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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito Flávia Lúcia Paiva Alves O JUIZ DAS GARANTIAS COMO INSTITUTO NECESSÁRIO A IMPARCIALIDADE NO JULGAMENTO CRIMINAL BELO HORIZONTE 2020 Flávia Lúcia Paiva Alves O JUIZ DAS GARANTIAS COMO INSTITUTO NECESSÁRIO A IMPARCIALIDADE NO JULGAMENTO CRIMINAL Trabalho de conclusão de curso apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Henrique Viana Pereira Belo Horizonte 2020 FOLHA DE APROVAÇÃO “Tradicionalmente a imparcialidade é representada por uma mulher com olhos vendados e com uma espada numa mão e uma balança equilibrada noutra. Contudo, não há como negar, é temeridade dar uma espada a quem está de olhos vendados” (PORTANOVA, 1999, p.79) RESUMO A edição da Lei 13.964/2019 inseriu no Código de Processo Penal a figura do juiz das garantias. Este não terá competência para julgar o processo, mas terá sua atuação restringida à fase de instrução preliminar, na qual caberá a ele a atribuição de zelar pela legalidade da investigação e tutelar de maneira plena a observância dos direitos e garantias fundamentais. Nesse aspecto, uma das justificativas que sustentam a sua implementação é a manutenção da imparcialidade judicial com o afastamento do julgador da instrução preliminar. Dessa forma, o presente trabalho pretende analisar se esta nova figura tem o condão de assegurar a imparcialidade dos julgamentos criminais. Buscando elucidar esse questionamento, serão abordados os entendimentos acerca da imparcialidade judicial adotados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a fim de delimitar o seu conceito e, posteriormente, situá-la no âmbito dos sistemas processuais. Além disso, serão abordados os processos mentais que permeiam a tomada de decisão pelo ser humano e enfrentados os obstáculos e vícios do processo de cognição sob uma perspectiva multidisciplinar da psicologia comportamental. Por fim, será apresentada a nova figura do juiz das garantias e as suas implicações na imparcialidade dos julgamentos criminais. Atingido esses objetivos, foi possível constatar que o novo instituto viabiliza a imparcialidade nas decisões judiciais, mas não é suficiente para a sua garantia. Palavras-chave: Direito Processual Penal. Imparcialidade Judicial. Juiz das Garantias. ABSTRACT The edition of the Law 13.964/2019 inserted in the Penal Procedure Code the figure of the judge of guarantees. This one will not have the competence to judge the process, but his performance will be restricted to the preliminary investigation phase, in which he will be responsible for ensuring the legality of the investigation and safeguarding the observance of all fundamental rights and guarantees. In this regard, one of the justifications that support its implementation is the maintenance of judicial impartiality with the removal of the judge from the preliminary instruction. Thus, the present work intends to analyze if this new figure has the ability to ensure the impartiality of criminal trials. Seeking to elucidate this questioning, the understandings about judicial impartiality adopted by the European Court of Human Rights and the Inter- American Court of Human Rights will be addressed in order to delimit its concept and, subsequently, place it within the scope of procedural systems. In addition, the mental processes that permeate human decision-making will be presented and the obstacles and vices of the cognition process will be addressed from a multidisciplinary perspective of behavioral psychology. Finally, the new figure of the guarantee judge and its implications for the impartiality of criminal trials will be presented. After reaching these goals, it was possible to verify that the new institute allows impartiality in judicial decisions, but it is not enough to guarantee it. Keywords: Criminal Procedural Law. Judicial Impartiality. Judge of Guarantees. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. Artigo TEDH Tribunal Europeu de Direitos Humanos Corte IDHD Corte Internacional de Direitos Humanos SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 9 2. DA IMPARCIALIDADE JUDICIAL................................................................................................. 10 2.1 Paradigmas Internacionais ....................................................................................................... 13 2.1.1 Interpretação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos ....................................................... 13 2.1.2 Entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos ............................................... 18 2.2 A imparcialidade no Direito Brasileiro ...................................................................................... 20 2.2.1 Interpretação à luz da Constituição Federal de 1988 .............................................................. 21 2.3 Delimitação Conceitual ............................................................................................................. 25 3. DA PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL COGNITIVA E A TOMADA DE DECISÃO ....................... 26 3.1 Processo Cognitivo: O Sistema Dual ......................................................................................... 27 3.2 Heurísticas e vieses cognitivos: um risco para a imparcialidade .............................................. 35 3.3 As implicações da dissonância cognitiva na tomada da decisão judicial criminal ................... 44 4. A IMPARCIALIDADE SITUADA NOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS..................................... 49 4.1 O sistema processual penal acusatório .................................................................................... 50 4.2 O sistema processual penal inquisitório ................................................................................... 54 4.3 O sistema processual penal misto ............................................................................................ 59 5. CONFIGURAÇÃO LEGISLATIVA DO JUIZ DAS GARANTIAS NA LEI 13.964/2019 E SUAS IMPLICAÇÕES NA IMPARCIALIDADE DOS JULGAMENTOS CRIMINAIS.................................... 60 6. CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 65 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 67 9 1. INTRODUÇÃO O atual Código de Processo Penal brasileiro instituído pelo decreto-lei n° 3.689/1941 foi promulgado durante o Estado Novo e inspirado no Código de Processo Penal italiano de matriz fascista da década de 30. O contexto de restrição das liberdades e de violações de direitos humanos do período histórico no qual foi concebido refletiu na elaboração de um código com bases autoritárias. Contudo, essa estrutura autoritária é conflitante com os postulados instituídos pela atual Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Assim, desde a sua promulgação, alterações legislativas pontuais foram realizadas em seu texto, inclusive, formou-se uma comissão dejuristas para elaborar - sem êxito - um novo Código, na tentativa de adequá-lo à ordem constitucional e, em especial, promover a congruência do processo penal aos valores do Estado Democrático de Direito. Atento a essa necessidade, em fevereiro de 2019, o então Ministro da Justiça Sérgio Fernando Moro apresentou à Câmara dos Deputados propostas de alterações ao texto do Código de Processo Penal. O projeto de Lei foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, com cortes e adições em relação ao texto original. A respectiva Lei nº 13.964/2019 entrou em vigor em Janeiro de 2020 e por força de uma liminar concedida pelo Ministro Luiz Fux, no respectivo ano, nas ações diretas de constitucionalidade 6298, 6299, 6300 e 6305, foi suspensa por prazo indeterminado a eficácia de alguns dispositivos da Lei, como os artigos 3-A a 3-F os quais tratam do juiz das garantias. Entre as mudanças na legislação, merece especial registro para o âmbito e as finalidades deste trabalho a inclusão da figura do juiz das garantias no Código de Processo Penal. O escopo propalado pelos idealizadores que sustentam e justificam a implementação dessa nova figura no processo penal brasileiro está fundado na manutenção, em tese, da imparcialidade do juiz que efetivamente irá julgar o mérito da acusação. Isso proporcionado pelo afastamento da atividade de colheita de elementos de convicção que poderão servir de fundamento fático-jurídico de sua própria decisão e, consequentemente, de um prejulgamento sobre a existência do crime e sua autoria, evitando-se, assim, uma prévia e indevida vinculação ao tema do processo. Desde a sua instituição o juiz das garantias vem sofrendo crítica por parte da doutrina que alega ser ela onerosa e desnecessária. Dessa forma, pretende-se analisar se a inclusão desta nova figura no ordenamento jurídico brasileiro tem mesmo o condão de assegurar a imparcialidade no julgamento do magistrado que instrui e decide o processo penal e se no contexto brasileiro representa uma necessidade para este fim. 10 Assim, exige-se, preliminarmente, introduzir o tema da