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1 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA tutoria 09 Intoxicação alimentar Todo cuidado é pouco! B.S.E., 26 anos, sexo feminino, deu entrada na UPA de Guanambi-BA, juntamente com sua irmã, pela manhã. B.S.E. estava com quadro de diarreia súbita, de aspecto aquoso, cólicas abdominais e náuseas. Informou ao médico que, na noite anterior, ela e sua irmã, estiveram em um festival com várias barraquinhas. Ela comeu sanduiche com molho rose e maionese com ovo. A irmã dela apresentou quadro semelhante, porém com diarreia muco sanguinolenta e febre, relatando que havia comido sobremesa com creme de leite. Diante de algumas possibilidades etiológicas, o médico realizou atendimento adequado e as pacientes receberam alta no mesmo dia, com as devidas recomendações. Objetivo 01: analisar intoxicação alimentar (botulismo, salmonelose, estafilococos), considerando a sua etiologia, epidemiologia, fatores de risco, tipos, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, diagnóstico diferencial, tratamento e prevenção. intoxicação alimentar → É uma patologia causada pelo consumo de alimentos contaminados por bactérias, fungos, vírus e outros microorganismos ou pelas suas respectivas toxinas. Dentro desta diversidade de agentes etiológicos, as infecções bacterianas são responsáveis pela maioria dos casos; → Decorre com sintomas clínicos súbitos e na maioria das vezes relacionados ao trato digestivo como náuseas, vômitos e diarreia. Um amplo espectro de microorganismos pode causar intoxicações em humanos, e a intensidade das manifestações clínicas vai depender de diversos fatores como: ✓ A virulência do agente; ✓ O inóculo da infecção; ✓ Competência imunológica do hospedeiro. → Uma infecção ocorre quando um patógeno penetra no trato GI e se multiplica. Os microrganismos podem penetrar na mucosa intestinal e crescer ali ou podem passar para outros órgãos sistêmicos. As células M têm a função de translocar antígenos e micro- organismos para o outro lado do epitélio, onde irão entrar em contato com tecidos linfoides (placas de Peyer) para iniciar uma resposta imune. Infecções do trato GI são caracterizadas por um atraso no aparecimento dos distúrbios gastrintestinais enquanto o patógeno aumenta em número ou afeta o tecido invadido. Uma intoxicação é causada pela ingestão da toxina pré formada. A maioria das intoxicações, como aquelas causadas por Staphylococcus aureus, é caracterizada pelo aparecimento súbito (em geral em apenas algumas horas) de sintomas de distúrbios GI. A febre é um dos sintomas menos frequentes. → Ambas, infecções e intoxicações, frequentemente causam diarreia. Uma diarreia intensa com sangue ou muco é denominada disenteria. Ambos os tipos de doenças do sistema digestório também são frequentemente acompanhados por cólicas abdominais, náuseas e vômitos. Botulismo I. Conceito → O botulismo é uma doença neuroparalítica grave, de alta letalidade se não tratada oportunamente, causada pela ação de uma potente toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum; 2 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA → Apresenta-se nas formas de botulismo alimentar, botulismo por ferimentos e botulismo intestinal e botulismo infantil, e caracteriza-se por manifestações neurológicas e/ou gastrointestinais. Por ser uma doença grave, de alta letalidade, deve ser considerada como uma emergência médica e de saúde pública e a suspeita de um caso deve ser sempre notificada imediatamente. II. Etiologia → O Clostridium botulinum é um bacilo anaeróbico gram-positivo. Está disposto geralmente em cadeias, cuja forma vegetativa produz 8 tipos de toxina (A, B, C1, C2, D, E, F e G). As toxinas patogênicas para o homem são as dos tipos A, B, E e F, sendo as mais frequentes a A e a B. principais toxinas → A toxina botulínica, conhecida como a mais letal das toxinas, é uma exotoxina de ação neurotrópica com dose letal; → Existem vários tipos sorológicos de toxinas botulínicas produzidas por diferentes cepas do patógeno. Elas diferem consideravelmente em suas virulências e outros fatores: ▪ A toxina tipo A provavelmente é a mais virulenta. Mortes resultaram da toxina tipo A quando o alimento foi apenas provado, mas não engolido. É até mesmo possível absorver doses letais através de rachaduras na pele enquanto se manipula amostras laboratoriais. Nos casos não tratados, a taxa de mortalidade é de 60 a 70%. O endósporo tipo A é o mais resistente ao calor de todas as cepas de C. botulinum. O organismo tipo A geralmente é proteolítico (a quebra das proteínas pelo clostrídio libera aminas com odores desagradáveis), mas o odor óbvio de deterioração nem sempre é aparente nos alimentos com baixo teor de proteínas, como o milho e o feijão. ▪ A toxina tipo B é responsável pela maioria dos surtos europeus de botulismo, sendo o tipo mais comum no leste dos Estados Unidos. A taxa de mortalidade nos casos sem tratamento é de cerca de 25%. Os organismos do botulismo tipo B ocorrem nas cepas proteolíticas e não proteolíticas. III. Epidemiologia → Doença grave, que deve ser considerada emergência médica e de saúde pública; → A distribuição é mundial, com casos esporádicos ou surtos familiares, em geral relacionados à produção e à conservação de alimentos de maneira inadequada; → De ocorrência súbita, caracteriza-se por manifestações neurológicas seletivas, de evolução dramática e elevada mortalidade, entre 30 e 65%; → Aproximadamente 70 a 75% desses casos são de botulismo infantil, 20 a 25% são de botulismo de origem alimentar e 5 a 10% são de botulismo de feridas; → No Brasil, a notificação de surtos e casos isolados foi feita de forma sistemática em 1999 e até hoje, na maioria dos casos, é identificado a toxina A; → A toxina A está presente em alimentos em conservas caseiras de carne suína, palmito, patê, tortas salgadas e