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CASO 9| 3P UNIFTC| BRENNA ESTEVES Anemia falciforme FISIOLOGIA DA HEMATOPOIESE • De modo geral, podemos definir a hematopoiese como o processo de formação das células do sangue, incluindo desde a sua origem, multiplicação e maturação • O sangue, como já sabemos, é composto por eritrócitos(hemácias), glóbulos brancos (leucócitos) e plaquetas; e apesar de cada um desses componentes desempenharem funções diferentes, eles tem a mesma origem: as células tronco; também chamadas de progenitoras pluripotentes • Na vida intrauterina, essa formação acontece no saco vitelínico (da 8ª semana ao 4º mês) , na região mesodérmica (formação de hemácias), na placenta, no fígado, baço e medula óssea (que a partir dos 6/7 meses de vida fetal já é o local de hematopoiese mais importante, mantendo-se assim até a vida adulta. • Nos primeiros anos da infância, a atividade hematopoiética pode ser detectada em todos os ossos e em toda a medula óssea. Próximo da puberdade, há a substituição gradual da medula hematopoiética ativa (vermelha), por um tecido gorduroso (amarelo). Este processo ocorre principalmente em ossos longos e inicia-se nas diáfases, restringindo gradualmente o tecido hematopoiético ativo às epífises, além de ossos chatos. • Essa diferenciação depende essencialmente de dois fatores: o padrão de expressão genética e os sinais externos que vêm tanto do meio ambiente, quando da medula. • Falando um pouco do desenvolvimento dessas células pluripotentes, elas precisam de condições favoráveis para seu funcionamento e diferenciação. Então, precisam de um meio composto por células de estroma e rede microvascular no microambiente da medula óssea. • As células do estroma são formadas por adipócitos, fibroblastos, células endoteliais e macrófagos. Juntas, essas células secretam moléculas extracelulares, como colágeno, glicoproteínas e glicosaminoglicanos (ácido hialurônico e derivados condroitínicos) para formar uma matriz extracelular; e de modo geral as células do estroma secretam fatores de crescimento, para que a célula tronco sobreviva. • O crescimento e reprodução das células tronco são controlados por múltiplas proteínas, denominadas indutores de crescimento. • Dentre esses indutores, temos a interleucina-3, que irá promover o crescimento e a reprodução de praticamente todos os diferentes tipos de células-tronco comprometidas. Porém, eles promovem o crescimento, e NÃO a diferenciação. Essa função será dos próprios indutores de diferenciação. A formação desses indutores é determinada por fatores externos, como por exemplo, exposição do sangue a baixas concentrações de oxigênio. • Fatores de crescimento OBJETIVOS 1) compreender a fisiologia da hematopoiese ✓ 2) discutir os tipos de anemia com ênfase nas hemoglobinopatias ✓ 3) compreender a fisiopatologia das doenças falciformes (polimerização, falcização das hemácias e trombose)✓ 4) conhecer os fatores precipitantes e agravantes das crises álgicas ✓ 5) correlacionar o quadro clínico e complicações da doença com o caso do paciente✓ 6) entender a importância do teste do pezinho✓ 7) discutir sobre as iniquidades em saúde em afrodescendentes • São substâncias químicas, ou citocinas, existentes no organismo e que controlam a produção das células sanguíneas: • Eritropoietina, hormônio produzido no rim, controla a produção dos glóbulos vermelhos. • Fator de crescimento dos granulócitos – G-CSF, granulocyte-colony-stimulating-factor – regula a produção de glóbulos brancos e é produzido por algumas células envolvidas na defesa contra infecções. • Trombopoietina – uma glicoproteína produzida pelo fígado e rim e que estimula a produção de plaquetas. • A célula tronco multipotente dará origem a duas linhagens: mieloide e linfoide. A linhagem mieloide dará origem as células sanguíneas, sendo elas: megacariócito (que irá se fragmentar, dando origem aos trombócitos), eritrócito, mastócito e mieloblasto. A linhagem linfoide, dará origem aos linfócitos e as NK. ERITROPOESE (PRINCÍPIOS DE ANATOMIA E FISIOLOGIA-TORTORA) • Consiste na produção de hemácias, começa na medula óssea vermelha com uma célula percussora: o proeritroblasto • O proeritoblasto irá se dividir várias vezes, produzindo células que começam a sintetizar a hemoglobina • No final da sequência de desenvolvimento, o núcleo é ejetado da célula e torna-se um reticulócito • A perda do núcleo faz com que o centro da célula sofra uma endentação, que dará a ela o formato bicôncavo; seu diferencial • Os reticulócitos retêm mitocôndrias, ribossomos, retículo endoplasmático. • Os reticulócitos passam da medula óssea vermelha para a corrente sanguínea e se espremem entre as células endoteliais dos capilares sanguíneos; se tornam hemácias maduras no período de 1 a 2 dias depois da sua liberação da medula óssea vermelha. • Normalmente, a produção e a destruição de hemácias se equivalem. • Se a capacidade de transportar oxigênio diminui porque a eritropoese não está acompanhando essa velocidade da destruição das hemácias; um sistema de feedback negativo aumenta a produção de hemácias. • A condição controlada é a quantidade de oxigênio que chega aos tecidos, se ela está reduzida, temos uma hipoxia. • Isso pode acontecer no caso da anemia, por exemplo. • Mas independente da causa, a hipoxia estimula os rins a intensificarem a liberação da eritropetina, acelerando o desenvolvimento dos proeritoblastos em reticulócitos na medula óssea vermelha. • Se a quantidade de hemácias circulantes aumenta, o oxigênio pode ser levado aos tecidos do corpo. HEMOGLOBINA TIPOS DE ANEMIAS- ENFÂNSE NAS HEMINOGLOBINOPATIAS O QUE É ANEMIA? • Segundo o CECIL, a anemia é definida como uma redução significativa da massa eritrocitária circulante. • Como resultado, a capacidade de ligação de oxigênio do sangue é diminuída. Como ovolume sanguíneo é normalmente mantido em um nível quase constante, os pacientes anêmicos têm uma diminuição na concentração de eritrócitos ou hemoglobina no sangue periférico • Segundo a OMS é “condição na qual o conteúdo de hemoglobina no sangue está abaixo do normal”. • As causas de anemias podem ser • (1) por deficiência de vários nutrientes (Ane- • mias Carenciais, como ferropriva e megaloblástica), como Ferro, Zinco, Vitamina B12 e proteínas • (2) por ativação imune aguda ou crônica (Anemias Inflamatórias ou de Doenças Crônicas), • (3) por defeito quantitativo na produção das cadeias de globina (Talassemias), • (4) por falha na ativação do grupo Heme (Anemia sideroblástica, hereditária ou adquirida), • (5) por substituição do tecido hematopoético por gordura (Anemia Aplásica), • (6) por sangramento agudo (Anemias Hemolíticas) • (7) por desregulação endócrina (Anemia • das Doenças Endócrinas) • (8) por defeito na síntese de DNA (Anemia megaloblástica). CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS As anemias podem ser classificadas baseadas em sua fisiopatologia, morfologia ou produção eritrocitária, sendo que a combinação destas abordagens é geralmente utilizada para determinação do diagnóstico diferencial inicial. CLASSIFICAÇÃO MORFOLÓGICA Se baseia nos valores do VCM, porém não esclarece a causa da anemia, mas sim o aspecto morfológico dos eritrócitos presentes na circulação. 