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MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 1 Púrpura Trombocitopênica Plaquetopenia que assusta! C.R.V., 3 anos, sexo masculino, é encaminhado ao pediatra com história de aparecimento de equimoses em todo corpo há 3 dias. A mãe refere surgimento de novas equimoses durante a noite e episódio de epistaxe esponta ̂nea há 6 horas. Informa que a crianc ̧a teve quadro recente de virose e que tinha melhorado há cerca de 1 semana. Nega alergia medicamentosa, uso de medicamentos contínuos, cirurgias prévias e outras comorbidades. Ao exame físico: BEG, BNRNF, MVF, Abdome livre, sem visceromegalia e sem massa palpáveis, ause ̂ncia de linfadenopatia, presenc ̧a de equimoses e petéquias em todo corpo não redutíveis à digito pressão. Solicitado hemograma que mostrou: Hb 11,5g/dl, HT 34 VCM 79 HCM 29 CHCM 30 GL 7.000 (B1 S58 E2 L35 M4%), contagem de plaquetas 15.000. É realizado mielograma que mostra hiperplasia megacariocítica, sem outras alterac ̧ões. Iniciado corticóide oral, é orientado a evitar antiinflamatórios não hormonais e situac ̧ões de risco de trauma. Após 1 me ̂s de tratamento, a crianc ̧a não apresenta petéquias e a contagem de plaquetas era de 50.000. INTRODUÇÃO A Púrpura corresponde a uma doenc ̧a que pode ser causada pela ruptura dos capilares (pequenos vasos do sistema circulatório) ou por um distúrbio plaquetário. A ruptura dos capilares geralmente é ocasionada por traumatismos na pele ou mucosas, gerando o aparecimento das famosas petéquias ou equimoses. O motivo dessa fragilidade compreende causas alérgicas, hormonais e genéticas, assim como deficie ̂ncia de vitamina C e envelhecimento (purpura senil). O distúrbio das plaquetas pode ser quantitativo (diminuic ̧ão do número normal) quanto qualitativo (modificac ̧ão nas estruturas). A trombocitopenia ocorre quando o paciente apresenta uma quantidade de plaquetas no sangue abaixo do normal. Isso pode ocorrer por tre ̂s razões: plaquetas se decompõem em excesso na corrente sanguínea; grande quantidade de plaquetas se decompões no bac ̧o ou fígado, ou a medula óssea não produz plaquetas suficientes. Há também a relac ̧ão da trombocitopenia com outras condic ̧ões de saúde que causam o aumento da decomposic ̧ão das plaquetas no corpo. São elas: trombocitopenia imune induzida por drogas; trombocitopenia não imune induzida por drogas; púrpura trombocitope ̂nica trombótica; púrpura trombocitope ̂nica imune (PTI); coagulação intravascular disseminada (CID) e hiperesplenismo (destruição acelerada das células sanguíneas pelo bac ̧o). PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA/ IDIOPÁTICA É uma doença hematológica frequente, que se caracteriza pela produção de autoanticorpos dirigidos contra proteínas da membrana plaquetária, principalmente os complexos GPIIb-IIIa, GPIb-IX e GPIa-IIa, o que leva à sensibilização das plaquetas que são fagocitadas por ma- crófagos do sistema macrofágico, por meio de seus recep- tores para a fração constante da imunoglobulina associada à plaqueta; Definida por trombocitopenia isolada, podendo ser aguda, mais frequente em crianças, ou cro ̂nica, quando persiste por mais de 12 meses, típica do adulto. Pode ser MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 2 desencadeada por uma infecc ̧ão viral ou outro gatilho imunológico ou ambiental. A PTI era anteriormente conhecida como púrpura trombocitopenica idiopática, mas atualmente o termo mais adequado para nomear esta entidade clínica é trombocitopenia imune. Com base no comportamento clínico e na resposta ao tratamento podem ser definidos tre ̂s tipos distintos de PTI: a PTI clássica ou autoimune cro ̂nica, que afeta pacientes entre a terceira e quarta décadas de vida, predominantemente do sexo feminino, e que não está associada a infecc ̧ão prévia, e que apresenta curso cro ̂nico e geralmente benigno; a PTI chamada aguda, que tem maior incide ̂ncia na infa ̂ncia, afeta igualmente ambos os sexos, e quase sempre é precedida de infecc ̧ão viral ou vacinac ̧ão. Esta tem curso limitado e não é recorrente; e a PTI associada a outras doenc ̧as, geralmente de natureza autoimune ou neoplásica, caracterizadas por distúrbio do sistema imunológico − o curso desse tipo de PTI é semelhante ao da PTI cro ̂nica clássica; as doenças mais comumente associadas são o lúpus eritematoso disseminado, doenc ̧as autoimunes da tireoide, doenc ̧as linfoproliferativas, infecc ̧ão pelo vírus da Imunodeficie ̂ncia Humana (HIV), após radio ou quimioterapia e após transplante de medula óssea. EPIDEMIOLOGIA No geral, a incide ̂ncia de PTI varia de 2 a 4 casos por 100.000 pessoas/ano, com dois picos em adultos: um entre 20 e 30 anos com uma discreta pre- domina ̂ncia feminina e maior após os 60 anos, com distribuic ̧ão igual entre os sexos. Embora alguns pacientes tenham um episódio de PTI seguido de uma remissão imediata, a PTI cro ̂- nica se desenvolve em até 70% dos adultos com essa condic ̧ão. Já em crianc ̧as é uma das causas mais comuns de trombocitopenia sintomá- tica. A incide ̂ncia anual de PTI na in- fa ̂ncia