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Aldillany Maria Farmacologia – agentes alquilantes e antraciclinas Alquilantes Fármacos alquilantes exercem seu efeito citotóxico ligando-se covalentemente ao grupo nucleofílico de vários constituintes celulares. A alquilação do DNA é provavelmente a reação citotóxica crucial, que é letal às células tumorais. Os alquilantes não discriminam entre as células em repouso e as que estão ciclando, mas são mais tóxicos para as que estão se dividindo rápido. Eles são usados em associação com outros fármacos para combater uma ampla variedade de cânceres linfáticos e sólidos. Além de serem tóxicos, todos são mutagênicos e carcinogênicos e podem levar a um segundo câncer, como uma leucemia aguda. MECLORETAMINA A mecloretamina foi desenvolvida como um vesicante (mostarda nitrogenada) durante a Primeira Guerra Mundial. Sua capacidade de produzir linfocitopenia levou ao seu uso em cânceres linfáticos. Como pode se ligar de forma covalente a dois nucleotídeos separados, como a guanina na molécula de DNA, ela é denominada "fármaco bifuncional". A mecloretamina foi usada inicialmente no tratamento da doença de Hodgkin e também pode ser usada no tratamento de alguns tumores sólidos. Mecanismo de ação A mecloretamina é transportada para o interior da célula, onde forma um intermediário reativo que alquila o nitrogênio N7 do resíduo de guanina em uma ou ambas as fitas da molécula de DNA. Essa alquilação leva a ligações cruzadas entre os resíduos de guanina nas cadeias do DNA e/ou despurinação, facilitando, assim, a ruptura do DNA. A alquilação também pode causar mutações por erro no código. Embora a alquilação possa ocorrer nas células que estão ciclando e nas em repouso (e, por isso, é ciclo- celular-inespecífica), as células em proliferação são mais sensíveis à mecloretamina, especialmente as que estão nas fases G1 e S. Resistência A resistência foi atribuída à diminuição da permeabilidade para a mecloretamina, ao aumento da conjugação com grupos tiol como a glutationa e, possivelmente, ao aumento do reparo do DNA. Farmacocinética A mecloretamina é muito instável, e as soluções devem ser preparadas logo antes da administração. Ela também é um poderoso vesicante (fármaco produtor de vesículas) e só administrada por via IV. Devido à sua reatividade, raramente algo é excretado. Efeitos adversos Os efeitos adversos causados por mecloretamina incluem grave náusea e êmese. Acentuada depressão da medula óssea limita o uso extensivo. Infecções virais latentes (p. ex., herpes-zóster) podem aparecer devido à imunossupressão. O extravasamento é um problema grave. Se ocorrer, a área deve ser infiltrada com tiossulfito sódico isotônico para inativar o fármaco. CICLOFOSFAMIDA E IFOSFAMIDA Esses fármacos são singulares, pois podem ser tomados por via oral, e são citotóxicos somente depois que se formam as espécies alquilantes, produzidas por hidroxilação pelo CI P450. Eles apresentam um amplo espectro clínico, sendo usados isoladamente ou como parte de um regime no tratamento de ampla variedade de doenças neoplásicas, como o linfoma de Burkitt e o câncer de mama. Aldillany Maria Doenças não neoplásicas como a síndrome nefrótica e a artrite reumatoide intratável também são tratadas efetivamente com dosagens baixas de ciclofosfamida. Mecanismo de ação A ciclofosfamida é o fármaco alquilante mais comumente usado. Ciclofosfamida e ifosfamida são biotransformadas em um intermediário hidroxilado, primariamente no fígado pelo sistema CIP450. Os intermediários hidroxilados sofrem hidrólise para formar os compostos ativos, mostarda fosforamida e acroleína. A reação da amida fosforamida com o DNA é considerada a etapa citotóxica. Resistência A resistência resulta de aumento do reparo do DNA, diminuição da permeabilidade e reação do fármaco com tióis (p. ex., glutationa). Resistência cruzada não ocorre sempre. Farmacocinética Ao contrário da maioria dos fármacos alquilantes, a ciclofosfamida e a ifosfamida podem ser administradas pela via oral. Por via oral, quantidades mínimas do fármaco são excretadas nas fezes (depois de transporte biliar) ou na urina por filtração glomerular. Efeitos adversos