imparcialidade judicial com o objetivo de defini-la e delimita-la, perpassando pela confusão feita com os conceitos de imparcialidade e neutralidade, os quais são muitas vezes utilizados para se referir ao mesmo instituto. Socorrer-se-á aos paradigmas internacionais tomando como referência o enfrentamento da questão pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos em casos submetidos à sua apreciação a partir da década de 90 que, inclusive, já foram utilizados no Brasil pelo próprio Supremo Tribunal Federal, a exemplo do Habeas Corpus 94.641/BA, e o entendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma vez que a jurisprudência desses Tribunais Internacionais tem refletido nos ordenamentos jurídicos internos dos países americanos. Além disso, será apontada a interpretação do instituto à luz do direito pátrio como forma de contextualizá-la no âmbito do processo penal brasileiro. Para que se possa, então, avançar de forma coesa na lógica do que se pretende construir e, uma vez que se tornou cada vez mais essencial que o Direito se abra a conhecimentos interdisciplinares, será abordada a tomada de decisão e julgamento sob uma perspectiva da psicologia comportamental cognitiva. Com isso pretende-se compreender os processos mentais que permeiam cognição do ser humano e visualizar os obstáculos e vícios que podem comprometer a preservação da originalidade cognitiva do magistrado que irá instruir e julgar a ação penal. A partir disso, serão apontadas as heurísticas, seus vieses cognitivos e os efeitos da dissonância cognitiva sobre a tomada de decisão no âmbito do processo penal que podem comprometer a imparcialidade judicial e implicar em decisões enviesadas e caracterizadas por falhas cognitivas. Posteriormente será feita uma análise dos sistemas processuais penais. O propósito será compreender em cada um o papel do julgador ao longo da ação penal e, principalmente durante a instrução preliminar. Paralelamente será situada a imparcialidade no âmbito de tais sistemas, a fim de constatar as condições para se assegurar a respectiva garantia e avaliar sua vinculação a qualquer modelo processual. Ao final, detém-se ao estudo pormenorizado do juiz das garantias instituído pela Lei nº 13.964/2019 apresentando as suas competências e, consequentemente, as suas implicações na imparcialidade dos julgamentos criminais. 2. DA IMPARCIALIDADE JUDICIAL 11 No plano acadêmico, o tema da imparcialidade judicial é amplo e cercado de variantes, possuindo uma dimensão semântica tão extensa, quanto contraditória. Por essa razão, definir e delimitar o conceito de imparcialidade a ser utilizado é imprescindível para o presente trabalho. Necessário, portanto, num primeiro momento, alegar que não se pretende abordar a imparcialidade como sinônimo de neutralidade. Esta é uma condição inexistente, conforme os ensinamentos de André Machado Maya1, Aury Celso Lima Lopes Júnior2, Carlos Bacila apud Paulo Artur dos Santos de Campos Rangel3, Guilherme de Souza Nucci4, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho5 e Rubens Roberto Rebello Casara6 diante a impossibilidade de um estado de ausência de valores, interesses e preconceitos - todos inerentes à subjetividade humana - uma vez que o juiz, assim como todo ser humano, não está imune ao seu contexto histórico e social7. A respeito do tema, André Machado Maya declara: Assim, a neutralidade, compreendida como a ausência de valores, de ideologias, apresenta-se como uma utopia, algo inalcançável diante da essência do homem, ser humano constituído por razão e emoção, cujo psiquismo se estrutura, segundo a teoria psicanalítica de Freud, pela combinação de três diferentes fatores: os hereditário- constitucionais, as antigas experiências emocionais e as experiências traumáticas da vida real contemporânea, esta última responsável pelas influências que os meios social e cultural exercem sobre a estruturação psíquica de qualquer pessoa8. O juiz, como qualquer ser humano, possui valores adquiridos por diversos fatores, como a sua posição social, sua formação e cultura, os quais a própria doutrina acerca da imparcialidade não nega e que podem, em razão da sensibilidade do juiz, afetar suas decisões judiciais, residindo nesse aspecto à constatação da natureza não mecânica da função judicial. Em razão dessa própria condição humana, há doutrinadores que entendem que a imparcialidade é inalcançável. Nesse sentido, Francesco Carnelutti9 e, compartilhando a mesma tese Jacinto Nelson de Miranda Coutinho10, compreende a imparcialidade como o desprendimento do juiz de seu subjetivo no momento de decisão e afirma que o homem e, 1 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 2 LOPES JÚNIOR, Aury Celso de Lima. Direito processual penal. 16. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2019. 3 RANGEL, Paulo Artur dos Santos Castro. Direito processual penal. 27. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. 4 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 5 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 6 CASARA, Rubens R. R. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015. 7 CASARA, Rubens R. R. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015. 8 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 53. 9 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. Tradução de José Antonio Cardinalli. 7. ed. São Paulo: Conan, 1995. 10 COUTINHO, JacintoNelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 12 consequentemente, o juiz é um ser parcial sendo possível apenas buscar atenuar essa parcialidade. Todavia, essa negação surge em razão da obscuridade conceitual do tema. Importa destacar que a noção de imparcialidade judicial enraizou-se com a autonomia do direito e ganhou relevância com o Estado Liberal no século XIX11. Seu conceito já esteve intimamente ligado às recusas de juízes e ao seu processo de investidura no cargo. Além disso, também já representou sinônimo de justiça e neutralidade. Com a prevalência do princípio da Legalidade e da Segurança Jurídica imparcial era o juiz que apenas aplicava o direito por meio da interpretação literal da lei afastando-o de suas concepções pessoais12. Atualmente, a imparcialidade judicial, em âmbito nacional, consta no Capítulo III do Código de Ética da Magistratura nacional13. Em âmbito internacional, encontra-se em diversos diplomas internacionais de proteção aos direitos humanos como, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em seu art. 1014, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 em seu art. 2615, na Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais de 1950 em seu art. 6º, 116, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 em seu art. 8º, 117 e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 em seu art. 14, 118. Sendo essas duas últimas normativas internacionais integrantes do ordenamento jurídico nacional, as quais o Brasil aderiu e está vinculado. Além disso, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de 11 CARVALHO, Alexandre Douglas Zaidan de. Imagens da Imparcialidade entre o Discurso Constitucional e a Prática Judicial. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2017. 12 MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 13 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Código de ética da magistratura nacional, de 26 de agosto de 2008. Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, p. 1-2, 18 set. 2008. 14 Art. 10: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial [...]” (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. Declaração universal dos direitos humanos. Resolução 217 A (III). Paris. 10 de dezembro de 1948. Grifo nosso). 15 Art. 26: “Parte-se do princípio de que todo acusado é inocente, até que se prove sua culpabilidade. Toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser ouvida em uma forma imparcial [...]” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Conferência Internacional Americana, Bogotá, em 1948, grifo nosso) 16 Art. 6º, 1: “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial [...]” (CONSELHO DA EUROPA. Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais. Roma, 04 de novembro de 1950, grifo nosso). 17 Art. 8º, 1: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial [...]” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. San José, Costa Rica, 22 de novembro de 1969, grifo nosso). 18 Art. 14º, 1: “Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial [...].” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Resolução n. 2.200-A (XXI). 16 de Dezembro de 1966, grifo nosso). 13 Direitos Humanos já se pronunciaram acerca da imparcialidade em casos submetidos à sua apreciação. 2.1 Paradigmas Internacionais Neste tópico secundário, pretende-se analisar o conceito de imparcialidade judicial com base na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Será indicada a distinção das duas vertentes da imparcialidade em análise com a citação de casos em que o conceito foi aplicado. A justificativa do estudo dessas jurisprudências é decorrente do fato de o Brasil ter se submetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2002, com a promulgação do decreto nº 4.463/200219, e esta Corte ter consolidado e traçado sua jurisprudência quanto à garantia da imparcialidade judicial no mesmo sentido da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. 