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MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca s ANATOMIA O estômago é dividido em cárdia, fundo, corpo – onde fica localizado as células parietais, importante para a secreção do ácido clorídrico –, antro e piloro (Figura 1). A incisura angular (transição corpo- antro), é o local mais comum de úlceras e de câncer gástrico. Suprimento sanguíneo: Figura 2: Suprimento sanguíneo do estômago. o Irrigação: Artérias gástrica direita (ramo da hepática ou gastroduodenal) e esquerda (ramo do tronco celíaco): Irrigação da curvatura menor: A artéria gastroduodenal está diretamente relacionada com os sangramentos ulcerosos. Artérias gastroepiplóica direita (ramo da gastroduodenal) e esquerda (ramo da esplênica): Irrigação da curvatura maior; Artérias frênicas inferiores e gástricas curtas; o Drenagem Venosa: Veias gástricas direita e esquerda: Drenam a veia porta; Veia gastroepiplóica direita: Drena para a veia mesentérica superior (VMS); Veia gastroepiplóica esquerda: Drena para veia esplênica. Drenagem linfática: Realizadas pelos grupos de linfonodos gástricas superiores, pancreaticolienais, suprapilóricos e gástrico subpliórico inferior; Inervação (Figura 3): o Inervação simpática é realizada pelo plexo celíaco; o Inervação parassimpática é realizada pelo nervo vago (direito/criminoso de Grassi: ramo para o plexo celíaco, e esquerdo: ramo hepático e nervo anterior de Latarjet). O nervo vago é importante quando se trata das úlceras que em sua patogênese contém hiperclorídria, ou seja, aumento na secreção de HCl, e as vagotomias podem funcionar para o tratamento dessas úlceras: Vagotomia troncular: Secção do nervo vago acima do ramo pilórico, desencadeando uma desenervação em todo o estômago e o piloro; perde-se, então, a inervação parassimpática do piloro, e consequentemente, esse fica hipertônico e o alimento não passa adequadamente. É preciso associar a uma técnica cirúrgica (piloroplastia: alargamento); Vagotomia seletiva/super-seletiva: A secção do vaso é abaixo do ramo pilórico, e consequentemente, desnerva apenas o estômago. Na super–eletiva são seccionados apenas os raminhos que vão para o estômago. Não é necessária uma técnica associada. SÍNDROME DISPÉPTICA Pelo Consenso de Roma, em 2016, é classificada como a presença de pelo menos um dos seguintes sintomas nos últimos 3 meses, com início há 6 meses: Plenitude pós-prandial; Saciedade precoce; Dor ou queimação epigástrica. ETIOLOGIAS DA SÍNDROME DISPÉPTICA Gastrite, duodenite, esofagite, doença ulcerosa péptica, dispepsia funcional, gastroparesia, câncer, e etc. DOENÇA ÚLCEROSA PÉPTICA (DUP) Uma das etiologias que agregam a síndrome dispéptica; DOENÇA ulcerosa péptica Clínica Cirúrgica MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca Conceito: Solução de continuidade na mucosa do estômago ou duodeno de diâmetro igual ao maior a 0,5cm, que penetre profundamente na parede do tubo digestivo, ultrapassando a camada muscular da mucosa. o Lesão menor que 0,5cm é considerado erosão. Relevância: o 4 milhões novos casos/ano, e 4000 mortes anuais no mundo o 5-15% em populações ocidentais; o 7% dos pacientes hospitalizados necessitam de cirurgia de emergência; o Houve um declínio a partir do conhecimento do H. pylori. É oriunda de um desequilíbrio entre os mecanismos agressores (o que leva a hipersecreção ácida) e protetores, por excesso ou processo inflamatório associado: o Fatores protetores: Renovação celular e prostaglandinas; Fluxo sanguíneo e fatores de crescimento; Secreção de bicarbonato e produção de muco. o Fatores de risco/agressivos: O uso crônico de AINEs, anti-inflamatórios não esteroidais, (relacionado a maior ocorrência e maior taxa de complicações): Inibem a produção de prostaglandinas na mucosa (COX-1); Relacionado com a formação de úlceras gástricas; Até 10x mais de risco de complicações gastrointestinais; 25.000 complicações por ano e 3.000 mortes; Tabagismo, etilismo, uso de corticoides (recorrência e refratariedade). H. pylori e secreção de ácido clorídrico; Alterações na pepsina; 55-65 anos; sexo masculino (apesar do aumento no sexo feminino), classes econômicas