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Indaial – 2020 SiStemaS eleitoraiS e ProceSSo legiSlativo Prof.ª Márcia Inês Schaefer 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Márcia Inês Schaefer Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: S294s Schaefer, Márcia Inês Sistemas eleitorais e processo legislativo. / Márcia Inês Schaefer. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 241 p.; il. ISBN 978-65-5663-072-4 1. Direito eleitoral. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 341.28 aPreSentação Olá, acadêmico! Este é seu Livro Didático de Sistemas Eleitorais e Processo Legislativo. Os temas que serão abordados ao longo de nossa disciplina são fundamentais para a compreensão do funcionamento das instituições políticas e das normas que regem nossa vida cotidiana nos mais diversos aspectos. No decorrer de nossa disciplina iremos aprofundar nossos conhecimentos e refletir sobre os conceitos de poder, democracia, participação e representação política, os quais são as principais colunas de sustentação do sistema político brasileiro. Nosso estudo foi organizado de maneira que possamos refletir sobre conceitos basilares da ciência política e simultaneamente, ter uma compreensão dos aspectos empíricos, descrevendo como se configura o sistema político e entrando em contato com análises sobre seu funcionamento. Desse modo, em cada unidade iremos dar ênfase em aspectos distintos, mas que fazem parte do todo. Na Unidade 1, começaremos estudando o conceito de poder político e analisaremos suas diferentes formas de exercício. Em seguida, vamos conhecer as principais características, vantagens e desvantagens dos sistemas de governo parlamentarista e presidencialista e também estudaremos o que são os partidos políticos, suas funções e como se estruturam os sistemas partidários. O estudo do sistema político brasileiro inicia com a descrição do sistema presidencialista vigente, seguido do estudo do sistema partidário brasileiro. Na Unidade 2, após a conceituação de sistemas eleitorais, com a descrição de diferenças, semelhanças, vantagens e desvantagens dos principais sistemas eleitorais existentes no mundo (majoritário, proporcional e misto), vamos nos concentrar no estudo do sistema eleitoral brasileiro, conhecendo um pouco do processo histórico até sua atual configuração. Iremos compreender as diferenças nos processos de eleição de deputados federais e estaduais, senadores, presidente, governadores, prefeitos e vereadores. Também, iremos estudar a importância de reformas eleitorais e conhecer alguns dos aspectos mais debatidos em propostas de reformas eleitorais. Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Na Unidade 3, vamos estudar a separação dos poderes do Estado e as relações entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Sendo o poder legislativo o principal tema de estudo de nossa disciplina, iremos aprofundar o entendimento da organização e do funcionamento do poder legislativo no âmbito federal, o qual é organizado de forma bicameral. Passaremos então ao estudo dos procedimentos legislativos realizados no âmbito do Congresso Nacional, conhecendo as fases do processo legislativo, os diferentes tipos de leis e normas e como é realizado o trabalho de elaboração de leis. A última parte dessa unidade é dedicada ao estudo da participação da sociedade civil no processo legislativo, momento em que conheceremos outros instrumentos de participação, que vão além do voto nos anos eleitorais. Bons estudos! Prof.ª Márcia Inês Schaefer Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE Sumário UNIDADE 1 — CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO ............................................................................................... 1 TÓPICO 1 — A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? .................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 PODER E PODER POLÍTICO .......................................................................................................... 4 3 POLÍTICA, PODER E ESTADO ....................................................................................................... 8 4 AUTORITARISMO .......................................................................................................................... 16 5 DEMOCRACIA ................................................................................................................................. 18 5.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA .............................................................................................. 20 5.2 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA ......................................................................................... 21 5.3 DEMOCRACIA DELIBERATIVA .............................................................................................. 23 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 26 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 27 TÓPICO 2 —SISTEMAS DE GOVERNO: PARLAMENTARISMO; PRESIDENCIALISMO; PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO .................................................. 29 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 29 2 PARLAMENTARISMO E PRESIDENCIALISMO: PRINCIPAIS DIFERENÇAS ................ 30 3 SEMIPRESIDENCIALISMO ........................................................................................................... 39 4 O PRESIDENCIALISMO NO BRASIL ........................................................................................ 40 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 50 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 51 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 53 TÓPICO 3 — SISTEMAS PARTIDÁRIOS: O CONCEITO DE PARTIDO; TIPOS DE PARTIDOS; SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO .............................................. 53 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................53 2 PARTIDOS POLÍTICOS: DEFINIÇÃO, ORIGENS E FUNÇÕES ........................................... 54 3 TIPOS DE PARTIDOS POLÍTICOS ............................................................................................. 58 3.1 PARTIDOS DE QUADROS E PARTIDOS DE MASSA ........................................................... 58 3.2 PARTIDOS CATCH ALL ............................................................................................................... 61 3.3 PARTIDOS CARTEL .................................................................................................................... 64 4 TRANSFORMAÇÕES NAS FUNÇÕES DOS PARTIDOS ...................................................... 65 5 O SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO .................................................................................. 66 5.1 ESTUDOS SOBRE O ATUAL SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO ................................. 70 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 75 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 77 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 78 UNIDADE 2 — ESTUDO DOS SISTEMAS ELEITORAIS .......................................................... 80 TÓPICO 1 —OS SISTEMAS MAJORITÁRIOS, PROPORCIONAIS E MISTOS ................... 82 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 82 2 O QUE SÃO SISTEMAS ELEITORAIS E QUAL É A SUA IMPORTÂNCIA NOS SISTEMAS DEMOCRÁTICOS? .......................................................................................... 83 3 SISTEMAS MAJORITÁRIOS ......................................................................................................... 89 3.1 VARIANTES DO SISTEMA MAJORITÁRIO COM DISTRITO UNINOMINAL ................ 89 3.2 VARIANTES DO SISTEMA MAJORITÁRIO COM DISTRITO PLURINOMINAL ........... 92 4 SISTEMAS PROPORCIONAIS ...................................................................................................... 92 4.1 O VOTO ÚNICO TRANSFERÍVEL ........................................................................................... 94 4.2 OS SISTEMAS DE LISTA FECHADA E LISTA ABERTA ....................................................... 95 5 VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS SISTEMAS MAJORITÁRIO E PROPORCIONAL .............................................................................................. 98 6 SISTEMAS MISTOS ......................................................................................................................... 99 6.1 SISTEMA MISTO PARALELO .................................................................................................. 100 6.2 SISTEMA MISTO DE CORREÇÃO ......................................................................................... 100 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 103 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 104 TÓPICO 2 — O SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO .............................................................. 