Prévia do material em texto
2015 História do Brasil repuBlicano Prof. Thiago Rodrigo da Silva Copyright © UNIASSELVI 2015 Elaboração: Prof. Thiago Rodrigo da Silva Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 981 S586h Silva, Thiago Rodrigo da História do Brasil republicano / Thiago Rodrigo da Silva. Indaial: UNIASSELVI, 2015. 246 p. : il. ISBN 978-85-7830-924-4 1. História do Brasil. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. III apresentação A História da República Brasileira é um dos principais temas estudados no ensino de História. Em especial, o Ensino Médio oferta particular interesse sobre esta área do conhecimento. Também os vestibulares e concursos públicos possuem, na maior parte de suas questões, temáticas ligadas ao Brasil Contemporâneo. Assim compreendendo, o atual Caderno de Estudos busca contemplar alguns aspectos importantes, visto que são considerados relevantes no período histórico a ser estudado, visando capacitar o futuro professor de História em sua prática cotidiana na sala de aula. Sínteses de História Republicana Brasileira foram realizadas por diversos historiadores. E, na atualidade, temos um grande (quiçá enorme) volume de estudos referente a temáticas relacionadas ao Brasil nos séculos XIX e XX. Todavia, poucas são as sínteses sobre o período. A maior parte dos estudos são monografias (dissertações ou teses universitárias) de temas específicos, como a Proclamação da República, o período getulista ou os governos militares. Apenas dois autores se destacaram realizando sínteses de História do Brasil República nos últimos 30 anos. O historiador Lincoln de Abreu Penna, que no final dos anos 1980 lançou Uma História da República Brasileira (PENNA, 1989), e a afamada síntese de História do Brasil escrita pelo professor da Universidade de São Paulo Boris Fausto (FAUSTO, 2006). Temos também algumas obras coletivas, que visam difundir as teses universitárias, como a História do Brasil Nação, organizada por Lilia Moritz Schwarcz (SCHWARCZ, 2010), além da História Geral da Civilização Brasileira (FAUSTO, 1997), que contou com as prestigiosas coordenações dos professores Boris Fausto e Sérgio Buarque de Holanda. Tendo como modelo a síntese destes dois autores (Penna e Fausto), o presente escrito também contou com uma terceira inspiração, dada pelo teórico social franco-argelino Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 2013), que pensava a organização da sociedade baseada em “campos de poder”. Assim, ao invés de escrever dando destaque a apenas um campo (cultural, político, econômico ou social), o presente Caderno de Estudos se inspirou em historiadores que apresentaram uma nova forma de explicar a realidade social brasileira, pensando em todas estas questões como relevantes. Deste modo, as unidades foram divididas em quatro tópicos, que buscam abordar as questões políticas, as dinâmicas econômicas, os movimentos sociais e o panorama cultural dos períodos contemplados. As análises empreendidas não buscaram realizar “juízo de valor” aos eventos da História Republicana Brasileira, mas sim possibilitar aos acadêmicos meios para compreender de forma clara a construção da sociedade IV e de suas incoerências. Isto é, mais do que tentar explicar os “porquês”, buscou-se responder ao “como” as estruturas sociais contemporâneas foram formadas no Brasil ao longo do último século. Na primeira unidade iremos contemplar o período da denominada República Velha, também chamada de Primeira República (1889-1930), que se estende do golpe militar que destituiu o imperador D. Pedro II, até um outro golpe, que possibilitou a chegada ao poder do político gaúcho Getúlio Vargas. Na segunda unidade iremos estudar o denominado Período Populista ou Nacional-Desenvolvimentista, que iniciou com o Golpe de 1930 e terminou com o Golpe Militar de 1964. Neste período, iremos compreender as bases das dinâmicas sociais e econômicas brasileiras. Na última unidade iremos compreender os governos militares e o processo de redemocratização. Este caderno foi construído levando em conta muitas das contribuições que os acadêmicos e os tutores do Curso de História EAD/UNIASSELVI apontaram como lacunas dos cadernos escritos anteriormente. Nossa gratidão aqui fica expressa a todos os profissionais que se empenharam para que ele pudesse ser revisado e aprimorado. Um sincero muito obrigado a todos os tutores e acadêmicos do EAD/ UNIASSELVI. Votos de boa leitura! Prof. Thiago Rodrigo da Silva V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VI VII UNIDADE 1 - A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) ................................................................ 1 TÓPICO 1 - AS QUESTÕES POLÍTICAS ...................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 3 2 O DESGASTE DA MONARQUIA E O MOVIMENTO REPUBLICANO ........................... 4 3 A QUESTÃO MILITAR E A REPÚBLICA DA ESPADA ......................................................... 9 4 A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA: O “CAFÉ COM LEITE” ...................................................... 17 5 A POLÍTICA EXTERNA: A DIPLOMACIA BRASILEIRA NA PRIMEIRA REPÚBLICA ...................................................................................................................................... 20 RESUMO DO TÓPICO 1 ................................................................................................................... 25 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 26 TÓPICO 2 - AS DINÂMICAS ECONÔMICAS DA PRIMEIRA REPÚBLICA ...................... 27 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 27 2 OS SURTOS INDUSTRIAIS ......................................................................................................... 28 3 O CAFÉ E AS DEMAIS ATIVIDADESAGRÍCOLAS .............................................................. 30 4 LOGÍSTICA: O SETOR DE TRANSPORTES ............................................................................ 34 5 A IMIGRAÇÃO: UMA QUESTÃO SOCIOECONÔMICA ..................................................... 36 RESUMO DO TÓPICO 2 ................................................................................................................... 40 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 41 TÓPICO 3 - OS MOVIMENTOS SOCIAIS DA REPÚBLICA VELHA ................................... 43 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 43 2 OS MOVIMENTOS RELIGIOSOS: A GUERRA DE CANUDOS, A REVOLTA DE JUAZEIRO E A GUERRA DO CONTESTADO ......................................................................... 44 3 MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS: A REVOLTA DA VACINA OBRIGATÓRIA, O MOVIMENTO SINDICALISTA E A GREVE GERAL DE 1917 ............................................. 49 4 OS MOVIMENTOS MILITARES: A REVOLTA DA CHIBATA E O TENENTISMO ....... 53 5 CANGAÇO E SUFRAGISMO: OS MOVIMENTOS SOCIAIS “POUCO LEMBRADOS” ............................................................................................................... 57 RESUMO DO TÓPICO 3 ................................................................................................................... 60 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 61 TÓPICO 4 - O PANORAMA CULTURAL ..................................................................................... 63 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 63 2 A EDUCAÇÃO E A CULTURA ERUDITA NA PRIMEIRA REPÚBLICA ............................ 63 3 CULTURA POPULAR & CULTURA DE MASSA ..................................................................... 67 4 O CAMPO RELIGIOSO NO BRASIL DA PRIMEIRA REPÚBLICA .................................... 70 5 OS NOVOS SÍMBOLOS DA REPÚBLICA BRASILEIRA ...................................................... 73 RESUMO DO TÓPICO 4 ................................................................................................................... 75 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 76 sumário VIII UNIDADE 2 - O PERÍODO NACIONAL DESENVOLVIMENTISTA (1930-1964) ............... 77 TÓPICO 1 - A HISTÓRIA POLÍTICA DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO ........ 79 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 79 2 DA REVOLUÇÃO DE 1930 AO ESTADO NOVO .................................................................... 80 3 DO ESTADO NOVO AO SUICÍDIO DE GETÚLIO VARGAS ............................................. 85 4 JUSCELINO, JÂNIO E JANGO .................................................................................................... 92 5 AS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL ENTRE 1930 ATÉ 1964 ..................................... 99 RESUMO DO TÓPICO 1 ................................................................................................................... 103 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 104 TÓPICO 2 - A ECONOMIA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA .................................... 105 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 105 2 A QUESTÃO DO CAFÉ E AS DEMAIS ATIVIDADES AGRÍCOLAS DURANTE A GRANDE DEPRESSÃO ................................................................................................................. 