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FARMACO1 Farmacodinâmica Utiliza-se o termo farmacodinâmica para descrever os efeitos de um fármaco no corpo, ou seja, efeitos bioquímicos e fisiológicos dos fármacos e seus mecanismos de ação. Um dos princípios básicos da farmacologia afirma que as moléculas dos fármacos precisam exercer alguma influência química sobre um ou mais constituintes das células para produzir uma resposta farmacológica. Por essa razão, para que os efeitos farmacológicos ocorram, é preciso haver uma distribuição não uniforme das moléculas do fármaco dentro do organismo ou do tecido, ou seja, as moléculas de um fármaco precisam “ligar-se” a constituintes específicos de células ou tecidos para produzir um efeito. Ehrlich resumiu esse pensamento da seguinte maneira: “Corpora non agunt nisi fixata” (no contexto, “um fármaco não agirá, a menos que esteja ligado”). Esses pontos de ligação tão importantes são frequentemente referidos como “alvos farmacológicos”. ALVOS E RECEPTORES FARMACOLÓGICOS Há quatro tipos principais de proteínas reguladoras que, em geral, atuam como alvos farmacológicos primários: • receptores; • enzimas; • moléculas carregadoras (transportadoras); • canais iônicos. O termo receptor é empregado de diferentes modos. Em farmacologia, descreve as moléculas proteicas cuja função é reconhecer os sinais químicos endógenos e responder a eles. Outras macromoléculas com que os fármacos interagem para produzir seus efeitos são conhecidas como alvos farmacológicos. Os dois principais receptores são: • receptor metabotróbico: prot. reguladora ou acoplada à proteína G; • receptor ionotrópico: canal iônico regulado por ligante ou receptor ligado a canal iônico. Os fármacos se ligarem nos receptores e estes desencadeiam uma via de transdução de sinal, que são fileiras de mensageiros químicos do interior da célula. INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR, AFINIDADE E ESPECIFICIDADE O fármaco deve ocupar um número suficiente de receptores para que a célula responda, sendo que a resposta em muitas células pode ocasionar um efeito em nível do órgão ou até mesmo no paciente. • a tendência de um fármaco se ligar aos receptores é governada por sua afinidade; • a tendência de um fármaco de, uma vez ligado, ativar o receptor é indicada por sua eficácia; • a constante de dissociação (Kd) nos permite calcular a afinidade de um fármaco a um receptor. Para que um fármaco seja útil como instrumento terapêutico ou científico, precisa agir de modo seletivo sobre células e tecidos específicos. Em outras palavras, precisa exibir alto grau de especificidade pelo ponto de ligação. Fármacos que são mais seletivos tem preferência por se ligar a um ou pouco subgrupos de receptores e conseguem realizar essa ligação em baixas concentrações. Tipos de interações fármaco-receptor Agonista total/integral/pleno: um fármaco que, após sua ligação ao receptor, favorece a conformação ativa desse receptor no grau e na frequência máximos permitidos por esse sítio de ligação que, por sua vez, desencadeia a cascata de transdução máxima de sinal. Essa transdução máxima de sinal pode resultar em: • ativação/inibição enzimática; • modulação de canais iônicos; • transcrição do DNA Os agonistas plenos (que são capazes de produzir efeitos máximos) apresentam alta eficácia, sendo que poucos receptores podem estar ativos para causar o efeito necessário, já que a transdução de sinal é máxima. Agonista parcial: um fármaco que, após sua ligação ao receptor, favorece a conformação ativa desse receptor em grau e a frequência submáximos permitidos por esse sítio de ligação que, por sua vez, desencadeia a cascata de transdução de sinal também submáxima. Essa transdução máxima de sinal pode resultar em: • abertura em maior grau e frequência do que em seu estado de repouso; • menos do que na presença de um agonista total; • resposta tecidual submáxima mesmo quando 100% dos receptores estão ocupados. Os agonistas parciais (que são capazes de produzir apenas efeitos submáximos) têm eficácia intermediária Agonista inverso: há exemplos em que pode ocorrer um nível apreciável de ativação mesmo na ausência de ligantes (ativação constitutiva – receptor constitutivamente ativo). Um agonista inverso atua de modo a abolir essa atividade intrínseca (constitutiva) do receptor livre (não ocupado). Antagonista: um fármaco que impede a ativação do receptor pelo agonista. Eles não apresentam efeito, apenas bloqueiam agonistas e mediadores endógenos. Antagonistas apresentam afinidade e não eficácia Antagonista competitivo: na presença de um antagonista competitivo, a ocupação do agonista (proporção de receptores aos quais o agonista está ligado) em dada concentração deste é reduzida, pois o receptor só é capaz de receber uma molécula de cada vez. No entanto, como os dois competem entre si, o aumento da concentração do agonista é capaz de restabelecer sua ocupação (e, portanto, a resposta do tecido). Nesse caso, diz-se que o antagonismo é reversível (superável). Os agonistas competitivos têm duas principais características: • na presença do antagonista, a curva do log da concentração-efeito do agonista é deslocada para a direita, sem alteração na inclinação ou no efeito máximo, sendo a extensão do deslocamento uma medida da razão de dose; • a razão de dose aumenta linearmente com a concentração do antagonista Antagonista irreversível: ocorre quando o antagonista se liga ao receptor na mesma posição do agonista, mas se dissocia dos receptores muito lentamente, ou não se dissocia, o que resulta no fato de não ocorrer alteração na ocupação do antagonista quando o agonista é adicionado. Antagonista alostérico: além do local de ligação do agonista (agora referido como local ou ponto de ligação ortostérico), no qual os antagonistas competitivos também se ligam, as proteínas dos receptores apresentam muitos outros locais de ligação através dos quais os fármacos podem influenciar a função do receptor de várias maneiras: aumentando ou diminuindo a afinidade dos agonistas pelo local de ligação do agonista, modificando a eficácia, ou produzindo eles mesmos uma resposta. ASPECTOS QUANTITATIVOS DAS INTERAÇÕES FÁRMACOS-RECEPTORES A eficácia descreve a tendência do complexo fármaco-receptor a adotar o estado ativo (AR*), em vez do estado de repouso (AR). Um fármaco com eficácia zero (e = 0) não apresenta nenhuma tendência a causar ativação dos receptores e não leva a uma resposta tecidual. Eficácia (Emáx): capacidade que um fármaco tem de ativar de ativar um receptor e desencadear uma reação celular. Agonistas. Emáx. Meia concentração eficaz (CE50): concentração do fármaco que produz 50% de seu efeito máximo. Potência: se refere à concentração necessária para produzir 50% do efeito máximo do fármaco. A potência dos agonistas depende de dois parâmetros: afinidade (i. e., a tendência do agonista de se ligar a receptores) e eficácia (i. e., a capacidade de, uma vez ligado a um receptor, dar início a alterações que provocam efeitos) O fármaco mais potente será aquele que em menor concentração consegue desencadear a resposta buscada. ↑ Potência = ↓ CE50 Total de receptores ocupados (Bmáx): quantidade máxima de ligações específicas entre fármaco e receptor. Constante de dissociação (Kd): concentração de fármaco na qual 50% dos receptores estão ocupados. O acoplamento ocupação-resposta não é linear → atinge-se o Emáx com baixas taxas de ocupação → RECEPTORES RESERVA: • agonista pode evocar o Emáx em uma concentração que não acarrete a ocupação de todos os receptores disponíveis. Da mesma forma que a Emáx pode não ser atingida mesmo com todos os receptores ocupados. TIPOS DE RECEPTORES Os receptores evocam muitos tipos diferentes de efeitos celulares. Alguns deles são muito rápidos, como aqueles envolvidos na transmissão sinápticarápida, operando dentro de milissegundos, enquanto outros efeitos mediados por receptor, como muitos dos produzidos pelo hormônio da tireoide ou por vários hormônios esteroides, ocorrem dentro de algumas horas ou dias. Foi observado que atinge-se o Emáx com baixas taxas de ocupação Isso significa que o mecanismo que liga a resposta à ocupação do