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Síndrome de Sjõgren

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Síndrome de Sjõgren
Ítalo Rufino
A síndrome de Sjõgren (SS) pode ser definida como uma doença inflamatória crônica, autoimune, de evolução lenta e progressiva, caracterizada por um infiltrado linfocitário que acomete o epitélio de glândulas exócrinas, principalmente as salivares e lacrimais, que leva a uma diminuição da produção de lágrima e saliva. Além das manifestações glandulares, apresenta manifestações extraglandulares que permitem classifica-la como uma doença sistêmica.
É a segunda doença reumática autoimune mais frequente. Acomete principalmente mulheres, entre a 5° e a 6° décadas de vida, com distribuição universal.
Pode ocorrer isoladamente (Síndrome de Sjõgren primária) ou em associação a outras doenças autoimunes como a artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, polimiosite, doença mista do tecido conjuntivo, tireoidite de Hashimoto, cirrose biliar primária e hepatite autoimune. As mais frequentemente associadas são o lúpus eritematoso sistêmico e a artrite reumatoide em cerca de 15% dos pacientes, podendo chegar a 30% em algumas amostras.
Manifestações Clínicas Glandulares
O acometimento glandular leva a manifestações clínicas de secura oral (xerostomia) e ocular (xeroftalmia). Na hipossalivação ocorre aumento e alteração da flora bacteriana, favorecendo além da cárie, o aparecimento de candidíase, que pode ser resistente ao tratamento. Pacientes com xerostomia podem se queixar de sensação de secura oral, aparecimento ou rápida progressão de cáries, disfagia de transferência e condução, diminuição do paladar, sensação de queimação em mucosa oral e halitose. A mucosa pode apresentar-se mais fina, avermelhada, dolorosa e com hipersensibilidade a alimentos picantes e ácidos. É comum também haver secura de vias aéreas e faringe.
A integridade da função lacrimal depende das glândulas lacrimais, das pálpebras e da superfície ocular (córnea, conjuntiva, glândulas meibomianas). A lágrima no olho seco por deficiência de produção, como acontece na SS, é hiperosmolar e por isto estimula a cascata da inflamação na superfície ocular. Pacientes com xeroftalmia podem apresentar prurido, hiperemia, irritação, sensação de corpo estranho, sensação de secura, lacrimejamento (reflexo, em fase mais inicial), embaçamento visual e diminuição da acuidade. A irritação crônica e destruição do epitélio conjuntival bulbar e corneano caracterizam a ceratoconjuntivite seca. 
*A secura pode ocorrer em outras sistemas ou órgãos, como respiratório, geniturinário e pele. 
Manifestações Sistêmicas
Mais da metade dos pacientes apresentam manifestações sistêmicas em algum momento e cerca de 30% estão com atividade da doença presente, incluindo sintomas constitucionais inespecíficos como fadiga, febre, perda de apetite e de peso; ou envolvendo sistemas específicos como articulações, pele, nervo periférico, rins, músculos, SNC, digestório, respiratório e linfo-hematopoiético. Nesses sistemas e órgãos-alvo, diversas manifestações clínicas podem surgir. 
As manifestações cutâneas mais frequentes são Raynaud (30%), púrpura e vasculite urticariforme. A púrpura é mais frequente em MMII e está associada aos casos com acentuada hipergamaglobulinemia e altos níveis de fator reumatoide.
Os sintomas musculoesqueléticos mais frequentes são mialgia e fadiga, que acometem 50% dos pacientes. A doença articular é comum na SS primária e é tipicamente uma poliartrite ou poliartralgia inflamatória em 30% a 50% dos pacientes, podendo ser simétrica ou assimétrica.
Os pacientes têm envolvimento pulmonar insidioso. A tomografia pulmonar de alta resolução pode mostrar, em até 30% dos casos, pacientes com SS e doença pulmonar subclínica. Quando manifesto, traduz-se habitualmente por tosse seca, que pode ser devida à xerotraqueia e ao acometimento de vias áreas.