1)Microcíticas (VCM < 80fl): Diminuição da Hb dentro do eritrócito, o que torna as hemácias hipocrômicas e microcíticas. Geralmente ocorre por diminuição da síntese do grupo heme por deficiência de Ferro. Também ocorre nas talasse- mias (redução da síntese de globina), nas anemias sideroblásticas (acúmulo de Fe nas mitocôndrias),hemoglobinopatia C (mutação no gene da cadeia globina beta).2) Macrocíticas (VCM > 100 fl): Hemácias de grande volume e, geralmente, hipercrômicas. Não necessariamente indica anemia. Causada muitas vezes pelo consumo de álcool, quimioterapia ou anemia perniciosa. São divididasem megaloblásticas, decorrentes de deficiência de vit. B12 e/ou áci- do fólico, e não megaloblásticas, podendo ser decorrente de reticulocitose ou reticulocitopenia associada à hipotireoidismo, hepatopatia e aplasia de série vermelha. 3. Normocíticas (VCM 80-100 fl): Também são normocrômicas. Corresponde a maioria das anemias de doenças crônicas (que, eventualmente, podem ser microcíticas).Se tiver uma resposta medularinadequada, com reticulócitos baixos na presença de anemia, existe uma doença de base que afeta medula óssea, direta ou indiretamente, porque o normal é esperar por aumento dos reticulócitos. CLASSIFICAÇÃO FISIOLÓGICA É baseada na contagem de reticulócitos e é dividida em três grupos: a)Por deficiência de produção ou hipoproliferativa: Contagem de reticulócitos abaixo de 50.000/ mmᶟ. Ocorre por acometimento primário ou secundário da medula óssea ou por falta de estímulo à eritropoiese (ex: eritropoietina), falta de ferro, vit. B12 e/ou ácido fólico. Podem acompanhar doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. b) Por excesso de destruição ou hiperproliferativas: Típica das anemias hemolíticas, mas também pode ocorrer após perdas agudas de sangue. Sob estimulação máxima, a medula pode aumentar sua produção de 6 a 8 vezes, entretanto a sobrevida dos glóbulos vermelhos pode encurtar para 15-20 dias (compensação medular), levando a presença de reticulocitose, sem presença de anemia (estado hemolítico compensado). O estado de anemia hemolítico se estabelece quando a produção medular não é capaz de superar a taxa de destruição. Laboratorialmente anemia hemolítica se caracteriza por reticulocitose, ↑ bilirrubina indireta, ↑ desidrogenase lática,↓ haptoglobina. Pode ocorrer por alterações intrínsecas dos eritrócitos (maioria genética) ou por agressões por agentes extrínsecos (malária, veneno, toxinas) c) Por perdas: Pode ser (A) aguda, como as anemias pós-hemorrágicas, em que há compensação pela medula caso estoques de Fe estejam preservados ou (B) crônica, que causam espoliação do Fe e, consequentemente, anemia por falta de produção TIPOS POR DEFICIÊNCIA NA PRODUÇÃO DE ERITRÓCITOS ANEMIA FERROPTIVA- “estado mais avançado da deficiência de ferro”. A deficiência de ferro instala-se por mecanismos diversos: (1) aumento do consumo, (2) excesso de perda (hemorragias) (3) má absorção. Quando o organismo está em balanço negativo de ferro o primeiro evento é a depleção dos estoques de ferro para a produção de hemoglobina. O intestino aumentaa absorção de ferro antes mesmo do desenvolvimento da anemia. A ferritina sérica já se encontra reduzida. A eritropoese nesses indivíduos resulta em células com conteúdo reduzido de hemoglobina, tornando-a hipocrômica e microcítica (observado no esfregaço sanguíneo) e por redução dos índices hematimétricos (VCM < 80 fL e CHCM < 32 g/dL). Além disso, as dosagens de ferro sérico e transferrina saturada de ferro são baixas. A contagem de reticulócitos também é reduzida. Diagnóstico diferencial: A observação do RDW é um importante no diagnóstico diferencial da anemia ferropriva com talassemias. Na anemia ferropriva o RDW está aumentado com os eritroblastos medulares picnóticos e irregulares. Além das manifestações comuns de anemia, na ferropenia podem surgir sintomas menos típicos como glossite atrófica (língua sem papilas tativas), perversão do apetite, geofagia ou pica (vontade de comer terra e barro), disfagia cervical (síndrome de Plummer-Vinson, coiloníquia, estomatite angular, amenorreia, cabelos finos e quebradiços e diminuição da libido. Anemia megaloblástica A causa mais comum desse tipo de anemia é a carência de folato e/ou cianocobalamina (vit. B12), sendo mais comum a deficiência de folato. O quadro clínico desses pacientes varia desde assintomáticos à sintomas clássicos de anemia associados a anorexia, emagrecimento, alterações do hábito intestinal (diarreia ou constipação), glossite, queilite angular, púrpuras, icterícia leve e hiperpigmentação cutânea. Os quadros severos de deficiência de anemia megaloblástica podem apresentar ainda polineuropatia periférica, com parestesia nos membros inferiores e das mãos, alteração de marcha e alterações esfincterianas. Sintomas do sistema nervoso central, como alucinações, não são comuns, mas só são observadas associadas a deficiência de B12. O diagnóstico é feito a partir de dosagens de vitamina B12 e/ou folato no sangue que estará reduzida indicando. Alterações laboratoriais: hemácias macrocíticas, reticulócitos diminuídos, leucopenia/ trombocitopenia; neutrófilos hipersegmentados; b12 e ou folato diminuídos, homocisteína aumentada, acúmulo de ácido metilmalônico; bilirrubina indireta e DHL aumentados, devido a hemólise, hipercelularidade na medula óssea, falta de maturação; presença de metamielócitos gigantes ANEMIA PERNICIOSA Doença autoimune; Deficiência grave de fator intrínseco seco associado a gastrite atrófica; mais comum em mulheres de 70 anos; associada a outras doenças autoimunes; ocorre produção de de autoanticorpos contra células parietais do estômago; impedindo sua renovação e causando atrofia da mucosa; sem produção de fator intrínseco, há diminuição de absorção de vitamina B12 no íleo. ANEMIA APLÁSICA- pancitopenia com hipoplasia medular na ausência de infiltrado neoplásico e aumento de reticulina. As manifestações clínicas decorrem da anemia, neutropenia e plaquetopenia, cursando com astenia, palidez, hemorragias e tendência a infecções. Não ocorre adenomegalia ou hepatoesplenomegalia. Nos achados laboratoriais, é uma anemia normo/ normo, com reticulócitos diminuído. ANEMIA DE DOENÇAS CRÔNICAS É a anemia mais comum em pacientes com doença inflamatória crônica ou nos portadores de neoplasia. Normalmente normo/normo. É caracterizada pela redução do ferro sérico e da capacidade de ligação do ferro e pela ferritina sérica normal ou aumentada, com presença de estoques de ferro normal (nos macrófagos). A