receptor tem uma capacidade de reserva substancial. É possível afirmar que esses sistemas contenham receptores de reserva. A existência de tais receptores não implica subdivisão funcional do pool de receptores, mas apenas que o pool é maior que o número necessário para evocar uma resposta completa. Esse excesso de receptores em relação ao realmente necessário pode parecer um desperdício de mecanismos biológicos. No entanto, é de fato altamente eficiente, uma vez que um dado número de complexos do tipo agonista-receptor, a que corresponde determinado nível de resposta biológica, pode ser alcançado com uma concentração inferior de hormônios ou de neurotransmissores do que se houvesse disponibilidade de menos receptores. Assim, é possível uma economia na secreção de hormônios ou transmissores, à custa da disponibilização de mais receptores. Canais iônicos ativados por ligante – receptores ionotrópicos A maioria desses receptores são receptores de neurotransmissores encontrados em neurônios e em células musculares. • a porção extracelular dos canais iônicos disparados por ligantes em geral contém o local de ligação. Esses locais regulam o formato do poro através do qual os íons fluem através da membrana celular. Em geral, o canal está fechado até que o receptor seja ativado por um agonista que abre o canal brevemente, por poucos milissegundos. • por exemplo, a estimulação do receptor nicotínico pela acetilcolina resulta em influxo de sódio e efluxo de potássio, gerando um potencial de ação no neurônio ou contração no músculo esquelético. Por outro lado, a estimulação do receptor ácido γ- aminobutírico (GABA) pelo agonista aumenta o influxo de cloretos e hiperpolariza os neurônios. Receptores acoplados à proteína G – receptores metabotrópicos Os GPCR constituem a classe única mais comum de alvos para farmácos terapêuticos • as proteínas G compreendem três subunidades: α, β e γ. Os nucleotídeos guanina ligam- se à subunidade α, que tem atividade enzimática (GTPase), catalisando a conversão do GTP a GDP. As subunidades β e γ permanecem unidas na forma de um complexo βγ. • no estado de “repouso”, a proteína G permanece como um trímero αβγ que pode, ou não, ser previamente acoplado ao receptor, com o GDP a ocupar o local em α. Quando o GPCR é ativado por um agonista ocorre uma mudança conformacional envolvendo o domínio citoplasmático do receptor e induzindo uma interação de grande afinidade entre αβγ e o receptor. Essa interação causa a dissociação do GDP ligado e sua substituição por GTP (permuta GDP-GTP), o que ativa a proteína, levando à dissociação do trímero αβγ, liberando as subunidades α-GTP e βγ; estas são as formas “ativas” da proteína G, que se difundem na membrana e podem associar-se a diversas enzimas e canais iônicos, causando a ativação do alvo. • os complexos βγ têm suas próprias atribuições e controlam os efetores de modo muito semelhante ao das subunidades α. A associação das subunidades α ou βγ com as enzimas-alvo ou os canais pode causar ativação ou inibição, dependendo de qual proteína G está envolvida. • a ativação do efetor termina quando ocorre a hidrólise da molécula de GTP ligada, o que permite que a subunidade a se recombine com βγ Principais subtipos de proteína G e suas funções: Subtipos Receptores associados Efetores principais Notas Subunidades Gα Gαs Muitos receptores para aminas e outros (p. ex., catecolaminas, histamina, serotonina) Estimula a adenilciclase, aumentando a formação de AMPc Ativadas pela toxina do cólera, que bloqueia a atividade GTPase, impedindo, assim, a inativação Gαi Como para Gαs, também receptores opioides e canabinoides Inibe a adenilciclase, diminuindo a formação de AMPc Bloqueadas pela toxina pertússis, que impede a dissociação do complexo αβγ Gαo Como para Gαs, também receptores opioides e canabinoides Efeitos limitados da subunidade α (os efeitos devem-se principalmente às subunidades βγ) Bloqueada pela toxina pertússis. Ocorre principalmente no sistema nervoso Gαq Receptores de aminas, peptídeos e prostanoides Ativa a fosfolipase C, aumentando a produção dos