Pacientes com SS podem ter envolvimento em qualquer segmento do trato gastrintestinal. A frequência de dismotilidade esofagiana varia de 36% a 90%. Pode-se observar síndrome de má absorção devido a infiltrado linfocítico de jejuno, disfagia, hepatite e pancreatite.
A doença neurológica está entre as manifestações sistêmicas mais comuns da SS e pode afetar tanto o sistema nervoso central quanto o periférico. Neuropatia periférica pode ser vista em até 30% dos pacientes com SS primária. Em relação ao sistema nervoso central, ocorrem lesões que podem assemelhar-se à esclerose múltipla, além de vasculite, meningoencefalite, mielite transversa, que podem manifestar-se como rebaixamento do nível de consciência, déficit sensorial e motor, disfunção cognitiva, convulsões e paraparesia.
Estudo recente de metanálise mostrou que pacientes com SS possuem risco aumentado para neoplasias em geral, especialmente câncer de tireoide, mieloma múltiplo e linfoma não Hodgkin (LNH).
Etiofisiopatogênese
Há susceptibilidade genética para o desenvolvimento da SS, pois observa-se maior agregação familiar. Familiares de indivíduos com SS tem maior frequência de SS e de outras doenças autoimunes.
A SS parece ser desencadeada por fatores ambientais como infecção viral ou hipoestrogenismo, que causam apoptose celular e ativam as células epiteliais das glândulas salivares, as quais passam a expressar molécula de MHC II. Como consequência em pacientes geneticamente susceptíveis, as células dendríticas são ativadas e passam a produzir citocinas inflamatórias, incluindo o INF-α, o qual estimula a produção de fator de ativação de células B (BAFF), que, junto com a apresentação de autoantígenos das células epiteliais, estimulam a resposta imune adaptativa. O BAFF tem papel importante na maturação e diferenciação dessas células na SS, permitindo um mecanismo de escape da apoptose pelas células B autoreativas. 
Autoanticorpos 
Os anticorpos característicos da SS são o Anti-SS-B/La (encontrado em cerca de 15%-40%) e anti-SS-A/Ro, em cerca de 30%-60% dos casos de SS primária. Esses autoanticorpos, embora sejam marcadores de doença, não são específicos da SS, pois podem ser encontrados em pacientes com LES sem nenhuma evidência de síndrome seca. Ainda assim, os anticorpos anti-SS-A/Ro e anti-SS-B/La têm especificidade e sensibilidade moderadas, apresentando utilidade na definição diagnóstica da enfermidade em conjunto com outros critérios.
A presença dos autoanticorpos anti-SS-A/Ro também se relaciona à presença de manifestações extraglandulares como linfadenopatia, esplenomegalia e vasculites. Esses anticorpos podem ser rastreados pelo fator antinúcleo (FAN).
Alguns anticorpos órgão-específicos, embora não sejam os mais frequentes, podem ocorrer nas formas primárias e secundárias da doença. Anticorpos antitireoglobulina, antimicrossomo tiroidiano e antimitocôndria ocorrem mais na SS primária; antiepitélios da glândula salivar são mais comuns nas formas secundárias; anticélula parietal gástrica, antimúsculo liso e anti-hemácia são igualmente frequentes em ambas as formas.
Análise Histológica
A análise histopatológica das glândulas salivares menores submucosas do lábio inferior é uma importante ferramenta de diagnóstico da SS, pois são de fácil acesso e refletem o processo patológico das glândulas principais.
A principal característica patológica da SS é o infiltrado linfocítico focal, que consiste em agregados de linfócitos, começando ao redor dos duetos, espalhando-se e envolvendo o lóbulo inteiro das glândulas salivares.