é estimada entre 1 e 6,4 casos por 100.000 crianc ̧as. Crianc ̧as com PTI podem se apresentar em qual- quer idade, mas há um pico de incide ̂ncia entre dois e cinco anos, um pico menor na adolesce ̂ncia. Na PTI infantil, há uma ligeira predomina ̂ncia de meninos para meninas, especial- mente em bebe ̂s. Por outro lado, há uma predomina ̂ncia feminina de PTI em adolescentes e adultos mais jovens (por exemplo, 18 a 45 anos de idade). A hipótese para explicar a predomina ̂ncia feminina em adolescentes é que níveis mais altos de estroge ̂nio podem promover autoimunidade. PATOGÊNESE Na PTI, os autoanticorpos (geralmente imunoglobulina G, IgG) são direcionados contra antígenos da membrana plaquetária, como o complexo glicoproteína (GP) IIb/IIIa. As plaquetas revestidas com anticorpo te ̂m uma meia vida reduzida devido à depurac ̧ão acelerada por macrófagos teciduais, predominantemente no bac ̧o. Além disso, os mesmos anticorpos podem inibir a produc ̧ão de plaquetas Os autoanticorpos também podem induzir a destruição de plaquetas mediada por complemento, bem como inibir função dos megacariócitos. No entanto, os anticorpos antiplaquetários não são detectados em até 50% dos pacientes; isso levanta a possibilidade de mecanismosalternativos de destruic ̧ão de plaquetas. Foram descritas o Th17 e uma reduc ̧ão nos números e função das células T reguladoras, que poderiam dirigir o processo autoimune. Porém, a fisiopatologia da PTI é MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 3 complexa e permanece incompletamente compreendida até os dias atuais. EM RESUMO: está relacionada à combinac ̧ão entre a destruic ̧ão das plaquetas e a inibic ̧ão de sua produc ̧ão. A destruic ̧ão plaquetária ocorre no sistema retículo- endotelial, principalmente no bac ̧o, sendo que na maioria dos casos é determinada pela produc ̧ão de IgG pelos linfócitos B. Múltiplos antígenos na superfície plaquetária parecem ser responsáveis pela ligac ̧ão com anticorpos, especialmente a glicoproteína IIb/ IIIa e a Ib/IX. Os autoanticorpos que promovem a destruic ̧ão das plaquetas estão presentes em 50 a 70% dos pacientes, o que indica outro mecanismo de destruic ̧ão dessas células a ser descoberto. Assim sendo, certos anticorpos antiplaquetários reagem apenas a megacariócitos que se encontram em estado de trombocitopoese. A trombopoetina endógena (TPO), hormo ̂nio que controla o desenvolvimento dos megacariócitos e produc ̧ão das plaquetas, encontra-se aumentada em casos de plaquetopenia, porém somente discreto aumento pode ser encontrado na PTI. Sua etiologia não é certa, incluindo infecc ̧ões virais nas quais os anticorpos antivirais promovem reac ̧ão cruzada com as glicoproteínas plaquetárias. Alterações e anormalidades na resposta imune podem levar à produc ̧ão de autoanticorpos ea outras síndromes autoimunes que cursam com trombocitopenia. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Muitos pacientes com ITP são assintomáticos. Para quem tem sintomas, estes são principalmente relacionados a trombocitopenia e sangramento, mas os pacientes também podem sentir algum grau de fadiga. As ma- nifestações clínicas de plaquetopenia são aquelas características de alterac ̧ão da hemostasia primária, por- tanto, os pacientes apresentam-se com acometimento cuta ̂neo mucoso. Como o sangramento geralmente ocorre na pele ou nas mucosas, o padrão às vezes é referido como sangramento “tipo plaquetário”. Os sinais típicos são petéquias (principalmente em membros inferiores) e equimoses esponta ̂neas. Os sintomas de epistaxe, gengivorragia e hipermenorragia ou metrorragia são comuns, enquanto sangramento de TGI, hemorragia conjuntival e hematúria macroscópica são mais raros. Na PTI não há evide ̂ncia de outros sinais e sintomas de acometimento siste ̂mico. Algumas vezes, o quadro clínico ocorre após um episódio de infecção viral, principalmente em crianças. Nos adultos, essa característica é menos frequente. Sangramento devido a trombocitopenia pode ocorrer em até dois terc ̧os dos pacientes. A gravidade é variável, variando de hemorragia grave, que é rara, e petéquias leves nas extremidades. As manifestac ̧ões clínicas ocorrem habitualmente naqueles indivíduos com contagem pla- quetária inferior a 30 mil/mm3, sendo mais evidentes e graves em níveis plaquetários inferiores a 10 mil pla- quetas/mm3, ou quando há uma reduc ̧ão abrupta da plaquetometria. Isso ocorre porque as plaquetas circulan- tes nos pacientes com PTI são mais jovens e com maior poder hemostático. As manifestações clínicas nesses indivíduos são menos graves quando comparadas a pacientes com plaquetopenia equivalente, porém com etiologia alternativa, como aquelas secundárias à insuficie ̂ncia medular (p. ex., na aplasia de medula óssea idiopática ou induzida por quimioterapia). MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 4 Epistaxe mínima, como observada apenas com assoar o nariz, é comum e pode não ser clinicamente importante. Epistaxe contínua que requer intervenc ̧ão com tamponamento nasal ou cauterizac ̧ão pode ser preditivo de maior risco de um sangramento