etc. IV. Transmissão e Quadro Clínico → O modo de transmissão tem importância na apresentação clínica da doença e na determinação de ações de vigilância epidemiológica. A dose de toxina à qual o indivíduo se expõe será responsável pelo período de incubação e gravidade da doença. Quanto maior a dose de toxina, menor o período de incubação, maior a gravidade da doença e vice-versa. Após a entrada da toxina no organismo inicia-se a incubação, em período que pode variar de algumas horas a dias (média entre 18 a 36 horas), dependendo do modo de transmissão. As manifestações clínicas serão descritas adiante de acordo com o modo de transmissão. Botulismo alimentar → A doença se caracteriza por instalação súbita e progressiva, iniciando-se com sintomas gastrointestinais e/ou neurológicos. As manifestações gastrointestinais mais comuns são: náusea, vômito, diarreia ou obstipação, e dor abdominal e podem anteceder os sintomas neurológicos. A diarreia não é uma manifestação de dano da toxina, estando relacionada à provável presença de outras bactérias no alimento. O período de incubação pode variar entre 6 horas a 10 dias, com média de 18 a 36 horas, dependendo da concentração de toxina no alimento ingerido; → Ocorre por ingestão de alimentos preparados ou armazenados de maneira inadequada, contendo a toxina, e consumidos sem cocção prévia. Os alimentos mais comumente envolvidos são conservas 3 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA vegetais, principalmente as artesanais (palmito, picles, berinjelas etc.); produtos cárneos cozidos, curados ou defumados artesanalmente (salsicha, presunto, carnes conservadas em gordura); pescados defumados, salgados e fermentados, e raramente enlatados industrializados; → Os sinais e sintomas neurológicos mais típicos iniciam-se nos nervos cranianos e evoluem em sentido descendente, com visão turva, diplopia, ptose palpebral bilateral, podendohaver oftalmoplegia, sem perda da acuidade visual. As pupilas tornam-se dilatadas e não fotorreagentes devido ao comprometimento do sistema nervoso autônomo. Esses sinais e sintomas são seguidos por fraqueza dos músculos responsáveis pela mastigação, deglutição e fala levando à disfagia, disartria e disfonia, observando- se redução dos movimentos da língua, palato e da musculatura cervical (dificuldade para sustentar o pescoço); → A fraqueza muscular pode se propagar de forma descendente para músculos do tronco, ocasionando dispneia, insuficiência respiratória e paralisia flácida simétrica de membros superiores e inferiores. Os reflexos profundos tornam-se diminuídos e/ou abolidos nos membros acometidos, devido ao bloqueio neuromuscular causado pela toxina. A disfunção autonômica causa boca seca, íleo paralítico, hipotensão sem taquicardia e retenção urinária. A consciência permanece preservada. Não há comprometimento da sensibilidade; → A toxina é rapidamente absorvida pelos tecidos e, após oito dias do início da doença, não é mais encontrada no sangue, o que impõe que a administração de antitoxina deva ser feita precocemente de modo a impedir essa absorção. O quadro pode progredir por uma ou duas semanas, relacionado à quantidade de toxina absorvida pelas terminações nervosas, e a fase de recuperação pode variar de meses a anos, a depender da formação de novas sinapses. Botulismo intestinal → É ocasionado pela ingestão de esporos presentes no alimento, com fixação e multiplicação do agente no ambiente intestinal, onde ocorrem a produção e a absorção da toxina. Em crianças menores de 1 ano, a ausência de microbiota de proteção permite a germinação de esporos e a produção de toxina na luz intestinal, causando o que inicialmente foi denominado de botulismo infantil ou do lactente, associado à síndrome de morte súbita do recém-nascido. As principais manifestações em crianças são: sucção e choro débeis, fraqueza muscular do pescoço e hipotonia de membros, hiporreflexia, podendo evoluir para dispneia e falência respiratória; → Em crianças maiores e adultos, fatores como cirurgias intestinais, acloridria gástrica, doença de Crohn e/ou uso prolongado de antibióticos podem causar alteração da flora intestinal e favorecer o surgimento do botulismo intestinal. O quadro pode apresentar instalação progressiva e prolongada, durando de duas a seis semanas. O período de incubação do botulismo raramente é conhecido, devido à impossibilidade de se determinar o momento da ingestão de esporos. Botulismo por ferimento → Resulta da contaminação de ferimentos com C. botulinum, que em condições de anaerobiose produz a toxina in vivo. A porta de entrada para esporos pode ser úlceras crônicas com tecido necrótico, fissuras, esmagamento de membros, ferimento profundos em áreas mal vascularizadas, ou aqueles produzidos por agulhas ou lesões nasais em usuários de drogas injetáveis ou inalatórias. Há relatos de casos devido a dentes cariados; → O quadro clínico é semelhante ao do botulismo alimentar, excetuando-se os sintomas gastrointestinais que não são esperados. Pode ocorrer febre decorrente de contaminação secundária do ferimento. Em casos isolados, sem história alimentar, ferimentos ou cicatrizes, ou focos ocultos em mucosa nasal, seios da face, dentes e abscessos em locais de injeção devem ser investigados, em especial, em pacientes usuários de drogas. O período de incubação pode variar de 4 a 21 dias, em média sete dias. V. Fisiopatologia 1. A toxina absorvida no trato gastrointestinal ou no ferimento dissemina-se por via hematogênica até as terminações nervosas, na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular, bloqueando a liberação da acetilcolina, impedindo assim a transmissão de impulsos nas junções das fibras nervosas, causando paralisia flácida dos músculos controlados por esses nervos. O dano causado na membrana pré-sináptica pela toxina é permanente. A recuperação depende da formação de novas terminações neuromusculares, e, por isso, o botulismo é uma doença com tempo de recuperação prolongado que pode variar de semanas, meses ou alguns anos, em função da 4 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA quantidade de toxina absorvida por essas terminações nervosas. 