Há destruição progressiva das células epiteliais pelo infiltrado linfocitário, dilatação e distorção dos duetos, levando à substituição do tecido glandular por células mononucleares, e cronicamente à atrofia acinar e à substituição gordurosa dos ácinos. Embora alguns lóbulos sejam completamente destruídos, a arquitetura pode estar preservada, com outros lóbulos intactos e aparentemente normais. A maioria dos linfócitos do infiltrado linfoplasmocitário é representada por células T, mas 10%-20% dos linfócitos infiltrantes são células B. Dentre as células T, a maioria é representada por células T CD4+, que constituem 60%-70% dos linfócitos infiltrantes, enquanto as células T CD8+ representam apenas 10%-20%da população linfocitária.
Algumas vezes podem ser observadas estruturas linfoides que se assemelham a centros germinativos (CGs) existentes em folículos primários de órgãos linfoides secundários. Esses CGs em glândulas salivares menores de pacientes com SS são formados por grandes agregados de células B, células Te densas populações de células proliferativas próximas a células dendríticas foliculares.
Diagnóstico
É uma doença subdiagnosticada, em parte pela diversidade e falta de especificidade dos sinais e sintomas, nem sempre concomitantes, baixa prevalência de autoanticorpos e não inclusão de manifestações sistêmicas nos critérios de classificação da doença. Consequentemente, o intervalo entre o início dos sintomas da SS e seu diagnóstico é frequentemente longo e demora em média dez anos.
*É frequente o diagnóstico da manifestação visceral anteceder o diagnóstico da doença.
Os testes confirmatórios de disfunção glandular são úteis no diagnóstico e para dimensionar o impacto da doença. Os testes mais difundidos e de fácil realização sem necessidade do especialista são o teste de Schirmer e a medida de fluxo salivar total não estimulado.
O teste de Schirmer é realizado por meio de papel de filtro milimetrado colocado na conjuntiva bulhar por 5 minutos. Outras medidas são o tempo de ruptura do filme lacrimal (break Up Test [BUT]) e a coloração com fluoresceína e lisamina verde. Recentemente, foi proposto pelo Colégio Americano de Reumatologia, a avaliação do olho seco por um escore (Ocular Staining Score [OSS]) que pontua 0-12 a coloração da conjuntiva nasal e temporal pela lisamina verde, e a coloração da córnea pela fluoresceína. É classificado como olho seco moderado a grave e relevante para o diagnóstico de SS quando o teste de Schirmer é ≤ 5 mm, o BUT é ≤ 5 segundos e o OSS ≥ 3.
A redução do débito salivar pode ser atestada pela medição de saliva em um intervalo de 15 minutos. O volume total é pesado em balança de precisão, considerando que 1 mg equivale a 1 mL. Fluxo salivar total não estimulado ≤ 1,5 mL/ 15 min é relevante para o diagnóstico de SS.
A análise histopatológica da glândula salivar menor através de biópsia em mucosa labial é considerada o padrão ouro para o diagnóstico da doença. Considera-se sugestivo de SS quando há a presença de 1 ou mais focus-score. O focus-score é um infiltrado linfocitário com mais de 50 células mononucleares em uma área de 4 mm², na ausência de outras doenças que possam causar sialoadenite semelhante.
Um novo critério classificatório para SS foi proposto e validado recentemente pelo Colégio Americano de Reumatologia, com sensibilidade de 92,5% e especificidade de 95,4%. E um critério mais simples que inclui somente parâmetros objetivos como autoanticorpos, teste ocular e biópsia de glândula salivar menor, e sua utilização tem sido discutida internacionalmente, de forma que ainda não há um consenso em usá-lo em substituição ao critério de 2002.