mais sério! Em contraste com os achados mais comuns de petéquias e púrpura, uma hemorragia mais grave, como hemorragia intracraniana (HIC), sangramento gastrointestinal, sangramento menstrual grave e hematúria são bastante incomuns. A fadiga é um sintoma comum entre pacientes com PTI. Frequentemente correlaciona-se com trombocitopenia, mas pode ocorrer mesmo quando a contagem de plaquetas é apenas levemente reduzida. As causas da fa- diga na PTI não são bem conhecidas. Alguns estudos sugerem que fatores contribuintes podem incluir condic ̧ões e comorbidades associadas (por exemplo, lúpus siste ̂mico eritematoso [LES], hipotireoidismo), restrições de atividade, efeitos adversos de terapias médicas (por exemplo, distúrbios do sono causados por gli- cocorticoides), idade mais avanc ̧ada, maior nível de estresse, disfunc ̧ão autono ̂mica, e/ou efeitos adversos causados por citocinas pró-inflamatórias. OBS: PETÉQUIAS - SÃO LESÕES PLANAS, VERMELHAS E DISCRETAS QUE NÃO SE EMBRANQUECEM SOB PRESSÃO; MENORES QUE 5MM ESTAS OCORREM FREQUENTE- MENTE EM ÁREAS DEPENDENTES DO CORPO (PERNAS EM PACIENTES AMBULATO- RIAIS; ÁREA SACRAL EM PACIENTES ACAMADOS). PÚRPURA - REFERE-SE A UMA LESÃO CAUSADA POR COALESCÊNCIA DE PETÉQUIAS, MAIORES QUE 5MM. PÚRPURA NA PELE, ÀS VEZES É CHAMADA DE PÚRPURA “SECA” (EM CONTRASTE COM A PÚRPURA “ÚMIDA” NAS MUCOSAS), NÃO É CONSIDERADA UM PREDITOR DE MAIS SANGRAMENTOS GRAVES. A PÚRPURA CAUSADA POR TROMBOCITOPENIA NÃO É PALPÁVEL E GERALMENTE OCORRE EM ÁREAS DEPENDENTES DO CORPO. Em crianc ̧as há uma classificac ̧ão das manifestações hemorrágicas da PTI segundo a tabela: MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 5 EM RESUMO: a PTI trata-se de uma desordem primária da fase plaquetária da hemostasia, portanto, sua sintomatologia decorre principalmente de hemorragia cuta ̂nea, especialmente púrpura (petéquias, sufusões, equi- moses), ocorrendo, comumente, gengivorragia e menorragia e, raramente, hemorragia digestiva, he- matúria, sangramentos intracranianos e outros sangramentos fatais. A hemorragia fatal ocorre em 5% dos casos e decorre principalmente de metrorragia (16,5% dos casos). A sintomatologia surge comumente de forma insidiosa. Sua gravidade depende da intensidade da plaquetopenia, da idade do paciente e de outras comorbidades. Possui a tende ̂ncia da púrpura a se loca- lizar nos tornozelos e pés. Nas crianc ̧as é comum o aparecimento das púrpuras algumas semanas após a descric ̧ão de infecc ̧ão aguda, viral ou bacteriana. OBS: O PACIENTE PODE SER COMPLETAMENTE ASSINTOMÁTICO, SENDO O ÚNICO INDICATIVO DA DOENC ̧A ALTERAC ̧ÃO NA CONTAGEM DAS PLAQUETAS. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de PTI é baseado no quadro clínico que, na maioria das vezes, consiste na instalac ̧ão abrupta de san- gramento cuta ̂neo, com petéquias e equimoses, podendo se acompanhar de sangramento mucoso, com epistaxe, gen- givorragia, menorragia, hematúria, sangramento em trato gastrintestinal e até em sistema nervoso central. O exame físico mostra apenas o quadro purpúrico. A ocorre ̂ncia de esplenomegalia deve fazer pensar em outro diagnóstico, mas pode ser observada em crianças em associac ̧ão ao quadro infeccioso que precede a PTI. O hemograma mostra intensa trombocitopenia, usual- mente menor do que 5.000/μL, com prolongamento importante do tempo de sangramento. Pode ocorrer leu- cocitose com neutrofilia com atipia linfocitária nos casos associados a infecc ̧ão viral. Pode haver anemia por hemor- ragia, mas não é a regra, além de anemia hemolítica au- toimune associada − a síndrome de Evans. O mielograma mostra a presenc ̧a de número normal ou aumentado de megacariócitos. Em muitos casos é dispensável a realização de mielograma, mas ele é fundamental em pacientes com suspeita de outras doenças, especialmente pacientes idosos, com possibilidade de apresentarem mielodisplasia. A determinac ̧ão direta ou indireta da presença de autoan- ticorpos contra proteínas da membrana plaquetária não é obrigatória para o diagnóstico, mas ocorre em cerca de 70 a 80% dos casos, geralmente dirigidos contra as glicoproteínas IIb/IIa e Ib/IX. A medida de imunoglobulina associada à plaqueta tem valor discutível, pois está elevada também em trombocitopenias de origem não imunológica. Os antígenos plaquetários do sistema HPA estão distribuídos nas glicoproteínas da membrana plaquetária. A freque ̂ncia de alelos HPA-2 parece ser diferente em pacientes com PTI e indiví- duos normais, com maior freque ̂ncia do alelo HPA-2a em pacientes com PTI, sugerindo que ele esteja envolvido na formação dos autoanticorpos nesses pacientes. PTI é definida como uma contagem de plaquetas abaixo de 100.000/ mm3 em pacientes nos quais outras causas de trombocitopenia foram AFASTADAS. História clínica, incluindo avaliação de uso de drogas, exame físico e hemograma completo, são importantes para descartar outras cau- sas de trombocitopenia e avaliar se há causas secundárias de PTI. Os únicos testes recomendáveis para os pacientes com suspeita clínica de PTI são: • Anti-HIV e anti-HCV em pacientes que tenham