patogênese chave nesse tipo de anemia é a produção de hepcidina pelo fígado, associado a processos infecciosos ou inflamatórios, que impede a absorção de ferro no intestino e aumenta o seu sequestro por macrófagos. Além disso, a hepcidina atua inibindo a liberação de ferro nos seus depósitos (fígado e baço), diminuindo a transferrina e a eritropoetina. ANEMIAS HEMOLÍTICAS • Quando a hemólise é patológica, diminui a vida média dos eritrócitos. • A hemólise pode ser intravascular,quando a hemoglobina é liberada no plasma, ou extravascular, quando é liberada no baço. • Quando a sobrevida dos eritrócitos está di- minuída, a medula óssea aumenta o número de precursores eritroides, a fim de compensar a hemólise. A anemia só ocorre quando a hiperprodução medular não consegue se igualar ao ritmo da destruição. • As anemias hemolíticas podem ser congênitas (defeito corpuscular) ou adquiridas (defeitos extracorpusculares). • Nos achados clínicos, observa-se anemia, icterícia, colúria, fezes mais escuras do que o habitual e, se o quadro for crônico, esplenomegalia. Adenomegalia pode estar presente indicando uma anemia hemolítica secundária ou linfoma. ESFERICTOSE CONGÊNITA • Doença genética de caráter autossômico dominante, na qual há defeito na membrana dos eritrócitos ao nível do citoesqueleto. • Quando as hemácias passam por um local pobre em glicose (o baço, por exemplo), elas modificam-se, tornam-se mais esféricas e são facilmente destruídas, seja no própriobaço ou em outros locais ricos em células macrofágicas. • O quadro clínico varia de assintomático, que é o mais comum, à sintomáticos, cursando com anemia de grau variado, que pode acometer qualquer idade, úlceras nas pernas, esplenomegalia, litíase biliar e icterícia flutuante • ANEMIA HEMOLÍTICA POR DEFICIÊNCIA DE G6P Como já vimos, a hemácia é uma célula anucelada, portanto não participa da síntese proteica. Assim, os processos metabólicos ficam dependentes das vias enzimáticas, sendo o ciclo da glutationa o maior agente redutor do eritrócito. A deficiência de G-6PD é a deficiência enzimática genética mais comum. Existem quatro síndromes associadas à deficiência da G-6PD. Em todas elas, a hemólise é agravada ou promovida por infecções ou por ingestão de medicamentos ou de alimentos que promovam estresse oxidativo. O quadro clínico pode variar desde assintomático a quadros de HEMÓLISE AGUDA. O diagnóstico é feito pela dosagem de G-6PD nos eritrócitos. ACHADOS LABORATORIAS: eritrócitos fragmentados, remoção do corpúsculo de heinz; HEMONOGLOBINOPATIAS São as doenças genéticas mais comuns; em síndromes talassêmicas (α e β) e hemoglobinopatias S, C e E (e suas associações). • As hemoglobinopatias são alterações hereditárias que afetam a hemoglobina. • Estas alterações podem ser estruturais ou por deficiência de síntese. • Nas hemoglobinopatias estruturais ocorre a alteração em uma ou mais cadeias da hemoglobina. Na grande maioria dos casos, tais alterações são causadas por mutações de ponto, que determinam a troca de um aminoácido por outro. • Nas hemoglobinopatias por deficiência de síntese, ocorre uma depressão parcial ou total da síntese de um ou mais tipos de cadeias polipeptídicas da globina, determinando as talassemias. Existem dois tipos: talassemias do tipo alfa e talassemias do tipo beta, com incidências variadas no território nacional. • Entre as hemoglobinopatias estruturais, a hemoglobina S é a mais comum das alterações hematológicas hereditárias conhecidas no homem. • Sua etiologia é gênica, com padrão autossômico recessivo e decorrente de mutação no gene da globina beta, produzindo uma alteração estrutural na molécula. • Em sua forma homozigótica é denominada anemia falciforme e, em alterações onde pelo menos um gene é a Hb S, é denominada doença falciforme. • Nessa situação, podem combinar com outras anormalidades hereditárias das hemoglobinas, como a hemoglobina C (Hb C) e a hemoglobina D (Hb D), resultando nas duplas heterozigoses Hb SC e Hb SD respectivamente. • Na combinação com a beta talassemia resulta em Sbtalassemia, também conhecida como microdepranocitose. SÍNDROMES TALASSÊMICAS (Robbins) • As síndromes talassêmicas constituem um grupo heterogêneo de distúrbios causados por mutaçõeshereditárias que diminuem a síntese de cadeias de α-globina e β-globina que compõem a hemoglobina adulta, HbA (α2β2), levando a anemia, hipoxia tecidual e hemólise de hemácias relacionada ao desequilíbrio na síntese das cadeias de globina. • As duas cadeias α na HbA são codificadas por um par idêntico de genes de α-globina no cromossomo 16, enquanto as duas cadeias β são codificadas por um único gene de β- globina no cromossomo 11. • A β-talassemia é causada pela síntese deficiente de cadeias β, enquanto a α- talassemia é causada pela síntese deficiente de cadeias α alfa. • As cadeias de α-globina são instáveis e precipitam no interior dos eritroblastos, o que interfere na maturação. • Essa alteração leva à destruição intramedular dos precursores eritrocíticos (eritropoese ineficaz). A degradação dos componentes da cadeia globínica leva à alteração da membrana e à alteração da deformidade celular, o que contribui para o processo hemolítico. A betatalassemia pode ser dividida em dois tipos: (1) β0- talassemias: há ausência total de cadeias beta (ou totalmente não funcionantes); e (2) β1- talassemias: há diminuição da síntese de cadeias beta. EPIDEMIOLOGIA A maior prevalência de alfa-talassemia ocorre no Sudeste da Ásia e entre as populações originárias da costa oeste da África. As beta- talassemias predominam numa ampla região que inclui bacia do Mediterrâneo, Oriente Médio, Índia e Sudeste da Ásia. Aproximadamente 3% da população do mundo é portadora de um gene beta- talassêmico. Esses genes são particularmente prevalentes na Itália e na Grécia. No Brasil, a doença predomina entre descendentes de italianos, gregos e africanos. FISIOPATOLOGIA A deficiência de síntese de uma ou mais cadeias globínicas tem duas consequências: desequilíbrio de produção entre as cadeias alfa e não alfa e síntese diminuída de hemoglobina. A gravidade da anemia é determinada pelo grau de desequilíbrio da síntese de cadeias globínicas. • Alfa-talassemia: há redução de cadeias alfa em relação as cadeias beta na vida fetal, consequentemente, ocorre que as cadeias beta livres se agrupam em tetrâmeros (beta4). A hemoglobina constituída por este tetrâmero é denominada hemoglobina H (HbH), é instável e se precipita formando corpos de inclusão. Esses corpos de inclusão são removidos pelo sistema reticulo endotelial (SRE) resultando em anemia. Na fase intrauterina, as cadeias que sobram são as cadeias gama que se agrupam formando tetrâmeros gama4 ou Hb Bart’s. As Hb Bart ́s e HbH são ineficientes no transporte de oxigênio, por isso precipitam dentro do eritrócito, causando a destruição precoce da célula dentro da medula (eritropoiese