2. Depois de ingerida, a toxina penetra pela mucosa digestiva com absorção principalmente no estômago e intestino delgado. O alimento consumido com toxina protege-a dos efeitos deletérios dos ácidos durante a passagem pelo estômago. O local de máxima absorção da toxina é o intestino delgado, de onde segue para o sistema linfático e posteriormente atinge a corrente sanguínea. 3. Quando o indivíduo ingere os esporos, estes podem colonizar o intestino e aí se multiplicarem, produzindo a toxina in vivo, mecanismo que ocorre no botulismo infantil ou no botulismo intestinal do adulto, com manifestações clínicas que podem demorar a aparecer devido ao período de incubação prolongado. 4. O botulismo causado por ferimento (geralmente traumático) ocorre pela contaminação com o C. botulinum na forma esporulada que passa para a forma vegetativa (metabolicamente ativa) e produz toxina no próprio local, invadindo a corrente sanguínea e causando as manifestações clínicas clássicas da doença. Outra forma de transmissão do botulismo pode ocorrer pelo contato da mucosa conjuntival com líquidos ou aerossóis contendo a toxina, geralmente em acidentes com profissionais de laboratório e com manifestações idênticas às das demais formas. VI. Diagnóstico → É diagnosticado com base na identificação de sinais e sintomas, na detecção e identificação do tipo de toxina em espécimes biológicos do paciente e na realização de outros exames complementares, especialmente no botulismo alimentar, quando podem ser necessários exames em alimentos suspeitos. Anamnese → Deve ser cuidadosa, buscando-se identificar os fatores de risco específicos para determinadas doenças neurológicas e para o botulismo, em especial. Observar o início e a progressão dos sintomas neurológicos apresentados e verificar a presença de febre, vômitos, diarreia e obstipação; → Convulsões indicam comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e afastam o botulismo. Deve-se avaliar doenças anteriores; identificar alimentos ingeridos nos últimos três dias (quantidade e procedência), e se possível até 10 dias; → Verificar outros fatores de risco, como ferimentos, picada de insetos, exposição a agentes tóxicos, uso de medicamentos e de drogas endovenosas; e indagar sobre a existência de outras pessoas com sinais e sintomas semelhantes. Exame físico geral → Prevalecem os sinais e sintomas neurológicos, os mais importantes ao se examinar o paciente. Sinais de desidratação e distensão abdominal podem estar presentes. Em geral, não há febre, exceto em complicações de origem infecciosa ou no botulismo por ferimento. A frequência cardíaca é normal ou baixa, podendo ocorrer hipotensão nas formas graves. Exame neurológico → Consiste de avaliação do grau de incapacidade muscular. Os sintomas no botulismo relacionam-se aos danos causados no sistema nervoso, devendo ser realizadas provas exploratórias motoras referentes a alterações ocorridas nos pares cranianos: 1. Alterações oculares: são afetados principalmente o II e III pares, e mais raramente o IV, causando alterações, como visão diminuída ou turva, diplopia, ptose palpebral, fotofobia, midríase, diminuição da secreção lacrimal, entre outros. Avaliar o movimento do globo ocular e pálpebras (pedir aopaciente para tentar abrir bem os olhos ou mantê-los 5 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA fechados, e depois para seguir objetos em todas as direções), pupilas (simetria, tamanho e reatividade à luz) etc; 2. Alterações da deglutição e outras no sistema digestório: são afetados os V, IX e X pares, causando dificuldade em abrir a boca, boca seca, paralisação do palato, disfagia, paresia gastrointestinal, diminuição das secreções digestivas; 3. Alterações da fonação: há comprometimento do X e XII pares, observando-se disartria, afonia ou voz rouca, fala enrolada e lenta, e dificuldade em movimentar a língua. Avaliar os movimentos da língua, do palato, da face (pedir ao paciente para tentar mastigar, engolir, assobiar ou soprar); 4. Distúrbios respiratórios: comprometimento do X par e centros bulbares (paralisia ou paresia dos músculos intercostais, brônquicos e diafragma com taquipneia, dispneia, tremor das asas do nariz, tiragem, cianose, diminuição ou abolição do reflexo tussígeno, insuficiência respiratória, distúrbios que podem levar o paciente a óbito e exigem avaliação permanente da capacidade respiratória e apoio ventilatório efetivo); 5. Outras alterações da capacidade muscular: paresia ou paralisia muscular na face, pescoço (dificuldade de sustentação da cabeça, que pende para frente) e membros. Avaliar déficits de força muscular pedindo ao paciente para executar movimentos com os membros. Esse exame é importante para acompanhar a progressão da doença, o que deve ser feito pelo menos a cada duas horas. Ao identificar músculos menos atingidos, dar ao paciente oportunidade de responder perguntas por meio de gestos, estabelecendo-se assim um canal de comunicação. Examinar se há alterações de sensibilidade, as quais não ocorrem no botulismo. Avaliar o comprometimento do sistema nervoso autônomo, como a frequência de movimentos peristálticos. No botulismo não ocorre déficit auditivo, embora, sensações de tontura ou vertigem sejam queixas frequentes. Não há comprometimento cognitivo no botulismo. O paciente permanece orientado no tempo e no espaço, sem alterações de memória e responde a comandos. Entretanto, alterações como apreensão, angústia e irritabilidade podem ocorrer em função de hipóxia cerebral, desequilíbrio hidroeletrolítico e, posteriormente, devido à permanência