fatores de risco associados; • Provas de func ̧ão tireoidiana para exclusão de hipertireoidismo e/ou hipotireoidismo não manifestados clinicamente, previamente a esplenectomia eletiva; • Mielograma em pacientes com mais de 60 anos, para descartar síndrome mielodisplásica, e nos menores de 18, para exclusão de leucemias agudas (também deve ser realizado em pacientes não responsivos a terapia e previa- mente a esplenectomia, com o objetivo de reavaliac ̧ão/confirmac ̧ão do diagnósticoinicial de PTI). MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 6 O diagnóstico de PTI é de exclusão de outras doenc ̧as mais graves como leucemias, linfomas e síndromes mielodisplásticos, realizado com base na história clínica e no exame físico, além de hemograma completo, com presenc ̧a de trombocitopenia e plaquetas macrocíticas (VPM aumentado), e esfregac ̧o de sangue periférico. No esfregac ̧o deve-se observar se há presenc ̧a de esferócitos, eritrócitos fragmentados, policromatocitose (variac ̧ão de cores nas hemácias), linfócitos atípicos, blastos, células linfomatosas e depósitos de crioglobulina. Testes para HIV e HCV (Hepatite C) são indispensáveis para exclusão das mesmas. O aspirado e biópsia da medula óssea são realizados para excluir outras causas de trombocitopenia. Os megacariócitos (células precursoras das plaquetas) se apresentam aumentadas, porem com morfologia normal. Em idosos, deve-se considerar as síndromes mielodisplásticos, doenc ̧a primaria da medula óssea causada por hematopoiese anormal e formac ̧ão de células sanguíneas displásticas, pois a trombocitopenia pode preceder todas as outras manifestac ̧ões da doença, por meses ou anos. Por ser um diagnóstico de exclusão, é prematuro confirmar ou excluir o diagnóstico através da medic ̧ão do título de anticorpos anti- plaquetários. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL TRATAMENTO O tratamento da PTI inclui o uso de corticoide e a esplenectomia, e o uso de imunoglobulina intravenosa em alta dose. Os casos resistentes a esses tratamen- tos recebem tratamentos alternativos que incluem agentes imunossupressores tais como azatioprina, ciclofosfamida e alcaloides da vinca, ou outros medicamentos como o danazol. O objetivo do tratamento deve ser a resoluc ̧ão do qua- dro hemorrágico e a elevac ̧ão da contagem de plaquetas, não necessariamente para níveis normais. Pacientes com sangramento e plaquetas abaixo de 20.000/μL devem ser hospitalizados. Uma contagem de plaquetas acima de 25.000/L geralmente não se associa a sangramento e o paciente pode apresentar tempo de sangramento normal. Não se visa à normalização da contagem de plaquetas, mas sim tratar pacientes sintomáticos, com sangramento cuta ̂neo-mucoso que, em geral, apresentam contagem de MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 7 plaquetas abaixo de 30.000/μL. Não se deve tratar pa- cientes assintomáticos, mesmo com plaquetas abaixo de 50.000/L, considerando-se que a PTI é uma doença be- nigna e de curso cro ̂nico CORTICOIDES O tratamento inicial da PTI é a prednisona na dose de 1 a 2 mg/kg/dia. Na maioria dos casos existe reposta inicial, com melhora do quadro hemorrágico, encurtamento significante do tempo de sangramento, sendo mais lenta a elevac ̧ão da contagem de plaquetas. A dose deve ser reduzida gradual e lentamente à medida que se obtém elevac ̧ão da contagem de plaquetas. A resposta a esse tratamento ocorre dentro de 4 a 6 semanas, isto é, se não houver resposta nesse período, é inútil insistir nessa modalidade de tratamento por mais tem- po. Os efeitos colaterais da corticoterapia incluem o ganho de peso, com facies cushingoide, o aparecimento de acne e de estrias, que podem ser problema estético grave, o apareci- mento de diabetes melito, que deve ser controlado, hiperten- são arterial, osteoporose, que pode ser importante em alguns pacientes, inso ̂nia e psicose. Alguns pacientes apresentam dores musculares e astenia intensa quando da suspensão da droga, mesmo que de maneira progressiva. O efeito do corticoide envolve vários mecanismos de ação: 1) a resposta imediata deve depender do bloqueio da capacidade macrofágica do sistema reticuloendotelial; 2) reduc ̧ão da síntese do autoanticorpo, e 3) aumento da pro- duc ̧ão de plaquetas na medula óssea, provavelmente por interferir na ligac ̧ão do anticorpo a megacariócitos. Não há vantagem claramente demonstrada com o uso de outras pre- parac ̧ões de corticoide, tais como metilprednisolona em pulsoterapia ou dexametasona, e parece haver efeitos colaterais mais intensos. Alguns autores preconizam o uso de dexame- tasona em alta dose, em pequenos cursos mensais, como tra- tamento de manutenc ̧ão em pacientes refratários, isto é, com trombocitopenia associada a sangramento cuta ̂neo- mucoso. Esse tipo de administrac ̧ão de corticosteroides reduziria os efeitos colaterais e seria útil para postergar a esplenectomia, especialmente em crianc ̧as. IMUNOGLOBULINA A dose preconizada varia de 400 a 1.000 mg/kg/ dia durante 2 a 5 dias consecutivos. A resposta imediata é boa em 70 a 90% dos casos, mas também