ineficiente). Beta-talassemia: ocorre diminuição da produção de cadeias beta, o que acarreta um excesso de cadeias alfa. As cadeias alfa são insolúveis e precipitam nos precursores eritrocitários, acarretando a maturação defeituosa e destruição celular, principalmente intramedular. As células anormais que não são destruídas na medula óssea e caem no sangue periférico são removidas rapidamente pelo baço e pelo fígado. O baço aumenta gradativamente e exacerba a anemia pela hemodiluição. A anemia grave resultante desse processo estimula a produção de eritropoetina, causando expansão da medula óssea e hematopoese extramedular. Essa expansão leva a anormalidades esqueléticas e alterações metabólicas diversas. A hematopoese acelerada induz sinalização para aumentar a absorção de ferro no nível intestinal. A ferroportina e a hepcidina são proteínas críticas na regulação dos mecanismos de absorção e movimentação do ferro pelo organismo. Esse processo, associado à sobrecarga de ferro iatrogênica, secundária ao tratamento transfusional ao longo da vida, leva à hemocromatose tecidual e suas complicações. MANIFESTAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO Alfa-talassemias: são pouco diagnosticadas na prática clínica, pois necessitam de diagnóstico molecular, o qual é pouco disponível nos serviços de saúde. Inclui quatro apresentações clínicas, conforme a alteração genética apresentada no cromossomo 16: portador silencioso (sem manifestações), traço talassêmico alfa (anemia leve), doença da hemoglobina H (anemia moderada a grave) e síndrome da hidropsia fetal da hemoglobina Bart’s (anemia muito grave e incompatível com a vida). Hidropisia fetal com Hb Bart’s: resulta da ausência dos 4 genes alfa, é a mais devastadora de todas as talassemias, observada principalmente na população do Sudeste da Ásia e em algumas regiões do Mediterrâneo. Como o feto não produz cadeias alfa, sua hemoglobina consiste quase completamente de Hb Bart’s (gama4). • Quadro clínico: prematuridade, palidez e edema, em geral, o neonato morre após o nascimento. • Diagnóstico: pode ser feito utilizando técnicas de análise do DNA em células do líquido amniótico a partir da 14a semana e pela biópsia de vilosidadecoriônica a partir da 10ª semana. Doença da HbH: afeta indivíduos do Sudeste da Ásia, das ilhas do Mediterrâneo e parte do Oriente Médio, ocorrendo raramente em populações de afrodescendentes. • Quadro clínico: grande variação da gravidade da doença, presença de anemia, esplenomegalia e alterações ósseas. A anemia é hipocrômica e microcítica, com variação da Hb entre 7 e 10 g/dL. • Diagnóstico: A HbH pode ser identificada por eletroforese ou pela coloração supravital de sangue com azul brilhante de cresil. A eletroforese de hemoglobina mostra quantidades variáveis de HbH (1 a 40%). • Tratamento: em geral, não há necessidade de tratamento, sendo aconselhável orientar sobre evitar o uso de drogas oxidantes pelo risco de crise hemolítica. Em alguns casos, podem ser necessárias transfusões sanguíneas e a esplenectomia está indicada em casos de hiperesplenismo. Traço alfa-talassêmico: condição benigna e ocorre, predominantemente, em descendentes de asiáticos, mediterrâneos ou africanos. • Quadro clínico: assintomática, com níveis de hemoglobina normais ou discretamente reduzidos. A anemia, quando presente, é hipocrômica e microcítica. • Diagnóstico: é difícil e, frequentemente, circunstancial. Somente podem ser diagnosticados pela medida da relação sintética alfa/beta de 0,7 ou por métodos de análise de DNA. • Tratamento: não há necessidade de tratamento, sendo indicado acompanhamento ambulatorial regular. Portador silencioso: a deleção de um único gene alfa não causa anormalidades clínicas ou hematológicas, sendo detectada apenas pela demonstração da alteração gênica em análise de DNA. As deleções de um ou de 2 genes são assintomáticas e não requerem tratamento. Beta-talassemias: o quadro clínico das beta- talassemias reflete o efeito quantitativo da mutação presente em cada caso sobre a síntese da betaglobina. A talassemia beta abrange três apresentações clínicas, conforme a alteração genética ocorrida no cromossomo 11: talassemia beta menor/traço talassêmico beta (anemia leve), talassemia beta intermediária (anemia leve a grave, podendo necessitar de transfusões de sangue esporadicamente) e talassemia beta maior (anemia grave, necessitando transfusões de sangue a cada 2 a 4 semanas desde os primeiros meses de vida). Beta-talassemia major: é a forma mais grave de beta-talassemia. • Quadro clínico: retardo de crescimento, anemia e esplenomegalia, com eventual hiperesplenismo, osteoporose e outras alterações esqueléticas associadas à expansão da medula óssea e à sobrecarga de ferro decorrente da combinação de aumento da absorção intestinal e transfusões de sangue. O fígado, o coração, o pâncreas, a hipófise e outras glândulas endócrinas são os principais locais de deposição excessiva de ferro, a qual causa lesão progressiva e insuficiência desses órgãos. O quadro clínico típico só ocorre, atualmente, na criança tratada de forma inadequada. • Diagnóstico: O hemograma inicial mostra anemia microcítica e, intensamente, hipocrômica, com numerosos eritroblastos circulantes. Homozigotos para beta0 apresentam HbA2 - talassemia e HbF, com ausência de HbA. • Tratamento: Transfusão sanguínea para manter níveis de Hb superiores a 10 g/dL, acompanhado de efeitos favoráveis sobre o crescimento e a atividade física, redução da hiperplasia da medula óssea e, como consequência, redução ou ausência de deformidades ósseas e de esplenomegalia. Controlar a sobrecarga de ferro com terapia quelante. Curativo: transplante de medula óssea. Beta-talassemia intermedia: caracteriza-se por anemia hemolítica de gravidade variável que não requer transfusões crônicas. • Quadro clínico: amplo espectro de manifestações que variam desde uma condição próxima à da talassemia major até uma doença com poucos sintomas. As manifestações clínicas predominantes são esplenomegalia, redução da massa muscular, úlceras crônicas nas pernas e alterações faciais. O crescimento de grandes massas de tecido hematopoiético extramedular pode causar sintomas compressivos como massas paravertebrais intratorácicas. A concentração de Hb varia, geralmente, de 6 a 9 g/dL, com as características morfológicas típicas das talassemias. A composição de hemoglobinas é variável, com aumento de HbA2 e quantidades de HbF que dependem do grau de deficiência de síntese causada pela mutação presente em cada caso. • Tratamento: a talassemia intermedia, por definição, não requer tratamento transfusional, exceto, em circunstâncias especiais. Hiperesplenismo é frequente, causando dependência transfusional que é, geralmente, revertida pela esplenectomia. O tratamento com hidroxiureia pode aumentar a HbF e ser benéfico em alguns casos. Beta-talassemia minor: é a mais