2.1.1 Interpretação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), fonte inspiradora da jurisprudência brasileira, reconhece a imparcialidade judicial como garantia fundamental do acusado e tem afirmado, desde de 1980, a incompatibilidade entre o exercício das funções de investigar e julgar por um mesmo juiz em um mesmo processo penal20. Desde o julgamento do caso Piersack vs. Bélgica, o respectivo TEDH passou a reconhecer duas faces da imparcialidade: a subjetiva e a objetiva. No respectivo caso, alegou- se uma violação ao art. 127 do Code Judiciaire da Bélgica que estabelece que os procedimentos perante um tribunal de primeira instância serão nulos e sem efeito, caso tenham sido presididos por um oficial de justiça que atuou no caso como promotor público, e uma violação do art. 6.1 da Convenção Europeia de Direitos Humanos que estabelece um julgamento por um tribunal imparcial. Questionou-se a garantia da imparcialidade, porque o juiz quem julgou o caso, antes 19 BRASIL. Decreto n. 4.463/2002, de 08 de nov. de 2002. Promulga a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sob reserva de reciprocidade, em consonância com o art. 62 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF: Presidência da República. 20 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito ao julgamento por juiz imparcial: como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que não há a função do juiz de garantias. In: Processo Penal, Constituição e Crítica: Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 14 de ostentar tal posto, foi o membro do Ministério Público que coordenou o departamento de questões criminais responsável pela persecução penal contra o acusado e, embora não tenha conduzido pessoalmente as investigações, detinha poderes para supervisionar os responsáveis para tanto. Por ter exercido tais funções, no mesmo processo em que julgou, gerava a desconfiança quanto ao seu posicionamento psíquico em relação ao objeto do processo e às partes. Naquele julgado afirmou o Tribunal: Se a imparcialidade se define ordinariamente pela ausência de pré-juízos ou parcialidades, sua existência pode ser apreciada, especialmente conforme o art. 6.1 da Convenção, de diversas maneiras. Pode se distinguir entre um aspecto subjetivo, que trata de verificar a convicção de um juiz determinado em um caso concreto, e um aspecto objetivo, que se refere a se este oferece garantias suficientes para excluir qualquer dúvida razoável ao respeito21 (tradução nossa). Embora a Bélgica tenha uma organização judiciária e leis processuais penais diferentes do Brasil, o impedimento alegado no caso já estava previsto no Código de Processo Penal Brasileiro de 1941, em seu artigo 252, II22 e, apesar de já se reconhecer a impossibilidadede acumular atividades de investigação e instrução no direito pátrio, a jurisprudência do TEDH é fonte para construção e delimitação do conceito da imparcialidade judicial. Posto isso, segundo a interpretação do TEDH, a imparcialidade em seu aspecto subjetivo alude à falta de pré-juízos por parte do juiz em relação às partes e ao caso penal que irá julgar. Essa subjetividade é representada pelos estados anímicos, desejos e motivações do julgador, ou seja, está ligada às particularidades de foro íntimo de sua personalidade, que fazem com que ele seja propenso a beneficiar ou a prejudicar uma delas23. Ao comentar a interpretação do TEDH acerca do aspecto subjetivo da imparcialidade André Machado Maya aloca o julgador, primeiramente, na posição de ser humano sujeito a limitações e interferências do seu meio social e, a partir disso, destaca a diferença entre ser imparcial e ser neutro: 21 Whilst impartiality normally denotes absence of prejudice or bias, its existence or otherwise can, notably under Article 6 § 1 (art. 6-1) of the Convention, be tested in various ways. A distinction can be drawn in this context between a subjective approach, that is endeavouring to ascertain the personal conviction of a given judge in a given case, and an objective approach, that is determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect. (Caso Piersack vs. Belgium, sentença do TEDH de 01 de outubro de 1982, série A53, par. 30). 22 BRASIL. Código de processo penal. Decreto lei n. 3.689, 3 de outubro de 1941. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. 23 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito ao julgamento por juiz imparcial: como assegurar a imparcialidade objetiva do juiz nos sistemas em que não há a função do juiz de garantias. In: Processo Penal, Constituição e Crítica: Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 15 A isso refere-se o TEDH ao exigir do juiz uma atuação jurisdicional livre de pré- conceitos, ou pré-juízos, o que deve ser entendido não como a negação de possíveis influências do subjetivo do julgador na decisão a ser proferida, o que representaria uma neutralidade, mas, sim, como a inexistência de uma convicção prévia acerca do objeto do julgamento, de uma opinião sobre o caso penal ou sobre as partes envolvidas, um tomar partido sobre determinada controvérsia, ou aderir às razões de uma das partes antes do momento oportuno, por qualquer razão que seja24. Logo, a comprovação deste estado é complexa e abstrata, trata-se de uma meta de conhecimento inatingível. Por depender de uma atitude interna, para constatar o que pensa um juiz que intervém em um dado caso penal e demonstrar que no seu íntimo ele está propenso a beneficiar ou prejudicar uma das partes – socorrendo-se ao extremo - seria necessária uma investigação por meio de um leitor da mente do julgador e, os avanços tecnológicos da inteligência artificial, ainda, não são suficientes para tanto, tornando esta constatação, atualmente, impossível. Em razão disso, a imparcialidade subjetiva do magistrado é presumida até que se prove o contrário25. Assim, são os ordenamentos jurídicos internos de cada país, que adotam mecanismos específicos para preservar a cognição do julgador e impedir que se verifiquem situações que normalmente colocam em risco a sua imparcialidade, buscando assegurar a sua postura de terceiro desinteressado. Não é por outro motivo que o Código de Processo Penal brasileiro traz hipóteses de incompatibilidade, impedimento e suspeição. Importante contextualizar, que a concepção subjetiva da imparcialidade judicial disseminada pelo TEDH foi trazida da doutrina de Werner Goldschmidt, para o qual a imparcialidade “consiste em colocar em parênteses todas as considerações subjetivas do julgador, o qual deve mergulhar no objeto da lide, ser objetivo e esquecer-se de sua própria personalidade26” (tradução nossa). Não trabalharemos a doutrina do autor, por entender que ela esbarra no conceito de neutralidade e, portanto, constitui-se uma utopia. Por outro lado, o TEDH também constatou uma segunda face da imparcialidade: a imparcialidade objetiva. Este Tribunal entendeu que o simples fato de um juiz ter participado das investigações como membro do Ministério Público não é suficiente para temer a sua imparcialidade, pois se reduz a análise apenas da face subjetiva. Porém, também entendeu que 24 MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 94. 25 Caso Drakšas vs. Lithuania, sentença do TEDH de 10 de outubro de 2000, série 2000-X, par. 30. 26 La imparcialidad consiste en poner entre paréntesis todas las consideraciones subjetivas del juzgador. Este debe sumergirse en el objeto, ser objetivo, olvidarse de su propia personalidad. GOLDSCHMIDT, Werner. La imparcialidad como principio básico del proceso: (La partialidad y La parcialidad). Instituto Español de Derecho Procesal, 1950. 