na maioria deles ela é transitória, o que torna esse tipo de tratamento útil apenas no manejo do sangramento grave e na preparação do paciente para procedimentos cirúrgicos. A droga deve ser administrada por infusão por veia pe- riférica, em ambiente hospitalar, devido ao risco de reações adversas, que incluem: cefaleia, febre, tremores, náuseas, vo ̂mitos e até reac ̧ões graves como anafilaxia e meningite asséptica.11 Pacientes idosos, diabéticos ou com alteração renal prévia podem apresentar insuficie ̂ncia renal aguda após a infusão de Ig IV, decorrente de lesão tubular associa- da à sacarose presente em algumas preparac ̧ões de IgIV. O mecanismo de ac ̧ão envolve: 1) bloqueio dos recep- tores para frac ̧ão constante da molécula de imunoglobulina em macrófagos, com reduc ̧ão da destruição de plaquetas; 2) interac ̧ão de anticorpos anti-idiotípicos presentes nas preparac ̧ões de imunoglobulinas, que são obtidas de pool de até 15.000 doadores, com os autoanticorpos responsá- veis pelo quadro de PTI, reduzindo sua síntese. Este último efeito poderia ser o responsável pelas remissões a longo prazo observadas em alguns pacientes após administração da imunoglobulina intravenosa. O uso de imunoglobulina anti-D é eficaz em pacientes Rh positivos (D+), e atua por cobrir as hemácias dos pa- cientes com o anticorpo, induzindo a fagocitose pelo siste- ma reticuloendotelial e o bloqueio do sistema. Entretanto, a preparac ̧ão de imunoglobulina anti-D para uso IV não está disponível na maioria dos países, e sua eficácia parece menor que a da imunoglobulina intravenosa. ESPLENECTOMIA A esplenectomia é a alternativa terape ̂utica reservada para pacientes refratários ao corticoide, isto é, que mante ̂m trombocitopenia abaixo de 20.000/L com sangramento. Essa modalidade de tratamento é a que apresenta o melhor índice de resposta favorável, ou seja, em torno de 70% a longo prazo. O efeito da esplenectomia é imediato e está relacionado à retirada do principal local de MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 8 fagocitose das plaquetas sensibilizadas, e, secundariamente, existe também reduc ̧ão da produc ̧ão do autoanticorpo. A morbidade da cirurgia é muito baixa, menor do que 5%, tendo sido rela- tados casos de abscesso subfre ̂nico, infecc ̧ão ou trombose venosa no pós- operatório. A incide ̂ncia de sangramento é baixa, mesmo em pacientes muito plaquetope ̂nicos, o que é a regra, já que se trata de pacientes refratários ao tratamento clínico. O uso de imunoglobulina intravenosa é útil no pe- ríodo perioperatório, com baixa incide ̂ncia de efeitos cola- terais. A esplenectomia pode ser feita por via laparoscópica, o que reduz ainda mais a morbidade do procedimento, não havendo necessidade de hospitalizac ̧ão prolongada. Entre- tanto, o procedimento pode não ter sucesso e a laparotomia tem de ser realizada, por isto o paciente deve ser preparado no pré-operatório como para a esplenectomia habitual. A ocorre ̂ncia de septicemia pós-esplenectomia é temida também nos pacientes com PTI, embora seja mais rara do que em outras doenc ̧as, especialmente neoplasias. A vaci- nac ̧ão contra pneumococos e hemófilos deve ser feita e a profilaxia com antibióticos é preconizada em crianças. Em pacientesque recaem longo tempo após boa resposta à es- plenectomia deve ser investigada a presença de baço aces- sório, cuja retirada está associada a nova remissão. O desenvolvimento da técnica operatória permitiu a realizac ̧ão de esplenectomia por via laparoscópica, o que reduz o tempo de internac ̧ão do paciente e as complicac ̧ões associadas à laparotomia. OUTROS TRATAMENTOS Pacientes refratários ao corticoide e à esplenectomia e que continuam apresentando feno ̂menos hemorrágicos são difíceis de manejar, pois o uso de agentes imunossupresso- res não é eficaz na maioria dos casos, além de apresentar efeitos colaterais que podem ser importantes. Os esquemas terape ̂uticos incluem as seguintes drogas nas dosagens descritas: azatioprina (1 a 2 mg/kg/dia), ciclo- fosfamida (1 a 2 mg/kg/dia por 3 a 12 semanas), vincristina 1 a 2 mg IV por semana por 2 a 4 doses, preferencialmen- te em infusão contínua por 6 horas para permitir a ligac ̧ão das plaquetas à droga, danazol 200 mg 2 a 3 vezes ao dia por 8 a 14 semanas, colchicina 0,6 mg 3 a 4 vezes ao dia. O mecanismo de ação dessas drogas envolve basicamente a redução na produc ̧ão de anticorpos no caso dos agentes imunossupressores. Entretanto, no caso da vincristina e do danazol, o efeito principal parece ser a redução da fagocitose das plaquetas sensibilizadas. A azatioprina e a ciclofosfamida podem causar mielossupressão e risco de segunda neoplasiaa longo prazo. A vincristina pode causar neurotoxicidade. O danazol tem efeitos androge ̂nicos como ganho de peso, acne e hepatoxicidade. A colchicina pode causar diarreia, obrigan- do a suspensão do tratamento. A resposta a cada um desses agentes varia de 30 a 70% e devem ser tentadas nos pacientes refratários levando-se em considerac ̧ão os efeitos colaterais AGONISTAS DO RECEPTOR DA TROMBOPOETINA Pacientes refratários ao