Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Vasculites de Pequenos Vasos Essa patologia afeta os pequenos vasos do nosso corpo, como pequenas artérias parenquimatosas, arteríolas, capilares e vênulas. Entretanto, as artérias e veias de médio calibre podem ser afetadas também, mas é muito raro. São divididas em 2 subgrupos: aquelas que acontecem por depósito de imunocomplexo dentro da parede do vaso, como crioglobulinemia, vasculite por anti- C1q, vasculite por IgA (púrpura de Henoch- Schonlein) e doença anti-membrana basal glomerular (anti-GBM), e aquelas ANCA associadas, que são as de maior interesse para a reumatologia, como a granulomatose com poliangiíte – GPA, granulomatose eosinofílica com poliangiíte – GEPA e poliangiíte microscópica – PAM. *PAM com M é uma vasculite de pequenos vasos, PAN com N é a poliartrite nodosa, é uma vasculite de médio calibre com doença de Kawasaki. - ANCA associadas: São vasculites necrosantes, com pouco ou nenhum depósito imunológico, afetando de forma predominante os pequenos vasos, e o anticorpo anti citoplasma de neutrófilos, que é o ANCA, vai estar presente. Sendo que ele é um marcador sorológico, dentro do neutrófilo há grânulos azurófilos, e, quando o neutrófilo vai atacar alguma coisa, ele pode liberar algumas enzimas, como a proteinase 3 (PR3), mieloperoxidase (MPO) e outras menos comuns, como elastase humana, lizosima e catalase. Quando fazemos o exame de imunofluorescência, vemos 2 padrões de ANCA, o P-ANCA, que é o padrão perinuclear, e mais comum na GEPA e na PAM, o outro padrão é o C-ANCA, que é o padrão citoplasmático, vamos encontrar na granulomatose com poliangiíte. Geralmente, a imunofluorescência vai ser completada com o teste de ELISA, que é um exame muito mais específico, sendo que o C-ANCA está mais associado com o anticorpo anti proteinase 3, e o P-ANCA vai estar mais associado com a mieloperoxidase (MPO). Além disso, ainda são discutidos os fenótipos de sorotipos de ANCA, se o paciente tem mais PR3, normalmente ele tem mais acometimento de via aérea superior e inferior, se ele tem mais MPO, tem um acometimento renal maior e de via aérea inferior. A vasculite de pequenos vasos ANCA associada é uma doença muito rara, não tem predomínio e predileção por sexo, afeta mais caucasianos, um pouco tardia com diagnóstico feito por volta da sexta e sétima década de vida, e, assim como todas as outras doenças reumatológicas, você precisa ter uma predisposição genética, que em algum momento vai encaixar com algum gatilho, que pode ser infecioso, ambiental, medicamentoso, etc e gerar a doença. Quando em contato com o gatilho, seja qual for, vai haver a liberação de muito ANCA, isso vai promover uma maior produção das proteínas, dependendo do ANCA vai se sobressair um tipo, e isso vai aumentar a netose. *Netose é um tipo de morte celular regulada, mediada pela a ação dos neutrófilos, as principais células fagocitárias do sistema imunológico inato. Essa morte ocorre por meio de uma das estratégias antimicrobianas dessas células. Dentro do aspecto de manifestações clínicas, o paciente pode ter dois tipos, as manifestações constitucionais, que são as manifestações clássicas da doença, como: 1. Febre. 2. Mal estar. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 3. Fadiga. 4. Astenia. 5. Poliartralgia. 6. Mialgia. 7. Poliartrite. Sendo que os órgãos que as vasculites gostam muito de acometer são vias aéreas, rim, TGI, parte neurológica periférica e pode apresentar alguns sintomas órgão-específicos: *A vasculite pode lesar aqueles vasos bem pequenos que suprem o nervo, e isso pode levar a uma polineuropatia periférica e mononeurite múltipla, por exemplo. Imagem mostrando todos os locais que a vasculite de pequenos vasos pode acometer e a predileção da que pode acometer mais cada região: - Granulomatose com poliangiíte (GPA) - Wegener: É uma inflamação granulomatosa e necrotizante, por isso que na biópsia temos que encontrar isso, é muito comum ter uma glomerulonefrite necrosante associada com granulomas não caseosos, envolve muito via aérea superior, inferior e rim. Em relação ao acometimento nasal, ela pode gerar crostas nasais, rinite de