segundos mensageiros inositol trifosfato e diacilglicerol - Subunidades Gβγ Todos os GPCRs Ativam canais de potássio; inibem canais de cálcio controlados por voltagem; ativam as GPCR quinases; ativam a cascata de proteínas quinases ativadas por mitógenos; interage com algumas formas de adenil-ciclase e com fosfolipase Cβ Muitas isoformas de βγ identificadas, mas as funções específicas ainda não são conhecidas Adenilato-ciclase: o sistema adenilato-ciclase-AMPc acoplado a proteína G é o sistema de transdução de sinal utilizado por muitos hormônios proteicos. Nesse sistema, a adenilato-ciclase é a enzima amplificadora que converte o ATP em uma molécula de segundo mensageiro, o AMP cíclico (AMPc). O AMPc, então, ativa proteínas quinase (enzimas que catalisam a fosforilação de outras proteínas), principalmente a proteína-cinase A (PKA), que, por sua vez, fosforila outras proteínas intracelulares como parte da cascata de sinalização. Fosfolipase C: quando uma molécula sinalizadora ativa a via acoplada a proteína G, a fosfolipase C (PLC) converte um fosfolipídio de membrana (bifosfato de fosfatidilinositol) em duas moléculas de segundos mensageiros derivados de lipídeos: o diacilglicerol e o trifosfato de inositol. O diacilglicerol (DAG) é um diglicerídeo apolar que permanece na porção lipídica da membrana, já que é bastante lipofílico. O DAG liga-se a um ponto específico na molécula da proteína-cinase C (PKC), fazendo com que a enzima migre do citosol para a membrana da célula, tornando-se, então, ativada. A PKC fosforila proteínas citosólicas que continuam a cascata sinalizadora. O trifosfato de inositol (IP3) é uma molécula mensageira solúvel em água que deixa a membrana e entra no citoplasma, onde se liga a um canal de cálcio no reticulo endoplasmático (RE). A ligação do IP3 abre canais de Ca2+, permitindo a difusão de Ca2+do RE para o citosol. O próprio cálcio é uma importante molécula sinalizadora, como será discutido posteriormente. Receptores ligados a quinases e receptores correlatos Esta família de receptores consiste em uma proteína que pode formar dímeros ou complexos de subunidades múltiplos. Quando ativados, esses receptores sofrem alterações conformacionais, resultando em aumento da atividade enzimática no citosol, dependendo de sua estrutura e função. • a transdução de sinais geralmente envolve a dimerização de receptores, seguida de autofosforilação de resíduos de tirosina. Os resíduos de fosfotirosina atuam como aceptores dos domínios SH2 de várias proteínas intracelulares, permitindo, dessa maneira, o controle de muitas funções celulares; • o que ocorre quando a proteína de domínio SH2 se liga ao receptor fosforilado varia significativamente, de acordo com o receptor envolvido; • há outros exemplos de receptores com ação semelhante: Receptor de serina/treoninoquinases, receptores de citocinas, entre outros. Receptores nucleares Uma família de 48 receptores solúveis que podem detectar lipídios e sinais hormonais, além de modular a transcrição gênica. • seus ligantes são muitos e variados, incluindo fármacos esteroides e hormonais, hormônios da tireoide, vitaminas A e D, vários lipídios e xenobióticos; • duas categorias principais: o os receptores nucleares (RN) de classe I estão presentes no citoplasma e formam homodímeros na presença de seu ligante,migrando até o núcleo. Seus ligantes são principalmente de natureza endócrina (p. ex., hormônios esteroides); o os RN de classe II estão, em geral, constitutivamente presentes no núcleo e formam heterodímeros com o receptor retinoide X. Seus ligantes são, em geral, lipídios (p. ex., ácidos graxos). Referências RITTER, James M. et al. Rang & Dale Farmacologia, 9ed. Capítulo 2 – Como Agem os Fármacos I Princípios Gerais e capítulo 3 – Como Agem os Fármacos I Aspectos moleculares. RITTER, James M. et al. Rang & Dale Farmacologia, 8ed. Capítulo 3 – Como agem os fármacos: aspectos moleculares. GOLAN, David E.; Princípios de Farmacologia - A Base Fisiopatológica da Farmacologia, 3ed. Capítulo 2 – Farmacodinâmica.
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