105 3 A POLÍTICA DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES ....................................................... 106 4 A POLÍTICA MONETÁRIA E CAMBIAL .................................................................................. 111 5 O SETOR DE TRANSPORTES ..................................................................................................... 114 RESUMO DO TÓPICO 2 ................................................................................................................... 116 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 117 TÓPICO 3 - OS MOVIMENTOS SOCIAIS ................................................................................... 119 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 119 2 OS MOVIMENTOS SOCIAIS DE DIREITA: A AÇÃO SOCIAL DA IGREJA CATÓLICA, O INTEGRALISMO E A TRADIÇÃO FAMÍLIA E PROPRIEDADE ............ 119 3 OS GRUPOS DE ESQUERDA NA IGREJA CATÓLICA, O PARTIDO COMUNISTA, O MOVIMENTO SINDICAL E O MOVIMENTO ESTUDANTIL ....................................... 124 4 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO INTERIOR DA CASERNA ............................................ 129 5 MOVIMENTOS SOCIAIS PRÓ-GOLPE MILITAR ................................................................. 130 RESUMO DO TÓPICO 3 ................................................................................................................... 132 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 133 TÓPICO 4 - O PANORAMA CULTURAL NA REPÚBLICA NACIONAL- DESENVOLVIMENTISTA ......................................................................................... 135 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 135 2 A EDUCAÇÃO E A CULTURA ERUDITA NA REPÚBLICA NACIONAL- DESENVOLVIMENTISTA ............................................................................................................ 135 3 CULTURA POPULAR & CULTURA DE MASSA ..................................................................... 137 4 O CAMPO RELIGIOSO NO BRASIL DA REPÚBLICA NACIONAL- DESENVOLVIMENTISTA ............................................................................................................ 141 5 AS ARTES E OS ESPORTES COMO UM SÍMBOLO DIPLOMÁTICO E DE IDENTIDADE NACIONAL .......................................................................................................... 144 6 OS GRUPOS DE INTELECTUAIS A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTISMO ESTATAL ............................................................................................................................................ 147 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 149 RESUMO DO TÓPICO 4 ................................................................................................................... 151 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 153 UNIDADE 3 - O BRASIL ENTRE A DITADURA E A DEMOCRACIA (1964-2010) ............. 155 TÓPICO 1 - AS QUESTÕES POLÍTICAS ...................................................................................... 157 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 157 IX 2 A POLÍTICA NO CICLO AUTORITÁRIO .................................................................................157 3 DAS “DIRETAS JÁ” AO GOVERNO LULA .............................................................................. 166 4 POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL NA DITADURA E NA DEMOCRACIA ..................... 178 RESUMO DO TÓPICO 1 ................................................................................................................... 182 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 183 TÓPICO 2 - A GESTÃO ECONÔMICA DO BRASIL: ENTRE A INTERVENÇÃO ESTATAL E O LIBERALISMO ECONÔMICO ...................................................... 185 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 185 2 AS LINHAS GERAIS DA POLÍTICA ECONÔMICA NO BRASIL DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX ............................................................................................................ 185 3 POLÍTICA MONETÁRIA, OS BANCOS E O MERCADO DE CAPITAIS .......................... 190 4 O SETOR INDUSTRIAL ENTRE A DITADURA E A DEMOCRACIA – O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO E DESINDUSTRIALIZAÇÃO .................................................... 192 5 O AGRONEGÓCIO, OS SETORES DE TRANSPORTES E ENERGIA ............................... 196 RESUMO DO TÓPICO 2 ................................................................................................................... 201 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 202 TÓPICO 3 - CULTURA & SOCIEDADE: MOVIMENTOS ARTÍSTICOS, SOCIAIS E RELIGIOSOS ................................................................................................................ 203 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 203 2 OS MOVIMENTOS ARTÍSTICOS .............................................................................................. 203 3 A OPOSIÇÃO DA SOCIEDADE À DITADURA: A IMPRENSA, O MOVIMENTO ESTUDANTIL E A LUTA ARMADA ........................................................................................... 207 4 OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS ...................................................................................... 210 5 O CAMPO RELIGIOSO NA DITADURA E NA DEMOCRACIA ......................................... 213 RESUMO DO TÓPICO 3 ................................................................................................................... 217 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 218 TÓPICO 4 - UM POUCO DE HISTORIOGRAFIA DO BRASIL REPUBLICANO .............. 219 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 219 2 OS CLÁSSICOS DA HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA ......................................... 219 3 NOVOS PERSONAGENS CONTAM NOVAS HISTÓRIAS: A HISTORIOGRAFIA REPUBLICANA NA ATUALIDADE BRASILEIRA ................................................................. 220 4 HISTÓRIA DAS MULHERES E RELAÇÕES DE GÊNERO ................................................... 222 5 A NOVA HISTÓRIA SOCIAL DOS TRABALHADORES ...................................................... 225 6 NOVA HISTÓRIA CULTURAL E NOVA HISTÓRIA POLÍTICA ........................................ 227 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 230 RESUMO DO TÓPICO 4 ................................................................................................................... 235 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 236 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 237 X 1 UNIDADE 1 A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: ● compreender as dinâmicas políticas da velha república, dividida entre o poder dos oligarcas rurais e dos militares do exército; ● interpretar de forma crítica as dinâmicas econômicas da primeira repúbli- ca, marcada por surtos industriais e a produção agrícola, mais notadamen- te a cafeicultura; ● analisar as causas políticas e econômicas dos diversos movimentos sociais rurais messiânicos e urbanos ligados aos direitos dos trabalhadores; ● contemplar a diversidade cultural e a sensibilidade artística dos músicos, escritores e demais profissionais das artes no Brasil na última década do século XIX e primeiras décadas do século XX. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – AS QUESTÕES POLÍTICAS TÓPICO 2 – AS DINÂMICAS ECONÔMICAS DA PRIMEIRA REPÚBLICA TÓPICO 3 – OS MOVIMENTOS SOCIAIS DA REPÚBLICA VELHA TÓPICO 4 – O PANORAMA CULTURAL 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 AS QUESTÕES POLÍTICAS 1 INTRODUÇÃO República Velha ou Primeira República, se divide em República da Espada e Oligárquica, ou do “Café com Leite”. Muitas foram as alcunhas e termos utilizados para compreender a vida brasileira durante os anos de 1889 até 1930. Um tempo de profundas modificações na vida nacional. Um tempo no qual a “ordem foi o progresso”. Isto é, um período em que a vida da nação, assim como da sociedade ocidental, estava movida pelos ideais da modernidade. Deste modo, podemos compreender que durante a passagem do século XIX para o XX, muitos inventos materiais tiveram uma importância incomensurável para as transformações das relações humanas e sociais. Foi uma época na qual tivemos grandes inventos, como o gramofone, o Zepelim, o avião, a utilização da energia elétrica. Com isto, podemos pensar que o cotidiano das populações urbanas foi alterado graças aos inventos e descobertas da ciência. Concomitantemente, o Brasil era ainda uma nação agrária exportadora. Com isto, podemos pensar que a maior parte da população brasileira, que vivia do trabalho na agricultura, não tinha acesso a estas facilidades que a tecnologia começava a apresentar para as populações urbanas. Os debates historiográficos sobre a Primeira República são importantes para a compreensão dos eventos relativos ao período. Temos a presença de vários historiadores que estudaram as primeiras décadas republicanas. Dentre os pioneiros, podemos citar José Maria Bello e Hélio Silva. Também tiveram destaque na produção historiográfica autores marxistas, como Edgar Carone, em A República Velha, obra