corticosteroide e à esplenec- tomia e que continuam apresentando feno ̂menos hemor- rágicos são difíceis de manejar, pois o uso de agentes imunossupressores não é eficaz na maioria dos casos, além de apresentar efeitos colaterais importantes. O uso de agonistas do receptor de trombopoetina, romiplostin e eltrombopag, com o objetivo de aumentar a produção de plaquetas, garantindo contagem de plaquetas em níveis mais seguros, mostra bons resultados. • � O romiplostin, de uso por via subcuta ̂nea, foi licen- ciado em 2008 com base em estudo com pacientes esplenectomizados e não esplenectomizados, em que se demonstrou elevac ̧ão sustentada da conta- gem de plaquetas ao longo de semanas, e redução da necessidade do uso de prednisona para tratamento de recaídas da doença. • � O eltrombopag, disponível para uso oral, também mostrou resultados promissores, com manutenc ̧ão da contagem de plaquetas acima de 50.000/μL com o uso contínuo da medicação. Ele se mostrou eficaz também em pacientes com PTI associada à hepatite por vírus C, inclusive permitindo que o tratamento antiviral fosse realizado adequadamente. MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 9 Efeitos colaterais potencialmente graves incluem o de- senvolvimento de fibrose de medula óssea, trombose, toxi- cidade hepática, catarata, ou formac ̧ão de anticorpos, que, ainda que raros, devem ser monitorados no uso cro ̂nico dessas drogas. PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA TROMBÓTICA A PTT, conhecida também como síndrome de Moschowitz, doenc ̧a rara que afeta tanto homens quanto mulheres, mas principalmente mulheres entre 30 a 40 anos, podendo ser adquirida ou hereditária. Ela instala-se de forma abrupta, e tem como característica a oclusão difusa de arteríolas e capilares da microcirculac ̧ão, levando a uma isquemia dos tecidos. Essa oclusão é causada por pequenos coágulos formados após agregac ̧ão plaquetária intravascular, compostos em sua maioria por plaquetas e pelo Fator von Willebrand (FvW). É uma doenc ̧a caracterizada pela presença de Microangiopa- tia Trombótica (MAT); A PTT pode ser hereditária ou adquirida, instala-se de modo abrupto e é caracterizada pela oclusão difusa de arteríolas e capilares da microcirculac ̧ão, levando à isquemia de tecidos. A oclusão é causada por microtrombos compostos basicamente de plaquetas, formados após agregação plaquetária intravascular. Este feno ̂meno resulta em um quadro de anemia hemolítica microangiopática e sintomas que incluem fraqueza e adinamia, trombocitopenia acentuada, com aparecimento de petéquias e equimoses, febre e sintomas decorrentes da isquemia dos órgãos acometidos. FATOR VON WILLEBRAND (FVW) E ADAMTS13 O FvW é uma glicoproteína multimérica. Apenas as células endoteliais e os megacariócitos sintetizam e estocam FvW, e este tem uma vida média de vinte horas. A síntese deste fator ocorre inicialmente no retículo endoplasmático, onde há a formac ̧ão de pré-dímeros do FvW ligados entre si na porc ̧ão carboxi terminal por pontes dissulfeto. Estes pré- dímeros migram para o complexo de Golgi, onde outra ponte dissulfeto se forma na porção amino- terminal resultando nos dímeros. Estes dímeros se unem posteriormente, resultando em grandes multímeros (gmFvW), que são armazenados nas células endoteliais (nos corpos de Weibel-Palade) e nas plaquetas. Os gmFvW não são encontrados no plasma de indivíduos normais, sendo sua liberac ̧ão limitada aos locais de lesão endotelial. Alguns estímulos, como dado pela histamina, fator de necrose tumoral α (TNF-α), interleucina-8 (IL-8) e interleucina-6 (IL-6) promovem a liberação dos gmFvW das células endoteliais para o plasma. O papel fisiológico do FvW inclui a adesão das plaquetas ao endotélio lesado e a participac ̧ão no processo de agregac ̧ão entre as plaquetas para formar o trombo plaquetário. Além disso, constitui a proteína carre- adora do fator VIII da coagulac ̧ão, aumentando conside- ravelmente a meia-vida plasmática desse fator. Em condic ̧ões fisiológicas, tão logo os grandes multí- meros do fvW são liberados da célula endotelial, esses são clivados e removidos da circulac ̧ão pela enzima ADAMTS13. Juntamente com o FvW, moléculas de selectina P são produzidas pelos corpos de Weibel-Palade nas células endoteliais e secretadas para a membrana dessas células, fixam na porc ̧ão transmembranar, onde os mono ̂meros de MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 10 FvW vão enfileirando-se,formando os gmFVW. As plaquetas não aderem às pequenas formas de FvW que circulam após a clivagem dos gmFvW, talvez porque a porc ̧ão ligante GPIb desse fator para a plaqueta não esteja exposta nestas pequenas formas. PATOGÊNESE Na PTT, as células endoteliais eram estimuladas de forma anormal a liberar os gmFvW e havia deficie ̂ncia de uma protease de clivagem desses multímeros. Dessa forma, os gmFvW no plasma promoveriam a agregac ̧ão intravascular das plaquetas, resultando em trombose micro- vascular e hemólise meca ̂nica, particularmente em condic ̧ões de fluxo sanguíneo caracterizado por alto shear stress, como