixos. São opções: a) Solução de sorbitol 1 bisnaga 1x/dia para retenção de pequeno volume; b) Solução fosfatada (3-5 ml/kg/dia), em ambiente hospitalar para retenções de grande volume; c) Solução glicerinada; d) Polietilenoglicol 1,5 g/kg/dia. 3. Mudanças na dieta: alimentação rica em fibra (ex.: frutas, legumes, folhas) e água. 4. Treinamento de toalete: sentar-se com a criança no vaso sanitário, 3x/dia, após as principais refeições, aproveitando o reflexo gastrocólico, por 5 minutos, permitindo que a criança apoie os pés em superfície plana, a fim de aumentar o poder de prensa abdominal e retificar o ângulo anorretal. 5. Laxativos: a) osmóticos (> 6 meses): lactulose (1-3 ml/kg/dia em 1 ou 2 doses) ou hidróxido de magnésio (1-3 ml/kg/dia em 1 ou 2 doses); b) lubrificantes (> 1 ano; contraindicado em encefalopatas): óleo mineral (1-3 ml/kg/dia em 1 ou 2 doses); c) PEG (Polietilenoglicol - > 1 ano): 0,26- -0,84 g/kg/dia. MEGACÓLON AGANGLIÔNICO CONGÊNITO (DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG) DEFINIÇÃO É uma doença de natureza esporádica (na maioria das vezes), autossômica recessiva ou autossômica dominante, caracterizada pelo não desenvolvimento dos plexos nervosos de Meissner e Auerbach na parede intestinal. Resulta de uma falha de migração neuroblástica do segmento intestinal proximal para o distal. A inervação anormal do intestino começa no esfíncter anal interno e se estende proximalmente por um comprimento intestinal variável. Em 75% dos casos o segmento agangliônico é restrito ao retossigmoide, e, em apenas 10%, todo cólon está depletado dos plexos nervos submucoso e mioentérico. EPIDEMIOLOGIA A doença de Hirschsprung afeta 1:5.000 nascidos vivos, com uma predileção pelo sexo masculino (4:1). Pode também haver associação com outras síndromes (ex.: Down, Waardenburg) e outras malformações (ex.: cardiopatias, malformações geniturinárias, microcefalia, retardo mental e fácies anormal). CLÍNICA Os sintomas podem iniciar-se ainda no período neonatal em bebês a termo, como falha ou atraso na eliminação de mecônio, que normalmente acontece até 48 horas de vida. Se não há passagem do conteúdo intestinal, ocorre dilatação das alças proximais, a pressão intraluminal aumenta resultando em isquemia e deterioração da barreira mucosa. Assim, criam-se condições favoráveis para proliferação bacteriana (Clostridium difficile, Staphylococcus aureus, enterobactérias e anaeróbios), configurando o quadro de enterocolite necrosante. No período neonatal, a doença de Hirschsprung deve ser diferenciada do íleo meconial, síndrome da impactação meconial e atresia intestinal. Algumas crianças podem permitir a passagem do mecônio através do cólon agangliônico, mas desenvolverão ao longo do tempo um quadro de constipação crônica, com deficit de crescimento e desenvolvimento e dificuldade de ganho ponderal. Ao exame físico estas crianças também apresentarão massa fecal palpável no quadrante inferior esquerdo e região suprapúbica, mas de modo diferente do que é verificado na constipação funcional, o toque retal revela uma “ampola vazia”. Além disso, as fezes destas crianças são de pequeno volume, em fita ou caproicas. Raramente se verifica “soiling” ou encoprese. DIAGNÓSTICO O procedimento diagnóstico de escolha é a biópsia retal, que deverá ser realizada 2 cm acima da linha denteada para garantir uma boa amostra de submucosa. Os achados clássicos são: ausência de células ganglionares, bandas de nervos hipertrofiados e alta concentração de acetilcolinesterase entre a submucosa e a camada muscular. A manometria anorretal é utilizada para medir a pressão do esfíncter anal interno enquanto um balão é insuflado no reto. Em pessoas normais, este procedimento de distensão retal resulta em um reflexo que leva à diminuição progressiva da pressão do esfíncter anal interno. Nos pacientes agangliônicos, esta pressão não cai, ou paradoxalmente ao que se espera, se eleva ainda mais com a distensão do reto. As radiografias abdominais contrastadas mostram o segmento intestinalagangliônico constricto e o segmento proximal saudável superdistendido. Esta zona de transição é bem demarcada na doença. TRATAMENTO O tratamento de escolha é a cirurgia, que consiste basicamente na retirada do segmento agangliônico. Inicialmente pode ser feita uma colostomia temporária e, seis a doze meses depois, o trânsito pode ser definitivamente reconstruído através da anastomose do coto proximal com o reto.