comum na prática clínica • Quadro clínico: assintomática, associada a alterações na morfologia dos eritrócitos com pequena ou nenhuma anemia hipocrômica e microcítica (Hb em torno de 10 g/dL). • Diagnóstico: ocasional em exames de rotina. Eletroforese de hemoglobina: aumento de HbA2 e HbF18 (50% dos casos). Principal diagnóstico diferencial é a anemia ferropenêmica. • Tratamento: não requer tratamento. ANEMIA FALCIFORME • VISÃO GERAL • É a mais frequente das hemoglobinopatias. Ocorre, principalmente, em indivíduos negros e pardos. • É uma anemia hemolítica crônica hereditária, cuja manifestação clínica surge em decorrência da HbS que polimeriza e promove a deformação do eritrócito de formato bicôncavo para a forma de foice em situações de baixa tensão de oxigênio. • Essa alteração ocorre pela substituição de um aminoácido, ácido glutâmico, pela valina, na posição 6 da cadeia β da globina. • Mesmo nas hemácias de formato normal, a presença da HbS reduz a capacidade de deformidade e torna o sangue mais viscoso. • Episódios repetidos e prolongados de falciza- ção danificam a membrana da célula. Por isso também, as hemácias em foice aderem à parede do endotélio, podendo resultar em lentificação do fluxo sanguíneo e fenômenos vasoclusivos. • Devido a esses fenômenos, ocorrem quadros dolorosos muito intensos (musculares, dores abdominais e priapismo). • A fragmentação da membrana do eritrócito favorece a lise mediada por complemento, promovendo hemólise intravascular. • O diagnóstico laboratorial inclui o he- mograma (anemia hemolítica e presença de drepanócitos no esfregaço -Figura14 ), eletroforese de hemoglobina (que quantifica a hemoglobina S e detecta outras hemoglobinas anômalas), triagem neonatal e teste de falcização (útil para triagem da doença, não quantificação de HbS). • No tipo heterozigoto da doença (HbAS), o sangue é normal ou pouco alterado e o risco de falcemização diminui. • A hemoglobina que chamamos de protetora, visto que inibe a polimerização da hemácia, é a hemoglobina fetal (HbF). Essa está mais presente durante a vida fetal e sua produção vai diminuindo até a fase adulta. Portanto, quanto maior a concentração de HbF o indivíduo possuir, menos sintomático ele será. FISIOPATOLOGIA Fonte: Tratado de Hematologia • A alteração molecular primária na anemia falciforme é representada pela substituição de uma única base no códon 6 do gene da globina B, uma adenina (A) é substituída por uma timina (T) (GAG GTC). • Esta mutação resulta na substituição do resíduo glutamil na posição Beta 6 por um resíduo valil ( 6Glu Val) e tem como consequência final a polimerização das moléculas dessa hemoglobina anormal (HbS) quando desoxigenadas. • A hemoglobina S, quando desoxigenada in vitro, torna-se relativamente insolúvel e agrega-se em longos polímeros. Esses polímeros resultam do alinhamento de moléculas de hemoglobina S, unidas por ligações não covalentes • A polimerizaçãoda desoxi hemoglobina S depende de numerosas variáveis, como concentração de oxigênio, pH, concentração de hemoglobina S, temperatura, pressão, força iônica e presença de hemoglobinas normais. • A polimerização da hemoglobina S é o evento fundamental na patogenia da anemia falciforme, resultando na alteração da forma do eritrócito e na acentuada redução de sua deformabilidade. • A Hemoglobina Fetal (HbF) inibe a polimerização, fenômeno responsável pela redução de sintomatologia clínica nos pacientes com elevados níveis de Hb S. PROCESSO DE FALCIZAÇÃO • Todas as hemácias contendo predominantemente hemoglobina S podem adquirir a forma falciforme clássica após desoxigenação, em decorrência da polimerização intracelular da desoxi-Hb S, processo normalmente reversível após a reoxigenação. • Só que a repetição frequente desse fenômeno provoca lesão de membrana em algumas células, fazendo com que a rigidez e a configuração em forma de foice persistam mesmo após a reoxigenação. Assim, esses eritrócitos, denominados genericamente “células irreversivelmente falcizadas” ou células densas, retêm permanentemente a forma anormal, mesmo na ausência de polimerização intracelular de hemoglobina. • Em decorrência de sua acentuada rigidez, as células irreversivelmente falcizadas têm vida- média reduzida e contribuem significativamente para a anemia hemolítica dos pacientes. • No entanto, o quadro clínico da anemia falciforme, contrastando com as demais formas de anemia hemolítica, não dependem substancialmente dos sintomas causados pela anemia propriamente, mas, sim, da ocorrência de lesões orgânicas causadas pela infl amação e obstrução vascular e das chamadas “crises de falcização”. • Nos períodos entre as crises, a “fase estável”, os pacientes evoluem praticamente assintomáticos, a despeito da anemia persistente, com níveis de hemoglobina variáveis, mas, em geral, ao redor de 8 g/d VASO OCLUSÃO • O fenômeno de vaso-oclusão ocorre geralmente na microcirculação. No entanto, grandes artérias, principalmente nos pulmões e cérebro, também podem ser afetadas. • Atualmente, acredita-se que o fenômeno vaso-oclusivo compreende um processo com várias etapas que envolve interações de hemácias, leucócitos ativados, células endoteliais, plaquetas e proteínas do plasma. • A liberação intravascular de hemoglobina pelas hemácias fragilizadas, além da vaso- oclusão recorrente e dos processos de isquemia e reperfusão, leva a dano e ativação das células endoteliais da parede do vaso. • Como consequência, há indução de uma resposta inflamatória vascular e a adesão de células brancas e vermelhas à parede dos vasos sanguíneos. • Tal fato, associado a uma redução na biodisponibilidade de Óxido Nítrico (NO) no interior do vaso e ao estresse oxidativo, pode ocasionar, em alguns casos, uma redução no fluxo sanguíneo e, finalmente, a vaso-oclusão. Vaso-oclusão e o endotélio. A falcização repetidade hemácias SS pode levar a dano da membrana dos eritrócitos com a exposição de proteínas na superfície celular e a produção de Espécies Reativas de Oxigênio (ROS). As células falcizadas, e a própria hemoglobina liberada no vaso pelo processo de hemólise, podem ocasionar danos às células endoteliais que revestem a parede vascular. -> A subsequente ativação das células endoteliais tem consequências significativas que incluem a expressão de moléculas de adesão, como VCAM-1 (molécula de adesão vascular -1), ICAM-1 (molécula de adesão intercelular-1) e E-selectina na superfície celular e a produção de citocinas e quimiocinas como Interleucina (IL)-8, IL-6 e GM-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos). O endotélio ativado ainda libera fatores procoagulantes e fatores vasoconstritores potentes, como as Endotelinas 1 e 2 (ET-1, ET-2). Mecanismo de vaso-oclusão na anemia falciforme. O contato direto das hemácias SS e a presença de hemólise intravascular levam à ativação das células endoteliais que revestem o vaso; a presença do heme