na microcirculac ̧ão. A deficie ̂ncia qualitativa ou quantitativa de ADAMTS13, resultante da mutac ̧ão do gene responsável por sua síntese ou pela presenc ̧a de autoanticorpos inibi- tórios, doenc ̧as hepáticas (a síntese de ADAMTS13 ocorre no fígado) ou por outras etiologias, resultam no acúmulo de grandes multímeros de FvW no plasma. Na ause ̂ncia ou deficie ̂ncia desta enzima, as plaquetas circulantes aderem- se às fileiras de gmFVW ancoradas nas selectinas P, através dos receptores GPIb do FvW, e agregam-se resultando na formac ̧ão de trombos microvasculares (constituídos basica- mente de plaquetas e de gmFvW), seguido de hemólise e consumo de plaquetas. A referida protease que clivava o FVW. Os pacientes com PTT conge ̂nita eram deficientes dessa protease, enquanto os pacientes com PTT idiopática adquirida apresentavam autoanticorpos dirigidos contra a protease em questão.Posteriormente, a protease que clivao FVW foi purificada, clonada e denomina- da de ADAMTS13. Em condic ̧ões fisiológicas, os polímeros do FVW (se- cretados pelos corpúsculos de Weibel-Palade) são clivados pela protease ADAMTS13 ao ingressarem na microcircu- lac ̧ão, tornando-se multímeros progressivamente menores. Na ause ̂ncia dessa protease, a proteólise dos multímeros e polímeros não ocorre e, dessa maneira, essas extensas mo- léculas de FVW, ao passarem pela microcirculac ̧ão, onde são expostas à tensão de cisalhamento, são “desdobradas” e transformadas em formas alongadas e ativas, predispondo à agregação plaquetária e trombose. A trombose plaquetária intravascular contribui para o aumento da tensão de cisalhamento na microcirculação, o que favorece o desdo- bramento e alongamento de mais moléculas de FVW, com consequente trombose adicional. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA TROMBÓTICA CONGÊNITA OU HEREDITÁRIA A PTT conge ̂nita tem curso cro ̂nico e é caracterizada por episódios recorrentes de trombocitopenia, com ou sem isquemia de órgãos. Nesta doenc ̧a tem sido identificada MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 11 ause ̂ncia ou reduc ̧ão expressiva na atividade da ADAMTS13, o que propicia a presenc ̧a de gmFvW em concentrac ̧ões elevadas na circulac ̧ão na fase inicial da doenc ̧a.15 A alterac ̧ão da atividade da ADAMTS13 está geralmente relacionada a uma mutac ̧ão no gene desta enzima (localizada no cromossomo 9q34) e é uma condic ̧ão autosso ̂mica recessiva. Com a evolução do quadro os gmFvW e até os de tamanho normal tendem a desaparecer da circulac ̧ão e a trombo- citopenia acentua- se ainda mais. Tanto as plaquetas quanto os multímeros de FvW são consumidos nos trombos hialinos característicos da enfermidade. A presenc ̧a dos gmFvW no sangue de pacientes que sobreviveram à PTT conge ̂nita constitui uma evide ̂ncia forte de que esses terão recorre ̂ncia da doenc ̧a. A recorre ̂ncia pode ocorrer em intervalos irregulares ou regulares, como acontece geralmente com indivíduos que tiveram o primeiro episódio na infa ̂ncia. PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA TROMBÓTICA ADQUIRIDA As formas adquiridas da PTT são classificadas em formas imunomediadas (presenc ̧a de auto- anticorpos anti- ADAMTS13) e as formas secun- dárias (liberac ̧ão de grande quantidade de gmFvW pelas células endoteliais estimuladas, excedendo a capacidade de degradac ̧ão destes, devido à presenc ̧a de níveis reduzidos de ADAMTS13) As condic ̧ões fisiológicas ou patológicas que estão mais relacionadas às formas imunomediadas, as quais são frequentemente associadas à deficie ̂ncia grave de ADAMTS13 (níveis menores que 10% do normal) incluem a gravidez, infecc ̧ões, doenc ̧as autoimunes e o uso de drogas, tais como ticlopidina e clopidogrel. Outras condic ̧ões clínicas concomitantes associadas à PTT adquirida incluem os processos cancerígenos, transplantes de órgãos sólidos ou de células-tronco, pré-ecla ̂mpsia, uso de drogas (ciclosporina, mitomicina e α-interferon), dentre outras. Nestes casos, a deficie ̂ncia de ADAMTS13, em geral, não é muito acentuada. Na maioria dos casos de PTT adquirida, ocorre um único episódio agudo esporádico. No entanto, há formas cro ̂nicas recorrentes (20%-30% dos casos), as quais te ̂m um fator genético envolvido ou estão associadas à produc ̧ão e/ou persiste ̂ncia de autoanticorpos anti- ADAMTS13. Dessa maneira, A PTT pode se apresentar de forma súbita ou insidio- sa em indivíduos previamente normais. Classicamente, a PTT afeta o sistema nervoso central, o coração, o sistema hematopoético e os rins. O paciente se apresenta com sinais e sintomas neurológicos de grande heterogeneidade e, eventualmente, de características transitórias e frustras, que confundem o médico- assistente. Esse quadro pode variar de leve cefaleia até o coma. As crises convulsivas são re- lativamente comuns. Além das alterac ̧ões neurológicas, os pacientes podem apresentar hemorragia cuta ̂nea, gengivor- ragia e epistaxe. Sangramento grave é incomum. Cerca de metade dos pacientes tem febre à apresentação. A função renal costuma estar alterada, mas a insuficie ̂ncia renal é rara na PTT