em dois volumes (CARONE, 1978), também autor de O tenentismo. Novas abordagens sobre as “explicações clássicas” foram produzidas nas últimas décadas por vários historiadores, que por vezes se afastaram das explicações empiristas e marxistas. Nestas novas formas de explicação realizadas por diversos intelectuais, pode-se destacar José Murilo de Carvalho, autor de livros fundamentais para a compreensão do período, como A Formação das Almas e Os Bestializados (CARVALHO, 1990). Nesta unidade iremos compreender alguns aspectos da vida brasileira. Nós iremos acompanhar as transformações políticas, marcadas pelo “café-com-leite”, pelas questões econômicas, ligadas à exportação do café, à questão social, marcada pela injustiça e brutal desigualdade, além das transformações culturais vividas pelos brasileiros no período. Deste modo, buscaremos ter uma “visão panorâmica” da História neste períodoinicial de vida política republicana. UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 4 As questões políticas do Brasil, na Primeira República, revelam um alto grau de complexidade. Podemos compreender que muitos grupos buscavam a hegemonia no campo político. O Brasil ainda era um país de população majoritariamente rural. Todavia, amplamente integrado nas dinâmicas da economia global, como produtor de produtos primários, mais notadamente o café. Do ponto de vista social, tínhamos uma grande concentração de renda, que foi amenizada com o fim da escravidão, que possibilitou a liberação de capitais (antes concentrados no comércio de seres humanos) em atividades produtivas. Neste sentido, a organização social ainda era composta por um interior rural, com algumas cidades litorâneas tendo destaque como interpostos comerciais dos produtos agrícolas para o mercado internacional. Santos, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Recife ainda se mantinham como os principais centros urbanos. Porém, o poder estava entre os proprietários rurais, os denominados coronéis. A cidade de São Paulo viveu um grande aumento de sua população e sua produção industrial. Porém, era a então capital federal o Rio de Janeiro, a principal cidade brasileira. Um país com uma população em sua maioria empobrecida, com poucos direitos. O voto não era secreto, mas a descoberto, e o chamado “voto de cabresto” impedia uma renovação nas lides políticas. Em relação à disputa pelo Poder Executivo Federal, podemos compreender que foram dois os principais grupos a lutar pelo poder. Os militares, mais especialmente o Exército, e os grandes proprietários rurais, mais notadamente os cafeicultores paulistas e mineiros. Estes dois grupos, as oligarquias agrárias e os militares, foram os principais protagonistas das lutas políticas brasileiras em todo o século XX. Porém, para compreender com profundidade a consolidação destes dois polos de poder, devemos antes entender o processo de Proclamação da República. 2 O DESGASTE DA MONARQUIA E O MOVIMENTO REPUBLICANO A forma de organização do Estado Brasileiro independente em um império foi uma continuidade em relação ao período colonial, tendo em vista que fomos comandados pela mesma dinastia europeia, a Casa de Bragança, família real da qual eram originários os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II. Porém, em toda a América, o Brasil era o único país que ainda se mantinha como uma monarquia, em meio a diversas repúblicas. Porém, a Guerra do Paraguai, com suas consequências sociais e políticas, abalou as bases da legitimidade do poder monárquico no Brasil. Assim, em 1870, súditos do imperador D. Pedro II assinaram um Manifesto Republicano. Podemos apontar que o movimento republicano possuiu três grandes categorias sociais que o motivaram. Os cafeicultores paulistas, os profissionais liberais urbanos e os jovens oficiais militares (PENNA, 1989). TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 5 Os cafeicultores e líderes políticos do interior paulista, fundadores do PRP – Partido Republicano Paulista, fundaram um grupo forte de adeptos do republicanismo, cujos principais líderes foram Francisco Glicério e Prudente de Morais. Outro grupo importante de adeptos do republicanismo foi composto por profissionais liberais que viviam na corte imperial. Entre eles se destacaram os intelectuais Quintino Bocaiúva e Silva Jardim. Além destes grupos, tivemos um terceiro, composto por jovens cadetes da Escola Militar do Brasil, que se localizava no bairro carioca da Praia Vermelha, e tinha como principal professor o positivista Benjamin Constant. Além de São Paulo e da Corte, nas demais províncias do Império do Brasil tivemos uma ampla divulgação dos ideais republicanos. Porém, o Partido Republicano, na maior parte das províncias, era minoritário, sendo os partidos majoritários o Partido Conservador (conhecido pela alcunha Saquaremas) e o Partido Liberal (conhecido por Luzias). Em geral, o Partido Republicano era composto por membros da intelectualidade, profissionais liberais e pequenos comerciantes, não ligados aos “donos do poder”, e não vinculados à exploração maciça do trabalho escravo. O Partido Republicano das províncias, na ampla maioria, não tinha uma grande representatividade. Porém, o Partido Republicano Paulista possuía características singulares, que o fazia especial frente às demais províncias. Nos últimos anos do Império, o café era o principal produto que mantinha em superávit a balança comercial brasileira. O café possuiu, durante todo o século XIX, um percurso que se iniciou na região serrana fluminense, posteriormente ganhou a região do Vale do Rio Paraíba do Sul, no sul da Província do Rio de Janeiro. Em geral, era composto por grandes fazendas e grandes escravarias. Todavia, com a expansão das áreas de cultivo, uma nova elite cafeicultora se distinguiu na região geográfica do Oeste Paulista. Esta elite cafeicultora possuía uma característica diferente das antigas elites agrárias brasileiras, pois não era dependente da mão de obra escrava, mas utilizava a força de trabalho dos imigrantes, trazidos para a região do interior paulista pela liderança do senador Vergueiro. Em geral, a maior parte dos imigrantes era italiana e alemã. Esta nova elite do Oeste Paulista, portanto, não tinha interesses vinculados à manutenção da escravidão (FAUSTO, 2002). Mesmo sendo uma região importante do ponto de vista econômico, o Oeste Paulista e a nova elite por ela composta, assim como toda a Província de São Paulo, de um modo geral, não possuíam cargos de destaque na administração do Império. Podemos lembrar que não eram dos políticos paulistas as chefias de gabinetes ou ministérios importantes. Com isto, temos uma tendência de descontentamento desta elite com o Imperador D. Pedro II. Os liberais urbanos e os militares positivistas tiveram também seus interesses sociopolíticos não atendidos pelo governo imperial. Todavia, podemos também relacionar o desgaste social da monarquia também ligada ao movimento abolicionista, à questão religiosa e aos atritos do imperador com o Exército. UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 6 Um importante movimento social que estava a angariar vários adeptos dentre as mais diversas classes sociais no Brasil na sequência da Guerra do Paraguai foi o abolicionismo. O movimento abolicionista tinha como causa máxima a libertação irrestrita de todos os escravos brasileiros. Em muitos lugares, homens livres compravam alforrias ou mesmo compravam escravos, e a eles ofertavam a manumissão (isto é, a liberdade). Estes se organizavam nos chamados Clubes Abolicionistas, que agregavam membros dos mais variados estamentos da sociedade monárquica. O movimento se vinculava tanto às camadas médias e profissionais liberais, quanto a membros da elite imperial. Entre os membros das camadas médias urbanas podemos lembrar o nome de Luiz da Gama, um rábula (isto é, alguém que tinha o direito de exercer a advocacia, mesmo não sendo formado em Direito). Negro, que conseguiu ascender socialmente por seu talento e inteligência, era um símbolo vivo das causas defendidas por largos segmentos da sociedade, que acreditava na capacidade dos negros, como senhores de seu destino, em contribuir positivamente para o desenvolvimento brasileiro. Ao mesmo tempo, o movimento abolicionista contou com adeptos da própria elite imperial, como a Princesa Isabel, ligada ao Quilombo do Leblon. Todavia, o maior nome do abolicionismo brasileiro foi Joaquim Nabuco. Para o intelectual pernambucano, a escravidão foi a grande responsável pela decadência do Império Brasileiro. Em especial, pela escravidão não permitir o desenvolvimento de uma mentalidade industriosa e a instalação da pequena propriedade no interior do Brasil. A ideia de uma moral do trabalho, presente no liberalismo políticoeuropeu, era corroborada por Joaquim Nabuco, como podemos observar na seguinte passagem de seu clássico, o abolicionismo: O que a escravidão fez foi esterilizar o solo pela sua cultura extenuativa, embrutecer os escravos, impedir o desenvolvimento dos municípios, e espalhar em torno dos feudos senhoriais o aspecto das regiões miasmáticas, ou devastadas pelas instituições que suportou, aspecto que o homem livre instintivamente reconhece. (NABUCO: 1982, p. 85). TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 7 FIGURA 1 - JOAQUIM NABUCO FIGURA 2 - ANDRÉ REBOUÇAS FONTE: Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 20 ago. 2015. FONTE: Disponível em: <www.joaquimnabuco.org.br >. Acesso em: 20 ago. 2015. UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 8 O movimento abolicionista contou também com a participação de André Rebouças, que ao lado dos seus irmãos, Antônio Rebouças e José Rebouças, tiveram grande importância, como negros que, formados em Engenharia, contribuíram com importantes obras públicas durante o Império Brasileiro, comprovando a capacidade intelectual dos negros brasileiros. Todavia, o movimento abolicionista não pode ser diretamente relacionado ao movimento republicano. Pois, muitos dos entusiastas do abolicionismo se mantiveram favoráveis ao regime político monárquico. Joaquim Nabuco e André Rebouças, por exemplo, se mantiveram monarquistas mesmo com o advento da República, tendo Rebouças se exilado na Ilha da Madeira, e Nabuco escrito o livro Balmaceda, no qual critica diretamente o ditador chileno, e indiretamente o governo de Floriano Peixoto. Porém, vale salientar que muitos dos entusiastas da República, ou mesmo personagens destacados no golpe militar da Proclamação da República, eram abolicionistas, como é exemplo o Marechal Deodoro da Fonseca. A questão da abolição da escravidão se relaciona diretamente à Proclamação da República, não por uma vinculação direta entre os líderes abolicionistas e o movimento republicano, mas pelo fato de a Lei de 13 de maio de 1888 ferir os interesses de um dos poucos grupos que ainda apoiavam o Imperador D. Pedro II: a aristocracia rural do Vale do Paraíba do Sul. Nobres, em geral agraciados com o título de Barão, que viviam na região do Rio Paraíba, na fronteira entre as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, perderam o capital e o status investido na compra das grandes escravarias que possuíam. Assim, não mais defendiam a monarquia, mesmo não tendo grande relação com o movimento republicano. A questão religiosa também é importante para a compreensão do fim da monarquia Bragança no Brasil. A Igreja Católica foi uma das principais instituições aliadas à Monarquia Bragança. Desde o movimento da Restauração, no século XVII, no qual tivemos o fim da União Ibérica entre Portugal e Espanha, muitos foram os sacerdotes católicos que auxiliaram a monarquia, sendo ela um dos sustentáculos ideológicos do regime monárquico no Brasil. Para termos uma ideia da dimensão temporal do poder católico, os documentos e ações hoje civis eram de responsabilidade eclesiástica. Alguns exemplos são a certidão de batismo e casamento, assim como o direito a um funeral em cemitério. Todavia, a relação da religião com o Império sofreu profundas alterações ao longo do século XIX. Pois, desde a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, o catolicismo deixou de ser uma religião exclusiva, para se transformar em uma religião oficial. Tivemos a liberdade de culto para os anglicanos, com os diversos tratados, simbolizados pela abertura dos portos às nações amigas. Também tivemos uma liberdade de culto para os imigrantes alemães, que em grande parte eram luteranos. Todavia, as tensões do imperador com as lideranças eclesiásticas brasileiras ocorreram devido a questões teológicas no interior do próprio catolicismo. TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 9 Uma das prerrogativas do catolicismo ibérico era o que na colônia ficou conhecido como padroado régio. Isto é, a prerrogativa legal que permite ao imperador interpretar as bulas papais, pois o chefe do Estado é considerado um Vigário de Cristo, uma das características do poder régio nas monarquias absolutistas do Antigo Regime Europeu. Durante a segunda metade do século XIX, o Papa Pio IX publicou um documento no qual os maçons deveriam ser retirados das confrarias religiosas. Todavia, muitos dos membros das elites provinciais e da corte eram maçons. O que motivou ao imperador revogar este dispositivo das ordens vindas do Vaticano. Porém, alguns bispos, que possuíam uma formação diferenciada, os denominados “ultramontanos”, não seguiram as ordens do Imperador D. Pedro II, expulsando das confrarias e ordens terceiras os maçons. O imperador interveio, sendo ordenada a prisão dos bispos D. Macedo Costa e D. Vidal. D. Vidal morreu na prisão, sendo D. Macedo Costa liberto quando o Duque de Caxias foi chefe do gabinete do Senado imperial. A tensão entre a Igreja e o imperador foi de tamanha repercussão, a ponto de, quando o novo regime foi instalado, se acordou a separação entre a Igreja e o Estado, com a instituição de um Estado laico com a Constituição de 1891, que ratificou acordos realizados por D. Macedo Costa e Rui Barbosa. É importante lembrar que mesmo durante o império, alguns senadores, como Tavares Bastos, eram favoráveis à instituição de um Estado laico (VIEIRA, 1980). Assim, podemos compreender que a República possibilitou a concretização de alguns anseios das classes políticas do Império Brasileiro. 3 A QUESTÃO MILITAR E A REPÚBLICA DA ESPADA A questão militar é uma das principais para compreendermos os eventos que culminaram no golpe de 15 de novembro de 1889. Pois foram justamente os militares que destronaram D. Pedro II. Devemos, antes, compreender que a Marinha de Guerra era a principal força armada do Império Brasileiro, tendo os netos do imperador servido na Marinha. O Exército perdeu prestígio após o processo de Independência, sendo a Guarda Nacional, instituída durante o período regencial, um dos símbolos desta perda de prestígio. Contraditoriamente, a força terrestre foi utilizada para os interesses da elite do Estado Imperial, ao ser o Exército a instituição responsável por dizimar as revoltas provinciais (Cabanagem, Balaiada etc.). Todavia, os oficiais do Exército não possuíam prestígio social. O prestígio do Exército se ampliou com a Guerra do Paraguai, na qual os militares saíram vitoriosos. Durante a guerra, surgiram os primeiros confrontos entre os generais e a família imperial, devido à figura controversa do Conde D’Eu, francês de nascimento e esposo da Princesa Isabel. Em grande parte, pela intromissão do conde em assuntos relativos à guerra, sendo o nobre o comandante responsável pela caça a Solano Lopez no interior paraguaio. As posturas do Conde D’Eu foram duramente criticadas, consideradas impiedosas por lideranças militares como o General Osório e o Duque de Caxias. UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 10 No retorno das tropas para a Corte, o prestígio merecido não correspondia ao tratamento que a monarquia oferecia aos soldados. Um primeiro conflito ocorreu quando o Coronel Sena Madureira se opôs à obrigatoriedade que o Visconde de Ouro Preto tentou impor aos militares. Quis o visconde instituir a contribuição compulsória para o montepio (previdência) da categoria. Esta oposição virou uma questão de esfera pública, discutida pela imprensa. Porém, a principal questão relativa às oposições entre o imperador e o Exército se relacionara ao movimento abolicionista. No ano de 1884, o Coronel Madureira convidou o jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, conhecido pela alcunha de Dragão do Mar (e nacionalmente felicitado por sua postura antiescravagista de não transportar escravos em suajangada), a comparecer na cidade-sede da Corte Imperial, o Rio de Janeiro. O jangadeiro foi recebido pelo Coronel Sena Madureira, o que demonstrava uma postura claramente antiescravagista do coronel. Por isso, o mesmo recebeu uma punição, sendo transferido para o Rio Grande do Sul. O ministro da Guerra proibiu os militares de expressarem suas ideias pela imprensa. Porém, o então Comandante de Armas e Presidente da Província do Rio Grande do Sul, Marechal Deodoro da Fonseca, se negou a punir os militares sob seu comando, o que motiva o mesmo ser chamado para a Corte. As tensões aumentaram a partir do momento em que o Coronel Cunha Mattos (ligado ao Partido Liberal) também se manifesta pela imprensa, acusando pelos jornais que seu superior hierárquico (ligado ao Partido Conservador) era corrupto, exigindo a exoneração do mesmo. Ao novamente utilizar a imprensa como arma de luta, os militares foram punidos pelo imperador. Novamente Sena Madureira se expressa através da imprensa, e se desliga do Exército. O Coronel Madureira e o Marechal Deodoro da Fonseca retornaram juntos para o Rio de Janeiro, chegando à Corte imperial em 1887, e sendo recebidos como heróis pelos cadetes da Academia Militar da Praia Vermelha. Este ato motivou o imperador a emitir um perdão para as punições sofridas pelos três oficiais envolvidos. No mesmo ano foi fundado o Clube Militar, que, tendo por presidente Deodoro da Fonseca, solicitou ao ministro da Guerra que os militares não mais atuassem como capitães-do-mato, isto é, perseguissem escravos fugidos. Uma das principais instituições militares que simpatizava com os ideais republicanos e positivistas foi a “Escola Militar do Brazil”, que se localizava no bairro carioca da Praia Vermelha. Uma Academia Militar em grande parte influenciada pelo positivismo, divulgado para os cadetes através das aulas de Benjamin Constant, sendo a maior parte dos cadetes entusiastas do movimento republicano. Alguns hábitos cotidianos dos militares republicanos positivistas