livre na circulação tem efeito deletério no vaso e ainda consome o Óxido Nítrico (NO) sintetizado pelas células endoteliais. Juntamente com a presença de Espécies Reativas de Oxigênio (ROS), a hipóxia e os vasoconstritores como Endotelina-1 (ET-1), esses mecanismos contribuem para a ativação das células endoteliais. O estado de hipercoagulabilidade leva a níveis aumentados de Fator Tecidual (FT), Fator Ativador de Plaquetas (FAP), Fator de von Willebrand (FvW) e ativação plaquetária. A ativação do endotélio também conta com a presença das plaquetas ativadas no vaso sanguíneo e a sua adesão à parede vascular. Após sua ativação, as células endoteliais aumentam a expressão das moléculas de adesão (como ICAM-1, VCAM-1 e E- selectina) na superfície do vaso e também liberam mais citocinas e quimiocinas como o IL-8, IL-6 e IL-1 , que com o TNF- , contribuem para a inflamação vascular e a ativação das células sanguíneas. Os leucócitos e as hemácias aderem à parede vascular devido à sua ativação e expressão de moléculas de adesão e, também, podem haver interações heterotípicas entre leucócitos aderidos e hemácias. A vasoconstrição elevada e a obstrução física do vaso ocasionam uma redução no fluxo sanguíneo com consequente hipóxia e falcização das hemácias, dificultando a passagem do sangue, e finalmente resultando na vaso-oclusão RESUMO DA FISIOPATOLOGIA • Na hemoglobina S, o ácido glutâmico substituído pela valina no sexto aminoácido da cadeia beta. • A Hb S oxigenada é muito menos solúvel que a Hb. A oxigenada; • ela forma um gel semissólido que faz os eritrócitos se deformarem de modo falciforme nos locais combaixo PO2. • Eritrócitos distorcidos e inflexíveis aderem ao endotélio vascular e entopem arteríolas e pequenos capilares, acarretando, assim, infarto. • A oclusão dos vasos também lesão endotelial, que resulta em inflamação e pode levar à trombose MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS • As manifestações clínicas nas doenças falciformes são extremamente variáveis, mas são derivadas primariamente da oclusão vascular e, em menor grau, da anemia. Praticamente todos os órgãos podem ser afetados pela oclusão vascular. • Os recém-nascidos portadores de doenças falciformes possuem níveis elevados de HbF e, por essa razão, não apresentam manifestações clínicas significativas. De fato, apenas quando os níveis de HbF declinam significativamente aparecem os primeiros sinais e sintomas da doença, em geral após os seis meses de idade. Crises de falcização Os pacientes com doença falciforme apresentam períodos sem manifestações clínicas correspondentes à fase estável da doença, que pode ser interrompida por manifestações agudas, denominadas crises de falcização: classificadas em crises vaso- oclusivas ou episódios dolorosos, crises aplásticas, hemolíticas e de sequestro. Crises vaso-oclusivas Os episódios dolorosos agudos representam as manifestações clínicas mais comuns e características das doenças falciformes. A frequência e a gravidade das crises variam consideravelmente de paciente para paciente, e em um mesmo paciente, modifi cando-se bastante em diferentes períodos da vida. Os fatores desencadeantes são variados e incluem infecção, desidratação e tensão emocional de qualquer natureza. As crises dolorosas são mais frequentes na terceira e quarta décadas de vida, e a taxa de mortalidade é mais alta em adultos que as apresentam com maior frequência. A oclusão microvascular, sobretudo na medula óssea, é o fator inicial do episódio doloroso. Essa oclusão, secundária à falcização das hemácias, causa isquemia dos tecidos o que, por sua vez, provoca uma resposta inflamatória aguda. As crises dolorosas típicas atingem principalmente ossos longos, articulações e região lombar. Outrasregiões podem também ser afetadas, como couro cabeludo, face, tórax e pelve. Episódios agudos de dor e inchaço de mãos e pés (síndrome das mãos e pés ou dactilite) são frequentes em crianças entre seis meses e dois anos de idade, e extremamente raras após os sete anos de idade. Essas crises vaso- -oclusivas são autolimitadas e, em geral, desaparecem após uma semana, embora possam ocorrer ataques recorrentes. O tratamento é sintomático e, se os sinais persistirem, é importante afastar o diagnóstico de osteomielite.Uma crise dolorosa grave é definida como aquela que exige tratamento hospitalar com analgésico parenteral por mais de quatro horas. A ocorrência de mais de três episódios graves em um mesmo ano caracteriza doença falciforme com evolução clínica grave. CRISES APLÁSICAS São caracterizadas por queda acentuada nos níveis de hemoglobina, acompanhada de níveis de reticulócitos reduzidos, caracterizando insuficiência transitória da eritropoese. Em geral, esse tipo de crise é desencadeado pela infecção por parvovírus B19 e ocorre, em 68% dos casos, em crianças. Crises hemolíticas Também denominadas de crises hiper- hemolíticas, derivam de um incremento brusco na taxa de hemólise. Esse tipo de crise é raro e aparentemente está relacionado a infecçõespor Mycoplasma, deficiência de G6PD ou esferocitose hereditária associadas. As manifestações clínicas podem incluir agravamento da anemia e acentuação da icterícia Crise de sequestro esplênico Esse tipo de crise representa um episódio agudo caracterizado pelo acúmulo rápido de sangue no baço. A crise de sequestro esplênico é definida pela queda nos níveis basais de hemoglobina de pelo menos 2 g/dL, hiperplasia compensatória de medula óssea e aumento rápido do baço. Essacomplicação ocorre, em geral, após o sexto mês de vida, e torna-se menos frequente após os dois anos de idade; INFECÇÕES Principal causa de morbilidade e mortalidade na anemia falciforme. As razões da maior suscetibilidade à infecção apresentada pelos pacientes com doenças falciformes ainda não são totalmente conhecidas. Aparentemente, as múltiplas lesões orgânicas e a asplenia (orgânica ou funcional) têm papel preponderante. Além disso, são descritas deficiências de opsoninas séricas, defeito na via alternativa do complemento, falta de tuftsina, alteração na atividade da via hexose- -monofosfato dos leucócitos e defeitos imunes. ESPLENOMEGALIA • As alterações histopatológicas no baço de pacientes com anemia falciforme são conhecidas. • Inicialmente, há esplenomegalia consequente à congestão da polpa esplênica em virtude da obstrução por grandes quantidades de células falcizadas, acompanhada de hemorragias ao redor dos corpúsculos de Malpighi. • A oclusão vascular provoca repetidos microinfartos, tornando o órgão fibrótico e atrófico. • Esses fenômenos são coincidentes com os achados clínicos observados à palpação do baço nos pacientes com anemia falciforme. * Comumente, há esplenomegalia nos primeiros anos de vida, seguida de ausência do órgão após os seis anos de idade, resultante da autoesplenectomia acompanhada de fibrose. As repercussões da hipofunção esplênica