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Espiritualidade e transcendência em Carl Gustav Jung

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Espiritualidade e transcendência em Carl Gustav Jung 
 Jung O título do volume de textos selecionados das Obras Completas de C.G. Jung apresentado aqui é “Espiritualidade e transcendência”. Entretanto, quem procura pela palavra-chave “espiritualidade” em passagens das Obras de C.G. Jung não encontra muita coisa. A palavra “espiritualidade”, como é usada hoje em dia, não era usual na época de Jung. “Religião” e “religiosidade” eram as designações estabelecidas. A convicção de Jung é esta: “Minha opinião é que as religiões se acham tão próximas da alma humana, com tudo quanto elas são e exprimem, que a psicologia de maneira alguma pode ignorá-las” (OC 11/2, § 172). Ele se preocupou em desenvolver uma psicologia da experiência religiosa. Jung ocupa-se, portanto, com a “experiência religiosa”, que para ele é um fenômeno psíquico. Ele diz: “Deus nunca falou com o ser humano senão pela alma e a alma o entende, e nós percebemos isso como algo psíquico. Quem chama a isso de psicologizar renega o olho que vê o sol”. Jung sustenta uma compreensão da psique como espaço de experiência do numinoso, defendendo novos modos de ver fenômenos e experiências religiosos que até aquele momento não haviam ocorrido na psicologia da religião. Esses fenômenos e experiências se revestem de grande importância para ele. Por isso, ele diz: “Se tentarmos definir a estrutura psicológica da experiência religiosa, isto é, da experiência integradora, curadora, salvadora e abrangente, parece que a fórmula mais simples que podemos encontrar é a seguinte: na experiência religiosa, o homem se depara com um outro ser, espiritual, superpoderoso” (OC 10/4, § 655). As experiências espirituais põem as pessoas em contato com âmbitos situados além da consciência cotidiana. Jung fala às vezes do “transcendente-empírico”. O próprio Jung precisou lutar por muitos anos com a religião e imagens de Deus como forças eficazes. Testemunha dessa luta é também o assim chamado Livro Vermelho, o documento de um auto-experimento especial de Jung e de suas explorações do inconsciente. O conceito da transcendência possui diversos significados em Jung. A descrição do que ele caracteriza como a “função transcendente” psicológica trata da “união de conteúdos conscientes e inconscientes”. Ele enfatiza que isso não deve ser entendido “como algo de misterioso e por assim dizer suprassensível ou metafísico, mas uma função psicológica, que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação” (OC 8/2, § 131). 
O que se pretende com isso é abolir a separação entre a consciência e o inconsciente, para compensar as unilateralidades da consciência. Ele enfatiza que “com ‘transcendente’ não quer designar nenhuma qualidade metafísica, mas o fato de que, por meio dessa função, é criada uma transição de uma mentalidade para outra” (OC 6, § 833). Na função transcendente Jung descreve, por conseguinte, a capacidade fundante da transposição da fronteira entre as porções conscientes e as inconscientes da psique. A transcendência da psique, da qual ele fala em outras passagens, refere-se a experiências espirituais de conexão com o divino, com o absoluto, a ter como referência algo mais abrangente, maior, às possibilidades de experiência que transcendem a consciência cotidiana, à transposição das fronteiras entre imanência e transcendência. “Que o mundo, tanto por fora como por dentro, é sustentado por bases transcendentais, é algo tão certo quanto nossa própria existência” (OC 14/II, § 442). 
A transcendência da psique permite experimentar outra “realidade por trás da realidade”. Jung se interessou por demonstrar isso reiteradamente. Trata-se do conhecimento de que tudo – o mundo físico e psíquico, corpo e espírito, o que pode ser apreendido e percebido com os sentidos e o mundo invisível do inconsciente – faz parte de uma totalidade indivisível, perfazendo um campo da realidade una, chamada por Jung de unus mundus. Como mostra o conjunto de sua obra, Jung ocupou-se durante toda a sua vida com questões espirituais, transculturais e transpessoais. Seu interesse voltou-se para o âmbito das experiências espirituais situadas além de confissões, igrejas e tradições religiosas. Em sua biografia Memórias, sonhos e reflexões. ele descreve sua atitude espiritual básica. Jung diz ali a seu respeito: “Constato que todos os meus pensamentos giram em torno de Deus como os planetas em torno do sol e, como estes, são atraídos irresistivelmente para Ele como um sol. Eu sentiria como o maior dos pecados se tivesse que oferecer resistência a esse poder”. E ele confessa: “A natureza, a alma e a vida se manifestam a mim como a divindade revelada”. Marie-Louise von Franz, que por muitos anos cooperou com Jung, também o descreve como uma pessoa “que com paixão e sofrimento extremos pugnava sem cessar com o problema de Deus. Ele relacionava com Deus tudo o que acontecia com ele e no mundo e indagava dele o porquê e o para quê”. Sua postura também ganha expressão nas seguintes sentenças: “Tudo que tem vida sofre mudança. Não deveríamos nos contentar com tradições imutáveis” (OC 18/11, § 1.652). “Como se sabe, em questões religiosas não é possível entender o que não foi interiormente experimentado” (OC 12, § 15). “O passo na direção de uma consciência mais elevada leva a abandonar todas as coberturas e seguranças” (OC 13, § 25). 