prolongada em respiradores. A suspeita torna-se forte frente à demonstração de comprometimento bilateral de nervos cranianos e progressão do quadro com paralisia muscular periférica descendente e comprometimento respiratório. Exames laboratoriais → O diagnóstico laboratorial do botulismo baseia-se na análise de amostras clínicas de sangue, lavado gástrico e fezes. No botulismo de origem alimentar, é importante a coleta de amostras bromatológicas (sobras dos alimentos suspeitos ingeridos pelo paciente). Na suspeita de botulismo por ferimentos, é de interesse o exame complementar de tecido/exsudato da ferida. Além da identificação de toxina, a cultura de C. botulinum em fezes pode ser útil nos casos suspeitos de botulismo intestinal. Coleta de amostras (bromatológicas) → A coleta de amostras clínicas e bromatológicas deve ser realizada em condições de assepsia e segurança para o técnico que as realiza. A coleta de sangue, lavado gástrico e fezes/ conteúdo intestinal deve ser feita o mais precocemente possível e antes da aplicação do soro antibotulínico, o qual irá neutralizar as toxinas circulantes. A coleta tardia pode impedir a identificação da toxina, visto que, após oito dias, ela pode ter sido absorvida pelas terminações nervosas. → As amostras bromatológicas devem, preferencialmente, ser coletadas pela Vigilância Sanitária do município onde reside o paciente ou do local onde foram consumidos os alimentos suspeitos. É necessário coletar sobras e restos de produtos efetivamente consumidos, de preferência nas embalagens ou recipientes originais, para se evitar outras contaminações. → Os exames de amostras biológicas e bromatológicas podem levar um pouco mais que uma semana, uma vez que requerem vários passos e um período de observação de cada conjunto de camundongos, por até 96 horas. Os resultados são assim interpretados: 1. Presuntivo: indica a presença de toxina termolábil que causa sintomas compatíveis com botulismo nos camundongos testados que apresentam os seguintes sinais/sintomas: dispneia, dificuldade de locomoção, pelos eriçados, “cintura de vespa” e morte. 2. Confirmatório: confirma a presença de toxina, administrando-se a antitoxina em novos 6 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA camundongos inoculados com o material biológico e/ou bromatológico. 3. Específico: confirma e especifica o tipo de toxina botulínica. Administra-se antitoxina específica monovalente a cada camundongo inoculado previamente com o material biológico e/ou bromatológico. A antitoxina monovalente deverá neutralizar a toxina botulínica contida na amostra, e o camundongo, devidamente protegido, não evoluirá a óbito, sendo possível, dessa forma, identificar o tipo de toxina que causou o botulismo no paciente. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS → São inúmeras as doenças ou síndromes neurológicas que podem se manifestar com fraqueza muscular súbita e evoluir para paralisia flácida aguda. As principais a diferenciar são: miastenia grave, síndrome de Guillain-Barré (SGB), acidentes vasculares cerebrais, tumores do sistema nervoso, alcoolismo, overdose por drogas ilícitas, e paralisia causada por picada de carrapatos. Outras intoxicações de diferentes origens devem ser consideradas, como: 1. Bacterianas: a bactéria Campylobacter jejuni pode causar quadros de paralisia flácida semelhantes à SGB; 2. Por toxinas naturais de animais ou vegetais: mariscos e peixes tropicais, e cogumelos venenosos. OBS.: NO BOTULISMO INFANTIL, DEVEM TAMBÉM SER CONSIDERADAS AS HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS COMO MENINGITE, MENINGOENCEFALITES, POLINEURITES, ENCEFALOPATIA METABÓLICA, SÍNDROME DE REYE, DOENÇA DE WERDNING-HOFFMAN, MIOPATIA CONGÊNITA, DOENÇA DE LEIGH, SEPTICEMIAS E DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS. VII. Tratamento → O sucesso do tratamento do botulismo depende da precocidade em que foi instituído e das boas condições do local onde se realiza. Deve ser feito em unidade de terapia intensiva (UTI), abrangendo os seguintes aspectos: ✓ Administração precoce da antitoxina botulínica com a finalidade de neutralizar as toxinas circulantes e impedir a progressão do quadro; ✓ Monitorização cuidadosa da capacidade vital respiratória e suporte ventilatório nos casos com insuficiência respiratória; ✓ Cuidado intensivo e meticuloso para doença paralítica de longa duração. Basicamente, o tratamento da doença se apoia em dois conjuntos de ações: tratamento de suporte e tratamento específico. tratamento de suporte → As medidas gerais de suporte e monitorização cardiorrespiratória são as condutas mais importantes no tratamento do botulismo. A disfagia, regurgitação nasal, comprometimento dos movimentos da língua, palato e, principalmente, da musculatura respiratória são sinais indicativos de gravidade e exigem atenção redobrada e ação imediata para evitar broncoaspiração e insuficiência respiratória. Nesses casos, a assistência ventilatória é essencial para evitar o óbito, podendo ser necessária por 4 (toxina tipo B) a 8 semanas (toxina tipo A) ou mais, se houver complicações. O tratamento de suporte baseia-se fundamentalmente nos seguintes procedimentos: ▪ ASSISTÊNCIA VENTILATÓRIA pode ser necessária para cerca de 30 a 50% dos casos. Para se indicar a intubação traqueal num paciente com botulismo, não é necessário esperar que a PCO2 esteja elevada ou que a saturação de O2 diminua, pois a espera de tais sinais pode representar maior risco de instalação da insuficiência respiratória. Os critériospara indicação de intubação são essencialmente clínicos. Para indicá-la, pode-se basear em cuidadosa avaliação da capacidade do paciente em garantir a permeabilidade das vias aéreas superiores. As paralisias podem causar asfixia e obstruções respiratórias altas (observar a mobilidade da língua e do palato, disfonia e disfagia); capacidade