16 a acumulação das funções de investigação e instrução pelo juiz da causa pode gerar receio quanto a sua originalidade cognitiva e, apesar de não ter encontrado provas contra a imparcialidade do julgador, reconheceu que a sua posição gerava desconfiança no processado e violava seu direito de ser julgado por um juiz imparcial. Assim, o Tribunal concluiu que é preciso examinar também se foram oferecidas garantias suficientes para eliminar todo temor e fundada suspeita a respeito da imparcialidade do juiz27. Da análise da decisão, infere-se que a parcialidade não será sempre ostensiva, mas, em alguns casos, ela pode ser apenas aparente e, neste caso, restaria prejudicada pela fundada suspeita de que o juiz possa estar induzido a favorecer uma das partes. Sendo assim, a imparcialidade objetiva diz respeito à convicção que o juiz transparece da sua imparcialidade, não bastando que ele seja imparcial, mas que pareça ser. Dessa forma, a face objetiva da imparcialidade é representada por dois aspectos. O juiz deve conduzir o processo segundo diretrizes e circunstâncias que demonstrem externamente a aparência de sua ação imparcial, de tal forma, que a aparência não possa levar a pensar que está agindo de forma parcial, pois, restaria imaculada a imparcialidade judicial em razão da dúvida de alguma das partes, apesar de não ter manifestado qualquer condenação pessoal. Portanto, não se trata, apenas, de um dever do juiz de gerar convicção na sua imparcialidade, mas, também, que essa imparcialidade deva se manifestar externamente. Além do caso Piersack vs. Belgium, o TEDH também analisou em outros momentos o instituto da imparcialidade, como no caso De Cubber vs. Belgium 28, no caso Fürst-Pfeifer vs. Austria 29, no caso Sainte-Marie vs. France30, no caso Fey vs. Austria31, no caso Padovani vs. Italy32, no caso Salov vs. Ukraine33 e no caso Kyprianou vs. Cyprus 34 e assentou o entendimento de que um juiz somente será considerado imparcial quando ostentar a face subjetiva e objetiva da imparcialidade. Todavia, nesse último caso, em especial, reconheceu a complexidade de se comprovar o comprometimento do aspecto subjetivo da imparcialidade, por se tratar de condições pessoais do julgador e por não haver uma distinção clara entre os dois vieses, uma vez que, por exemplo, 27 “However, it is not possible to confine oneself to a purely subjective test. In this area, even appearances may be of a certain importance […]. What is at stake is the confidence which the courts must inspire in the public in a democratic society.” (Caso Piersack vs. Bélgica, sentença do TEDH de 01 de outubro de 1982, série A53, par. 30). 28 Caso De Cubber vs. Belgium, sentença do TEDH de 26 de outubro de 1984, par. 19-20. 29 Caso Fürst-Pfeifer vs. Austria, sentença do TEDH de25 de fevereiro de 1992, par. 30-34. 30 Caso Sainte-Marie vs. France, sentença do TEDH de 16 de dezembro de 1992, par. 30-34. 31 Caso Fey vs. Áustria, sentença do TEDH de 24 de fevereiro de 1993, par. 25-36. 32 Caso Padovani vs. Italy, sentença do TEDH de 26 de fevereiro de 1993, par. 21-29. 33 Caso Salov vs. Ukraine, sentença do TEDH de 06 de setembro de 2005, par. 80-86. 34 Caso Kyprianou vs. Cyprus, sentença do TEDH de 15 de dezembro de 2005, par. 118-121. 17 uma mesma conduta do juiz pode suscitar suspeita tanto objetiva, quanto subjetiva. A partir disso, orientou sua jurisprudência ao exame da imparcialidade judicial centrado no seu aspecto objetivo35, dando relevância à teoria da aparência. Já na década de 90, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos fez um temperamento a sua posição inicial, quando dos julgamentos dos casos Hauschildt vs. Danemark36, Nortier vs. The Netherlands37 e Saraiva de Carvalho vs. Portugal38. Nesses julgamentos o Tribunal reconheceu que a imparcialidade do juiz que tomou qualquer decisão na fase de investigação preliminar, não fica automaticamente comprometida. Mas, assim estaria se o conteúdo daquela decisão proferida envolvesse elementos iguais ou muito semelhantes aos elementos que ele teria que valorar na sentença, pois, dessa forma, já teria formado por essa primeira valoração na fase do inquérito um conceito prévio sobre a culpa ou inocência daquele acusado. Isso retiraria do juiz a imparcialidade para que ele atuasse depois na fase processual. Embora Andrade39 entenda que os julgados do TEDH, especialmente nos casos Piersack vs. Bélgica e De Cubber vs. Belgium, não contribuem para o entendimento de como tutelar a imparcialidade do juiz no ordenamento brasileiro, por entender que o modelo pátrio de julgamento é completamente diferente, mostra-se nítido que eles contribuem para o esclarecimento e delimitação do que vem a ser imparcialidade judicial. Inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 94641/BA40 utilizou-se da perspectiva do TEDH acerca da imparcialidade do órgão julgador e se valeu do conceito de imparcialidade objetiva, reconhecendo, nesse caso específico, a sua ausência. Conforme o Informativo n. 528, de novembro de 2008, o voto-vista do Ministro Cezar Peluso concluiu que a imparcialidade objetiva: [...] denomina-se objetiva, uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa, sejam partes ou não (imparcialidade dita subjetiva), mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa, no sentido de que não haja ainda, de modo consciente ou inconsciente, formado nenhuma 35 In other words, the Court has recognised the difficulty of establishing a breach of Article 6 on account of subjective partiality and for this reason has in the vast majority of cases raising impartiality issues focused on the objective test. However, there is no watertight division between the two notions since the conduct of a judge may not only prompt objectively held misgivings as to impartiality from the point of view of the external observer (objective test) but may also go to the issue of his or her personal conviction (subjective test). Caso Kyprianou vs. Cyprus, sentença do TEDH de 15 de dezembro de 2005, par. 119. 36 Caso Hauschildt vs. Danemark, sentença do TEDH de 24 de maio de 1989, par. 43-53. 37 Caso Nortier vs. The Netherlands, sentença do TEDH de 24 de agosto de 1993. par. 30-38. 38 Caso Saraiva de Carvalho v. Portugal, sentença do TEDH de 22 de abril de 1994, par. 30-40. 39 ANDRADE, Mauro Fonseca. O Juiz das garantias na Interpretação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Revista de Doutrina da 4° Região. Porto Alegre, n° 40, fev. 2011. 40 HABEAS CORPUS 94641/BA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 11.11.2008. http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=94641&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=94641&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M 18 convicção ou juízo prévio, no mesmo ou em outro processo, sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir. Assim, sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional41. Dessa forma, depreende-se dos respectivos julgados que a imparcialidade judicial abrange dois âmbitos de manifestação: um subjetivo e outro objetivo. O subjetivo está relacionado ao vínculo do juiz com as partes e/ou com o processo e o objetivo está relacionado com a aparência do juiz e a convicção das partes. 2.1.2 Entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos A Corte Interamericana de Direitos Humanos - cuja competência contenciosa foi reconhecida pelo Brasil em 1998 - tem consolidado sua jurisprudência quanto à garantia a um julgamento imparcial e traçado seu entendimento no mesmo sentido da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. No seu Relatório sobre Terrorismo e Direitos Humanos42 em diversas passagens ressaltou a imparcialidade como componente básico do direito a um julgamento justo e, em especial, afirmou que: A imparcialidade dos tribunais deve ser avaliada desde uma perspectiva subjetiva até objetiva para garantir a inexistência de um preconceito real de parte do juiz ou tribunal, assim como garantias suficientes para evitar toda dúvida legítima neste sentido. Estes requisitos, por sua vez, exigem que o juiz ou o tribunal não abriguem nenhuma má vontade real em determinado caso e que o juiz ou o tribunal não sejam razoavelmente percebidos como inclinados a uma animosidade desse tipo. Desse trecho, infere-se que a Corte IDH reconhece as duas faces da imparcialidade judicial e quanto à face objetiva, também, entende ser esta representada pela convicção das partes no não comprometimento cognitivo do juiz. No caso Apitz Barbera y otros vs. Venezuela43, alegou-se violação da garantia da imparcialidade judicial, porque as vítimas não puderam recusar os membros da CFRSJ, a Corte 41 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo n. 528. Nulidade do processo e imparcialidade do juízo. 2ª turma. Brasília, 10-14 de nov. 2008. 42 The impartiality of a tribunal must be evaluated from both a subjective and objective perspective, to ensure the absence of actual prejudice on the part of a judge or tribunal as well as sufficient assurances to exclude any legitimate doubt in this respect. These requirements in turn require that a judge or tribunal not harbor any actual bias in a particular case, and that the judge or tribunal not reasonably be perceived as being tainted with any bias. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório sobre Terrorismo e Direitos Humanos. OEA/Ser.L/V/ll.116 Doc. 5 rev. 1 corr., 22 de outubro de 2002, par. 229. 