106 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 106 2 BREVE HISTÓRIA DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO ............................................ 106 3 SISTEMA MAJORITÁRIO ............................................................................................................ 112 3.1 ELEIÇÕES PARA PREFEITO .................................................................................................... 113 3.2 ELEIÇÕES PARA GOVERNADOR E PRESIDENTE ............................................................ 114 3.3 ELEIÇÕES PARA SENADOR ................................................................................................... 117 4 SISTEMA PROPORCIONAL ........................................................................................................ 119 5 EFEITOS DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO ............................................................... 122 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 124 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 125 TÓPICO 3 —REFORMAS DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO ................................... 126 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 126 2 REFORMA POLÍTICA E ELEITORAL ....................................................................................... 126 3 PRINCIPAIS TEMAS DA REFORMA ELEITORAL................................................................. 131 3.1 SISTEMA DO “DISTRITÃO” E DISTRITAL MISTO ............................................................. 132 3.2 LISTA FECHADA ...................................................................................................................... 133 3.3 COTAS PARA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA FEMININA ................................................ 134 3.4 COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ................................................................................................ 138 3.5 FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ................................................................................... 140 4 COMO AS PROPOSTAS DE REFORMAS POLÍTICAS E ELEITORAIS SÃO TRANSFORMADAS EM LEIS? ......................................................................................... 142 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 143 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 147 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 148 UNIDADE 3 —PODER LEGISLATIVO E PROCESSO LEGISLATIVO ................................. 149 TÓPICO 1 —SEPARAÇÃO DE PODERES E RELAÇÕES ENTRE LEGISLATIVO, EXECUTIVO E JUDICIÁRIO ...................................................................................151 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 151 2 A SEPARAÇÃO DOS PODERES E AS RELAÇÕES ENTRE LEGISLATIVO, EXECUTIVO E JUDICIÁRIO .......................................................................... 151 3 PODER LEGISLATIVO BICAMERAL: ATRIBUIÇÕES REPRESENTATIVAS DO SENADO E DA CÂMARA DOS DEPUTADOS........................................................................ 154 4 O PODER EXECUTIVO .................................................................................................................. 163 5 O PODER JUDICIÁRIO ................................................................................................................. 166 6 RELAÇÕES ENTRE EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO .................................... 168 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 170 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 171 TÓPICO 2 — O PROCESSO LEGISLATIVO ................................................................................ 173 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 173 2 A ESTRUTURA DE LEIS E OS PROCEDIMENTOS LEGISLATIVOS ............................... 174 3 ORÇAMENTO .................................................................................................................................. 179 4 MEDIDAS PROVISÓRIAS ........................................................................................................... 181 5 REFORMA CONSTITUCIONAL ................................................................................................ 184 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 189 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 190 TÓPICO 3 —PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NO PROCESSO LEGISLATIVO ...................................................................................................... 193 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 193 2 A POLÍTICA ALÉM DA REPRESENTAÇÃO FORMAL DOS ELEITOS: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NAS ARENAS DECISÓRIAS ........................ 194 3 MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA PRODUÇÃO LEGISLATIVA ........... 196 3.1 PLEBISCITO E REFERENDO ................................................................................................... 196 3.2 INICIATIVA POPULAR ............................................................................................................. 198 3.3 CONSULTA PÚBLICA .............................................................................................................. 200 3.4 AUDIÊNCIA PÚBLICA ............................................................................................................ 201 3.5 COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS ... 203 3.6 LOBBY E ADVOCACY .............................................................................................................. 204 4 INOVAÇÕES DEMOCRÁTICAS ................................................................................................. 205 4.1 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO ............................................................................................. 206 4.2 CONSELHOS GESTORES ......................................................................................................... 207 4.3 CONFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 208 5 QUALIDADE E EFETIVIDADE DOS PROCESSOS PARTICIPATIVOS ........................... 210 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 212 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 215 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 216 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 218 1 UNIDADE 1 — CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • analisar as diferentes formas de exercício do poder político; • demonstrar semelhanças e diferenças, vantagens e desvantagens dos sistemas de governo parlamentarista e presidencialista; • compreender o sistema político brasileiro a partir da análise das dinâmi- cas do presidencialismo e sua relação com o sistema partidário; • conceituar partidos políticos destacando o processo histórico de mu- danças em suas funções e lógica de funcionamento. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? TÓPICO 2 – SISTEMAS DE GOVERNO: PARLAMENTARISMO; PRESIDENCIALISMO; PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO TÓPICO 3 – SISTEMAS PARTIDÁRIOS: O CONCEITO DE PARTIDO; TIPOS DE PARTIDOS; SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 —A UNIDADE 1 QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 1 INTRODUÇÃO Observe os assuntos sobre os quais as pessoas se debruçam diariamente: seja um comentário sobre as exigências feitas por um chefe no trabalho ou por um professor em um curso, uma notícia sobre alguma ação do governo ou uma nova descoberta na ciência; você perceberá que constantemente falamos do poder, sua ausência ou limitação em diferentes contextos e sentidos. O poder é um aspecto inerente aos relacionamentos humanos, e como um fenômeno social, manifesta-se na interação entre as pessoas. Mas qual é o significado de poder? O que diferencia o poder político dos demais? Quais são as formas que o poder assume? Como o poder político é organizado e exercido nos Estados modernos? Com o objetivo de responder a essas importantes questões, vamos percorrer neste tópico o caminho que filósofos e cientistas políticos clássicos e contemporâneos têm consolidado sobre o tema. Com isso, esperamos contribuir com a sua maior compreensão acerca da natureza do poder político e da sua organização nos Estados modernos. Assim, começaremos com a definição de poder, chamando atenção para as particularidades do poder político – seguindo as linhas de raciocínio de autores da filosofia política clássica que fundamentam muitas das teorias posteriores sobre o poder político. Na sequência, nos ocuparemos da questão do surgimento do Estado e por fim, voltaremos nossa atenção à questão da distribuição do poder e das formas de exercício do poder político, abordando os sistemas políticos autoritários, e fundamentalmente, os sistemas