inferiores. O H. pylori tem uma prevalência muito alta, no Brasil atinge o marco de 60%. E de acordo com os tipos de úlceras, 90% das duodenais e 75% das gástricas, tem a presença do H. pylori. Alto risco de neoplasia; Potente produtor de urease, por transformar ureia em amônia e bicarbonato; Lesão tecidual/mucosa: o Produção de substâncias tóxicas pela ação da urease; o Indução de resposta imune local: Neutrófilos e monócitos produzindo citocinas pró-inflamatórias e radicais de oxigênio; o Aumenta a produção de gastrina, e diminui a secreção ácida. Outra patogênese: Síndrome de Zollinger Ellison: Hipersecreção ácida secundária a gastrinomas; o Diagnóstico diferencial: o Pacientes recidivados apesar de erradicação de H. pylori e terapia antissecretora; o Úlceras múltiplas ou de localizações atípicas; o Associada a doenças típicas da síndrome endócrino- metabólica múltipla (NEM-1), ex.: hiperparatireoidismo. LOCALIZACÃO Gástricas: o É necessária que toda ulcera gástrica seja biopsiada para diferenciação com carcinoma gástrico; o Classificação de Johnson para DUP gástrica: Tipo 1 (60%): Localizada na pequena curvatura, próximo a incisura angular; Tipo II (15%): 2 úlceras localizadas uma no corpo do estômago e outra no duodeno com importante hipersecreção ácida; Tipo III (20%): Pré pilóricas com importante hipersecreção ácida; Tipo IV (<10%): Localizada próximo a junção esôfago- gástrica; Tipo V: Induzida por fármacos. Tipo II e III sangram e obstruem mais que as outras e na sua patogênese possuem hiperclorídria mais importante, então o seu tratamento é voltado para isso. Figura 4: Tipificação das ulceras gástricas. O fato de existir diferentes tipos de úlceras não implica em diferentes níveis de gravidade, ex.: uma úlcera tipo 4 não é mais grave que uma úlcera tipo 1. Duodenais: o Acontecem geralmente pela secreção de ácido (hiperclorídria importante) e pepsina + o H. pylori ou uso de AINES; o Comum na primeira porção do duodeno’ o Não carece de biopsia, pois não há relação intimista com doenças malignas. MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca MANIFESTAÇÕES CLINICAS Dor abdominal: o Na região Mesoepigástrica; Dor noturna/Piora a noite; Alivia com a alimentação, empachamento pós-prandial e saciedade precoce. Na úlcera gástrica dói a ingesta alimentar, ou seja, quando o alimento cai no estômago; já a úlcera duodenal dói 2h após a refeição, quando o alimento esvazia do estomago ao duodeno. A perfuração (presente em 5-17% dos casos), é manifestada por dor intensa (geralmente no mesogástrio), de início súbito, associada a irritação peritoneal, febre, taquicardia e/ou parada da eliminação de fezes e flatos; Sangramento: Manifesta com paciente hipocorado, com dor abdominal e irritação peritoneal, melena, enterorragia e/ou hematêmese: o Fisiopatologia: Geralmente pela perfuração da artéria gastroduodenal. Obstrução: Paciente com dificuldade de alimentação, empachamento pós-prandial, vômitos pós-prandial: o Fisiopatologia: Inflamação duodenal aguda ou crônica, com fibroses repetidas e estenose. DIAGNÓSTICO Anamnese completa e no exame físico não há muitos achados (valor limitado para diferenciação entre as úlceras), a não ser quando há presença de complicações; Nos exames laboratoriais: Dosar gastrina se ulcera refratária ou cirúrgica, e exames pré-0peratórios em casos de cirurgia; Radiografia: Pouco realizada devido a baixa sensibilidadee especificidade, a não ser em casos de pneumoperitônio e em hospitais sem outros recursos; Endoscopia digestiva alta (EDA): Padrão-ouro pela alta sensibilidade (90%) e especificidade: o Capaz de visualizar e topografar a úlcera péptica, gástrica e duodenal, realizar biopsias e pesquisar H. pylori. o Solicitado quando: Idade > 45 anos; Sem melhora com o teste terapêutico e erradicação H. pylori; Sinais de alerta: sangramento, perda ponderal, disfagia, vômitos persistentes, massa epigástrica, doença ulcerosa péptica prévia, HF de câncer gástrico. Não é preciso de EDA para dizer ao paciente que precisa tratar H. pylori, ou seja, em pacientes com tratamento clinico de úlceras (em que ainda não foi necessário EDA) e suspeita de H. pylori, pode-se fazer