43 Por su parte, la denominada prueba objetiva consiste en determinar si el juez cuestionado brindó elementos convincentes que permitan eliminar temores legítimos o fundadas sospechas de parcialidad sobre su persona. Ello puesto que el juez debe aparecer como actuando sin estar sujeto a influencia, aliciente, presión, amenaza o intromisión, directa o indirecta, sino única y exclusivamente conforme a-y movido por-el Derecho. Corte 19 IDH debateu amplamente a garantia e, na parte relevante para o presente trabalho, corroborando o precedente anterior, fixou o parâmetro que uma vez demonstrada circunstâncias que indicam parcialidade do juiz diante o caso concreto é suficiente para afastá-lo, possuindo esse o dever de eliminar todas as dúvidas legítimas acerca do seu comprometimento cognitivo: Por seu lado, a chamada evidência objetiva consiste em determinar se o juiz em questão forneceu elementos convincentes que permitem eliminar medos legítimos oususpeitas bem fundamentados de preconceito sobre ele. Isso porque o juiz deve parecer agir sem estar sujeito à influência, indução, pressão, ameaça ou interferência, direta ou indireta, mas somente e exclusivamente de acordo com a lei e movida por ela. Segundo o entendimento da Corte IDH a imparcialidade, então, exige que o juiz intervenha no processo carecendo subjetivamente de pré-juízos e preterições e, ainda, oferecendo objetivamente garantias suficientes para afastar temores e suspeitas quanto à ausência de sua imparcialidade. Além disso, ainda nesse julgado, embora se tenha constatado que os membros da CFRSJ realmente não eram sujeitos à recusa, a Corte IDH entendeu que eles deveriam de ofício se afastar devido ao comprometimento da imparcialidade judicial e, indo além, que os instrumentos processuais de incompatibilidade, impedimento e suspeição são viáveis para resguardar tal garantia44. Já nos Casos Castillo Petruzzi y otros vs. Perú45, Durand y Ugarte vs. Perú46 e Cantoral Benavides vs. Perú47 a Corte IDH firmou o entendimento de que seria colocada em dúvida a imparcialidade do julgador quando o mesmo atuasse exercendo uma dupla função, reforçando, dessa forma, o aspecto objetivo da imparcialidade: A coincidência de funções de combate antiterrorismo e desempenho judicial próprio do Judiciário nas forças armadas, “[põe] em séria dúvida a imparcialidade dos tribunais militares, que seriam juízes e partes nos processos". A ação do juiz de instrução militar, pela qual ele deteve o acusado, apreendeu seus bens e tomou declarações de testemunhas e pessoas sujeitas a investigação, viola o direito a um juiz imparcial, uma vez que as funções de investigação e acusação são assumidas e executadas pela mesma pessoa de um determinado tribunal.48 Interamericana de Direitos Humanos. Caso Apitz Barbera y otros vs. Venezuela, sentença da Corte IDH de 5 de agosto de 2008, par. 56. 44 Caso Apitz Barbera y otros vs. Venezuela, sentença da Corte IDH de 5 de agosto de 2008, par. 64. 45 Caso Castillo Petruzzi y otros vs. Perú, sentença da Corte IDH de 30 de maio de 1999. 46 Caso Durand y Ugarte vs. Perú, sentença da Corte IDH de 16 de agosto de 2000. 47 Caso Cantoral Benavides vs. Perú, sentença da Corte IDH de 18 de agosto de 2000. 48 d) la coincidencia en las Fuerzas Armadas de las funciones de lucha antiterrorista y desempeño jurisdiccional propio del Poder Judicial, “[pone] en serias dudas la imparcialidad de los tribunales militares, que serían juez y parte en los procesos”. La actuación del juez de instrucción militar, mediante la cual detuvo a los imputados, embargó sus bienes y tomó declaración a los testigos y a personas sujetas a investigación, violenta el derecho a un juez imparcial, pues las funciones de instrucción y juzgamiento se asumen y desempeñan por una misma 20 Portanto, da análise das decisões da Corte Internacional de Direitos Humanos extraímos, também, que a imparcialidade abrange tanto a relação pessoal do juiz com o caso e as partes, quanto à convicção delas e a aparência do julgador. 2.2 A imparcialidade no Direito Brasileiro A Constituição de 1988 foi promulgada após um contexto político e histórico de opressão, violações e abusos por parte do Estado. Insurgindo contra os paradigmas autoritários anteriores, optou pelo Estado Democrático de Direito e, conforme Antônio Sacarance Fernandes49, instituiu “um conjunto de princípios, direitos (até então desprezados) e garantias que traçam as matrizes de todo o sistema brasileiro de processo penal” (grifo nosso). Vale destacar, que o atual Código de Processo Penal brasileiro foi redigido e promulgado durante esse período arbitrário e autoritário e, ainda, possui ao longo do seu texto em vigor, elementos que refletem o regime político da época de sua elaboração, encontrando- se em desarmonia com a Constituição Federal de 1988. Sendo, portanto, necessário fazer uma leitura constitucional do respectivo Código, ou seja, interpretá-lo e adequá-lo de acordo com os postulados constitucionais e a nova ordem de valores, para que não haja abusos por parte do Estado, detentor do poder de punir. Assim, o processo penal não deve ser usado para, apenas, aplicar o Direito Penal a um caso concreto, mas, para a efetivação dos princípios, direitos e garantias fundamentais trazidos pela Constituição Federal. Corroborando essa necessidade, Cândido Rangel Dinamarco pontua: Mas é justamente a Constituição, como resultante do equilíbrio das forças políticas existentes na sociedade em dado momento histórico, que se constitui no instrumento jurídico de que deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenômeno processo e de seus princípios50. Seguindo essa linha, inicialmente, será feita uma análise da imparcialidade judicial à luz da Constituição Federal. persona, titular o componente de un determinado órgano jurisdiccional; (Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú, sentença da Corte IDH de 30 de maio de 1999. par. 125, d. 49 FERNANDES, Antônio Sacarance. Princípios e garantias processuais penais em 10 anos de Constituição Federal. In: MORAES, Alexandre de (org.). Os 10 anos da Constituição Federal: temas diversos. São Paulo: Atlas, 1999. p. 186. 50 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 79. 21 2.2.1 Interpretação à luz da Constituição Federal de 1988 Embora a Constituição Federal de 1988 tenha trazido direitos e garantias para o seu bojo não prevê expressamente a imparcialidade do órgão julgador. Contudo, é possível reconhecê- la implicitamente ao longo do seu texto normativo realizando uma leitura da norma contida no §2º do artigo 5º, que autoriza que outros direitos ingressem na ordem jurídica brasileira via tratados internacionais e, também, por meio de um exame das garantias asseguradas às partes e das prerrogativas, aos juízes51. A Constituição Federal ao autorizar que tratados internacionais de direitos humanos incorporem ao ordenamento jurídico brasileiro o fez sem, contudo, alertar o seu grau de hierarquia na ordem jurídica interna. Com isso, suscitou dúvidas e discussões a respeito e resultou na formação de quatro correntes doutrinárias: supraconstitucional, constitucional, supra legal e lei ordinária52. A doutrina que classifica os tratados internacionais de direitos humanos como normas supraconstitucionais entende que eles possuem superioridade em face de toda e qualquer legislação interna do Brasil. Por outro lado, os doutrinadores que os classificam como normas constitucionais entendem que eles se equiparam as normas constitucionais. Já aqueles que classificam como normas supralegais entendem que os respectivos tratados encontram-se abaixo das normas constitucionais e superiores as demais leis brasileiras. Por fim, a classificação como lei ordinária os atribuem a mesma hierarquia das leis ordinárias federais53. A matéria, todavia, foi superada pela aprovação da Emenda Constitucional n° 45 de 2004 que concedeu aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos o status de norma constitucional quando aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Contudo, manteve-se silente quanto a posição dos tratados internacionais aprovados antes da EC 45/2004 que dispensaram as formalidades exigidas para a aprovação com quórum especial. A partir disso, o Supremo Tribunal Federal fundou precedentes atribuindo aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, incorporados à ordem jurídica brasileira antes da EC 45/2004, o status de norma supralegal54 e hoje é a tese predominante. 51 GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. p. 270. 52 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p.734-735. 53 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 734-735. 54 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 129. 22 Portanto, a interpretação dos princípios, direitos e garantias que devem ser assegurados em um processo penal deve ser regida, não só pela leitura da Constituição Federal, mas, também, pela leitura dos tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Assim, com base na abertura material da Constituição Federal de 1988 e sendo o Brasil signatário de alguns tratados internacionais de direitos humanos que preveem em seus dispositivos a imparcialidade do órgão julgador, especialmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 incorporou ao seu rol de direitos a respectiva garantia. Bastaria essa afirmação para que qualquer norma no ordenamento brasileiro que regulasse de forma contrária a essa garantia não fosse aplicada e qualquer decisão proferida por um órgão julgador parcial restasse eivada de vício subjetivo. Embora poucos doutrinadores se arriscam a conceituar formalmente a imparcialidade, isso não tem impedido aqueles que não o faz de admitir não apenas sua existência jurídica, mas, até mesmo, a sua previsão na Constituição Federal de 88. Na doutrina, a imparcialidade, sob o enfoque constitucional, é trabalhada por diversos autores. Paulo Artur dos Santo Castro de Campos Rangel55 e Eugênio Pacelli de Oliveira56, ao reconhecerem a imparcialidade judicial como característica inerente ao exercício da jurisdição, entendem que ela deriva do princípio do devido processo legal e, portanto, é assegurada de forma implícita pela Constituição Federal em seu art. 5º ao proclamar que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal57”. Atentando-se para a ideia e não a terminologia da expressão “devido processo legal”, temos que ao abarcar um conjunto de normas, direitos, garantias e princípios, a sua finalidade é de dar segurança ao indivíduo e, em última instância, de não ser processado por um juiz tendencioso. Quando o juiz conduz o processo observando e efetivando os comandos do sistema jurídico, o investigado ou acusado se enche de convicção que está sendo investigado ou processado com base estritamente no Direito e não em outras considerações fora do ordenamento jurídico. Consequentemente, no aspecto objetivo, confia na atuação de um juiz imparcial. 