políticos democráticos baseados nos princípios da participação, deliberação e representação. Vamos lá? UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 4 2 PODER E PODER POLÍTICO A questão do poder perpassa as mais variadas relações que estabelecemos em nossa vida, tanto as relações da esfera privada quanto as que estabelecemos na esfera pública, ou seja, uma mesma pessoa pode ser submetida a diversos tipos de poder que possuem relação com diversos campos. Nessesentido é imprescindível que se compreenda o poder como relacional, processual e reflexo de contextos específicos. O poder implica que haja capacidade ou possibilidade de agir e causar algum efeito, sendo isso válido tanto para indivíduos e grupos humanos, quanto para objetos ou fenômenos da natureza. Bobbio, Matteucci e Pasquino (2010, p. 933-934), em sua definição de poder, destacam a dimensão social do poder: Se o entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até a capacidade do homem em determinar o comportamento do homem: Poder do homem sobre o homem. O homem é não só o sujeito, mas também o objeto do Poder social. É Poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens a seus filhos ou a capacidade de um Governo de dar ordens aos cidadãos. Por outro lado, não é Poder social a capacidade de controle que o homem tem sobre a natureza nem a utilização que faz dos recursos naturais. Naturalmente existem relações significativas entre o Poder sobre o homem e o Poder sobre a natureza ou sobre as coisas inanimadas. Muitas vezes, o primeiro é condição do segundo e vice-versa. Ainda de acordo com os autores, o poder baseia-se em uma relação triádica: há um grupo/pessoa que detém o poder, um grupo/pessoa que é sujeito do poder e uma esfera de atividade à qual esse poder se refere, podendo a esfera do poder ser mais ou menos ampla ou delimitada de modo mais ou menos claro. Exemplificam diferenciando a delimitação precisa e taxativa da esfera do poder de uma pessoa que ocupa um cargo em uma organização em relação à esfera de poder de um líder carismático que não é precisada antecipadamente e tende a ser ilimitada. Algumas esferas nas quais você pode observar as diferenças de poder entre os agentes das interações são as relações familiares, nas quais há o poder da mãe, do pai, dos irmãos mais velhos; os ambientes de trabalho, nos quais se destaca o poder de um chefe, gerente, coordenador, supervisor de área; nos estabelecimentos de ensino, nos quais se sobressai o poder da direção e dos professores; as igrejas, com o poder dos pastores ou padres; nos exércitos, nos quais os comandantes possuem maior poder em relação aos comandados ou no próprio Estado, no qual os principais agentes detentores de poder são os governantes do executivo, legislativo e do judiciário (BOBBIO, 1987; NOGUEIRA, 2008). Em suma, uma relação de poder pressupõe que o sujeito atribuído de maior poder se vale de meios determinados para condicionar o comportamento dos demais, obtendo obediência dos que a ele se submetem. TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 5 Em geral, espaços de poder com maior influência como a política e cargos de direção em organizações, são dirigidos majoritariamente por homens, o que reflete em maior dominação masculina na sociedade, dominação resultado de aspectos culturais, religiosos, econômicos e políticos (SILVA, 2018). Aprofundando a questão da baixa representatividade feminina na política, o Portal Politize!, em parceria com o Grupo Mulheres do Brasil criou a série “Política: Substantivo Feminino?”, que você pode conferir no Youtube.com, acessando o seguinte link: <https://bit.ly/3f5Nhqh>. Na voz de algumas mulheres atuantes na política, você poderá observar os desafios que elas enfrentam em espaços de poder. NOTA Embora o poder esteja presente nas mais variadas esferas da vida, a literatura aponta três formas pelas quais o poder se manifesta na esfera social como sendo as principais: o poder econômico, o poder ideológico e o poder político. O poder econômico é exercido pelos detentores de meios de produção e de posse de bens materiais, tendo forte influência para ditar o que ocorre na esfera econômica. Um exemplo disso é o setor bancário, que possui forte influência sobre a economia mundial, tendo suas decisões reflexo nas políticas econômicas que Estados e governos implementam, sendo o Fundo Monetário Internacional (FMI) um dos principais atores nesse sentido. FIGURA 1- ECONOMISTA-CHEFE DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI) FONTE: <https://img.theweek.in/content/dam/week/news/biz-tech/images/2019/4/9/gita-gopi- nath-ap.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2019 UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 6 A Figura 1 apresenta a economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, primeira mulher a ser nomeada para esse cargo. Já o poder ideológico é exercido através da manipulação de informações e ideias, principalmente pelos meios de comunicação (jornais, televisão e rádio). Ideologia: é um conceito com o qual você irá se deparar em diversos momentos ao longo da nossa disciplina. Segundo Marilena Chauí (2008, p. 7), “ideologia é um ideário histórico, social e político que oculta a realidade, sendo ocultamento um modo de assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política”. As ideologias aparecem principalmente na política, na religião e na educação. IMPORTANT E O poder político, por sua vez, é o poder que determina o comportamento das pessoas através de instrumentos e mecanismos como as leis e normas, além de possuir o monopólio do uso da força física, valendo-se para tais fins, de um Estado. Nesse sentido, os conceitos de política, poder político e Estado encontram- se estreitamente ligados (SILVA, 2018). De acordo com Nogueira (2008), a especificidade do poder político é que no contexto de uma dada sociedade, ele reivindica e obtém o direito de ser o centro das decisões. O autor destaca que as decisões vindas do poder político são vinculatórias, pois obrigam todos os membros de uma determinada sociedade a obedecê-las. “O poder político, em suma, admite que se faça oposição a ele, mas que não se aja para destruí-lo ou desrespeitá-lo, nem muito menos que não se cumpram suas determinações” (NOGUEIRA, 2008, p. 21). Norberto Bobbio (1987, p. 83) afirma que os poderes econômico, ideológico e político têm em comum o fato de contribuírem “conjuntamente para instituir e manter sociedades de desiguais divididas em fortes e fracos com base no poder político, em ricos e pobres com base no poder econômico, em sábios e ignorantes com base no poder ideológico. Genericamente, em superiores e inferiores”. Cumpre lembrar que muitos conflitos da sociedade são resultantes de disputas pelo poder, uma vez que nem sempre os dominados aceitam tranquilamente a dominação à qual estão sujeitos. A dimensão do conflito não se refere somente ao aspecto bélico, como guerras civis ou entre nações, uma vez que o conflito pode se manifestar em forma de manobras políticas, boicotes, manifestações públicas, nos meios de comunicação, em debates etc. TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 7 Segundo Max Weber (2010), é possível compreender o poder a partir da diferenciação entre formas de poder que são exercidas com base no convencimento e consentimento e outras que são exercidas com base no uso da força. O que Max Weber quis dizer com isso? Que o poder é legítimo quando exercido de forma que a autoridade é reconhecida, ou seja, quando há o consentimento dos que obedecem. Uma vez que o poder é exercido com base exclusivamente na força, ele é ilegítimo, pois é imposto. Para completar seu argumento, Weber (2010) concentrou-se em distinguir diferentes categorias (ou tipos ideais) de poder legítimo. Para o autor, são três os tipos de dominação legítima: a tradicional, a carismática e a racional-legal. Vejamos como o autor define cada uma delas. A dominação tradicional é assentada na crença de que o poder de mando possui um caráter “sagrado”, ou seja, o poder é legitimado pelo respeito a padrões culturais estabelecidos. A autoridade emana do passado, dos costumes e da tradição. São exemplos desse tipo de dominação: a autoridade eclesiástica e o domínio hereditáriodas famílias nobres na Europa medieval. Já a dominação carismática se sustenta na crença de que o líder possui dons pessoais especiais que o fazem merecedor da confiança, afeto e obediência dos demais. Ou seja, segundo Weber (2010), o carisma é um traço da personalidade. Alguns exemplos de líderes carismáticos são Jesus Cristo, Adolf Hitler, Mahatma Gandhi e, no caso brasileiro, líderes de movimentos messiânicos como o Monge João Maria da Guerra do Contestado e Antônio Conselheiro da Guerra de Canudos. No entanto, cumpre destacar que a liderança carismática pode ser exercida de modo mais diretamente presente em nosso cotidiano, por exemplo, a autoridade de alguns professores e líderes de organizações do mundo corporativo. FIGURA 2 - ANTÔNIO CONSELHEIRO