vital (aferida por espirômetro): em geral, a intubação é indicada quando a capacidade vital é menor que 12mL/kg; ▪ TRAQUEOSTOMIA: nem sempre é necessária, devendo ter sua indicação avaliada caso a caso; ▪ LAVAGENS GÁSTRICAS, ENEMAS E LAXANTES podem ser úteis nos casos de botulismo alimentar, com o objetivo de eliminar a toxina do aparelho digestivo, exceto naqueles em que houver íleo paralítico. ▪ Hidratação parenteral e reposição de eletrólitos, além de alimentação, por meio de sondas, devem ser mantidas até que a capacidade de deglutição seja recuperada. tratamento específico → Visa eliminar a toxina circulante e sua fonte de produção, pelo uso do soro antibotulínico (SAB) e de antibióticos. Antes de iniciar o tratamento específico, 7 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA todas as amostras clínicas para exames diagnósticos devem ser coletadas. → O SAB atua contra a toxina circulante, que ainda não se fixou no sistema nervoso. Por isso, recomenda-se que o tratamento com SAB seja realizado o mais precocemente possível (até 7 dias); caso contrário, poderá não mais ser eficaz. Apresenta-se em forma de soro heterólogo, equino, geralmente em apresentação bivalente (contra os tipos A e B) ou trivalente (tipos A, B e E). • Nos casos de botulismo por ferimento, recomenda-se o uso de penicilina cristalina na dose 10 a 20 milhões UI/dia, para adultos e 300.000 UI/kg/dia, para crianças, em doses fracionadas de 4 em 4 horas, via intravenosa, por 7 a 10 dias. O metronidazol também pode ser Vitor Dantas – DIP utilizado na dose de 2g/dia, para adultos e 15 mg/dia, para crianças, via intravenosa, de 6 em 6 horas; • O desbridamento deve ser realizado em casos de botulismo por ferimento, preferencialmente após o uso do SAB, mesmo quando a ferida tem bom aspecto; • No botulismo intestinal, o SAB e a antibioticoterapia não estão indicados para crianças menores de 1 ano de idade. VIII. Profilaxia → Consiste basicamente em procedimentos capazes de evitar a germinação dos esporos, a multiplicação dos microrganismos e consequente produção de toxinas do Clostridium botulinum nos alimentos. Todos os alimentos cujo pH se situe entre 4,5 e 8,9 e que estejam contidos em embalagens completamente livres de oxigênio são potencialmente botulogênicos. A subesterelização dos alimentos propicia que os esporos do Clostridium botulinum permaneçam viáveis, possibilitando, assim, em condições de sub-refrigeração, a sua germinação, multiplicação bacteriana e produção de toxinas. A esterilização constitui, assim, um fator decisivo para prevenção do botulismo, bem como a conservação dos alimentos em temperaturas de refrigeração ou congelamento. Os alimentos enlatados cujas latas estejam estufadas devem ser imediatamente rejeitados e destruídos. A educação sanitária da população é fundamental, pois são as conservas caseiras e os alimentos provenientes de estabelecimentos clandestinos os maiores responsáveis pelos surtos de intoxicação botulínica. Além disso, as crianças menores de dois anos não devem consumir mel. Salmonelose I. Conceito → O termo Salmonelose e geralmente usado para designar as infecções intestinais causadas pelas salmonelas não pertencentes aos sorovares Typhi e Paratyphi, que causam as febres entéricas ou febres tifoide e paratifoide. As infecções intestinais causadas pelos demais sorovares se apresentam, na maioria das vezes, sob a forma de gastroenterites agudas, embora a salmonela possa cair na circulação sanguínea, causando bacteremias e infecções extraintestinais; II. Etiologia → A Salmonella spp. é membro da família Enterobacteriaceae. São Gram negativas e bastonetes anaeróbico facultativos. A Salmonella spp. é classificada em sorovares (sorotipos); → Clinicamente, as infecções por salmonela são divididas em 2 categorias distintas, as tifoides ou febres entéricas (typhi, paratyphi A e B), causadoras de febre tifoide e paratifoide, e as espécies não tifoides (Typhimurium, Enteritidis e T.dublin), com diversas apresentações, desde portador assintomático, gastroenterite, bacteremia, até infecção focal extraintestinal. O grupo das Salmonellas tifoides infecta exclusivamente o homem e causa infecção sistêmica. As não tifoides infectam o homem e animais domésticos e selvagens. As salmonelas não tifoides (SNT), que são bacilos gram-negativos, móveis, aeróbicos e anaeróbicos facultativos, não encapsulados, não esporulados, capazes de reduzir o nitrato a nitrito e não fermentadores da lactose. Existem 2.463 sorotipos de salmonela entérica (não tifoide). As gastroenterites são as manifestações mais comuns causadas por esse grupo. III. Epidemiologia → Quase 1/3 dos casos de gastroenterite bacteriana nos Estados Unidos são causados por SNT e ocorrem nos extremos da idade, isto é, nos lactentes e nos idosos, com um custo anual estimado de 2,5 bilhões de dólares; 8 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA → A salmonelose ocorre em todo o mundo, mas parece ser mais comum onde é praticada a pecuária intensiva. IV. Fatores de risco → São frequentemente infectadas quando consomem alimentos contaminados de origem animal. Os ovos são uma das principais fontes de Salmonella spp. em alguns países, incluindo Estados Unidos. Carnes como a de aves e suínos podem estar contaminadas, porém a salmonelose tem sido também causada pela ingestão de carne de bovino, peixe, e répteis, entre outros. Os surtos estão associados ainda com alimentos de origem não animal, tais como, produtos frescos e manteiga de amendoim, e têm sido cada vez mais relatado nos últimos anos. As pessoas também podem ser infectadas por ingestão dos organismos em água contaminada; → Infecções humanas transmitidas diretamente são na maioria das vezes adquiridas de répteis, anfíbios e aves (e.g., pintinhos e patos) porém, outros animais domésticos, de estimação, exóticos e roedores podem também ser uma fonte da