Critérios de Classificação da Síndrome de Sjõgren propostos pelo Colégio Americano de Reumatologia em 2012
Estes critérios se aplicam a indivíduos com sinais/sintomas que podem ser sugestivos de SS São classificados como SS pacientes que apresentarem pelo menos 2 entre os 3 seguintes critérios objetivos:
1. Presença de anti-SSA-Ro e/ou anti-SSB-La ou fator reumatoide positivo e ANA título > 1 :320
2. Sialadenite linfocítica focal com presença de focus/score > 1 focus/ 4 mm2
3. Ceratoconjutivite seca com escore de coloração ocular com > 3 (válido para pacientes que não estejam em uso de colírio para glaucoma e não tenham sido submetidos a cirurgia em córnea ou estética de pálpebras nos últimos 5 anos).
Os seguintes diagnósticos devem ser excluídos:
· História de radioterapia de cabeça e pescoço
· Hepatite C
· Síndrome de Imunodeficiência Adquirida
· Sarcoidose
· Amiloidose
· Doença de enxerto versus hospedeiro
· Síndrome de Hiper-lgG4
Para otimizar o diagnóstico, deve-se fazer busca ativa de sintomas de secura, especialmente quando em investigação de doença reumática, solicitar testes de disfunção lacrimal e salivar, e suspeitar de SS em pacientes com manifestações extraglandulares, como acidose tubular renal, neuropatia periférica com predomínio sensitivo, doença de vias aéreas e pulmonar intersticial. Deve-se suspeitar de SS em pacientes com fator reumatoide, especialmente concomitante ao FAN positivo. Deve-se investigar com biópsia todos os casos suspeitos com anticorpo negativo ou com critérios incompletos, inclusive aqueles com diagnóstico pregresso de doença reumática, pois poderá ser uma SS associada ou com diagnóstico diferencial difícil com SS primária.
A atividade da doença autoimune sistêmica pode ocorrer de forma disseminada, com ativação de vários órgãos ou sistemas ao mesmo tempo, o que, em geral, leva a uma forma mais grave da doença. Também pode manifestar-se com ativação em apenas um órgão, sem relação direta com os outros sistemas, como na SS. Entretanto, a ativação intensa de apenas um órgão pode ser o bastante para levar à perda do mesmo ou da vida do paciente e, dessa forma, instrumentos de atividade devem abranger aspectos que assimilem o maior número possível de manifestações clínicas da doença.
Tratamento
Orientações Gerais
Tratamento dos Sintomas de Secura
Embora promovam alívio temporário dos sintomas, o uso de substitutos (saliva e lágrima artificiais) e secretagogos (pilocarpina, cevimelina e N-acetilcisteína) são importantes para o manuseio da síndrome seca.
Além dessas medidas, a abordagem da xeroftalmia engloba, ainda, colírios lubrificantes, oclusão do ponto lacrimal e uso de drogas imunomoduladoras como ciclosporina tópica e suplementação oral com ômega 3 (óleo de linhaça, por exemplo).
A N-acetilcisteína pode ser usada como opção nos pacientes com intolerância aos agonistas muscarínicos e para outras queixas de secura como vagina e pele seca.
O rituximabe foi testado em 2 ensaios clínicos e tem benefício sobre a fadiga, a secura e a dor e pode reduzir o infiltrado inflamatório glandular.
Tratamento das Manifestações Sistêmicas
Apesar de avanços no entendimento da fisiopatogênese da doença, o tratamento de pacientes com SS é primariamente paliativo e direcionado especialmente aos sintomas de secura. Drogas imunomoduladoras são usadas empiricamente nas manifestações sistêmicas, pois não existe bom nível de evidência para nortear o seu uso. Por uma extrapolação das evidências em artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico e com base em relatos de casos, casos-controle e estudos não controlados, recomenda-se o uso de hidroxicloroquina e metotrexate para o controle das manifestações articulares. Corticoide e anti-inflamatórios não esteroides podem ser úteis no controle sintomático.
Pacientes com doença glomerular, doença pulmonar grave, acometimento de sistema nervoso central, mononeurite múltipla tem indicação de pulsoterapia com ciclofosfamida, associada ou não à metilprednisolona.

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