[…]
As dimensões espirituais da Psicologia Analítica 
Na imagem de ser humano de Jung, o transcendente como ponto de referência constitui o aspecto decisivo da vida humana: “A pergunta decisiva para o ser humano é esta: tens o infinito como referência? Este é o critério de sua vida. [...] Quando alguém entende e sente que está conectado ao ilimitado já nesta vida, modificam-se seus desejos e sua atitude. No final das contas, só valemos algo por causa do essencial e, quando não se tem isto, a vida foi desperdiçada”. O próprio Jung confessa: “O interesse principal do meu trabalho não reside no tratamento de neuroses, mas na aproximação ao numinoso”. Ele se defende da acusação de ter construído uma psicologia que injustificadamente conectaria a alma com temas e dimensões religiosas: “Não fui eu que inventei uma função religiosa para a alma; o que eu fiz foi apresentar fatos comprovando que a alma é ‘naturaliter [por natureza] religiosa’” (OC 12, § 14). E, em outra passagem, ele escreve isto: “A imagem de Deus não é uma invenção que se achega ao ser humano sua sponte [espontaneamente], do que se pode ter suficiente ciência quando não se prefere trocar a verdade pela ofuscação advinda de preconceitos ideológicos” (OC 9/II, § 303). Todas as contribuições de Jung à psicologia da religião devem ser vistas como construídas sobre a base de sua tese inicial: a necessidade psíquica da “religio”, da “religação” a algo maior, a algo inteiro. Seguidamente ele se empenha por delimitar a problemática psicológica em relação à problemática teológica. Ele recusa a pergunta pela existência de um Deus transcendente e, não obstante, acerca-se desse tema insistentemente. Ele ressalta que, ele próprio, na condição de psicólogo, nada pode dizer sobre Deus em si, mas somente alguma coisa sobre imagens e símbolos de Deus e nada mais. Todavia, justamente estes podem transmitir experiência espiritual, dado que elas têm conteúdos que transcendem a consciência. Símbolos são imagens significativas. Eles surgem quando algo exterior é associado com um conteúdo espiritual, um significado ou um sentido. Símbolos não são signos visíveis de uma realidade não visível. Na compreensão da Psicologia Analítica de C.G. Jung, os símbolos transportam conteúdos psíquicos inconscientes até a consciência. Eles têm um efeito integral sobre o pensar e o sentir, sobre a percepção, a fantasia e a intuição. Eles unem os lados conscientes e inconscientes da psique. Símbolos sempre são mais do que meros signos. Eles estão altamente carregados de energia e por vezes têm efeitos misteriosos. Quem se envolve com símbolos abandona o superficial e se põe a caminho das profundezas. Os símbolos arquetípicose, assim, também as imagens de Deus do simbolismo religioso possuem caráter numinoso e são chaves para as camadas profundas da existência humana. Enunciados sobre o divino são para Jung, portanto, descrições de possibilidades de experiências espirituais da psique humana; eles não são enunciados teológicos, mas enunciados psicológicos. A formulação psicológica da questão dirige o foco para o que se passa na alma e para o que lhe é próprio. No entanto, Jung chega ao ponto de dizer: “Em todo caso, a alma precisa ter dentro de si uma possibilidade de relação, ou seja, uma correspondência com a essência de Deus, senão jamais poderia estabelecer-se uma conexão. Essa correspondência é, em termos psicológicos, o arquétipo da imagem de Deus” (OC 12, § 11). O encontro com os campos de força dos arquétipos e com suas simbolizações também é, para Jung, uma experiência numinosa. Ele adverte: “Sempre que se tratar de configurações arquetípicas, tentativas de explicação personalistas induzem a erro” (OC 10, § 646). Para ele, a ampliação da consciência – Jung a chama de “elevação da consciência” –, que também pode acontecer no confronto com conteúdos arquetípicos, é destinação humana: “Decerto é por isso que a vida terrena tem um significado tão grande e aquilo que uma pessoa leva para o além na hora de morrer se reveste de tão grande importância; só aqui, na vida terrena, onde se dá o embate dos opostos, pode-se elevar a consciência universal. Essa parece ser a tarefa metafísica do ser humano”. O desenvolvimento da consciência humana tem, para Jung, um significado cósmico, porque nele o universo reconhece a si mesmo; o ser humano existe para “que o Criador se torne consciente de sua criação e o ser humano de si mesmo”.
(Extraído do livro “Jung, C.G., 1875-1961. Espiritualidade e transcendência. Seleção e edição de Brigitte Dorst ; tradução da introdução de Nélio Schneider. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015. Páginas 13-16 e 17-19, no e-book da Amazon).

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