FONTE: <http://f.i.uol.com.br/folha/ilustrada/images/16020284.jpeg>. Acesso em: 15 nov. 2019 UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 8 A Figura 2 é a única fotografia conhecida de Antônio Conselheiro, tirada após sua morte. Para conhecer um pouco mais da história e do carisma de Antônio Conselheiro, sugerimos assistir ao documentário Paixão e Guerra no Sertão de Canudos (1993), dirigido por Antônio Olavo. De acordo com Silva (1996), o documentário é um resgate da história popular, com imagens, canções, cenários e depoimentos dos sertanejos, mostrando, através da história popular e oral, como a figura de Antônio Conselheiro exerce fascínio sobre os sertanejos pobres daquela região, destacando a ação educadora e carismática deste líder. DICAS Por fim, Weber (2010) destaca a dominação racional legal, cujo poder é legitimado por meio de normas e regulamentações e que se ampara nas instituições oficiais como o Estado, sendo encontrada nas organizações e burocracias das sociedades modernas. Segundo Weber (2010), no mundo moderno, a dominação racional legal vem substituindo a dominação tradicional. Sendo o Estado uma das principais instituições modernas, cabe a nós conhecermos o seu processo de surgimento e desenvolvimento, compreendendo como ele foi pensado e como ele é organizado. No subtópico seguinte, nós iremos abordar autores que tratam do surgimento do Estado e seu desenvolvimento na modernidade, para na sequência nos debruçarmos sobre algumas discussões acerca do exercício do poder político na política formal, através de duas formas de sistema político: o autoritarismo e a democracia, considerando especialmente as sociedades contemporâneas. 3 POLÍTICA, PODER E ESTADO A política é um processo social no qual o poder está em constante disputa e uso, sendo o poder político muito importante para a organização das mais diversas esferas da vida. As sociedades modernas desenvolveram instituições políticas especializadas que, em conjunto, formam o Estado, passando a política a designar as atividades exercidas pelo Estado, percepção decorrente das revoluções liberais que ocorreram a partir do século XVII. Conforme Sell (2006), muitas vezes, a história da política se confunde com a história do Estado. As origens do Estado enquanto forma de ordenamento político têm raízes na Idade Média. Nas sociedades anteriores, as formas de poder político e governo existentes (como as cidades-estados da Antiguidade Clássica, as quais tinham TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 9 uma estrutura política complexa) não estavam organizadas sob a pessoa jurídica do Estado, mas operavam a partir de costumes e crenças religiosas, sendo o poder político legitimado por aspectos religiosos e mágicos. O Estado Moderno surgiu na Europa a partir do século XIII e desenvolveu-se até os fins do século XVIII ou início do século XIX (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2010). O autor que teria utilizado pela primeira vez o termo “Estado” é Nicolau Maquiavel (1468-1527), em seu livro O Príncipe (2010), publicado em 1513. O Estado foi definido por Maquiavel como todo domínio que exerce o império sobre o homem. Na obra Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (2007), publicada em 1517, o autor salienta que a acumulação de poder cria mais poder, alertando para os perigos que homens sedentos de poder podem representar para uma república. É nesse sentido que para Maquiavel, a utilização de qualquer meio (até mesmo a morte) é justificável para a manutenção do Estado, sendo atribuída a ele a famosa frase “os fins justificam os meios”. Maquiavel afirmava que qualquer regime político pode ser legítimo ou ilegítimo, sendo que o que mensura a legitimidade e a ilegitimidade é o grau de liberdade. Para Maquiavel, a preservação da liberdade é um elemento importante, sendo ela “maior ou menor segundo o “desenho institucional” estabelecido a partir das relações existentes entre as instituições e os interesses em conflito” (KRITSCH, 2010, p. 36). Fator importante de legitimação é o modo como as lutas sociais encontram respaldo político que garanta o princípio que rege a política, ou seja, o poder do príncipe deve ser superior ao poder dos grandes e estar a serviço do povo. Um dos pontos fundamentais em Maquiavel é de que o povo é o melhor guardião da liberdade. Um dos mecanismos institucionais que Maquiavel menciona como favorecendo a preservação e a expansão da liberdade é o direito de acusar, diante do povo, de um magistrado, ou de um tribunal, quem tenha atentado contra a liberdade. De acordo com Kritsch (2010), Maquiavel salienta que não basta a existência da lei para garantir a liberdade, mas essa lei precisa criar espaço para a canalização dos conflitos. Para Maquiavel (2007), as instituições são instrumentos que propiciam estabilidade à república e garantem a manutenção da liberdade dos cidadãos. Outros autores também viam a administração dos conflitos sociais e a manutenção do bem comum como funções das instituições políticas, logo, do Estado. Alguns autores da chamada teoria contratualista são considerados os precursores da Teoria Clássica do Estado, pois segundo esses autores, o Estado era resultado de um contrato social ou acordo de vontades, através do qual os homens abririam mão de alguns direitos em prol do bem comum. Três dos principais autores da teoria contratualista são Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778). UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 10 A teoria contratualista compreende o surgimento do Estado como resultado de um contrato social realizado entre os indivíduos. Para estabelecer esse contrato, os indivíduos abrem mão de seus direitos naturais, visando obter a tranquilidade e as vantagens da ordem política que passa a ser garantida com a instituição de um governo. O motivo para estabelecer esse contrato social são os conflitos constantes registrados no estado de natureza. ATENCAO Reiterando a perspectiva de Maquiavel, acerca dos perigos inerentes às disputas pelo poder, Hobbes escreveria no século seguinte, na obra Leviatã [1651], que “é tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte” (HOBBES, 1979, p. 64). Segundo Hobbes (1979), isso ocorria porque os homens percebiam que para proteger o que já possuíam, precisavam conservar e aumentar constantemente o seu poder. No estado de natureza, os indivíduos viviam num estado de medo constante, vivendo em luta permanente, uma guerra de todos contra todos. Não havia garantias para a vida nem para a posse de terras e, mesmo com a invenção de armas e cercamento de terras, o perigo de um homem mais forte vir e tomar tudo era constante. Imperava assim a lei do mais forte que tudo podia quando tinha força para conquistar e conservar. Já John Locke (1978), no livro Segundo Tratado sobre o Governo Civil, destaca que no estado de natureza as leis que vigoravam eram as leis da natureza, que tratavam sobre a não autorização de lesar os outros indivíduos no tocante às suas vidas, bens e liberdade. Vivia o homem em liberdade sobre seus atose posses e em igualdade em relação às vantagens que a natureza oferecia. Porém, quando o homem iria decidir sobre seus atos ou no julgamento dos atos de outros indivíduos, ele poderia ser influenciado pelas suas paixões e valores, implicando assim uma possibilidade muito forte de julgar e executar as leis de maneira injusta. Por fim, de acordo com Jean-Jacques Rousseau, no livro Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens (1985), no estado de natureza, os indivíduos viviam em estado de plena bondade, vivendo dos frutos da natureza e desconhecendo conflitos. No entanto, este estado de bondade é encerrado quando um indivíduo teria cercado um terreno e dito “é meu”. A consequente divisão entre o que é de um e/ou de outro (instituição da propriedade privada), teria originado o estado de sociedade, em que a guerra de todos contra todos prevalece. TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 11 FIGURA 3 - ÍNDIOS EM SUA CABANA – JOHANN MORITZ RUGENDAS FONTE:: <https://bit.ly/3hKYi1Z>. Acesso em: 22 set. 2019 A Figura 3, a pintura “Índios em sua cabana”, de Johann Moritz Rugendas, na qual apresenta os índios sentados em semicírculo, acendendo uma fogueira para preparar a caça para a alimentação do grupo, pode ser compreendida como uma representação de uma sociedade na qual, a propriedade privada não foi estabelecida. Assim, de acordo com Hobbes (1979), Locke (1978) e Rousseau (1985), no estado de natureza havia a liberdade natural e a posse natural de bens (igualdade), mas isso não garantia a preservação dos direitos naturais à vida, à liberdade e à igualdade. Fica então a indagação: como os homens fizeram para sair deste estado de medo e de incerteza e o que propicia, a partir de então, a garantia de seus direitos? A saída foi a consolidação de um pacto social, ou contrato social entre os indivíduos, quando renunciaram à liberdade natural e passaram para um terceiro – o soberano – o