55 RANGEL, Pedro Artur dos Santo Castro de Campos. Direito processual Penal. 27. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. p. 5. 56 PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de processo penal. 23. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. p. 226. 57 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais [...]. Diário Oficial da União, Brasília, ano 126, n. 191-A, 5 out. 1988. 23 Dessa forma, na medida em que se assegura ao investigado/acusado o direito fundamental ao devido processo constitucionaliza-se a garantia da imparcialidade, especialmente, o seu aspecto objetivo. Nesse sentido, Aury Celso de Lima Lopes Júnior58 entende que a Constituição Federal, ao determinar que a ação penal seja privativa do Ministério Público, procurou preservar a imparcialidade do julgador afastando-o de situações e circunstâncias que o inclinasse a uma decisão precoce, mas esclarece que não basta a separação das funções de investigar, instruir e julgar para que a imparcialidade seja efetivada, é necessário, também, que o juiz não pratique atos que comprometa a sua cognição59. A separação de funções reforça os dois aspectos da imparcialidade. No momento que o juiz é afastado das investigações a sua originalidade cognitiva é preservada e, consequentemente, não há uma vinculação com algum interesse a não ser o jurisdicional e, perante as partes. Nutre-se a convicção de que o juiz não será tendencioso e que este deixará para decidir em momento oportuno com base unicamente nas teses trazidas para os autos, após a produção de provas. Na mesma perspectiva de reforçar os dois aspectos da imparcialidade, Fernando Capez e compactuando da sua tese Noberto Avena60 entende que a exigência de motivação das decisões judiciais confere segurança ao investigado ou acusado de que a decisão proferida pelo julgador esteve fundamentada unicamente no sistema jurídico e não em fatores externos, de forma que: Seu conteúdo compreende: 1. O enunciado das escolhas do juiz, com relação: a) à individuação das normas aplicáveis; b) à análise dos fatos; c) à sua qualificação jurídica; d) às consequências jurídicas desta decorrentes; 2. Aos nexos de implicação e coerência entre os referidos enunciados61. Observa-se que a motivação exige que o juiz se subordine apenas ao Direito, o que gera no investigado a convicção que não houve um comprometimento da cognição do juiz Por outro lado, conforme Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel62 e Fernando Capez63, a Constituição Federal em seu art. 95 confere garantias e prescreve vedações aos juízes para efetivar, em um caso concreto, a imparcialidade do órgão julgador, afastando, assim, 58 LOPES JÚNIOR, Aury Celso de Lima. Direito processual penal. 15. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2018. p. 46. 59 LOPES JÚNIOR, Aury Celso de Lima. Direito processual penal. 15. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2018. p. 49. 60 AVENA, Norberto. Processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Método, 2019. p. 35. 61 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 69. 62 RANGEL, Paulo Artur dos Santos de Campos. Direito processual Penal. 27. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. p. 21. 63 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 227 24 qualquer possibilidade de influência sobre a decisão que será prolatada, pois a sua atuação acontece livre de submissões e determinações externa estando vinculada exclusivamente ao Direito. Não teria a separação de poderes outra finalidade que não essa, ao passo que ela evita a subordinação de fato dos juízes a qualquer outro poder. Em contrapartida, Guilherme de Souza Nucci64, ao reconhecer também sua previsão implícita na Constituição Federal, entende ser a imparcialidade um princípio decorrente e atrelado ao princípio do juiz natural, por interpretação do art. 5º, LIII e XXXVII. O autor vai além, reconhecendo que este princípio também decorre da abertura constitucional aos diplomas internacionais que tratam de direitos humanos, especialmente, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos65. Analisando o princípio do juiz natural, insinua que a imparcialidade seria uma condição de isenção, pois, consoante os dispositivos constitucionais, a todos é assegurado o direito a um julgador “desapaixonado e justo” e coloca como condição de sua efetividade o estabelecimento e observação do juiz natural. Prosseguindo a análise, o autor, enumera algumas hipóteses que levaria a falta dessa isenção: “corrupção, amizade íntima ou inimizade capital com alguma das partes, ligação com o objeto do processo, conhecimento pessoal sobre o fato a ser julgado etc” e, conclui que elas são a justificativa da previsão, pelo Código de Processo Penal, das exceções de suspeição e impedimento66. Tomando como base os fundamentos dos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, claramente, ao trabalhar a imparcialidade em sua obra, Guilherme de Souza Nucci aborda o seu aspecto subjetivo e erroneamente utiliza o termo isenção como sinônimo de imparcialidade, mas, quando alocado ao contexto do processo criminal como estrutura heterônoma, pode-se insinuar que oautor ressaltou o aspecto subjetivo do instituto, ou seja, postura equidistante do juiz em relação às partes e, consequentemente, a sua não vinculação aos interesses de uma delas ou ao objeto do processo. Alexis Couto de Brito67 também compartilha do entendimento de Guilherme de Souza Nucci quanto à imparcialidade decorrer do princípio do juiz natural. Quando alude as condições para sua efetividade, considera que as garantias constitucionais asseguradas aos magistrados são previstas pela Constituição para, justamente, afastar hipóteses que violariam a neutralidade do órgão julgador e possibilitar que esse prolatasse uma decisão fundamentada no direto68. Mais uma vez, observa-se o uso errôneo do termo neutralidade ao se referir à imparcialidade do juiz, 64 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 87. 65 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 86. 66 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 86. 67 BRITO, Alexis Couto de. Processo penal brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. p. 24. 68 BRITO, Alexis Couto de. Processo penal brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2019. p. 85. 25 porém, o autor de forma assertiva relaciona a imparcialidade judicial à ausência de vínculos do juiz com os interesses de uma das partes e/ou com o objeto do processo, por meio da sua sujeição exclusiva ao sistema jurídico, livre de influências externas, ressaltando o aspecto subjetivo do instituto. A partir do exposto, podemos afirmar que a Constituição Federal não só assegura implicitamente a imparcialidade judicial como, indiretamente, os seus aspectos subjetivo e objetivo. É com base nesse postulado que devemos proceder à interpretação do instituto no nosso atual Código de Processo Penal. 