a pesquisa por meio de outros testes: Não invasivos: o Sorologia (S=90% E=90%): Não serve para avaliar erradicação (títulos elevados por longos tempos); o Teste respiratório da urease (S=95% E=95%): Falso negativo caso seja utilizado em até 4 semanas após o tratamento; Método de escolha para documentar a erradicação. Figura 5: Teste da urease. Invasivos EDA com biópsia: o Ensaio rápido da urease (S=90% E=98%); o Histologia (S=90% E=98%); o Cultura (S=80% E=100%). Figura 6: Classificação da atividade inflamatória: A (úlceras ativas), H (em cicatrização/cura) e S (cicatrizada). TRATAMENTO Alívio sintomático, cicatrização das úlceras e evitar recidivas. CLÍNICO É o tratamento de escolha, e deve ser oferecido a todos os pacientes, mesmo os futuramente cirúrgicos. Inibição/neutralização secreção ácida (Duração do tratamento de 4-8 semanas): o IBP (85%/4 semanas) são a primeira linha de tratamento (ex.: omeprazol, pantoprazol): Alternativamente, para ter uma cicatrização mais rápida, pode-se usar os bloqueadores H2 (ranitidina): Não usar em combinação, mas alternando; Necessitam de meio ácido para se ativarem. MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca o Antiácidos (80%/4 semanas): Reagem com HCl formando sal e água; Funcionam como efeito tampão, para o paciente ter alivio nos sintomas. Para tratar as úlceras seria necessárias doses altas e frequentes, levando a efeitos colaterais. Erradicação do H. Pylori (Tratar junto com o controle da secreção ácido de 7-14 dias): o o Esquemas triplos (IBP + 2 ATB) – Eficácia de 90%: Ex.: PyloriPac: Lansoprazol 30mg + Claritromicina 500mg + Amoxicilina 1g 2x/dia por 7-14 dias. o Esquema quádruplo (IBP + 2 ATB + Bismuto) em falha em esquema triplo. Modificações do estilo de vida (descontinuação dos AINES, interrupção do tabagismo e etilismo e adequação da dieta). Quando é necessário repetir a EDA? Em casos de ulceras gástricas: o Mesmo com biopsia negativa para malignidade; o Se ulcera ainda presente. Em 8-12 após início do tratamento. Em casos de úlceras refratárias: o Se após EDA e biopsia concluir que é maligna, já sabe por que refratária; o Se não for maligna, é necessária investigação: o Fatores associados: Falha da erradicação do H. Pylori; Uso de AAS/AINE; Baixa adesão ao tratamento; Úlcera não péptica; Hipersecreção ácida. o Tratamento: Iniciar IBP em dose plena e nova endoscopia após 8 semanas: E se não resolver: Intratabilidade clínica (úlcera que não cicatriza após prolongamento do tratamento inicial para 8-12 semanas, e na reincidência) e encaminhamento a cirurgia. CÍRURGICO Eletivos: o Suspender antissecretores por 72h antes: Afim de permitir acidez gástrica normal e evitar contaminação por hipercrescimento bacteriano; o Erradicar H. Pylori previamente. o Tem como objetivo reduzir a secreção gástrica, pela vagotomia, e inibir a secreção de gastrina, pela antrectomia: Pode-se associar as duas técnicas se preciso. Procedimentos eletivos para úlcera duodenal: o A princípio, não precisa retirar a úlcera, basta tratar a principal causa da formação da mesma: a hipercloridria: Vagotomia Troncular com Piloroplastia: Mais frequente; Vagotomia Troncular com Antrectomia: Gastroduodenoanastomose (Billroth I): Anastomose do duodeno; Gastrojejunoanastomose (Billroth II): Anastomose de uma face lateral de uma alça jejunal, não exclusivamente alimentar. A vagotomia associada ou não a antrectomia é adequada para ulceras duodenais e distais (pré-pilóricas), devido ao seu padrão de hipercloridria e antrectomia reduz a produção de gastrina. Vagotomia Gástrica Proximal seletiva ou super-seletiva. Figura 7: Tipos de vagotomia: Lembrar que a troncular perde a inervação parassimpática do piloro, então deve estar associada a piloroplastia ou antrectomia; a seletiva e a super- seletiva não secciona o ramo pilórico, então não é necessária técnica associada a princípio. Figura 8: Técnica da piloroplastia em um piloro hipertônico. MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca Figura 9: Reconfecçaão do trânsito intestinal, pós ressecção por B1 e B2. Procedimentos eletivos para úlcera gástrica: o Precisa retirar a úlcera pela chance de malignidade; o