bactéria. Raramente, pessoas foram infectadas após contato com alimento para animais de estimação e petiscos contaminados; → Os humanos eliminam a bactéria ao longo do curso da infecção. A eliminação pode durar vários dias a várias semanas, e as pessoas podem tornar-se portadores temporários por alguns meses ou mais. V. Fisiopatologia → A patogênese tem uma serie de proteínas secretadas por um aparelho de secreção do tipo III e o próprio aparelho, que coloca as proteínas em contato com a mucosa ou as insere no citosol do enterócito. Tanto o aparelho de secreção como as proteínas secretadas são codificadas por ilhas de patogenicidade (Salmonella pathogenecity island – SPI), localizadas no cromossomo da bactéria (SPI-1, SPI-2). A SPI-1 codifica os genes necessários para a invasão de células não fagocíticas, como os enterócitos, por meio de um mecanismo de ruffling e para o início das respostas secretora inflamatória. A SPI-2 e induzida dentro da célula e contém os genes necessários para a sobrevivência dentro dos macrófagos e para a fase sistêmica da infecção; → As proteínas mais diretamente envolvidas nas respostas secretora e inflamatória das mucosas são conhecidas como SIP (Salmonella invasion protein) e SOP (Salmonella outer membrane protein). curso da infecção → As salmonelas penetram no organismo por via oral, atravessam a barreira gástrica e vão se instalar no íleo terminal e colón, onde evadem as múltiplas defesas do intestino, para ganhar acesso ao epitélio. Ao fazer contato com a mucosa intestinal, elasaderem ao epitélio por meio de suas fimbrias; → Essas fimbrias interagem com receptores presentes na superfície dos enterócitos e nas células M, que são igualmente invadidas pela salmonela. A invasão também pode ocorrer através das células dendríticas, que se intercalam entre as células epiteliais ou através dos tecidos linfoides solitários intestinais; → O mecanismo de invasão celular envolve uma série de proteínas que são injetadas na célula epitelial por meio do aparelho secretor tipo III, que introduz no citosol do enterócito diferentes proteínas efetoras. Posteriormente, ocorrem diversos processos que permitem que a salmonela seja endocitada e tenha a capacidade de residir e proliferar dentro de um fagossoma modificado, conhecido como vacúolo, contendo Salmonella (SCV – Salmonella-containing vacuole); → Após a invasão, ocorre a destruição das células M e dos enterócitos, e assim a bactéria entre em contato com os macrófagos residentes no tecido. Uma vez em contato com os macrófagos a proteína SipB é secretada, induzindo a apoptose dessas células. Essa etapa é importante para a sobrevivência bacteriana, já que o recrutamento adicional de fagócitos facilita o seu espalhamento sistêmico através do sistema reticuloendotelial. 9 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA resposta secretora → As salmonelas são bactérias invasoras clássicas. Elas adentram as células epiteliais por macropinocitose, um processo de endocitose, em que os filamentos de actina são estimulados por várias proteínas secretadas. Não obstante esse fato, estudos recentes têm demonstrado que a invasão epitelial não parece participar da patogênese da salmonelose. Em outras palavras, tanto a inflamação da mucosa intestinal como a secreção de íons que leva à diarreia devem ser mediadas por proteínas secretadas que atuam no nível da membrana celular ou após serem introduzidas no citosol do enterócito. Embora as respostas inflamatórias e secretora da mucosa intestinal sejam indissociáveis, os fatores que as medeiam são diferentes ou atuam por vias distintas. resposta inflamatória → As principais células da resposta inflamatória são os neutrófilos, que, uma vez recrutados para os tecidos subepiteliais, migram para a luz intestinal através das junções celulares. O recrutamento de neutrófilos para os tecidos subepiteliais é promovido pela IL-8. O promotor de IL-8 é ativado pelo fator de transcrição NF-κB que, por sua vez, é estimulado pela flagelina e proteínas secretadas. As salmonelas podem invadir a corrente sanguínea, o que depende de vários fatores. A entrada na circulação pode ser direta ou por meio de macrófagos, onde as salmonelas geralmente sobrevivem. Quando livres no sangue, elas são protegidas das defesas do organismo pelo antígeno O e pela proteína Rck, que interfere com a formação do MAC (membrane attack complex), constituído pelas proteínas C5b-C9, fazendo com que a Salmonella resista à ação do sistema complemento; → O processo de invasão das células epiteliais, replicação intracelular e síntese de proteínas bacterianas levam à morte da célula epitelial por meio de um processo de apoptose, que envolve a ativação de caspases (proteases cisteína-dependentes aspartato específicas), tais como as caspases 8, 9 e 3. A liberação de produtos da célula hospedeira, tais como óxido nítrico e TNF-α também contribuem para a apoptose das células epiteliais. Nos macrófagos, o programa de morte celular programada é denominado piropitose, que ocorre com a ativação da caspase-1 pela proteína SipB, resultando na liberação de IL1β e IL-18 e a rápida lise celular com a liberação de conteúdos pró- inflamatórios intracelulares O lipídio A, um componente do lipopolissacarídeo da parede bacteriana é por sua vez, um potente imunomodulador, induzindo a resposta inflamatória mediada por TLR4 (toll-like receptor 4). VI. Manifestações clínicas → O quadro clinico mais comum em imunocompetentes e a gastroenterite, que se inicia com febre em intensidade variável, cólicas abdominais e diarreia, que pode ser acompanhada de náuseas e vômitos. As fezes variam de aquosas esverdeadas, pútridas com grande volume a quadros de colite, com muco, sangue, cólicas intensas e com grande número de evacuações em pequenos volumes, acompanhados de puxos e tenesmo. A evolução dessa infecção costuma ser autolimitada, variando