2.3 Delimitação Conceitual Realizado o exame da imparcialidade, observa-se que, embora anunciada em diversos diplomas internacionais, entre os doutrinadores que reconhecem a sua existência, não há um consenso sobre o seu significado e nenhum deles enunciou de forma clara o que seria o instituto, o qual é enfrentado de forma insuficiente. Em alguns momentos é relacionado como nota da jurisdição, pressuposto de validade, direito e garantia e, em outros, é atrelado à condição de isenção e distanciamento. Portanto, retomando a linha traçada no início deste capítulo, cabe, oportunamente, delimitar o conceito de imparcialidade judicial, com o qual será trabalhado nessa pesquisa. Inicialmente, cumpre destacar, conforme ficou demonstrado, que imparcialidade não é sinônimo de neutralidade e, portanto, seu conceito se expande. Além disso, levando em consideração os julgados do TEDH, da Corte IDH e dos postulados constitucionais exige-se considerar os seus dois âmbitos de manifestação: o subjetivo e o objetivo. Por fim, necessário se faz, também, considerar o processo como uma estrutura heterônoma de solução de conflitos, no qual o juiz não é parte e ocupa o posto de terceiro desinteressado. A partir disso, podemos arriscar conceituar a imparcialidade como, no seu aspecto subjetivo, a ausência por parte do juiz de partido e predisposições favoráveis ou contrárias a alguma das partes ou a matéria sobre a qual ele precisa decidir e, no aspecto objetivo, como a ausência manifestada externamente de qualquer suspeita legítima e razoável acerca do comprometimento cognitivo do juiz, afastado por ele, em razão da sua postura e garantias. Uma vez presente essas condições o julgamento reflete a realidade disposta nos autos sendo proferido, exclusivamente, de acordo com os fatos, os fundamentos jurídicos e o lastro probatório produzidos na ação. 26 Isso implica em duas constatações. A primeira é que o juiz tem o dever de não julgar interna e precocemente antes de produzidas todas as provas. A segunda (consequência da primeira) é que o juiz não deve praticar atos ou se portar de forma que demonstre uma tendente decisão antes do momento oportuno, ou seja, antes de proferir a sentença. Portanto, somente à luz das circunstâncias do caso concreto será avaliada a parcialidade ou imparcialidade do julgador. 3. DA PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL COGNITIVA E A TOMADA DE DECISÃO Desde 1950, quando Herbert Simon desenvolveu o conceito de “racionalidade limitada”, estudos realizados por psicólogos das ciências cognitivas demonstraram que fatores externos e inconscientes influenciam a cognição dos seres humanos na tomada de decisão. Nesses estudos, também perceberam que o aparato cognitivo humano implica em erros e ilusões cognitivas, assim, como se tem ilusões de ótica. Daniel Kahneman afirma que “a palavra ilusão traz à mente ilusões visuais, porque estamos todos familiarizados com imagens que enganam. Mas a visão não é o único domínio das ilusões; a memória também é suscetível a elas, assim como o pensamento, de um modo mais geral69”. Os estudos explicam que a razão desses desvios lógico-sistemáticos está associada ao fato do cérebro humano ser uma espécie de multiprocessador com capacidade computacional limitada. Assim, estando o cérebro humano diante de um grau de complexidade decisório, procura facilitação que implica no desprezo de algumas informações e retenção de outras, de forma automática. Às vezes, essa simplificação é redutora, que acaba gerando distorções no conhecimento da realidade e, consequentemente, decisões equivocadas. O âmbito da economia foi o berço de desenvolvimento desses estudos sobre o processo de tomada de decisões. Objetivavam entender como os agentes econômicos, em situação de mercado, tomavam decisões enviesadas por ilusões cognitivas. Posteriormente esses estudos chegaram a inúmeras áreas, incluindo a forense. Deslocando a análise dessas observações para o âmbito do processo penal, especialmente, para as atividades dos magistrados, constata-se que esses fatores podem levar à quebra da imparcialidade judicial, retirando dos juízes qualquer condição psíquico-cognitiva de proferir a sentença. 69 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 79. 27 Dessa forma, afirmar que o juiz está sendo imparcial ou parcial não é adequado à ciência normativa do direito e sim à ciência empírica psicológica, em especial a psicologia comportamental cognitiva. Nesse sentido, Paola Bianchi Wojciechowski e Alexandre Morais da Rosa defendem ser “hoje, impossível pensar uma teoria da decisão judicial que não se socorra do vasto conhecimento produzido na área das ciências cognitivas, sobretudo pelos pesquisadores das teorias do processo dual70”. Diante da complexidade da matéria, faz-se necessário, então, socorre-se ao estudo de aspectos que transcendem a previsão normativa. No presente capítulo, será examinada a influência dos processos mentais na tomada de decisão e julgamento pelo ser humano, expondo- se os dois sistemas de pensar. A partir disso, serão abordadas as heurísticas que podem levar a desvios lógico-sistemáticos nas decisões e afetá-las erroneamente. Posteriormente, proceder- se-á com a exposição do fenômeno da dissonância cognitiva e sua implicação no comprometimento da imparcialidade judicial. 3.1 Processo Cognitivo: O Sistema Dual No ano de 1970, o psicólogo israelense Daniel Kahneman desenvolveu estudos sobre o processo de julgamento e tomada de decisões sob incerteza, com contribuições do psicólogo, também israelense, Amos Tversky. A partir deles, constatou que, quando o individuo necessita tomar uma decisão, a mente humana realiza processos mentais. Esses seriam resultantes de dois sistemas paralelos e distintos de julgamento e escolha. Adotando termos propostos originalmente pelos psicólogos Keith Stanovich e Richard West, atribuiua eles a expressão Sistema 1 e Sistema 2. Ressalta-se que esses sistemas não são uma parte material do cérebro. Os termos utilizados são apenas uma maneira abstrata e didática de entender o seu funcionamento. O Sistema 1 é acionado instantaneamente quando o indivíduo se vê diante uma questão simples de ser solucionada, sendo, portanto, responsável pelo pensamento rápido, automático e inconsciente, dirigido por emoções e associações71. Por ele o indivíduo logo identifica a solução, baseada em um conhecimento acessível “com pouco ou nenhum esforço e nenhuma 70 WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da justiça: Como as heurísticas e vieses operam nas decisões penais e a atuação contraintuitiva. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. p. 16- 17. 71 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 28 percepção de controle voluntário72”. Esse processo é recorrente em ações intuitivas e instintivas que se manifestam, na maior parte das vezes, através das reações a certas emoções73. Pode também ser vinculado a práticas cotidianas que tornam o indivíduo especialista em determinada atividade e implica na dispensa de um raciocínio maior74. Eduardo José da Fonseca Costa75 ilustra o automatismo decorrente da especialização, no âmbito judiciário, servindo-se do exemplo de juízes lotados em varas com competência determinada. Explica que, nesse caso, os profissionais desenvolvem sua atividade com aptidão e menos esforço que os demais. Essa repetição implica, ao longo do tempo, na dispensa de raciocínios elaborados por parte do juiz, o qual passa a agir guiado pelo automatismo. O autor ainda vai além e ressalta a possibilidade de uma atividade migrar o acionamento do Sistema 2 para o Sistema 1, embora apresente complexidade. O acionamento do Sistema 1, no âmbito forense, por exemplo, pode ser visualizado no processo mental de um juiz envolvido na resolução da questão sobre qual o prazo para o proferimento de uma sentença ou decidindo o deferimento de um pedido de vista. Nessa situação, o juiz consegue apontar a resposta de forma ágil, pois o conhecimento exigido é comum a esses profissionais e fica disponível automaticamente. São atos praticados com base em automatismo e que não necessitam de um grande esforço mental para a sua realização. São em geral precisos e normalmente apropriados. Por outro lado, o Sistema 2 é responsável pelo pensamento deliberado, lento e sequencial, demandando esforço, concentração e um longo prazo para o apontamento da solução76. Esse sistema é acionado na tomada de decisões que o indivíduo não realiza rotineiramente, perante atividades mentais mais complexas que são “interrompidas quando a atenção é desviada77”. Assim, o seu funcionamento é pautado no controle cognitivo, realizado de forma consciente, lógica e cética, a partir da busca por informações novas, ao contrário do 72 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 29. 73 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 74 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 75 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. São Paulo: Juspodivm, 2018. 76 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 77 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 31. 29 Sistema 1, o qual atua sem controle78. Marcelo Santini Brando afirma que esse é um sistema exclusivo dos seres humanos79. No âmbito da atividade judiciária, esse sistema é acionado, por exemplo, durante o processo mental de um juiz envolvido na decisão de uma cautelar ou na elaboração de uma sentença. Nesse momento, para proferir a sentença o juiz precisará se concentrar e recuperar na memória um conhecimento específico e encontrar a fundamentação jurídica de um fato complexo, demandando um esforço mental muito grande. De antemão, é necessário ressaltar que nem sempre esses pronunciamentos se darão com o acionamento predominante do Sistema 2, em decorrência do uso de estratégias para otimizar a tomada de decisão, as quais veremos a seguir. Percebe-se, assim, que esses dois sistemas são acionados durante os processos mentais envolvidos na prática de atos no curso do procedimento judicial. Os juízes são conduzidos, ao julgar uma decisão, ora pelo Sistema 1, ora pelo Sistema 2. Por necessariamente o Sistema 2 exigir mais concentração e tempo, acaba sendo por vezes acionado de forma secundária80. Em razão da exigência de um raciocínio complexo, o seu acionamento conduz a um gasto de energia mental muito maior que o Sistema 1, que ao lidar com experiências comuns de simples solução, exigem menor atividade mental, gerando um conforto cognitivo e, consequentemente, um menor gasto de energia mental81. Pelo fato do indivíduo diariamente processar uma quantidade grande de informações, tomar uma série de decisões e possuir para isso tempo e recursos mentais escassos acaba sendo inviável deliberar todo ato decisório82. Por esse motivo o Sistema 1 atua de forma preponderante e age como um mecanismo de sobrevivência, por meio de estratégias simplificadoras. Constata-se, então, que parte do que conduz e influencia a tomada de decisão acontece sem a percepção do indivíduo, ou seja, de forma não consciente. A partir disso é possível afirmar que a decisão judicial não é influenciada apenas pelos fatos e normas. 