Úlceras Tipo II e III associada a hipercloridria: Vagotomia troncular com anterectomia; o Úlceras Tipo I: Não é necessária vagotomia, pode ser realizado a antrectomia; o Úlceras Tipo IV (um pouco mais difícil d tratar pela localização): Gastrectomia subtotal associada à reconstrução em Y de Roux (cirurgia de Csende) ou; Antrectomia com extensão vertical para pequena curvatura BI ou BII (Cirurgia de Pauchet). Figura 10: Gastrectomia subtotal com reconstrução em Y de Roux (anastomose a um segmento jejunal alimentar exclusivo). Figuras 11: Técnicas cirurgias para úlceras gástricas. Figura 12: Diferenças na reconfecção do trânsito: B1 (anastomose do duodeno com o estomago; ponto negativo: retorno de secreção alcalina); B2 (alça bilipancreática de trajeto maior até a anastomose, logo menor retorno de secreção alcalina) e X de Roux (alça bilipancreática maior que da B2, com quase nenhum retorno de secreção). COMPLICAÇÕES SANGRAMENTO Complicação mais comum, com até 20% dos casos; 80% dos sangramentos são autolimitados; Mortalidade de 6-8%; Manifesta-se com hemorragia digestiva alta (hematêmese, melena, repercussões hemorrágicas); Conduta: Estabilização clinica inicial (MOV – monitorização, oxigênio e acesso venoso) + jejum + tratamento clinico: IBP + reanimação volêmica se necessário) seguida de EDA, em até 24h, diagnostica e terapêutica. Fluxograma 1: Conduta. Classificação de Forrest para sangramento (Tabela 1): Diante da endoscopia, pode ser realizada a terapia endoscópica: o Através da eletrocoagulação, injeções de etanol ou adrenalina e/ou clips hemostáticos: Bem-sucedido em até 75%; Recidiva pode ser tratada. Fluxograma 2: Conduta pós EDA. O papel da cirurgia se dará nas hemorragias digestivas que sejam refratárias a duas tentativas de tratamento endoscópico ou na instabilidade refratária: o O tratamento cirúrgico se dá quando: MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca Insucesso do tratamento endoscópico/esclerose 2x: Costuma-se tentar outra técnica endoscópica diferente da primeira. Hemorragia grave com choque refratário com mais de 6 concentrados de hemácias por dia; Hemorragia contínua com mais de 3 concentrados de hemácias por dia; o Vaso mais susceptível ao sangramento: Artéria gastroduodenal por erosão da parede posterior. O tratamento se dá por ligação da artéria. PERFURAÇÃO Complicação potencialmente grave (aproximadamente com 15% de mortalidade; A perfuração de uma úlcera péptica é uma urgência que se apresenta como abdome agudo perfurativo, ou seja, mau estadogeral, dor abdominal intensa, peritonite difusa ao exame físico e pneumoperitônio ao exame de imagem; Tratamento: o Úlceras pequenas em pacientes em mau estado geral: Pode- se desbridar a borda (manda para a análise patológica) e fechar com sutura a ulcera perfurada + epiplonplastia: bloqueio com omento em cima da ulcera; o Gastrectomia para casos mais refratários ou reincidentes. OBSTRUÇÃO A constante sequência de erosão/ulceração/reparo/cicatrização com frequente processo inflamatório agudo na DUP gera uma fibrose/retração do antro e/ou piloro (pela luz intestinal menor): o Mais comum em úlceras duodenais ou gástricas tipo III. Paciente com retardo no esvaziamento gástrico, desnutrição (pelo alimento não chegar ao estômago), náuseas e vômitos; Tratamento: 1. Passagem de SNG (sonda nasogástrica) – se passar a sonda, caso não, nutrição parenteral – para descomprimir o estômago; 2. Correção DHE (desequilíbrio hidroeletrolítico); 3. Terapia antissecretora; 4. Biópsia guiada por EDA antes de proposta cirúrgica (se não for maligno uma antrectomia resolve; mas se for maligno: ressecção e/ou gastrectomia. Informações a mais da aula de laboratório que agregam ao raciocínio clínico: 1. Quais são as principais causas de hemorragia digestiva alta? o Úlcera péptica; o Neoplasias; o Varizes esofágicas; o Malformações arteriovenosas. 2. Qual a diferença no exame físico entre abdome agudo perfurativo (perfuração do peritônio) e vascular (trombo ou embolo que impossibilita a passagem)? o No perfurativo, a queixa do paciente condiz com o exame físico, já no vascular há uma dissociação entre a queixa do paciente e o exame físico.