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Resenha: A Revolta da Vacina (Nicolau Sevcenko)

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SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Scipione, 2003.[footnoteRef:1] [1: Resenha apresentada para obtenção de nota na disciplina de Brasil Republicano no ano de 2021.] 
Matheus da Silva Assunção[footnoteRef:2] [2: Graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí, campus Torquato Neto, Teresina – PI.] 
Nicolau Sevcenko se formou em história pela Universidade Estadual de São Paulo – USP e conseguiu durante sua vida um extenso currículo docente como professor da própria USP, PUC-SP, Universidade de Illinois, King’s College da Universidade de Londres e professor titular da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade Havard até 2014, ano em que veio a falecer. O Livro “A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes” foi um de seus maiores sucessos em âmbito nacional por trazer um tema bastante discutido na história brasileira e que ironicamente voltou a ser tema de debates no ano de 2021 graças a pandemia e vacinação contra a COVID-19.
O livro tem como principal objetivo retratar os acontecimentos do levante popular no ano de 1904 na cidade do Rio de Janeiro, que na época era a capital do país. O levante popular ocorreu em combate à campanha obrigatória de vacinação contra a varíola, que pelas estimativas do governo provocou 4201 mortes no ano. No entanto, engana-se quem acredita que o movimento foi apenas uma tentativa de impedir a vacinação obrigatória, por trás do palco principal o grupo militar formado principalmente pelos jovens oficiais tentava aplicar um golpe na república acreditando que as revoltas eram um sinal claro do esgotamento desse governo. É sobre essa situação caótica que Nicolau escreve de forma magnifica seu livro.
O livro é dividido em quatro capítulos, sendo o primeiro um relato detalhado e cronológico dos acontecimentos da revolta popular, desde a sua votação em 31 de outubro, sua publicação em 09 de novembro até o início das revoltas e sua completa extinção com extrema violência pelo governo. É interessante nesse ponto discutir se o governo excedeu de violência contra os manifestantes ou a resposta foi algo proporcional, visto que os manifestantes dispunham de material bélico fortíssimo como dinamites. Infelizmente é uma discussão que Nicolau Sevcenko não apresenta em seu texto.
O capítulo 2 nos apresenta dois governos federais, o de Campos Sales e Rodrigo Alves, com foco no segundo. A proposta deste capítulo é apresentar os acontecimentos que levaram ao levante popular, mostrando que não era um movimento apenas contra a vacinação. O plano de governo do presidente Alves se baseava em três transformações para a cidade do Rio de Janeiro: modernizar o porto, reestruturar a cidade transformando-a em metrópole e resolver os diversos problemas de saúde que davam uma péssima fama internacional para a cidade. Para chegar em seus objetivos, Rodrigo Alves não poupou esforços tomando diversas medidas que afetariam drasticamente a vida da população periférica, como “dispensa maciça de funcionários e operários, suspensão de serviços e de pagamentos, criação de novos impostos e majoração dos existentes. Surgiram, assim, os impostos de consumo e do selo”. No entanto à medida que culminou na revolta foi a criação de uma “ditadura local” dando plenos poderes aos encarregados das reformas urbanas e saneamento público.
No terceiro capítulo é apresentado o processo e as consequências da modernização da cidade do Rio de Janeiro, e para ser mais preciso, assim como o autor coloca no título do capítulo “o processo de segregação” da população pobre. O trecho do texto que resume todo esse processo é: “a transformação do desenho urbano da capital obedeceu a uma diretriz claramente política, que consistia em deslocar aquela massa temível do Centro da cidade, eliminar os becos e vielas perigosos, abrir amplas avenidas e asfaltar as ruas.” A “massa temível” é justamente a população pobre que deixava a cidade feia com seus casebres, animais e jeito de conduzir suas vidas. Essa exclusão junto com a política de higienização adotada por Oswaldo Cruz foi a base para o início da revolta.
A ultima parte do livro nos mostra toda a repressão violenta que os envolvidos, direta e indiretamente, com a revolta sofreram em resposta ao movimento. Usando trechos de Lima Barreto, Sevcenko mostra as duras ações da polícia contra os revoltosos: “A polícia arrepanhava a torto e a direito pessoas que encontrava na rua (...) Aí, violentamente, humilhantemente, arrebatava-lhes os cós das calças e as empurrava num grande pátio (...) onde eram surradas desapiedadamente”. Se engana quem ler esse resumo e acredita que as penas se restringiram aos atos das ruas, pois as agressões e humilhações duraram muito tempos após a revolta. Essa ação violenta não era apenas para silenciar os revoltosos, mas um plano mais amplo para retirar pessoas propícias à violência das ruas da cidade, concluindo o plano de modernização do Rio de Janeiro. A grande prova desse plano é que muitos não tiveram julgamento que confirmassem sua participação na Revolta da Vacina, eram apenas pessoas em situação de pobreza: sem empregos e moradia fixa. Essas pessoas que eram protagonistas em sua própria história se tornaram figurantes e acabaram sendo esquecidos no processo de construção da história nacional.
Neste ultimo capítulo temos o vislumbre da resposta a cerca do questionamento que levantei no terceiro parágrafo sobre o uso excessivo de força por parte do governo e podemos afirmar que sim, pois o governo tinha como objetivo silenciar e demostrar força para que não surgissem novos motins, objetivo alcançado, visto que o levante de 1904 fora o ultimo grande movimento popular no Rio de Janeiro. Reitero meu posicionamento sobre a falta de menção de Sevcenko sobre os verdadeiros protagonistas da Revolta, observando que muito se fala sobre Campos Sales, Rodrigo Alves e Oswaldo Cruz. Apesar desse incômodo que senti, o livro é rico naquilo que se dispõe a descrever.
A leitura revela que a autoria não poderia ser de alguém distante da história, e não é apenas por descrever o evento e montar o livro de forma cronológica onde um capítulo completa o outro, mas pelo apanhado de aspectos relacionados a textos de história: a preocupação com o tempo e espaço dos acontecimentos; o cuidado em apresentar o evento pelo olhar de quem vivenciou os fatos através de fotografias, charges e reportagens. Todos esses aspectos da escrita de Sevcenko fazem do livro mais que uma leitura informativa dos acontecimentos da Revolta da Vacinas, mas nos faz imergir naquela sociedade transformando o leitor quase como um participante ativo do momento narrado.

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