de 2 a 7 dias. Entretanto, em pacientes que fizeram uso prévio de antimicrobianos, uso de corticosteroide em doses altas por mais de duas semanas, uso de antiácidos, lactentes e idosos, doenças malignas e imunodeficiências, as manifestações podem ser mais graves e prolongadas; → Nos lactentes, o inoculo infectante e menor, o período de incubação e variável e a transmissão mais frequente e a inter-humana, muitas vezes relacionada com a internação hospitalar. Nas crianças menores de 2 anos, o quadro gastrointestinal e o mais frequente e difere do adulto por ser de início mais insidioso e de 10 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA evolução mais arrastada. Pode se iniciar com febre baixa ou moderada, distensão abdominal, vômitos, diarreia liquida esverdeada, fétida, volume e frequência aumentados, levando a desidratação e desnutrição. Na maioria das vezes, a enterite fica limitada ao trato gastrointestinal (íleo terminal, ceco e colón), mas nos recém-nascidos e lactentes abaixo de 1 ano, existe o risco de bacteremia com foco(s) a distância (otites, pneumonias, meningites, osteomielites e septicemia, com ou sem choque). VII. Diagnóstico → O diagnostico em gastroenterites e com base no encontro de cultura positiva para salmonela, em fezes com meios seletivos que inibem o crescimento da flora intestinal normal. Os swabs retais possuem menor positividade que as culturas; → Nos quadros septicêmicos e nas febres entéricas, as hemoculturas são uteis e tem boa sensibilidade (60 a 80%) dependendo do volume da amostra coletada, no mínimo 1 até 15 mL, de acordo com a idade e o peso da criança. A cultura de medula óssea tem maior sensibilidade que a hemocultura, principalmente nas febres entéricas (80 a 95%) e pode ser muito útil nos casos de febre persistente. → Nas infecções metastáticas, o diagnostico depende da obtenção de material do foco: cultura de liquor, pus, medula óssea, espécimes de biopsia e outros materiais. VIII. Tratamento → Pacientes com salmonelose severa (bacteremia, febre entérica, ou infecção focal) pode ser tratado com inúmeros antibióticos incluindo ampicilina, gentamicina, fluoroquinolonas, cefalosporinas de terceira geração (e.g., cefotaxima, ceftriaxona), trimetoprim/sulfametoxazol e amoxicilina. Em idosos, bebês e pessoas imunodeprimidas, que são propensas a septicemia e complicações, podem ser administrados antibióticos para a gastroenterite. A escolha do medicamento deve ser baseada no teste de suscetibilidade, quando possível; → O tratamento do acometimento hepático por Salmonella costuma ser bem-sucedido com o uso de cloranfenicol ou ampicilina, o que reduz a mortalidade para cerca de 1 % dos casos. Outras opções terapêuticas incluem o ciprofloxacino e a ceftriaxona. Cloranfenicol 500mg, VO, 6/6horas ou caso a via oral não seja possível, 1g, IV, 6/6 horas durante 21 dias. Ciprofloxacina é uma boa alternativa, sobretudo em pacientes imunodeprimidos, na dose de 500mg, VO, 12/12 horas durante 14 dias. IX. Profilaxia → Controle da transmissão da infecção por salmonela para humanos. Medidas profiláticas: ✓ Coleta apropriada de esgoto e lixo; ✓ Tratamento da água potável com filtragem e cloro; ✓ Tratamento do esgoto antes de devolver a natureza; ✓ Cozinhar os alimentos principalmente ovos e carnes; ✓ Boa prática na preparação dos alimentos, limpeza das mãos e das máquinas de preparo dos alimentos. → Precauções de isolamento:✓ Lavagem das mãos, principalmente se o organismo infectante for S. typhi e S. paratyphi; ✓ Pacientes em recuperação de febre entérica não devem trabalhar com a preparação de alimentos, até que, no mínimo três culturas de fezes estejam negativas. Estafilococos I. Conceito → A intoxicação causada por alimentos contendo enterotoxinas de Staphylococcus aureus é um dos tipos mais comuns de doenças de origem alimentar em todo o mundo. Como é uma doença de curso rápido e não muito grave, os indivíduos afetados geralmente não necessitam de atendimento médico e a maioria dos casos não é notificada; → Início abrupto e violento, com náusea, vômitos e cólicas, prostração, pressão baixa e hipotermia. Alterações na frequência cardíaca podem também ser observadas. A recuperação ocorre em torno de dois dias, porém, alguns casos podem levar mais tempo ou exigir hospitalização. A morte é rara, contudo, pode ocorrer em crianças, idosos e indivíduos debilitados. II. Etiologia → Os estafilococos são bactérias Grampositivas; 11 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA → A superfície externa da maioria das cepas de S. aureus contém o fator de coagulação, coagulase ligada, que se liga ao fibrinogênio e o converte em fibrina insolúvel, sendo importante fator de virulência. A sua detecção é utilizada para identificação desta espécie. III. Epidemiologia → É a intoxicação alimentar mais comum, com distribuição global, afetando todas as faixas etárias. Do ponto de vista epidemiológico, esta doença se manifesta por surtos acometendo várias pessoas que ingeriram o mesmo alimento; → Surtos de intoxicação alimentar são frequentemente relatados e os causados por Staphylococcus aureus são os mais comuns, pois havendo no alimento condições favoráveis à sua multiplicação, em poucas horas, certas cepas produzem uma toxina termoestável que é responsável pelo quadro clínico. IV. Fatores de risco e transmissão → As infecções estafilocócicas podem ser causadas por bactérias do próprio indivíduo, de outros doentes ou de portadores sadios, como profissionais da saúde, iniciando após o contato com áreas traumatizadas da pele ou mucosas, permitindo ao microrganismo o acesso aos tecidos adjacentes ou à corrente sanguínea. No entanto, a infecção pode ficar localizada ou disseminar-se, o que depende da interação complexa entre os fatores de virulência do S. aureus e os mecanismos de defesa do hospedeiro; → O S. aureus é a bactéria mais