clássica. A maioria dos pacientes apresenta palidez e icterícia, em razão da hemólise microangiopática. A dete- riorac ̧ão clínica pode ser muito rápida. DIAGNÓSTICO Atualmente, a presenc ̧a de anemia hemolítica microangiopática associada à trombocitopenia são suficientes para se considerar o diagnóstico de PTT8 e iniciar o tratamento com plasmaférese, já que se conhece a importa ̂ncia da instalação precoce do tratamento no prognóstico desses pacientes. No entanto, esses achados não são específicos da PTT e, por isso, a ava- liac ̧ão com vistas a afastar outras patologias deve ser realizada e, uma vez detectada outra etiologia, o tratamento deve ser readequado. ADAMTS13 A ADAMTS13 é uma metaloproteinase produzida pe- los hepatócitos, células endoteliais e plaquetas. Em geral, na PTT aguda, a atividade dessa protease é menor que 10% (ou 5% dependendo do método) em decorre ̂ncia da pre- senc ̧a de inibidores da ADAMTS13 (PTT idiopática) ou de mutações no gene ADAMTS13 (PTT conge ̂nita). Os pacientes com PTT secundária, em geral, não apresentam diminuic ̧ão da ADAMTS13. Pacientes com diminuic ̧ão de MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 12 ADAMTS13 respondem bem ao tratamento com troca plasmática. O papel da determinac ̧ão da ADAMTS13 para o diag- nóstico dos pacientes e instituic ̧ão de tratamento ainda não está estabelecido. Apesar do desenvolvimento de técnicas mais velozes e específicas de detecção da ADAMTS13, o método é restrito a pequeno número de centros. Além disso, muitas vezes a diferenciac ̧ão entre PTT idiopática e secundária, e consequente instituição do tratamento, pode ser feita sem a mensurac ̧ão da ADAMTS13, por exemplo nos casos de PTT secundária ao transplante aloge ̂nico de medula óssea ou ao uso de ciclosporina. Logo,a distinc ̧ão da PTT de outras condic ̧ões clínicas é es- sencial. A avaliac ̧ão da func ̧ão renal é importante para diferenciar a PTT e a SHU. Na PTT o comprometimento da func ̧ão renal é moderado, ao contrário do que se observa na SHU, quando o paciente apresenta insuficie ̂ncia renal franca com elevac ̧ão da creatinina e ureia que rapidamente atingem níveis que exigem diálise. Além disso, na SHU não se observa deficie ̂ncia da ADAMTS13 ou inibic ̧ão dessa por auto- anticorpos. Os testes que investigam fatores da coagulac ̧ão são geralmente normais nas duas condições. O diagnóstico da PTT muitas vezes constitui um desafio, especialmente quando ocorre microangiopatia trombótica, em associac ̧ão com outras doenc ̧as autoimunes, neoplasias, infecc ̧ão pelo HIV, transplante de medula, após transfusão sanguínea, durante a gravidez e após uso de alguns medicamentos. TRATAMENTO O tratamento pode ser dividido em dois tipos: manutenc ̧ão e específico. � Tratamento de manutenc ̧ão. O tratamento de manutenc ̧ão envolve a adoc ̧ão de medidas de assiste ̂ncia ventilatória e circulatória e a transfusão de hemocomponentes, principalmente de concen- trado de hemácias. Esta última medida se justifica em pacientes com anemia, moderada ou acentuada, com disfunção de órgãos (hipóxia). A transfusão de plaquetas em geral não está indicada na PTT, até porque o feno ̂meno patológico mais importante é o da obstruc ̧ão da microvasculatura e não o do sangramento grave. Além do mais, a transfusão de plaquetas pode precipitar piora da oclusão vascular, como descrito na literatura e observado por um dos autores. No caso em questão, a transfusão de plaquetas, para permitir a implantac ̧ão de cateter em veia central, foi seguida por rebaixamento súbito do estado de conscie ̂ncia, somente revertido ao final da sessão de plasmaférese. Quando o paciente não tiver acesso venoso periférico calibroso o suficientepara suportar o procedimento de aférese, os autores recomendam a implantação do cateter de duplo lúmen em veia femoral, que permite razoável controle de eventual sangramento com compressão do local. � Tratamento específico. O tratamento específico da PTT tem dois objetivos principais e complementa- res: 1) remoção dos autoanticorpos anti-ADAMTS13 e dos multímeros de alto peso molecular do fator de von Willebrand, e 2) administração da enzima ADAMTS13, presente no plasma humano. Esses objetivos podem ser atingidos por meio da troca de plasma automatizada com equipamentos de aférese (plasmaférese terape ̂utica). Adicionalmente à plasmaférese, pode ser útil a instituição concomitante de tratamento imunossupressivo para reduzir a formação do autoanticorpo anti-ADAMTS13. MÓD III: ANEMIAS E PERDA DE SANGUE SAMANTHA LEÃO F. LIMA 13 REFERÊNCIAS • Tratado de Hematologia- ZAGO; • Artigo de revisão: Púrpura trombocitope ̂nica idiopática: etiopatoge ̂nese, diagnóstico e tratamento em adultos; William Schneider et al; Rev Med Minas Gerais 2011; • Artigo: Púrpura Trombocitope ̂nica: auto-imune e trombótica. Thais Nogueira de Lima; UNIFIA; 2018; • TONACO, Leandro C. et al. Púrpura trombocitope ̂nica trombótica: o papel do fator von Willebrand e da ADAMTS13. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Belo Horizonte, 2010.
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