nas doenças falciformes concentram-se principalmente na maior suscetibilidde a infecções Complicações cardíacas As manifestações cardíacas são relacionadas à circulação hiperdinâmica secundária aos mecanismos compensatórios da anemia. A radiografia de tórax mostra cardiomegalia global mesmo em pacientes jovens. Também são observadas artérias pulmonares proeminentes e aumento no padrão vascular pulmonar. As hipóteses para explicar a baixa frequência de oclusão importante de artérias coronárias são a circulação hiperdinâmica e os baixos níveis de colesterol observados nos pacientes com doenças falciformes.Alguns pacientes podem evoluir para insuficiência cardíaca. A pressão arterial em pacientes com doenças falciformes é, em geral, inferior à observada em populações controle. COMPLICAÇÕES PULMONARES- As alterações pulmonares nas doenças falciformes sãoprovocadas por fenômenos vaso-oclusivos e infecções.Com frequência, ambas ocorrem simultaneamente. Complicações hepatobiliares A excreção contínua e elevada de bilirrubinas leva à formação de cálculos biliares. As alteraçõesna função hepática podem ser relacionadas à falcização intrahepática, infecções adquiridas na transfusão ou hemossiderose transfusional. A denominação síndrome do quadrante superior direitodesigna episódio agudo caracterizado por hiperbilirrubinemia extrema, aumento rápido do fígado, febre e dor acentuada. Os níveis de enzimas hepáticas são anormais e os níveis de bilirrubina podem chegar até a 100 mg/dL. COMPLICAÇÕES GENITOURINÁRIAS O rim é extremamente suscetível a complicações em pacientes com doenças falciformes devido às características peculiares de seu microambiente, que incluem reduzidas tensões de oxigênio, pH ácido e alta tensão osmótica. Esse tipo de ambiente facilita a ocorrência de falcização e infarto na medula renal, com consequente hematúria e inabilidade de concentrar urina (hipostenúria). É importante lembrar que essas complicações podem ocorrer não somente em pacientes com doenças falciformes, mas também em heterozigotos para hemoglobina S (traço falciforme, AS. A excreção de potássio também está reduzida, e episódios de hipercalemia foram descritos. Ocasionalmente, podem ser observados níveis elevados de ácido úrico devido à hiperplasia de medula óssea e consequente aumento na produção de urato em razão do metabolismo das purinas, além da redução na depuração de urato pelos túbulos renais PROTEINÚRIA- ocorre em 26% dos pacientes com doença falciforme e creatinina sérica elevada em 7%. A lesão anatomopatológica é representada por aumento glomerular e glomeruloesclerose periféricafocal segmentar. PRIAPISMO- é uma complicação relativamente frequente e ocorre quando as células falcizadas obliteram os corpos cavernosos e esponjoso e impedem o esvaziamento do sangue do pênis. • As complicações oftalmológicas são frequentes nas doenças falciformes e incluem anormalidades na conjuntiva, infartos orbitários, hemorragia retiniana e retinopatia proliferativa. A retinopatia resulta de lesões oclusivas arteriolares que levam a microaneurismas e proliferação neovascular colateral. Essa alteração é mais frequente em pacientes com hemoglobinopatia SC do que em outras doenças falciformes. COMPLICAÇÕES OSTEOMUSCULARES • A complicação mais comum é a necrose asséptica da cabeça do fêmur, e afeta cerca de 10% das pacientes, podendo chegar a mais de 50% dos portadores de hemoglobinopatia SC. Outras regiões ósseas podem também ser afetadas pela necrose vascular, como corpos vertebrais e cabeça do úmero. • A necrose asséptica da cabeça do fêmur aparenta estar associada positivamente com a idade, frequência de episódios dolorosos, deleção do gene da alfa-globina e níveis de hemoglobina • Osteoporose precoce Manifestações cutâneas Além de manifestações comuns às demais anemias hemolíticas, como icterícia e palidez, as doenças falciformes caracterizam-se pela presença de úlceras no terço inferior das pernas, especialmente na região maleolar. A prevalência de úlcera de perna na anemia falciforme é estimada em 5 a 10% dos pacientes. É mais comum em homens e em pacientes mais velhos, e raras nas crianças e doenças falciformes heterozigóticas duplas. SINAIS E S INTOMAS DA ANEMIA FALCIFORME ✓ Crises dolorosas: ossos, músculos e articulações, em razão do vaso-oclusão, com redução do fluxo de sangue e oxigênio para os tecidos e órgãos. ✓ Palidez, cansaço fácil, por causa da redução do oxigênio circulante. ✓ Icterícia: cor amarelada mais visívelna esclera (branco dos olhos), por causa do excesso de bilirrubina no sistema circulatório, resultante da destruição rápida dos glóbulos vermelhos. ✓ Em crianças, pode haver inchaço muito doloroso nas mãos e pés, em razão da inflamação dos tecidos moles que envolvem as articulações do punho, tornozelo, dedos e artelhos. ✓ Sequestro do sangue no baço: palidez intensa, aumento do baço, desmaio (emergência), causado pelo aumento rápido por sequestrar todo o sangue podendo acarretar em morte por falta de sangue nos outros órgãos. ✓ Retardo do crescimento e maturação sexual pela presença da anemia, infecções e interferência na produção hormonal. ✓ Úlceras (feridas), sobretudo, nas pernas. Geralmente, iniciam-se na adolescência e tendem a se tornar crônicas em razão da viscosidade do sangue e má circulação periférica. DIAGNÓSTICO O diagnóstico das síndromes falciformes depende fundamentalmente da comprovação da hemoglobina S pela eletroforese de hemoglobinas, utilizando conjuntos complementares de suportes e tampões que permitam a distinção das diferentes hemoglobinas anormais. As técnicas mais utilizadas incluem a eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose com pH 8.4, em gel de ágar com pH 6.2, e teste de solubilidade da hemoglobina em tampão fosfato concentrado Cromatografi a Líquida de Alta Performance (HPLC) ou Eletroforese com Focalização Isoelétrica (FIE). A alteração molecular pode ser facilmente identificada pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), seguida de sequenciamento do DNA ou digestão com uma enzima de restrição apropriada. Este último é o método utilizado no diagnóstico pré-natal das doenças falciformes, ou em alguns casos de difícil diagnóstico pela eletroforese de hemoglobinas. Hemácias em forma de foice presentes. Os clássicos dados laboratoriais de hemólise estão presentes: elevação de bilirrubina indireta, redução de haptoglobina sérica, elevação de urobilinogênio urinário e hiperplasia eritroide na medula óssea. Frequentemente, há leucocitose, às vezes com desvio à esquerda, alteração que nem sempre está relacionada a processo infeccioso. A contagem de plaquetas está em geral elevada, podendo atingir até 1.000.000/ L. Provavelmente, tanto a leucocitose quanto a trombocitose estão associadas à hiperplasia de medula óssea em pacientes com hipofunção esplênica, além do estado inflamatório crônico. TRATAMENTO HIDROXIUREIA