frequente na mucosa nasal. Os portadores nasais podem, por meio das mãos, desempenhar papel importante na disseminação do microrganismo, principalmente por meio dos alimentos por eles manuseados. É a partir da cavidade nasal que o microrganismo atinge a epiderme, ar, água, solo, alimentos, ou qualquer outro objeto que entre em contato com o indivíduo. Os portadores nasais de S. aureus ao manipularem alimentos podem se tornar importantes fontes de contaminação para os alimentos. V. Fisiopatologia → A intoxicação alimentar causada por estafilococos resulta da inoculação do S. Aureus, produtor de toxinas, nos alimentos pelas mãos colonizadas das pessoas que os preparam. Em seguida, a toxina é produzida nos alimentos que favorecem o crescimento bacteriano, como o creme de ovos, salada de batata ou carnes industrializadas. Nessa doença estafilocócica mediada por toxinas, a infecção nem sempre está presente uma vez que as bactérias podem ser eliminadas pelo aquecimento, já as toxinas produzidas, são termoestáveis, logo, não são destruídas. As doenças provocadas pelo S. aureus podem ser decorrentes da invasão direta dos tecidos, ou exclusivamente, ser devidas às toxinas que ele produz. → Dessa forma a análise do mecanismo de invasão do S. aureus revela que, no primeiro momento, essa bactéria adere à pele ou à mucosa para, em seguida, romper as barreiras do epitélio, comprometendo estruturas de ligações intercelulares, como desmossomos e junções de aderência. Após a invasão do epitélio, o S. aureus utiliza diversas estratégias para permitir a sua sobrevivência e proliferação no organismo hospedeiro; → Ainda, a capacidade de colonização e a patogenicidade do S. aureus são, portanto, uma consequência de seus fatores de virulência, os quais têm papel relevante na adesão celular, na captação de nutrientes e na sua evasão da resposta imunológica do hospedeiro. Assim o alto potencial infeccioso do S. aureus não está restrito apenas à sua facilidade de multiplicação e disseminação nos tecidos, mas também à produção de moléculas com grande poder patogênico, que incluem enzimas e toxinas. As EE aumentam rapidamente a temperaturas adequadas (20-37 ºC) e pH (4-7,4). O mecanismo de ação da intoxicação alimentar EE ainda não é totalmente compreendida; → A intoxicação resulta em uma resposta inflamatória em todo o trato gastrointestinal, caracterizada por danos no jejuno e íleo. Outros pesquisadores mostraram que as EE não atuam diretamente do trato gastrointestinal, mas indiretamente afeta a expressão de citocinas e metabólitos produzidos por células T, macrófagos, monócitos e mastócitos. As crianças podem adoecer por ingestão de 100 mg de EE, e as populações vulneráveis podem desenvolver intoxicação alimentar estafilocócica com alguns microgramas de toxina. VI. Manifestações clínicas → Os sintomas da intoxicação alimentar por estafilococos normalmente começam subitamente, com o início de náusea e vômito graves entre duas e oito horas após o alimento contaminado ser ingerido. Outros sintomas podem incluir cólicas abdominais, diarreia e, às vezes, dor de cabeça e febre. A perda significativa de líquidos e eletrólitos pode causar 12 DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS SAMANTHA LEÃO F. LIMA fraqueza e pressão arterial extremamente baixa (choque). Normalmente, os sintomas duram menos de 12 horas e a recuperação é completa. Às vezes, a intoxicação alimentar por estafilococos é fatal, sobretudo em recém-nascidos, idosos e pessoas debilitadas por doenças prolongadas. VII. Diagnóstico → O desenvolvimento de técnicas moleculares viabilizou a aplicação de ferramenta para detecção da sequência de nucleotídeos do gene, responsável pela produção de enterotoxina pelos estafilococos. Os métodos biomoleculares incluem hibridação de ácidos nucléicos e Reação em Cadeia da Polimerase. A PCR pode ser utilizada para detecção de diversos tipos de estafilococos enterotoxigênicos em culturas e alimentos. VIII. Tratamento → É uma doença autolimitada e, por isso a principal medida terapêutica é a manutenção da hidratação e do equilíbrio eletrolítico. Dura de 6 a 12 horas e tem bom prognóstico, com exceção de casos de desidratação extrema, que acontecem mais comumente em pacientes de extremos de idade. Sintomático através de medidas de suporte com uso de antitérmicos e hidratação oral e/ou parenteral para correção de distúrbios ácido-básicos e eletrolíticos (hipocalemia, acidose metabólica etc.). O uso de antieméticos deve ser evitado na maioria dos casos, seu uso, em situações especiais, deve ser criterioso. crianças → O atendimento de criança com DTA, cujas manifestações clínicas principais são diarreia e vômitos, requer atenção para algumas particularidades durante o exame clínico. É importante avaliar: Estado de hidratação: - sem desidratação, - desidratado, - com desidratação grave. Existência de “sinais de perigo”: - dificuldade ou incapacidade de beber ou mamar no peito, - vômitos frequentes, - convulsões, - letargia ou inconsciência. Presença de sangue nas fezes (ou relato da mãe/acompanhante). adultos → O tratamento de adultos com comprometimento do estado geral, febre que persiste por mais de três dias, sangue nas fezes pode ser feito com sulfametoxazol/trimetoprima ou quinolona (norfloxacin ou ciprofloxacin). Antimicrobianos devem ser usados no tratamentode shiguelose e febre tifoide, mas devem ser evitados nas infecções gastrintestinais não complicadas causadas por Salmonela não tifoide. referências • Veronesi- Tratado de infectologia, 5ª ed- 2015; • Manual Integrado de Vigilância, prevenção e controle por doenças transmitidas por alimentos, MS, 2010; • Artigo Doenças transmitidas por alimentos, principais agentes etiológicos e aspectos gerais, de Ana Beatriz Almeida de Oliveira, 2010; • Microbiologia médica; Tortora 10ªed.
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