poder de decisão, de punição (uso da força), de criar e aplicar as leis, de declarar a guerra e/ou a paz (HOBBES, 1979; LOCKE, 1978; ROUSSEAU, 1985). UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 12 O que diferencia o direito natural do direito positivo? O direito natural é compreendido como leis que refletem a natureza dos seres e dos objetos. Nesse sentido, os autores contratualistas destacam o predomínio dos mais fortes no estado de natureza. Já o direito positivo surge com o estabelecimento de um Estado, seguindo a perspectiva de Locke e Hobbes, ou da sociedade civil, conforme Rousseau. O direito positivo caracteriza- se pelas normas e regras que regem o convívio humano dentro de um contexto histórico, social e territorial. São exemplos, nesse sentido, as constituições e as demais normas que regem os Estados. IMPORTANT E Mas, como é possível o estabelecimento de um pacto ou um contrato social e o que legitima o poder soberano? Tomando como referência o jusnaturalismo, os autores explicam que a ideia de contrato social é justificável, uma vez que, por natureza, todos os homens são livres, e que um contrato social é válido somente quando as duas partes possuem as mesmas condições de liberdade e igualdade, quando de modo voluntário e livre consentem em consolidar um contrato. Assim, o poder soberano é legítimo, pois é fruto da transferência voluntária de direitos dos indivíduos para o soberano. Mas a quem pertence o poder soberano? Qual é a forma de governo desejada, segundo cada autor? Esse pertencimento do poder soberano é compreendido de maneiras distintas pelos três autores. Segundo Hobbes (1979), o único modo de instituir um poder comum capaz de protegê-los de invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes dessa maneira segurança suficiente para que possam alimentar- se e viver satisfeitos com o próprio trabalho e frutos da terra, “é conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade” (HOBBES, 1979, p. 106). Nas palavras do autor, é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 13 de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum (HOBBES, 1979, p. 105-106, grifo no original). Designada uma assembleia ou um homem como representante das demais pessoas, fica esta conhecida como Estado, aquele que garante a paz e a defesa. O portador de tal poder chama-se soberano. Nesse sentido, o Estado é visto como guardião dos direitos naturais à vida e à propriedade, os quais ficam ameaçados em sua ausência. Segundo o argumento de Hobbes, a soberania pertence de modo absoluto ao Estado (que promulga e aplica as leis, garante a propriedade privada, exige obediência dos governados), desde que respeite os direitos naturais intransferíveis pelos quais o soberano foi criado – o direito à vida e o direito à paz. O soberano pode ser um rei, uma assembleia democrática ou um grupo de aristocratas; para Hobbes, o importante é quem possui a soberania possa de fato garantir a paz e a segurança aos governados, por isso, o número de governantes e o tipo de regime político são secundários, mas Hobbes tem maior simpatia com o regime político monárquico, pois este lhe aparenta ser o mais capaz de todos. FIGURA 4- PODER MONÁRQUICO FONTE: <https://sobrehistoria.com/la-edad-media/historia-de-la-edad-media>. Acesso em: 19 ago. 2019 A Figura 4 apresenta uma ilustração do poder monárquico, onde um rei é coroado e abençoado por membros do alto clero da Igreja. Vários integrantes da aristocracia assistem à cerimônia. UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 14 Uma questão que inquieta os postulados de Hobbes, é quanto uma contradição no pensamento do autor, ou uma crença na bondade dos representantes. Se o autor assume que o homem tem uma vontade insaciável de poder, “por que, então, justamente o soberano deveria estar livre desse desejo inesgotável de poder e mais poder?” (HERB, 2013, p. 274). Os autores subsequentes a Hobbes vão buscar outras formas para delimitar o poder, pensando nas fronteiras e barreiras do poder. É nesse sentido que autores do liberalismo se voltaram a pensar quanto o poder soberano também deve ser controlado. Na perspectiva de Locke (1978), pelo pacto social, se constitui o governo civil. O propósito do governo civil é, especialmente, a proteção da propriedade privada, entendida como a conservação da vida, dos bens e da liberdade. E quem seria o detentor do poder soberano no governo civil, segundo o autor? Locke (1978) questiona o direito divino dos reis. Para o autor, o regime político ideal é a monarquia constitucional, uma soberania descentralizada, concentrando- se o poder em três lugares: no parlamento (poder legislativo); na Coroa (poder executivo) e no poder federativo (o poder de uma nação em relação às outras). No entanto, oautor defendia que o poder do parlamento fosse superior aos demais. Essa divisão dos poderes vai inspirar Montesquieu em sua teoria da divisão dos poderes, conforme veremos na Unidade 3. Locke (1978) enfatiza ainda que caso o poder soberano não garanta, de fato, as condições que o homem negociou no pacto, há o direito de deposição dos governantes que se valham do governo para fins que não aqueles acordados no pacto social, ou seja: a garantia da propriedade e a segurança. O autor introduziu o ideal da liberdade burguesa na Teoria do Estado, sendo considerado um precursor do liberalismo no Reino Unido. Nesse sentido, ao Estado caberia a regulação das relações da vida no âmbito social, resguardando-se aos homens as liberdades fundamentais e o direito à vida, direitos anteriores e acima do próprio Estado. Rousseau (1989), por sua vez, também contrário à ideia de o poder soberano ser absoluto, afirma que a partir do contrato social é criada a vontade geral (um corpo moral coletivo, o Estado). A única soberania válida é a do povo, “corpo dos cidadãos que adquire realidade na medida em que exerce o poder legislativo” (JOUVENEL, 1980, p. 423). Um governante não é o soberano, mas representante da soberania popular, sendo tolerável enquanto fosse justo. Assim, os direitos naturais são transferidos para o povo a fim de serem convertidos em direitos civis, ou seja, em cidadania e em direito à propriedade. O regime político que melhor corresponderia às garantias do contrato social, uma vez que a soberania é do povo, seria a democracia direta ou participativa. O Estado é uma organização encarregada de determinadas funções, sendo sua constituição resultante de longos processos históricos. Os principais elementos de um Estado são o povo, o território, o poder e a soberania. Talvez uma definição TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 15 de Estado que melhor apresente suas características é a definição apresentada por Max Weber (2010). Segundo esse autor, o Estado é uma associação humana e uma das muitas organizações burocráticas da sociedade, sendo marcada pela centralização do poder; pela profissionalização dos políticos; radicada em um território específico e com monopólio legítimo do uso da força. FIGURA 5 - ESTADO E MONOPÓLIO DA FORÇA FÍSICA FONTE: <https://www.anf.org.br/wp-content/uploads/2018/02/Rio-de-Janeiro-Brasil-696x432. jpg>. Acesso em 18 Jul. 2020 Na Figura 5, soldados do Exército Brasileiro atuam com armas na mão em ruas de uma comunidade, atuando em nome do Estado com vistas à garantia da lei e da ordem com o uso da força física. Feita essa revisão sobre as origens e características do Estado Moderno, a pergunta que se apresenta é: como o poder político é organizado internamente aos Estados? É importante termos em mente que não há uma forma única de exercer o poder político no Estado. De acordo com os arranjos institucionais aliados ao processo histórico e cultural de uma sociedade, ela pode experimentar regimes políticos que se diferenciam daqueles de outras sociedades. Os principais exemplos de formas de exercício do poder político são os sistemas políticos, sendo o autoritarismo e a democracia as formas mais comuns; e os sistemas de governo, que em sua maioria se organizam em sistemas presidencialistas e parlamentaristas. Quais são as bases desses sistemas e o que os diferencia? Na sequência desse tópico compreenderemos quais são os pressupostos e exemplos de sistemas políticos. Os sistemas de governo (parlamentarismo e presidencialismo) serão abordados no Tópico 2 desta unidade. UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 16 4 AUTORITARISMO Em seu significado mais antigo, o termo autoridade “indica que as pessoas de autoridade reforçam, confirmam e sancionam um curso de ação ou pensamento” (SARTORI, 1994, p. 251). A existência de autoridades é considerada importante e necessária no âmbito político. No entanto, se há atuação de uma autoridade política de modo autoritário, isso pode gerar efeitos prejudiciais ao exercício da liberdade dos indivíduos de uma sociedade. Bobbio, Matteucci e Pasquino (2010) esclarecem que: O adjetivo "autoritário" e o substantivo autoritarismo, que dele deriva, empregam-se especificamente em três contextos: a estrutura dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a respeito do poder e as ideologias políticas. Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas. Em sentido psicológico, fala-se de personalidade autoritária quando se quer denotar um tipo de personalidade formada por diversos traços característicos centrados no acoplamento de duas atitudes estreitamente ligadas entre si: de uma parte, a disposição à obediência preocupada com os superiores, incluindo por vezes o obséquio e a adulação para com todos aqueles que detêm a força e o poder; de outra parte, a disposição em tratar com arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos aqueles que não têm poder e autoridade. As ideologias autoritárias, enfim, são ideologias que negam de uma maneira mais ou menos decisiva a igualdade dos homens e colocam em destaque o princípio hierárquico, além de propugnarem formas de regimes autoritários e exaltarem amiudadas vezes como virtudes alguns dos componentes da personalidade autoritária (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2010, p. 94, grifo no original). Considerando a definição de autoritarismo de Bobbio, Matteucci e Pasquino, temos que nos sistemas políticos autoritários, as necessidades e interesses do Estado estão acima dos interesses dos cidadãos comuns, não havendo mecanismos legais e institucionais que possibilitem fazer oposição ao governo ou mesmo remover os chefes autoritários do poder. Os termos autoritarismo e totalitarismo são palavras recentes. Surgiram depois da Segunda Guerra Mundial e foram usadas com o significado de oposto de democracia (SARTORI, 1994). Em geral embasados em pressupostos ideológicos que podem referir-se a conflitos étnicos, religiosos, econômicos e científicos, os sistemas autoritários tendem a fazer forte apelo emocional com o uso das ideologias. TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 17 Há na História mundial recente, diversos casos de sistemas autoritários e totalitários que tolheram as liberdades dos cidadãos. Certamente, o caso mais conhecido é o do nazismo na Alemanha, que fez um uso muito intenso da ideologia da superioridade da pureza da raça branca e da identidade nacional para legitimar principalmente o extermínio de judeus, comunistas, ciganos, homossexuais e pessoas com deficiência. FIGURA 6 - PRISIONEIROS DE GUERRA FONTE: <http://www.sarahmatthias.co.uk/wp-content/uploads/2016/11/Scan-9-768x760.jpeg>. Acesso em: 25 nov. 2019 A Figura 6, o quadro “Buchenwald: metade pessoas, metade faces” é uma representação de prisioneiros no campo de concentração Buchenwald, na Alemanha. O quadro é uma pintura de Karl Stojka, um cigano sobrevivente dos campos de concentração nazistas. Também os casos de regimes comunistas em países do Leste Europeu e na China, que se denominavam democráticos, diferindo muito do que habitualmente se compreende por democracia, sendo normalmente formados por sistemas unipartidários, com eleições em que concorriam apenas candidatos do Partido Comunista, ou apenas um candidato, não havendo assim muita margem de escolha. O Partido Comunista era o poder predominante nos países com regime comunista, controlando o sistema econômicoe o sistema político (GIDDENS, 2012). UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 18 Mas também podemos olhar para História da América Latina, na qual diversos países como Brasil, Argentina e Chile viveram sob regimes autoritários durante boa parte da segunda metade do século XX. No Brasil, a ditadura vivenciada entre 1964 e 1979 foi um período em que as políticas de Estado estiveram fundamentadas no uso da força e da violência (GRIGOLI, 2016) para obter êxito na execução de políticas nas mais diversas áreas, como educação, assistência social e economia. O contexto pode ser analisado observando-se a aliança entre a burguesia nacional, o Estado e empresas multinacionais (FERNANDES, 1982). 5 DEMOCRACIA Após regimes políticos de tipo autoritário terem sido experimentados e fracassado em grande parte do mundo, a democracia apresenta-se como o melhor sistema político e é nesse sentido que houve a expansão dos sistemas democráticos a partir da década de 1980, que teve como influenciadores o processo de globalização, as mudanças no plano econômico em nível global e a forte influência da Organização das Nações Unidas (ONU). Democracia possui amplos significados, sendo a forma que toma em cada contexto resultado do modo como os valores e objetivos democráticos são compreendidos por cada sociedade. Em linhas gerais, democracia pode ser definida como o sistema político mais propício à garantia das liberdades políticas e individuais, bem como é um sistema no qual o interesse comum é defendido, indo ao encontro dos cidadãos, e onde é incentivado o autodesenvolvimento moral dos indivíduos e possibilitada a tomada de decisão que considere os interesses da coletividade (HELD, 1987). De acordo com Nogueira (2008), numa democracia o poder está submetido a algum tipo de controle ou contenção, uma vez que “o poder democrático não é apenas um poder limitado e dividido, mas também um poder compartilhado, uma vez que vive e funciona com base em interações dinâmicas e de responsabilizações recíprocas entre governantes e governados” (NOGUEIRA, 2008, p. 116, grifo no original). Dois elementos fundamentais nas democracias atuais são os sistemas partidários e os sistemas eleitorais, sistemas que estudaremos no próximo tópico e na próxima unidade. De acordo com Giddens (2012), o aumento dos contatos transnacionais que a globalização trouxe, incentivou movimentos democráticos em diversos países. Habitantes de nações não democráticas passaram a ter contato com ideais democráticos através de meios de comunicação globais e com o avanço das tecnologias, incentivando assim, organização interna e pressão por eleições e alterações nos regimes políticos. Giddens (2012) salienta também que organizações como a ONU e União Europeia passaram a ter um papel cada vez mais importante, exercendo pressão sobre os Estados para o avanço em direção à democracia. “Em alguns casos, essas organizações conseguem usar embargos comerciais, condições para empréstimos TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 19 para desenvolvimento econômico e estabilização e manobras diplomáticas de vários tipos para incentivar o desmantelamento de regimes autoritários” (GIDDENS, 2012, p. 706). Além do suporte técnico e administrativo, a ONU oferece apoio para o desenvolvimento de uma cultura democrática junto a organizações da sociedade civil e incentiva a existência de mídia livre. Além disso, Giddens (2012) também destaca a expansão do capitalismo mundial como um dos propulsores da democratização, uma vez que para as grandes corporações, firmar negócios em nações democráticas representa maior estabilidade e previsibilidade de lucros. Nesse sentido, ressalta-se que não é somente o poder político que é hegemônico nas sociedades modernas, uma vez que o poder passa a ser descentralizado, passando o poder econômico a assumir uma grande influência sobre a própria organização política dos Estados modernos. De acordo com Nogueira (2008) Quando os territórios são afetados por muitos fluxos (comerciais, de informação, culturais, políticos) ou sofrem efeitos de decisões tomadas por diferentes atores ou protagonistas, ou simplesmente não podem ser objeto de decisões governamentais voluntárias e soberanas, não há como negar que ocorre um declínio em termos de poder: passa-se a viver sob os efeitos de uma rede de poderes cruzados, que se remetem o tempo todo uns aos outros. Reduz-se assim o poder que os Estados detêm sobre os territórios, e os diferentes poderes concorrentes passam a ter, cada um deles, uma menor dose de poder efetivo (NOGUEIRA, 2008, p. 24). Em outras palavras, não é somente o Estado que exerce poder sobre um determinado território. A globalização manifesta-se em diferentes aspectos: social, econômico, político, cultural, informacional, tecnológico e comunicacional. Embora esse processo tenha contribuído para que mais sociedades tenham contato com os ideais e as práticas democráticas (GIDDENS, 2012), há também uma dimensão da globalização que é excludente, uma vez que nem todas as pessoas têm acesso ao universo de oportunidades e melhorias. Com o aprofundamento do processo neoliberal, tem-se um contexto em que há a desregulamentação e a flexibilização das normas do mercado e financeiras, e um sistema jurídico que é conivente com esse processo (SILVA, 2016, p. 4). Esses fatores geram impactos muito profundos no âmbito dos aspectos econômicos, dos direitos sociais e nas relações humanas, no sentido de gerar instabilidade e insegurança quanto ao mercado de trabalho, redução do papel do Estado na garantia de condições mínimas de segurança à parcela mais pobre da população, e aprofundamento dos processos de competitividade e individualidade (SILVA, 2016; AFECHE PIMENTA; FUGAZZOLA PIMENTA, 2011; SANTOS, 2006; BAUMAN, 1999). NOTA UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 20 Considerando a expansão da democracia pelo mundo, aparecendo como uma promessa de sistema político melhor que sistemas autoritários, o que se espera é que estaria funcionando bem. Mas será que é esse o panorama atual? A mudança em relação aos valores políticos é apontada como uma alteração no interesse pela política. Segundo Inglehart (1997), os valores políticos passaram de valores materialistas a valores pós-materialistas, ou seja, uma vez que nas sociedades mais desenvolvidas foi atingido bom nível de estabilidade econômica, as preocupações dos eleitores passam a ser em relação à qualidade de suas vidas individuais ao invés do coletivo. Nesse sentido, a participação na política se daria somente em questões que dizem respeito às suas liberdades individuais. Em relação a um dos principais instrumentos democráticos, o direito ao voto, tem sido registrado um declínio no comparecimento eleitoral, sendo debatidos os fatores que levam a esse fenômeno. A crise de confiança nas instituições políticas vem sendo apontada por diversos cientistas políticos, especialmente em relação aos partidos políticos, considerados os principais agentes de mediação entre sociedade civil e Estado. Também o predomínio do neoliberalismo e a crise do Estado de bem- estar social, levou a um descrédito em relação ao bom desempenho do Estado democrático no sentido de promover bens e serviços essenciais à população. Mais recentemente, há o registro de movimentos que alertam para os riscos que as democracias contemporâneas estão correndo no sentido das liberdades individuais e garantia de direitos humanos. São exemplos nesse sentido, a negação de refúgio para pessoas que fogem de conflitos em seus países; as violências para com imigrantes; a polarização política nos pleitos eleitorais; a eleição de líderes políticos que compactuam com ideais antidemocráticos e com a discriminação de minorias; movimentos separatistas, entre outros. Para a compreensão das democracias atuais, diversos modelos de democracia buscam explicar e analisar as dinâmicasdos sistemas democráticos, sendo os três principais modelos a democracia participativa, a democracia representativa e a democracia deliberativa. Embora por algum tempo no âmbito dos debates teóricos não havia o reconhecimento de elementos dos três modelos de democracia na prática dos sistemas democráticos reais, muito recentemente esse reconhecimento ocorreu, no entanto, cumpre salientar que o modelo de democracia representativa é o predominante, uma vez que as democracias eleitorais estão intimamente relacionadas com a representação. 5.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA A democracia participativa, também conhecida como democracia direta, tem como principal postulado que as decisões são tomadas por aqueles que estão sujeitos a elas. Esse modelo de democracia teve origem na Grécia Antiga e na TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 21 dinâmica pela qual estava organizada, somente aqueles que eram considerados cidadãos reuniam-se com certa regularidade para discutir a política. Importante destacar que fazia parte do grupo de cidadãos uma minoria da sociedade, ficando excluídos, por exemplo, os escravos e as mulheres (DAHL, 2012). O modelo de democracia participativa direta tende a ser mais propício a pequenas comunidades, pois com o desenvolvimento das sociedades e os desafios apresentados à vida política a partir do desenvolvimento dos Estados nacionais, especialmente com o aumento dos territórios geográficos e do número de pessoas com direito à participação na vida política, os potenciais da democracia participativa tendem a ser limitados, uma vez que seria impossível a participação direta e ativa de todos os cidadãos nas decisões que lhes dizem respeito (DAHL, 2012; SARTORI, 1994). Contudo, alguns aspectos da democracia participativa são importantes nas sociedades modernas e são usadas com certa frequência. Alguns mecanismos de participação, como os referendos, consultas públicas e audiências públicas, são instrumentos de participação direta que são levados em consideração pelos governos na elaboração de legislações, distribuição de recursos orçamentários e execução de políticas públicas. Estudaremos esses mecanismos na Unidade 3. 5.2 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA Com as limitações da democracia participativa no que diz respeito à viabilidade da participação direta em sociedades com magnitude maior de cidadãos aptos a participar dos processos decisórios, a democracia representativa aparece como uma solução viável desse dilema. De forma simplificada, a democracia representativa pressupõe a existência de pessoas que foram eleitas para atuarem como representantes dos demais membros da coletividade, estando autorizados a tomar decisões em nome destes. No âmbito do governo nacional brasileiro, a democracia representativa assume a forma de eleições para deputados federais e estaduais, senadores, presidente, governadores, prefeitos e vereadores. Os princípios da representação também podem ser observados em espaços em nível internacional, como organizações que contam com representantes de diversos países, os quais formam um comitê executivo que toma decisões que impactam em áreas como o comércio, a saúde, meio ambiente e desenvolvimento, educação, entre outras. É importante evitarmos um erro bastante comum: o de associar diretamente a representação à democracia. Sendo, “em grande medida, um fenômeno cultural e político, um fenômeno humano” (PITKIN, 2006, p. 16), o entendimento e as práticas de representação alteram-se ao longo do processo histórico das sociedades. Manin (1997) destaca que autores como Madison e Sieyès compreendiam a representação como uma forma superior de governo, alegando que a representação não possuía elementos democráticos. Ao olhar UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 22 para a história do conceito de representação, alguns autores destacam que a ideia de representação foi sendo vinculada à ideia de democracia apenas a partir do século XIX (MANIN, 1997; PITKIN, 1967, URBINATI, 2006). No âmbito da teoria democrática contemporânea o tema da representação política vem sendo analisado sob o prisma da ampliação da noção de representação, indo além do sistema eleitoral, partidário e parlamentar (LAVALLE; HOUTZAGER; CASTELLO, 2006; AVRITZER, 2007; URBINATI, 2006). Nesse movimento, vem sendo incorporadas questões que buscam compreender a pluralização da representação nas sociedades contemporâneas, com destaque para a necessidade de inclusão de minorias políticas nos processos de representação (mulheres, negros e pessoas com deficiência são alguns dos exemplos) (WILLIAMS, 2000; YOUNG, 2006). Também a participação e a representação exercidas pelos movimentos sociais e associações (que, especialmente no cenário brasileiro ocorre fora dos momentos eleitorais, como conselhos gestores de políticas públicas, fóruns, conferências) são debatidas, uma vez que questões acerca da legitimidade da representação exercida pelos não eleitos são levantadas (GURZA LAVALLE; HOUTZAGER; CASTELLO, 2006; LÜCHMANN, 2007; AVRITZER, 2007). Segundo o argumento de Garcêz (2015), a representação passa a ser essencial para a formação da opinião pública e também para as práticas democráticas dentro e fora do Estado (URBINATI, 2006). FIGURA 7 - PLURALIDADE E DEMOCRACIA FONTE: <https://bit.ly/3fYWlyl>. Acesso em: 22 set. 2019 Na Figura 7, o desenho de diversas mãos erguidas, com cores representando a diversidade de pessoas e grupos sociais, demonstra a pluralidade de questões sociais que os sistemas democráticos representativos passaram a acolher na política, como grupos minoritários relacionados à origem étnica e gênero. TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 23 Quando abordamos o conceito de minorias, podemos nos referir às minorias sociológicas ou às minorias numéricas. O que distingue uma da outra? As minorias numéricas caracterizam a minoria de uma população dentro de um Estado. Já as minorias sociológicas, são caracterizadas por grupos com diferenças culturais, identitárias, e grupos marginalizados como negros, homossexuais, pessoas com deficiência e mulheres (MARTINS; MIZUTANI, 2011). De acordo com Joan Scott (2005) “os eventos que determinam que minorias são minorias o fazem através da atribuição do status de minoria a algumas qualidades inerentes ao grupo minoritário, como se essas qualidades fossem a razão e também a racionalização de um tratamento desigual” (SCOTT, 2005, p. 18). Já Iris Young (2006) define como minorias aqueles grupos sociais que são “estrutural ou culturalmente diferenciados e socialmente desfavorecidos” (YOUNG, 2006, p. 184). IMPORTANT E 5.3 DEMOCRACIA DELIBERATIVA Outro modelo de democracia que tem recebido bastante atenção é o modelo de democracia deliberativa que tem em Jürgen Habermas (1995) seu principal expoente. O autor critica os modelos hegemônicos de democracia e propõe um modelo