retratam uma visão singular de mundo, como andar em trajes civis fora do horário de serviço nos quartéis, o que simboliza um repúdio à ideia monárquica de uma diferenciação dos indivíduos pelos trajes (as leis suntuárias). Dentre os oficiais que eram adeptos do republicanismo existia uma diferenciação. De um lado, o grupo dos “oficiais científicos”, assim chamados porque cursavam a Academia Militar. Por sua vez, os oficiais que tinham atingido postos elevados no front paraguaio eram chamados de tarimbeiros. (A tarimba era um TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 11 tipo de cama de campanha dos quartéis). Os cadetes “científicos” foram uma força política fundamental nos eventos que precipitaram o fim da monarquia brasileira, e se envolveram em grande parte das disputas políticas na primeira década republicana (CASTRO, 1995). UNI O positivismo foi uma das doutrinas filosóficas do século XIX. Elaborada pelo italiano Augusto Comte, tinha como princípios alguns ideais que influenciaram a sociedade brasileira. O lema dos positivistas era Amor, Ordem e Progresso, que, em parte, consta de nossa bandeira nacional. Para Augusto Comte: “O amor vem por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Durante as primeiras semanas do mês de novembro de 1889, o Ceará passava por uma grave seca, problema de responsabilidade do Ministério da Viação e Obras Públicas. Porém, o Império brasileiro, seguindo uma tradição monárquica, tinha como principal preocupação oferecer uma recepção aos oficiais da Marinha de Guerra da República do Chile, ancorados no porto do Rio de Janeiro. Para tanto, organizaram um baile na Ilha Fiscal, na Baía da Guanabara, com pompa e requinte, farta comida e convidados da elite imperial. O baile era um símbolo de um governo decadente, pois as preocupações dos mandatários sociais eram a pompa em relação às nações vizinhas, ao invés do bem-estar de sua população. O “último baile do Império”, como ficou conhecido, é simbolizado por um evento que foi marcado por um fato curioso. Teria sido observado por alguns presentes o imperador caindo de forma bizarra no chão, em pleno baile, causando um vexame aos presentes. A recepção para os guardas-marinhos chilenos era um retrato de um governo em descompasso com os interesses da população. Soma-se a este descaso do governo imperial com a população brasileira uma certa ideia social arraigada de que D. Pedro II era um governante bom, porém envelhecido, com pouca capacidade de liderança. O imperador tinha a imagem pública de um bom homem, culto, um verdadeiro erudito. Porém, assessorado por oportunistas ou pessoas inescrupulosas. Esta foi uma das imagens da monarquia brasileira em seu declínio. Tal visão é relatada pelo humorista Ângelo Agostini, na seguinte charge do imperador D. Pedro II. UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 12 FIGURA 3 – CHARGE DE D. PEDRO II FONTE: Disponível em: <www.opapeldaarte.com.br>. Acesso em: 20 ago. 2015. Um imperador que “dorme, ao invés de cuidar do país”. Pode-se afirmar que tal visão era a de muitos súditos de sua majestade imperial. O imperador mandou para o Parlamento, nas primeiras semanas do mês de novembro, proposta de lei modernizante, com vistas a ofertar maiores liberdades individuais, como maior autonomia administrativa para as províncias, liberdade de voto, liberdade de ensino, redução das prerrogativas do Conselho de Estado e mandatos não vitalícios para o Senado Federal. Todavia, a maioria conservadora da Câmara não aprovou estas medidas modernizantes. O estopim para o golpe militar de 15 de novembro estava relacionado às querelas políticas entre os dois principais partidos do Império, o Partido Liberal e o Conservador. Pois, um antigo desafeto dos militares e político ligado ao Partido Liberal, o Visconde de Ouro Preto, era o chefe do Gabinete de Ministros. O comandante do Batalhão de Guardas de São Cristóvão, Marechal Deodoro da Fonseca, foi incentivado por diversos companheiros de armas para retirar o chefe do Gabinete de Ministros de sua posição de poder. Além de militares, como Benjamin Constant, outros líderes republicanos, como Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva, buscavam convencer Deodoro de aderir ao republicanismo (CASTRO, 1995). Deodoro foi convencido e partiu com seu batalhão, que tinha como responsabilidade defender o imperador, para destituir o governo de Ouro Preto, com aclamações de “Viva o imperador”, vibração e brado comum na tropa do Exército imperial. Todavia, ao invés de destituir apenas o Gabinete Ouro Preto, acabou-se por proclamar a República no Brasil, sendo a Família Real informada da situação e obrigada a abandonar o Brasil. Tal golpe foi surpreendente para a maior parte da população, que, quando viu a movimentação das tropas na cidade do Rio de Janeiro, acreditou se tratar de uma parada militar. O líder republicano histórico Aristides Lobo, em uma frase, relatou o sentimento popular em relação à Proclamação da República: “O povo assistiu bestializado”. TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 13 FONTE: Disponível em: <www.opapeldaarte.com.br>. Acesso em: 20 ago. 2015. FIGURA 4: CÉLEBRE IMAGEM DE DEODORO DA FONSECA FONTE: Disponível em: <www.historiahoje.com>. Acesso em: 20 ago. 2015. Não houve ações de violência na Corte logo após o golpe. A Marinha não contou com o seu principal líder militar, o Almirante Saldanha da Gama, que, comandando o encouraçado Aquibadã, poderia reagir militarmente ao golpe de Deodoro. Também podemos pensar que as bases de sustentação sociopolíticas da monarquia tinham sido minadas. Em novembro de 1889, as principais camadas sociais que davam sustentação ao imperador, compostas pela elite militar, pela elite escravocrata e pelo clero, estavam desgostosas com os rumos tomados pelo Império brasileiro. Ao analisarmos as três temáticas(questão militar, questão abolicionista e questão religiosa), podemos concluir que o imperador, em novembro de 1889, não possuía forte apoio da Igreja, por deixar um bispo morrer na prisão. Não possuía apoio das elites econômicas cafeicultoras, por não dar representatividade aos fazendeiros do Oeste Paulista, que fundaram o Partido Republicano, e também não possuía apoio em largos setores do Exército, que estavam vinculados ao Positivismo (SODRÉ, 1965). Assim, compreendemos que o golpe militar que derrubou D. Pedro II não encontrou grandes resistências. As reações ao golpe militar foram poucas e localizadas. Podemos pensar na guarda negra, um grupo paramilitar que buscava proteger a família real. Também podemos pensar nas reações de praças (soldados e cabos) contra a República, como a que ocorreu em Desterro (atual Florianópolis) e na Corte (Rio de Janeiro). Ao que se apresenta, a República era uma das novidades “esperadas” por largos setores da população brasileira. UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 14 Após o golpe militar, ocorrido no penúltimo mês de 1889, o Brasil viveu sob o governo provisório, liderado por Deodoro da Fonseca. Tivemos uma reordenação político-partidária, pois muitos membros do Partido Republicano aderiram à República, devido ao fato de que quando o império foi destituído, quem comandava o gabinete dos ministros era o Partido Liberal. Todavia, nos primeiros meses do novo regime existiu uma grande “militarização do poder político”. Esta pode ser medida no fato de os ministros do governo republicano provisório terem recebido o título de General de Brigada, associada a outras medidas típicas de ditaduras militares da América Latina, que viviam com os denominados governos “liberais oligárquicos”. Para se estabelecer os ditames do novo regime, se estabeleceu uma Assembleia Nacional Constituinte. Tal reunião de políticos foi a responsável por elaborar a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, nome oficial do país a partir de então. A Constituição apresentou algumas novidades. Uma delas foi a separação da Igreja Católica do Estado. As antigas províncias foram renomeadas como “estados”. O voto foi estendido para todos os homens alfabetizados maiores de 21 anos. Estas questões foram alterações profundas na ordem social vigente, pois tivemos uma alteração na ordenação política com o fim do voto censitário (isto é, baseado na renda do cidadão). O Congresso elegeu Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto como Presidente e Vice-Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. O presidente Deodoro da Fonseca não conseguiu conviver com um Congresso que lhe fazia oposição. Deodoro buscou fechar o Congresso Nacional. Assim, podemos compreender que, em parte, a mentalidade do antigo general era vinculada ao sistema parlamentarista imperial, no qual o Congresso poderia, via poder moderador, ser destituído se fizesse oposição aos interesses do chefe de Estado. Após a renúncia de Deodoro, tivemos novas disputas políticas, em relação à legitimidade do seu vice, Floriano Peixoto, em assumir o cargo de Presidente da República. Deodoro da Fonseca morreu em 23 de agosto de 1892, pedindo para ser enterrado em trajes civis, e portando como honraria apenas o símbolo do movimento abolicionista. Foi um fato de grande simbolismo. Porém, as disputas em relação à legitimidade do governo Floriano levaram o Brasil a viver duas guerras