Abolição ou diminuição dos episódios de dor • Aumento da produção de HbF • Aumento, mesmo que discreto, da concentração total da Hb • Diminuição dos episódios de síndrome torácica aguda • Diminuição do número de hospitalizações • Diminuição do número de transfusões sanguíneas 236 Doença Falciforme Doença Falciforme • Regressão ou estabilização de danos em órgãos ou tecidos • Melhora do bem-estar e da qualidade de vida e maior sobrevida IMPORTÂNCIA DO TESTE DO PEZINHO O teste do pezinho é o exame de sangue coletado no pé do recém-nascido. Fácil e rápido de ser feito, é de extrema importância e deve ser realizado entre o terceiro e, no máximo, quinto dia após o nascimento do bebê. Seu objetivo é diagnosticar precocemente - na fase sintomática - doenças que causam complicações graves, que vão desde retardo mental até a morte. Entre as doenças rastreadas pelo teste do pezinho estão: - Hipotireoidismo congênito: com o diagnóstico tardio, a criança terá retardo mental grave chamado de cretinismo; - Fenilcetonúria: doença rara, congênita e genética, que afeta o sistema neurológico; - Anemia falciforme: doença do sangue causada por uma alteração genética no formato das hemácias, diminuindo sua capacidade de transportar oxigênio para as células do corpo e gerando sintomas como dor generalizada, fraqueza e apatia; - Fibrose cística: conhecida também como mucoviscidose, é uma doença genética, hereditária, autossômica e recessiva, ou seja, passa de pai/mãe para filho (a). Ela afeta os aparelhos digestivo e respiratório e as glândulas sudoríparas; - Hiperplasia adrenal congênita: doença que afeta os hormônios essenciais da vida, como cortisol e aldosterona. Sem o tratamento precoce, leva o bebê à desidratação grave nos primeiros dias de vida, frequentemente evoluindo para óbito; - Deficiência de biotinidase: doença metabólica hereditária que pode causar convulsões, surdez, ataxia, hipotonia, dermatite, queda de cabelo e atraso no desenvolvimento. Desde junho de 2014, todos os estados brasileiros estão habilitados a realizar o teste, tanto no sistema público de saúde quanto na rede particular. INIQUIDADES EM SÁUDE NEGRA No Brasil, as doenças, agravos e condições mais freqüentes na população negra podem ser assim classificados: 7 (i) Geneticamente determinadas - anemia falciforme e deficiência de glicose 6- fosfato desidrogenase; ou dependentes de elevada freqüência de genes responsáveis pela doença ou a ela associadas - hipertensão arterial e diabete melito. Neste grupo, destaca-se a anemia falciforme, doença hereditária, decorrente de uma mutação genética ocorrida há milhares de anos, no continente africano. É causada por um gene recessivo, que pode ser encontrado em freqüências que variam de 2% a 6%, na população brasileira, e de 6% a 10% na população negra. Em junho de 2001, uma portaria do Ministério da Saúde definiu a realização, em todo país, de triagem neonatal de doenças falciformes, entre outras de caráter congênito.8 Entretanto, a atenção às síndromes falciformes ainda é desconhecida de grande parte da população9 e dos profissionais de saúde, exigindo uma abordagem ética e terapêutica que não se restringe à detecção precoce. Por sua alta prevalência e complexidade, estas deveriam ser consideradas um problema de saúde pública, e Subsídios para o debate sobre a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA: UMA QUESTÃO DE EQUIDADE ________________________________________________ ______________________________________ 6 tratadas pelo SUS enquanto tal, mobilizando os necessários recursos clínicos e de apoio às pessoas portadoras e seus familiares. (ii) Adquiridas, derivadas de condições socioeconômicas desfavoráveis – desnutrição, mortes violentas, mortalidade infantil elevada, abortos sépticos, anemia ferropriva, DST/AIDS, doenças do trabalho, transtornos mentais resultantes da exposição ao racismo e ainda transtornos derivados do abuso de substâncias psicoativas, como o alcoolismo e a toxicomania. Embora acometam todos os grupos populacionais, tais ocorrências são agravadas quando incidem sobre mulheres e homens negros em razão das desvantagens psicológicas, sociais e econômicas geradas pelo racismo a que estão expostos. Assim, as taxas de mortalidade precoce permanecem significativamente mais altas entre os negros, em todas as faixas etárias, e a esperança de vida é, hoje, sete anos menor do que a verificada entre os brancos. • É preciso considerar que o racismo é uma ideologia que se mantém às custas do privilégio de setores autodefinidos como racialmente superiores. Tais vantagens, ao conferir a esses grupos poder de manejo e controle dos bens públicos materiais e simbólicos, tendem a tornar extremamente difícil seu engajamento na ruptura das prerrogativas resultantes da iniquidade e na repactuação ética necessária. Um dos principais atributos das ideologias é se estabelecerem para além das individualidades, vontades ou opiniões, fixando-se internamente aos mecanismos de sociabilidade e grupalização. • As manifestações do racismo nas instituições são verificadas por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios naturalizados no cotidiano de trabalho resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer situação, o racismo institucional restringe oacesso das pessoas, de grupos raciais ou étnicos discriminados aos benefícios gerados pelo Estado e pelas instituições/ organizações que o representam. • Em termos gerais, a dimensão programática do racismo institucional é caracterizada pela dificuldade em reconhecer o problema como um dos determinantes das iniqüidades no processo saúde-doença-cuidado e morte; falta de investimentos em ações e programas específicos de identificação de praticas discriminatórias; dificuldade na adoção de mecanismos e estratégias de não discriminação, enfrentamento e prevenção do racismo; ausência de informação adequada sobre o tema; falta de investimentos na formação especifica de profissionais; dificuldade em priorizar e implementar mecanismos e estratégias de redução das disparidades e promoção da equidade. • Segundo Whitehead (1990), equidade na atenção em saúde deve significar: • acesso igual para necessidade igual; • utilização igual para necessidade igual; • qualidade igual para todos • Três princípios de ação sugeridos pela OMS para atingir a igualdade na saúde: • Melhorar as condições de vida diária – as circunstâncias nas quais as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. • Abordar a desigual distribuição de poder, riqueza e recursos – os agentes estruturais destas condições de vida diária – global, nacional e localmente. • Avaliar o problema, avaliar a ação necessária, expandir a base de conhecimento, desenvolver uma equipe de trabalho com formação sobre os determinantes sociais de saúde e promover a sensibilização do público para o tema.
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