pautado na ação comunicativa. Para Habermas (1995), a legitimidade das decisões políticas estaria no processo deliberativo e na formação de um consenso, e não no princípio da maioria, que toma as decisões a partir da maioria, em vista da impossibilidade de unanimidade nas sociedades modernas. Segundo seu argumento, a política deliberativa se daria com a conjugação de duas vias: a construção da opinião em espaços não institucionais, como fóruns de discussão informais e a formação da vontade construída democraticamente nos espaços institucionais. Como mencionado anteriormente, nas democracias reais, elementos dos diversos modelos teóricos de democracia são combinados, como nos casos de consultas e audiências públicas, referendos, conferências temáticas, conselhos gestores, audiências públicas, processos nos quais há participação direta dos cidadãos, deliberação e representação. Também é importante salientar que a democracia se estrutura, se reconfigura, se movimenta num processo não linear, uma vez que a maioria dos Estados democráticos é recente,as instituições e leis estão em processo de consolidação e, aliado aos valores políticos, históricos e culturais de cada país, sendo perpassados por questões e poderes transnacionais, alguns ruídos, avanços e recuos são constituintes do processo político. Em nossa disciplina, vamos nos voltar ao estudo das formas de organização e distribuição do poder político nas democracias, abordando os sistemas presidencialistas e parlamentaristas e analisando os sistemas partidários, os sistemas eleitorais e o processo legislativo que constituem a sua dinâmica interna. UNIDADE 1 —CONCEITOS BÁSICOS SOBRE PODER POLÍTICO E REPRESENTAÇÃO 24 ÍNDICE DE DEMOCRACIA Quais são os critérios para definir se um país pode ser classificado como democrático? A Freedom House, uma organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos, atualiza anualmente o índice de democracia de diversos países, observando os direitos políticos e liberdades civis que neles há. Dentre os direitos políticos, por um lado é analisado o processo eleitoral, no qual se consideram o direito de organização política em partidos; se há direito de oposição; se minorias étnicas, religiosas, de gênero, LGBTs ou outros possuem direitos políticos e oportunidades eleitorais. Por outro lado, o funcionamento do governo também é avaliado no que tange à implementação do plano de governo dos representantes eleitos; se há políticas efetivas de constrangimento à corrupção e também se há transparência na gestão pública. Já no referente às liberdades civis, são observados os seguintes aspectos: 1. liberdade de expressão e de crença: se há meios de comunicação livres e independentes; se há liberdade religiosa, se há liberdade acadêmica, bem como sistemas educacionais livres de doutrinação; se há liberdade de expressão sobre questões políticas ou outras que possam ser delicados sem medo de vigilância ou repressão; 2. direito de associação e organização: se há liberdade de associação (de lazer, cultura, trabalho, sindicatos etc.); se organizações da sociedade civil que são ativistas de direitos humanos possuem liberdade; 3. sobre o Estado de Direito: se há um poder judiciário independente; se há garantia de acesso ao sistema judiciário e devidos encaminhamentos dos processos; se há proteção contra o uso ilegítimo da força; se as leis, políticas e práticas garantem tratamento igual para todos os segmentos da população; 4. direitos individuais e autonomia pessoal: se há direito de mobilidade, seja de local de residência, de emprego, de curso; se desfrutam do direito de empreender, sem intervenções indevidas de agentes do governo; se há liberdades sociais, como escolha de parceiro, tamanho da família, proteção contra violência doméstica; se há igualdade de oportunidades e liberdade da exploração econômica. A situação do Brasil também pode ser consultada nesse ranking, tendo sido registrado um declínio no nível democrático brasileiro na atualização efetuada no final de 2018, sendo os pontos mais críticos do Brasil os aspectos relacionados à segurança pública, violação dos direitos de minorias, corrupção e o aumento da polarização política. Na síntese do panorama da Freedom House sobre o Brasil, o país é descrito como uma democracia na qual eleições competitivas são realizadas periodicamente, sendo registrado debate público vibrante no período eleitoral. Contudo, jornalistas independentes e ativistas da sociedade civil correm risco de perseguição virtual (em redes sociais e outros meios de comunicação), sofrendo inclusive ataques físicos violentos. O governo mostrou- se também incapaz de conter o aumento na taxa de homicídios ou de enfrentar a violência desproporcional e a exclusão econômica da qual as minorias são vítimas. A corrupção é endêmica nos níveis mais altos da política, contribuindo para o aumento do descrédito para com os partidos políticos. IMPORTANT E TÓPICO 1 —A QUESTÃO DO PODER: O QUE É O PODER? 25 No entanto, a Freedom House destaca que a situação do Brasil não é um caso isolado, pois são registradas baixas nos níveis democráticos em muitos países do mundo inteiro, sendo esse declínio motivo de preocupação tanto de analistas quanto de ativistas de direitos humanos, e esse movimento é, obviamente, objeto de estudos que visam compreender essa nova grande transformação em curso. Se você tiver interesse em conhecer mais, consulte o site oficial da Freedom House e conheça os indicadores de modo mais detalhado. Links: <https://freedomhouse.org/about-us>. <https://freedomhouse.org/country/brazil/freedom-world/2020>. 26 Neste tópico, você aprendeu que: RESUMO DO TÓPICO 1 • O poder é relacional, processual e reflexo de contextos específicos. Baseado em uma relação triádica, onde há uma pessoa/grupo que detém o poder, uma pessoa/grupo que é sujeito ao poder e uma esfera (familiar, política, econômica) na qual a relação de poder ocorre. • Os três principais tipos de poder são o econômico, o ideológico e o político. • O poder político ampara-se em um Estado e possui o monopólio legítimo do uso da força. • Quando o poder é exercido com o reconhecimento de quem a ele está sujeito, o poder é legítimo. Existem três os tipos de dominação legítima, segundo Max Weber: a tradicional (base nos costumes), a carismática (com base na crença de que o líder tem dons especiais que o fazem digno de confiança) e a racional- legal (com base nas leis e normas das organizações burocráticas das sociedades modernas). • Com vistas a limitar e regulamentar o poder, o Estado foi criado, sendo os autores do contratualismo essenciais para a compreensão desse processo. • Nos Estados o poder é organizado em sistemas políticos (autoritários ou democráticos) e sistemas de governo (parlamentarismo e presidencialismo). 27 1 Max Weber diferenciou os tipos ideais de dominação ilegítima (imposição, baseado no uso da força), e dominação legítima (quando a autoridade é reconhecida e não há uso da força). Sobre os tipos de dominação legítima, assinale a alternativa INCORRETA: a) ( ) A autoridade na dominação tradicional tem origem no passado, nos costumes e na tradição. b) ( ) A dominação carismática baseia-se na crença de que somente uma pessoa é capacitada para liderar. c) ( ) O carisma é um traço da personalidade de alguns líderes. d) ( ) A dominação racional legal é encontrada nas organizações e nas burocracias das sociedades modernas. e) ( ) A dominação racional legal é legitimada por meio de normas e regulamentações e se ampara em instituições oficiais como o Estado. 2 Diversos autores buscaram explicar o surgimento do Estado e a importância das instituições políticas. Considerando os autores estudados ao longo do Tópico 1, leia atentamente as frases a seguir: 1 As instituições são instrumentos que propiciam estabilidade à república e garantem a manutenção da liberdade dos cidadãos. 2 Designada uma assembleia ou um homem como representante das demais pessoas, fica esta conhecida como Estado, aquele que garante a paz e a defesa de todos. 3 O propósito do governo civil é, especialmente, a proteção da propriedade privada, entendida como a conservação da vida, dos bens e da liberdade. 4 Os direitos naturais são transferidos para o povo a fim de serem convertidos em direitos civis, ou seja, em cidadania e em direito à propriedade. Qual alternativa apresenta a sequência CORRETA dos autores das ideias expressas acima? a) ( ) 1. Maquiavel; 2. Hobbes; 3. Locke; 4. Rousseau. b) ( ) 1. Hobbes; 2. Maquiavel; 3. Rousseau; 4. Locke. c) ( ) 1. Maquiavel; 2. Locke; 3. Hobbes; 4. Rousseau. d) ( ) 1. Locke; 2. Hobbes; 3. Maquiavel; 4. Rousseau. 3 Os sistemas democráticos são analisados por três perspectivas teóricas principais: a teoria representativa, a teoria participativa e a teoria deliberativa. Em relação aos sistemas democráticos, assinale a alternativa INCORRETA: AUTOATIVIDADE 28 a) ( ) Nas democracias reais, elementos dos diferentes modelos de democracia
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