78 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 79 BRANDO, Marcelo Santini. Como Decidem os Juízes: Uma investigação da teoria realista da decisão judicial a partir das contribuições das ciências cognitivas e da psicologia moral. 2013. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. 80 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 81 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 82 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 30 Contudo, Daniel Kahneman afirma que o acionamento de um dos dois sistemas não anula o funcionamento do outro, podendo ocorrer de forma simultânea. Por exemplo, o acionamento do Sistema 2 pode acontecer quando o Sistema 1 se encontra em uma situação obscura para apontar a solução: Quando o Sistema 1 funciona com dificuldade, ele recorre ao Sistema 2 para fornecer um processamento mais detalhado e específico que talvez solucione o problema do momento. O Sistema 2 é mobilizado quando surge uma questão para qual o Sistema 1 não oferece uma resposta [...]83 Essa colaboração entre os sistemas aperfeiçoa o desempenho no apontamento da solução e, indiretamente, previne a sobrecarga cognitiva do Sistema 2. Como o seu gasto de energia é maior, a atuação simultânea dos dois sistemas proporciona a ele conservar-se em estado de pouco esforço84. Para reduzir a carga do sistema deliberativo, o Sistema 1 desenvolveu alguns artifícios. Esse sistema, com vigilância reduzida, filtra de forma contínua e rápida as informações, que posteriormente são armazenadas, priorizando o que aparenta relevante85. Consequentemente,realiza uma avaliação limitada, sem questionamentos e sem verificar peculiaridades86. Nisso reside sua principal característica. “O Sistema 1 é radicalmente insensível tanto à qualidade como à quantidade da informação que origina as impressões e intuições87”. Adverte-se que intuição não é sinônimo de adivinhação mística, mas está relacionada a um conhecimento memorizado. Herbert Simon citado por Daniel Kahneman explica o processamento da intuição: “a situação forneceu um indício; esse indício deu ao especialista acesso à informação armazenada em sua memória, e a informação fornece a resposta. Intuição não é nada mais, nada menos que reconhecimento88". Em outras palavras o ser humano, inconscientemente, acumula rotineiramente conhecimentos em geral. Assim, quando se depara com uma informação que envolve os 83 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 34. 84 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 85 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 86 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 87 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 112. 88 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 20. 31 conhecimentos armazenados na mente, o sistema cognitivo reconhece e associa estes às informações em análise e formula respostas automaticamente89. Nesses termos, o processo cognitivo, após rever uma informação já conhecida, resulta em um ato decisório inconsciente, revestido de experiências cotidianas da memória90. Em alguns casos essas decisões intuitivas podem ser equivocadas, já que o acesso à informação disponível na mente é limitado. O processo cognitivo embasado em informações já conhecidas e armazenadas implica no sentimento de familiaridade e conforto cognitivo91. Quanto mais familiarizado com as circunstâncias, maior é a probabilidade do individuo e, inclusive do juiz, apontar uma solução com base apenas na intuição do Sistema 192. Em razão da vivência, essa intuição pode se tornar confiável. Porém, os indivíduos podem estar confiantes mesmo quando estão errados93. A partir disso, observa-se que o juiz pode decidir influenciado pela sua própria percepção dos fatos e, na maioria das vezes, para não generalizar e dizer que sempre acontece, o juiz não tem consciência dos processos mentais que permeiam o seu ato decisório. Isso implica na incapacidade de tornar as suas decisões mais apropriadas e afastadas de erros lógicos e sistemáticos. Portanto, o Sistema 1 cria padrões complexos e associações que norteiam as decisões e gera a predisposição em acreditar nas informações e ilusões de veracidade94. O processamento exclusivamente intuitivo pode implicar em erros de percepção, restringindo a capacidade de decidir com precisão. Como as informações são registradas rotineiramente e de forma automática, essas ilusões cognitivas não são controladas 95. Para apontar uma solução de forma mais ágil e menos custosa, esse Sistema, faz uso de atalhos cognitivos, as heurísticas. Esses atalhos podem ser úteis em diversas situações, pois simplificam atividades rotineiras, mas em algumas decisões podem resultar em erros sistemáticos e graves, os chamados vieses cognitivos, ocasionando o desvirtuamento da racionalidade96. Esta “refere-se ao processo de tomada de decisão que esperamos que leve ao 89 ROSA, Alexandre Morais da; TOBLER, Giseli Caroline. Teoria da decisão rápida e devagar, com Kahneman. 2015. 90 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 91 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeir: Objetiva LTDA, 2012. 92 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. 93 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 94 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 95 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 96 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. 32 resultado ideal, dada uma avaliação precisa dos valores e preferências de risco do tomador de decisões97”. A partir disso, o Sistema 1 envia sugestões, inclusive, impressões e intuições para o Sistema 2, que então as transformam em crenças quando endossadas e, impulsos que se tornam ações voluntárias98. As soluções repassadas muitas vezes são equivocadas e precipitadas, uma vez que se baseiam em evidências limitadas99. “Quando tudo funciona suavemente, o que acontece na maior parte do tempo, o Sistema 2 adota as sugestões do Sistema 1 com pouca ou nenhuma modificação100”. Assim, muitas das decisões são influenciadas por fatores subconscientes, experiências pessoais e estratégias simplificadoras. Porém, isso não implica em considerar que o Sistema 2 não seja capaz de tomar decisão com base no raciocínio, consciente, de forma sistemática e autocrítica. Este sistema “também é capaz de uma aproximação mais sistemática e cuidadosa da evidência, e de seguir uma lista de itens que devem ser listados antes de se tomar uma decisão101”. Ao mesmo tempo em que o Sistema 2 pode ser acionado para socorrer o Sistema 1 em atividades complexas, também tem a função de controlar os instintos do Sistema 1, referendando-os ou afastando parte dos seus equívocos. “Os dois sistemas constantemente atuam em sequência, com a modificação da resposta rápida e inicial do Sistema 1 pensando após a consideração mais profunda pela mente do Sistema 2102”. Isso decorre da possibilidade exclusiva do Sistema 2 de construir uma sequência ordenada de pensamentos, modular e aprimorar a solução recebida103. Porém, essa função, como já ressaltado, naturalmente demanda um maior gasto de energia, levando o Sistema 2 a filtrar e processar poucas informações comparadas com a quantidade gerada pelo Sistema 1104. Assim, acaba optando pelos atalhos e substituindo a complexidade por heurísticas e vieses. Ocorre a substituição de uma questão difícil por uma 97 BAZERMAN, Max H., MOORE, Don. Processo Decisório. 7. ed. Tradução Daniel Vieira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.18. 98 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 99 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. 100 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 33. 101 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. p. 112. 102 BAZERMAN, Max H., MOORE, Don. Processo Decisório. 7. ed. Tradução Daniel Vieira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.16. 103 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA, 2012. 104 BAZERMAN, Max H., MOORE, Don. Processo Decisório. 7. ed. Tradução Daniel Vieira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 33 compreensível, utilizando-se dos
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