civis: a Revolta da Armada e a Revolução Federalista. O governo Floriano Peixoto contou com forte oposição, e com desafios para consolidar o regime republicano no Brasil. Floriano era vice-presidente em exercício. Pelo escrito na Constituição de 1891, o marechal deveria convocar novas eleições presidenciais, devido à renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca. Todavia, Floriano Peixoto se mantém no poder até o final de seu mandato. Os opositores afirmavam o oportunismo e as ambições pessoais como motivadoras de tal ação. Os partidários de Floriano Peixoto afirmaram ser a defesa da República a principal ação do “Marechal de Ferro”, que ganhou tal fama ao repelir as oposições na Revolta da Armada e na Revolução Federalista. TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 15 A Revolução Federalista iniciou no Rio Grande do Sul, quando as forças políticas sul-rio-grandenses entram em confronto. De um lado, os liberais, de Gaspar Silveira Martins. De outro, os positivistas liderados por Júlio de Castilhos. A revolução foi extremamente violenta, tendo os dois lados da Revolta degolado os prisioneiros (decapitados a fio de espada). Os revolucionários gaúchos partiram do Rio Grande do Sul, tendo conquistado o Estado de Santa Catarina, rumando para o Rio de Janeiro, foram vencidos da cidade da Lapa, no interior do Paraná. Após a derrota no Cerco da Lapa, a Revolução Federalista findou. Concomitante à Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, na capital republicana o governo Floriano Peixoto sofreu uma profunda oposição da Marinha do Brasil. Pois a Armada Brasileira, liderada pelo Almirante Custódio José de Mello (além do também Almirante Saldanha da Gama e do capitão de mar e guerra Frederico Guilherme de Lorena), exigiu a renúncia de Floriano Peixoto e a convocação de novas eleições. Bombardearam a cidade do Rio de Janeiro, porém não obtiveram êxito em suas ações militares. Alguns oficiais e praças da Armada acabaram por serem recebidos em uma embarcação mercante portuguesa. Porém, ao invés de singrarem para a Europa, a embarcação singrou para o Uruguai, o que possibilitou um contato de marujos da Armada revoltada com os federalistas gaúchos. Todavia, o contato maior entre as duas revoltas ocorreu na Ilha de Santa Catarina (CORREA, 1990). Devido à forte reação militar das tropas leais ao governo Floriano Peixoto, que no Rio de Janeiro defendiam a República contra uma possível restauração da monarquia, o principal navio da Armada, o encouraçado Aquibadã, além de outras embarcações menores, aportam em Desterro, tomando a cidade de assalto, transformando-a em uma “capital do Brasil” para os revoltosos, possibilitando o contato entre a Revolução Federalista e a Revolta da Armada. Porém, o governo Floriano consegue vencer, por mar e por terra, as duas revoltas. Em terra, como já apontado, ao desbaratar os revoltosos federalistas na cidade da Lapa, no Estado do Paraná, os florianistas e republicanos venceram militarmente os revoltosos gaúchos. E por mar, ao entrar em acordo com os Estados Unidos da América, país do qual são compradas embarcações que formaram a (assim apelidada) “esquadra de papelão”, comandada pelo almirante florianista Jerônimo Gonçalves. Esta esquadra legalista vence, na Batalha de Anhatomirim, a esquadra revoltosa. Um dos mais polêmicos episódios da Revolução Federalista de 1893, em Santa Catarina, está ligado ao nome do Coronel Moreira César, homem que ordenou, na Ilha de Anhatomirim, um fuzilamento em massa dos inimigos, os acusando de restauradores da monarquia. Também, em homenagem ao então presidente dos “Estados Unidos do Brazil”, o nome da capital catarinense foi alterado de Nossa Senhora do Desterro para Florianópolis, isto é, Floriano-polis, a cidade de Floriano. A vitória florianista contra as oposições armadas ao seu governo foi relacionada a uma astuta e ardilosa relação com os países estrangeiros. Pois, durante a revolta, a Marinha Real Inglesa ameaçou invadir o porto do Rio de UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 16 Janeiro. Floriano Peixoto, ao ser perguntado por um repórter sobre como receberia os súditos ingleses, teria respondido: “os receberei à bala”. Isto porque os ingleses tinham anteriormente ocupado a cidade de Buenos Aires, as Ilhas Malvinas (onde até hoje se encontram) e tentado, mas sem sucesso, ocupar o porto de Paranaguá, no Paraná. O governo brasileiro tambémentrou em conflito diplomático com a Monarquia Portuguesa, ao serem os revoltosos da Armada recebidos em embarcação mercante lusitana. Porém, se utilizando dos Estados Unidos como principal aliado, o governo brasileiro, comandado por Floriano Peixoto, obteve os empréstimos necessários para a manutenção e vitória nas guerras internas. Além das guerras civis, o governo Floriano Peixoto teve de enfrentar uma grave crise econômica, o denominado encilhamento, que aumentou a dívida pública. O governo Floriano Peixoto foi denominado “Marechal de Ferro”. Alguns entusiastas florianistas eram favoráveis à sua permanência no poder, em um típico estilo latino-americano de ditadura militar (o caudilhismo). Porém, o marechal entregou o poder ao civil eleito pelas urnas, o político paulista Prudente de Moraes, vindo a falecer meses depois de deixar o cargo de presidente. Todavia, o florianismo foi uma corrente política que se manteve entre membros de uma classe média urbana e entre jovens oficiais militares até o ano de 1904, quando a Academia Militar da Praia Vermelha foi fechada, devido aos cadetes terem participado ativamente da Revolta da Vacina Obrigatória. Os florianistas eram considerados radicais republicanos, que viram com bons olhos medidas populares do “Marechal de Ferro”, como o congelamento dos preços dos alimentos, assim como a taxação dos aluguéis. O governo Floriano encerra um período da história brasileira denominado tradicionalmente como “República da Espada”. UNI Florianismo. O florianismo foi um movimento político radical da primeira década republicana, de forte cunho nacionalista. Um dos líderes florianistas chegou a ser Presidente da República anos após a instalação do novo regime, o político fluminense Nilo Peçanha. Caso queira aprender mais sobre os florianistas, é indicado o livro “Os Radicais da República”, de Sueli Robles Reis de Queiróz. Uma visão crítica sobre o movimento foi escrita no romance “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 17 4 A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA: O “CAFÉ COM LEITE” A sucessão presidencial de Floriano Peixoto por Prudente de Moraes inicia um período da História da República Brasileira denominado “República Oligárquica” ou República do Café com Leite. Tal nome se deve ao fato de o poder político ser dividido entre as lideranças políticas dos estados de São Paulo (o produtor de café) e Minas Gerais (tido como afamado produtor de leite). Prudente de Moraes, eleito presidente para o mandato entre 1895-1899, temia que as forças florianistas pudessem realizar um golpe de Estado. Todavia, Floriano debandou qualquer possibilidade de golpe, atuando para a sucessão ser confirmada. O sistema político da República Velha possuía algumas nomenclaturas e especificidades um tanto diferentes do Brasil contemporâneo. As eleições não eram secretas, e apenas os homens poderiam votar. Também eram comuns as chamadas eleições a bico-de-pena, isto é, a população era coagida, de modo violento, a votar em candidatos indicados pelos mandatários políticos locais. Isto tinha um maior peso em especial com as populações locais. Em grande parte, os mandatários locais eram denominados coronéis, devido ao fato de muitos proprietários rurais comprarem a patente de coronel da antiga Guarda Nacional, que foi criada no Império e subsistiu até 1918. Tal sistema político era autoritário e excludente. Podemos chamar tal sistema de coronelismo (LEAL, 1975), pois dos coronéis, em geral grandes proprietários de fazendas nos interiores do Brasil, dependiam as lides políticas nacionais. Os governos oligárquicos foram em grande parte eleitos com sufrágios fraudulentos. O cidadão não exercia o direito de livre escolha, mas sim, votava por coação do mandatário local. Os coronéis possuíam jagunços armados, que atuavam em nome de seu poder, e nas eleições impeliam aos eleitores, que em geral eram trabalhadores de suas fazendas, em quem deveriam votar. Neste modelo eleitoral questionável foi eleito o primeiro presidente civil: Prudente de Moraes. O governo Prudente de Moraes passou por uma grande guerra civil, A Revolta de Canudos. O presidente Prudente de Moraes foi substituído em 1898 por Campos Sales, que venceu o militar Lauro Sodré. Segundo presidente civil, o governo de Campos Sales existiu de 1898 até 1902, sendo com ele instituída a denominada política dos governadores, em que foi valorizado o poder das oligarquias políticas regionais. Em seu governo foi realizado o denominado funding loan, um acordo financeiro em relação à dívida externa. Posteriormente, o governo da República foi substituído por Rodrigues Alves. Em seu primeiro governo, Rodrigues Alves foi um dos principais articuladores de uma ampla reformulação urbana da capital republicana, ao indicar Pereira Passos como interventor do Distrito Federal (que na época era a cidade do Rio de