repetição, rinorréia, epistaxe, perfuração do septo nasal por conta da característica necrosante, o que configura um nariz em sela (causado pela completa destruição do seio nasal e abaulamento da ponte do nariz), que é um dx diferencial com leishmaniose. Pode ter um acometimento ocular com esclerite e a formação de pseudotumores, apresentando com Lucas Melo – Medicina Ufes 103 uma proptose, e no exame de imagem vemos o desenvolvimento de um pseudo tumor. Sinusite de repetição é muito comum, sendo muito difícil de ser tratada, na cavidade oral podemos observar úlceras orais com gengivas em morango, nos ouvidos pode acontecer uma otite média serosa ou purulenta, granuloma em ouvido médio, perda auditiva neurossensorial, pode acontecer estenose de traqueia. O acometimento pulmonar é pela formação de vários nódulos que podem cavitar, podem gerar hemoptise, hemorragia alveolar pode ser intensa, pronunciada, grave e ser a primeira apresentação do paciente, sendo que 1/3 dos pacientes, mesmo cheios de nódulos, não apresentam queixa pulmonar. *Pensou na GPA, mesmo se o paciente não apresentar queixa, pedir exame de imagem do pulmão. Outro local que deve ser investigado sempre que suspeitar dessa doença é o rim, sendo que a primeira manifestação do paciente, muitas vezes, é a glomerulonefrite necrosante segmentar e focal, mas em outros locais, pode ter acometimento de sistema locomotor, como artralgia, artrite e mialgias. Acometimento neurológico, pesquisar neuropatia periférica, massas em parênquima cerebral, paquimeningite. Acometimento cutâneo pode abrir púrpuras palpáveis, úlceras e necrose digital, e ainda pode haver um acometimento cardíaco com miocardite e pericardite. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Para realizar o diagnóstico, temos que solicitar nos exames confirmatórios o ANCA, lembrando que o ANCA da GPa é o C-ANCA, e quando associa a investigação do ANCA por imunofluorescência com o método de ELISA, aumenta a acurácia e especificidade do diagnóstico, sendo que se o ANCA for maior que 90%, caracteriza uma doença mais generalizada, quando é entre 40-70% é uma doença mais localizada, a doença é mais recidivante quando, além do ANCA, o PR3 é reagente. Dependendo do padrão ELISA, o ANCA pode ser mais voltado para PR3 e MPO, e cada uma tem manifestações associadas: O ideal é sempre tentar fazer uma biópsia pulmonar, que geralmente vem positiva, e tem que ter presença de granuloma, vasculite necrosante, células gigantes e pode haver microabcessos, e na imunofluorescência não tem quase nada de depósito, ela é pauci-imune. Os critérios para fechar o diagnóstico de GPA são: A presença de dois deles na exclusão de outras causas é bem sugestiva da doença. - Poliangiíte Microscópica (PAM): Também é uma vasculite necrosante sem depósitos imunológicos, mas não há formação de granulomas, ou seja, não tem resposta inflamatória granulomatosa. O paciente apresentar hemorragia alveolar profusa por conta de uma capilarite pulmonar frequente, além de que a glomerulonefrite necrosante também é frequente, sendo que é a principal causa da síndrome pulmão-rim. 70% dos pacientes vão ter manifestações sistêmicas, em relação a acometimento pulmonar, o paciente pode ter dispneia, tosse, hemoptise, dor torácica pleurítica, aneurisma de artéria pulmonar. Essa doença gosta mais de acometer TGI, com dor abdominal, vasculite intestinal, sangramento intestinal, angina mesentérica (paciente sente muita dor ao se alimentar) e até perfuração. Em relação as manifestações cutâneas,pode haver púrpura palpável, nódulos, úlceras e livedo reticular. Além de manifestações neurológicas, como mononeurite múltiplas e polineuropatia periférica, o acometimento do nervo sural é muito importante e pronunciado na PAM. Quase que 100% dos pacientes vão ter acometimento renal, sendo que as manifestações mais comuns são oligúria, hematúria e proteinúria não nefrótica, sendo que na biópsia vamos ver uma glomerulonefrite necrosante segmentar e focal com crescentes. *Glomerulonefrites pauci-imunes, principalmente a PAM, são causas de glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP). Imagem de biópsia do rim. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 - Diferenciação entre PAM e GPA: - Granulomatose eosinofílica com poliangiíte (GEPA) - Churg-Strauss: é uma inflamação necrosante, granulomatosa e rica em eosinófilos, o paciente abre o quadro clinico com uma asma de difícil controle, vai ter uma eosinofilia e ela está associada ao P-ANCA. O acometimento pulmonar vai estar presente em quase todos os pacientes, uma asma de início tardio (35 anos em média), asma severa e dependente de corticoide, infiltrado uni ou bilateral transitório e hemorragia pulmonar. Em ouvido, nariz e garganta vamos ver sinusite, Polipose e rinite (porém, a GPA destrói muito mais os seios da face que a GEPA). Na pele, vamos observar Raynaud, púrpura, livedo reticular, nódulos e gangrena. Gosta muito de acometer sistema nervoso periférico, apresentando mononeurite múltipla, TGI com dor abdominal, gastroenterite eosinofílica e vasculite intestinal. Ao contrário das outras, essa não tem uma predileção tão grande pelo rim, é bem menos frequente, e pode ter acometimento cardiaco, que é a principal causa de mortalidade nesses pacientes, faz uma miocardite eosinofílica, vasculite coronariana, levando o paciente a um quadro grave de ICC. Especificamente nessa doença vamos encontrar eosinofilia pronunciada acima de 1000, aumento de IgE em até 75% dos pacientes, no exame de ANCA, o predominante é o p-ANCA e no ELISA, predominância de MPO. As fases da GEPA são: Geralmente começa com uma asma de difícil controle, associada a rinite, pode ter presença de pólipo nasal, a asma é corticodependente, quando retira corticoide do paciente, piora muito. O paciente vai apresentar eosinofilia e infiltrado dessas células nos tecidos, principalmente no pulmão e TGI, cerca de 4 anos depois que o paciente evolui para a forma sistêmica da doença. Os critérios para fechar o diagnóstico são: Na presença de 4 desses critérios na ausência de outras doenças, o diagnóstico é muito sugestivo. *Toda vez que pensarmos em GEPA, mas o paciente tem o ANCA negativo, não tem vasculite e nem asma, temos que excluir HIV, toxocara, infecções helmínticas, strongyloides, asma eosinofílica, pneumonia eosinofílica, paraneoplasia que pode levar a eosinofilia, e síndrome hipereosinofílica. Quando o paciente com GEPA tem um ANCA negativo, ele vai ter um prognóstico pior, com infiltrado eosinofílico pulmonar e envolvimento cardíaco maiores. Quando o paciente possui padrão P-ANCA, vai ter um envolvimento renal, neuropatia periférica e vasculite na biópsia, com uma característica mais recidivante da doença. - Exames laboratoriais das vasculites associadas ao ANCA: 1. Anemia. 2. Trombocitose (em até 1.000.000). 3. Leucocitose (20 – 30 mil) 4. Elevação de VHS. 5. Elevação de PCR. Depois que você descobriu qual a doença dentro dessas 3 apresentadas, vamos classificar ela em algumas categorias: Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Os pacientes com essas doenças têm que ser tratados em centros especializados, pois são de difícil diagnóstico, difícil controle e difícil manejo. A vacina dos pacientes deve estar sempre em dia, observas as possíveis complicações do tratamento, como HAS, DM, osteoporose e malignidade. - Como tratar a vasculite: Primeiro você tem que conferir se essa doença leva a um risco de vida, e a partir dessa resposta você começa o seu raciocínio. Se tiver risco de vida, vai tratar com glicocorticoide associado a ciclofosfamida ou retuximabe (imunossupressores). Se for uma GNRP ou hemorragia alveolar, fazer uso de glicocorticoide em pulso. Se não levar a um risco de vida, uma doença mais localizada, vamos utilizar o glicocorticoide associado a imunossupressores mais leves, como metotrexato ou micofenolato. Se os sintomas do paciente melhoram, mas a doença recidiva vamos trocar o imunossupressor, mas ainda usando glicocorticoide + retuximabe ou ciclofosfamida. Se o paciente tem um risco de vida muito elevado, com hemorragia alveolar, GNRP entrando em insuficiência renal, para tentar salvar esse rim pode tentar a plasmaférese. *Nunca devemos utilizar o ANCA para tomar uma decisão sobre troca de tratamento, sempre devemos tomar nossas decisões de acordo com as manifestações clínicas do paciente.
Compartilhar