Janeiro). O Rio de Janeiro passou por diversas reformas urbanas, destacando-se a construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Por sua vez, Rodrigues Alves foi substituído pelo seu vice, Afonso Pena, político ligado ao Partido Republicano Mineiro, que venceu Lauro Sodré e Rui Barbosa. Em seu governo foram tomadas algumas medidas de impacto econômico, como a construção de ferrovias, além da criação UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 18 da Missão Rondon, que surgiu com o objetivo de ligar por telégrafos o interior do Brasil ao Rio de Janeiro, e que acabou por ter destacada participação na defesa dos indígenas brasileiros. Afonso Penna morreu no poder e foi substituído pelo vice-presidente, Nilo Peçanha. Nilo Peçanha possuía um perfil diferente dos demais políticos da República Velha, pois não era oriundo das elites agrárias, e tinha uma origem pobre, sendo filho de um padeiro da cidade de Campos dos Goytacazes, no interior fluminense. Ganhou projeção política apoiando alas florianistas do Partido Republicano do Estado do Rio de Janeiro. Seu curto governo foi caracterizado pela adoção de medidas ligadas à educação, como o incentivo à educação técnica e profissional, além de ter instituído o Serviço de Proteção aos Índios e o Ministério da Agricultura. Presidente em um curto período, seu governo foi marcado por tensões com o grande líder político gaúcho Pinheiro Machado. Pinheiro Machado possuiu um grande poder político durante a República Velha, por ser um influente senador. Ligado ao Partido Republicano do Rio Grande do Sul, ele detinha grande poder ao ser o responsável pela Comissão de Verificação de Poderes, que diplomava os políticos eleitos, sendo este cargo a base do seu poder. Ele foi assassinado em um hotel no centro do Rio de janeiro em 1915. Sua influência foi de grande presença no governo do Marechal Hermes da Fonseca (FAORO, 2000). Hermes da Fonseca foi eleito em uma das principais campanhas políticas do período da República Velha, as eleições presidenciais de 1910. Dois grupos políticos lançaram suas candidaturas. De um lado, o grupo ligado ao Marechal Hermes, na “campanha militarista”. Do outro, um grupo ligado a Rui Barbosa, na “campanha civilista”. O pleito deu como vitoriosa a campanha de Hermes da Fonseca, o que significou uma continuidade do poder. O governo Hermes da Fonseca se articulou em torno da denominada Política da Salvação Nacional. Isto se mostrou na prática com a atitude de os estados que não eram alinhados com as determinações do governo federal sofrerem intervenção federal. Na Presidência da República, Hermes foi sucedido pelo seu vice, Wenceslau Brás. No seu governo, o Brasil declarou guerra ao Império Alemão, acompanhando a participação dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial. Em grande parte, o governo de Wenceslau Brás deu continuidade à política que vinha sendo praticada no Brasil a partir do governo Nilo Peçanha. Todavia,articulada com a política do café com leite. O pacto de mineiros e paulistas foi rearticulado com o “Pacto de Ouro Fino”. Realizado em 1913, reaproximou os dois maiores estados brasileiros, pois os paulistas apoiaram a campanha civilista de Rui Barbosa. Rodrigues Alves sucedeu a Wenceslau Brás, todavia ficou pouco tempo no cargo de presidente da República, por falecer ao ser acometido pela epidemia de gripe espanhola. Ele foi substituído pelo vice-presidente Delfim Moreira. Em seu TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 19 curto governo, o Brasil foi sacudido por algumas grandes greves. Foi substituído por Epitácio Pessoa, que contou, na sua candidatura, com o apoio do Partido Republicano Mineiro. O governo Epitácio também representava certa ruptura com o “café com leite”, pois não era mineiro, mas sim um político nordestino, natural da Paraíba. O seu governo foi marcado por algumas questões, como o início do movimento tenentista, mas que teve em seu sucessor o mineiro Arthur Bernardes, o principal opositor dos “tenentes”, devido às animosidades do chamado episódio das “cartas falsas”, na qual Bernardes foi acusado de chamar Hermes da Fonseca, importante líder do Exército, de “sargentão sem composturas”. O tempo de Bernardes se caracterizou por ter de governar em muitos períodos de Estado de Sítio, devido às convulsões sociais dos tenentes, como a guerra civil que ocorreu em 1924, em São Paulo. Seguindo a lógica política do café com leite, Arthur Bernardes foi substituído no poder político brasileiro por Washington Luiz, o “Paulista de Macaé”. Essa alcunha se devia ao fato do líder do Partido Republicano Paulista ter nascido na cidade do interior fluminense de Macaé. O governo Washington Luiz contou com uma maior tranquilidade institucional a partir de 1927, com o fim do tenentismo. O governo contou com o apoio de um líder político gaúcho ligado a Borges de Medeiros, que ocupava o cargo de ministro da Fazenda: Getúlio Vargas. Todavia, como sabemos, o desenrolar da história colocou os dois líderes políticos em campos opostos. Duas frases marcaram o último governante da política do café com leite. A primeira é “governar é abrir estradas”. Todavia, os investimentos do Governo Federal na construção de novas rodovias foram pequenos, devido, entre outros fatores, aos poucos recursos que o governo possuía. Outra frase símbolo do governo Washington Luiz foi: “No Brasil, a questão social é caso de polícia”. A questão social, isto é, as querelas que envolvem educação, distribuição de renda e combate à pobreza, eram encaradas como medidas criminosas, sendo a população pobre tratada como um inimigo em potencial das elites republicanas. Os ditames da política brasileira na República Velha estavam socialmente desgastados, devido aos movimentos sociais, como o tenentismo, o sufragismo, o bloco operário camponês e o movimento grevista (questões sobre as quais nos aprofundaremos nos próximos tópicos). Todavia, os reclames dos operários, das mulheres e dos trabalhadores dos campos e das cidades foram em grande parte ignorados pelos governos do café com leite. Assim, havia uma grande insatisfação social. Concomitantemente, tivemos uma crise na política das oligarquias. Pois, mesmo sendo a vez de um político mineiro ser lançado candidato à Presidência da República, o Partido Republicano Paulista lançou a candidatura de Júlio Prestes para a Presidência, gerando a insatisfação do Partido Republicano Mineiro, que apoiou a candidatura das oligarquias dissidentes, capitaneadas pelo político gaúcho Getúlio Dorneles Vargas. Mesmo com o apoio de dois estados importantes na dinâmica sociopolítica do Brasil (o Rio Grande do Sul e Minas Gerais), a candidatura de Júlio Prestes se tornou vitoriosa. Porém, o político paulista não assumiu. Pois, acusando o mesmo de vencer as eleições de modo fraudulento, um movimento revolucionário, UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 20 que se insurgiu em 3 de outubro de 1930, derrubou Washington Luiz do poder, instituindo um novo período da República Brasileira, que substituiu o “café com leite”: o período populista. 5 A POLÍTICA EXTERNA: A DIPLOMACIA BRASILEIRA NA PRIMEIRA REPÚBLICA A diplomacia brasileira, durante os anos da chamada República Velha, teve diversos desafios a vencer. Um dos principais era determinar as fronteiras brasileiras em relação às nações vizinhas. Outro problema era a de equipar as forças militares brasileiras visando à defesa contra possíveis rivalidades com a Argentina. Outra questão importante para a diplomacia foi o Acre, em uma litigiosa e belicosa disputa com a Bolívia. Um dado interessante sobre a diplomacia brasileira ocorreu durante a Proclamação da República, pois concomitante a ela (15/11/1889) se realizava a Conferência Internacional Americana em Washington, sendo o representante brasileiro o republicano Salvador de Mendonça, saudado pelo fato de a única monarquia no continente ter se transformado em uma república, como os demais países da América, facilitando assim o reconhecimento do novo regime de governo pelas demais nações limítrofes. Apesar das saudações dos diplomatas das nações vizinhas, a situação continental nos primeiros anos de instituição da República foi tensa. A Guerra do Pacífico, de 1893, ocorrida entre Bolívia e Chile no mesmo ano da Revolta da Armada, colocava o continente sul-americano em um estado de tensão. Este estado de tensão teve nos diplomatas brasileiros importantes agentes de pacificação do Brasil junto às nações sul-americanas. Caso a diplomacia brasileira da Primeira República fosse resumida a um nome, com certeza e justiça seria ao Barão do Rio Branco a homenagem. Ministro das Relações Exteriores durante diversos governos, a ele coube a liderança da ação diplomática de assinatura dos vários tratados nos quais as fronteiras brasileiras com os países vizinhos foram asseguradas por vias pacíficas. Em geral, os Estados Unidos da América foram considerados o árbitro responsável pelas demarcações das fronteiras. Esta foi uma das principais características da política empreendida pelo referido barão: aproximar a então República dos Estados Unidos do Brasil aos Estados Unidos da América. TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 21 FIGURA 5 – BARÃO DO RIO BRANCO FONTE: Disponível em: <http://www.institutoriobranco.mre.gov. br/>. Acesso em: 20 ago. 2015. Esta aproximação aos Estados Unidos se iniciou com a vitoriosa tentativa do presidente Floriano Peixoto em impedir uma invasão inglesa no porto do Rio de Janeiro durante a Revolta da Armada. A dita invasão ocorreria com o objetivo de os oficiais da Marinha Real Britânica defenderem a integridade física e patrimonial dos súditos bretões no Brasil. Interpelado sobre como os militares ingleses seriam recebidos, Floriano Peixoto teria calmamente respondido: à bala! Para que tal invasão não ocorresse, Floriano contou com apoio estadunidense. Mesmo com a Marinha Brasileira rebelada, Floriano contou com alguns marujos fiéis ao seu governo. Estes, comandados pelo Almirante Jerônimo Gonçalves, formaram a denominada “Esquadra de Papelão”, que com o apoio norte- americano, naufragaram o Aquibadã, principal navio rebelado (FAUSTO, 2002). Durante os anos da primeira década republicana se começou a chamar a diplomacia brasileira de Itamaraty. Isto porque o Ministério das Relações Exteriores ocupou o Palácio do Itamaraty, no centro do Rio de Janeiro, após a compra pelo Poder Executivo de um antigo palácio que pertencia ao Barão de Nova Friburgo, localizado no bairro do Catete. O Palácio do Catete passou a ser a residência oficial da Presidência da República, e o Itamaraty, o centro do Ministério das Relações Exteriores. Mesmo após a mudança da capital para Brasília, ainda é comum o termo Itamaraty para designar os diplomatas, com uma nova sede emBrasília. A diplomacia brasileira no período teve de enfrentar o grave problema das rivalidades no Cone Sul. Em 1904, o Brasil comprou da Inglaterra dois poderosos navios de guerra, os encouraçados São Paulo e Minas Gerais. Estas aquisições UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 22 tinham o objetivo de garantir uma dissuasão do Brasil frente às marinhas do Chile e da Argentina. Buscando evitar um conflito armado, foi assinado o tratado ABC – Argentina – Brasil – Chile. Um dos destaques da diplomacia brasileira foi a participação no Congresso Internacional que ocorreu em Haia, na Holanda. O tribuno brasileiro foi Rui Barbosa, posteriormente cognominado “Águia de Haia”, devido ao seu brilhantismo como orador. Defendeu a tese brasileira da livre determinação dos povos. Tese esta que se manteve como tradição diplomática nacional. Outro capítulo da história diplomática foi uma tensão com a Bolívia, ocasionada pela invasão realizada por brasileiros em território boliviano, na busca pela exploração do látex. Alguns jovens de Manaus chegaram a empunhar armas visando a uma defesa brasileira daquelas terras. Todavia, a diplomacia do Barão do Rio Branco, através do Tratado de Petrópolis de 1904, acabou por comprar dos bolivianos o Acre, evitando uma guerra entre o Brasil e a Bolívia. O Brasil participou da Primeira Guerra Mundial somente em seu fim. No ano de 1917 declarou guerra ao Império Alemão, seguindo a postura norte- americana. Alguns navios alemães que estavam no Porto do Rio de Janeiro foram apreendidos, com suas tripulações feitas prisioneiras de guerra. Para uma efetiva participação no conflito, a Marinha do Brasil criou a chamada D.N.O.G. (Divisão Naval das Operações de Guerra), comandada pelo Almirante Max Frontin. Todavia, ao chegar a Dacar, os marujos brasileiros foram acometidos de gripe espanhola. Quando chegaram ao front europeu, a guerra já havia terminado. O conflito mundial teve como consequência uma maior preocupação por parte dos políticos em relação à gestão do Ministério da Guerra. Em 1917, a campanha civilista de Olavo Bilac instituiu o serviço militar obrigatório. Esta maior preocupação militar motivou o Ministério das Relações Exteriores a contratar uma missão militar estrangeira para modernizar o Exército Brasileiro. O país escolhido para tal função foi a França, principal nação vitoriosa na Primeira Guerra Mundial. Os militares franceses, comandados no Brasil pelo General Gamelin, auxiliaram na formação dos oficiais do Exército. Em especial, a ação francesa possibilitou uma melhor capacitação profissional aos oficiais que se formavam na Escola Militar de Realengo – RJ. Como pontos altos das relações diplomáticas foram realizados dois importantes eventos: as comemorações pelos 400 anos do Descobrimento do Brasil (em 1900) e o Centenário da Independência (em 1922). Com o Centenário da Independência, se autorizou a volta da Família Imperial, que se encontrava exilada na França. Dentre as principais visitas oficiais de chefes de Estado que o Brasil recebeu, estão a do Rei Alberto, da Bélgica, e a excursão pelo Brasil realizada pelo presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt. Enquanto o rei europeu fez uma visita protocolar, apenas estranhando que no Brasil de então não havia sequer uma universidade, Theodore Roosevelt fez uma visita aos sertões, sendo acompanhado em sua aventura pelo Marechal Rondon. TÓPICO 1 | AS QUESTÕES POLÍTICAS 23 A Missão Rondon foi um dos principais eventos que ligavam instituições díspares e causas diversas. Entre as instituições que nela se envolveram estavam o Ministério do Exército, o ministério da Viação e Obras Públicas, o Ministério das Relações Exteriores e o Sistema de Proteção ao Índio, criado sob o apadrinhamento político do referido marechal (RIBEIRO, 1995). Cândido Mariano da Silva Rondon foi um oficial do Exército formado na Escola Militar da Praia Vermelha, local de influência positivista. Foi designado, enquanto oficial militar da Arma de Engenharia, a construir uma linha telegráfica que ligasse o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, até Cuiabá, capital do Mato Grosso, Estado natal de Rondon. Em sua missão, acabou por travar contato com diversas tribos indígenas. Ao invés de ter uma atitude violenta, cunhou a expressão “Morrerei se preciso, matarei jamais”. Com ela sintetizava um ideal de não violência no contato com os indígenas. A ideia, de cunho positivista e progressista, era a de integrar o indígena à sociedade brasileira não mais através da catequese, como no período colonial, mas sim através do trabalho. Em 1910 foi criado o SPI – Sistema de Proteção ao Índio. (A partir de 1968, a instituição passou a se chamar FUNAI – Fundação Nacional do Índio). Muitas terras indígenas passaram a ser demarcadas. Obviamente que a questão indígena é um tema em aberto em nossa sociedade. Todavia, a ação de Rondon foi importante para a tentativa de uma solução pacífica para o caso. Entre os fatos que revelam a importância da missão para a questão indígena, está a do contato com diversas tribos nunca antes contatadas pelo dito “homem branco”. Algumas das primeiras imagens cinematográficas dos indígenas brasileiros foram realizadas por militares da missão. Outra questão importante foi a da presença de antropólogos e botânicos, que possibilitaram o posterior desenvolvimento científico do Brasil nestas áreas do conhecimento humano. Na interface com as relações internacionais, muitas das fronteiras que diplomaticamente foram determinadas pelo Brasil com as nações vizinhas, através da Missão Rondon, foram estabelecidas. Em várias das fronteiras brasileiras ocorreu o chamado reconhecimento, no qual militares brasileiros e das nações vizinhas colocavam marcos físicos, como inscrições em pedras, para garantir seus territórios. Os atuais estados de Rondônia e Roraima possuem estes nomes em homenagem ao marechal. O Exército o considera Patrono da Arma de Comunicações. Todavia, uma das críticas feitas ao militar era que ele castigava fisicamente os soldados indisciplinados e insubmissos. Em defesa do marechal é possível considerar que este tipo de castigo era então permitido no Exército e que para a Missão Rondon eram recrutados muitos soldados indesejados nas casernas nas quais serviam. Independente do mito criado pela história oficial do Estado e das críticas dos revisionistas, a Missão Rondon foi um marco no conhecimento de diversas áreas do interior do Brasil. Rondon se opôs à Revolução de 1930, reatando laços com Getúlio anos após a Revolução. UNIDADE 1 | A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) 24 As relações diplomáticas do Brasil com as repúblicas vizinhas, assim como a prática do alinhamento do Brasil às ações da política externa dos Estados Unidos da América, foram delimitadas na Primeira República. Algumas alterações a este quadro foram realizadas nos períodos posteriores. Porém, uma tradição de evitar ao máximo guerras com os países vizinhos na América do Sul é um dos principais legados da política externa brasileira durante o primeiro período de vida republicana no Brasil. FIGURA 6 - O PRESIDENTE ESTADUNIDENSE TED ROOSEVELT E O MARECHAL RONDON NO INTERIOR DA FLORESTA FONTE: Disponível em: <http://www.projetomemoria.art.br. Acesso em: 20 abr. 2015. 25 Neste tópico, você viu que: • O imperador D. Pedro II foi deposto do poder por um golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca. • O imperador teve sua relação com os cafeicultores desgastada com a abolição da escravidão. • O imperador teve sua relação com a Igreja Católica desgastada com a questão religiosa. • O Imperador teve a sua relação com o Exército desgastada com a denominada questão militar. • O primeiro presidente republicano, Marechal Deodoro da Fonseca, renunciou