A toxicidade mais evidente dos dois fármacos (depois de alopecia, náusea, êmese e diarreia) é depressão da medula óssea, especialmente leucocitose e cistite hemorrágica, que pode levar à fibrose da bexiga. o (Nota: hidratação adequada, bem como injeção IV de MESNA [2-mercaptoetano sulfonato sódico], que neutraliza os metabólitos tóxicos, minimizam o problema.) Outras toxicidades incluem efeitos nas células germinativas, resultando em amenorreia, atrofia testicular, aspermia e esterilidade. Doença veno-oclusiva do fígado é vista em cerca de 25°/o dos pacientes. Incidência de neurotoxicidade claramente maior foi observada em pacientes tratados com doses elevadas de ifosfamida, provavelmente devido ao metabólito cloroacetaldeído. Tumores secundários podem aparecer anos após o tratamento. NITROSOUREIAS Devido à sua capacidade de entrar no SNC, as nitrosoureias são empregadas primariamente no tratamento de tumores cerebrais. Elas têm uso limitado no tratamento de outros cânceres. Mecanismo de ação As nitrosoureias exercem efeitos citotóxicos por alquilação que inibe a replicação e, eventualmente, a síntese de RNA e proteínas. Embora alquilem DNA de células em repouso, a citotoxicidade é expressa primariamente nas células que estão se dividindo ativamente. Por isso, as células que estão em repouso podem escapar da morte se ocorrer o reparo do DNA. As nitrosoureias também inibem vários processos enzimáticos-chave por carbamoilação de aminoácidos em proteínas das células-alvo. Resistência Embora a verdadeira natureza da resistência às nitrosoureias seja desconhecida, ela provavelmente resulta do reparo do DNA e reações dos fármacos com tióis. Farmacocinética Aldillany Maria Apesar das semelhanças entre as estruturas químicas, a carmustina é administrada por via IV, e a lomustina é por via oral. Devido a suas lipossolubilidades, elas se distribuem amplamente no organismo a vários tecidos, mas a propriedade mais notável é sua capacidade de penetração fácil no SNC. Os fármacos sofrem extensa biotransformação. Efeitos adversos Incluem depressão hematopoiética tardia, que pode ser devida aos metabólitos. Pode se desenvolver medula aplástica com o uso prolongado. Toxicidade renal e fibrose pulmonar relacionadas com a duração do tratamento também são encontradas. DACARBAZINA A dacarbazina, que encontrou uso no tratamento do melanoma, é um alquilante que precisa ser biotransformado em metabólito ativo, a metiltriazenoimidazol carboxamida (MTIC). Esse metabólito é responsável pela atividade alquilante formando íons metilcarbono que podem atacar grupos nucleofílicos na molécula de DNA. Assim, de modo similar a outros alquilantes, a ação citotóxica da dacarbazina é atribuída à capacidade do seu metabólito metilar o DNA na posição 06 da guanina. Farmacocinética A dacarbazina é administrada por via IV. Efeitos adversos Náuseas e êmese. Mielossupressão (trombocito e neutropenia) ocorrem mais tarde no tratamento. Hepatotoxicidade com oclusão vascular hepática pode ocorrer em tratamentos longos. TEMOZOLOMIDA O tratamento de tumores no cérebro é particularmente difícil. Recentemente foi aprovada a temozolomida, um triazeno, para uso contra gliomas e astrocitomas anaplásticos resistentes a tratamentos. A temozolomida é relacionada com a dacarbazina, pois ambas precisam ser biotransformadas em metabólito ativo, MTIC, que provavelmente é o responsável pela metilação do DNA na posição 6 da guanina. Diferente da dacarbazina, a temozolomida não requer o sistema CI P450 para a transformaçãometa bólica, a qual acontece sob pH fisiológico normal. A temozolomida também tem a propriedade de inibir a enzima de reparo, 06-guanina-DNA- alquiltransferase. Ela se diferencia da dacarbazni a por sua capacidade de atravessar a barreira hematencefálica e tem excelente biodisponibilidade por via oral. Ela é excretada, junto com os metabólitos, na urina. A temozolida é administrada 5 dias consecutivos e repetida a cada 28 dias. Similar com a dacarbazina, seus principais efeitos adversos são náuseas e êmese. Mielossupressão (trombocito e neutropenia) ocorrem tardiamente no tratamento. Aldillany Maria Antraciclinas DOXORRUBICINA E DAUNORRUBICINA Doxorrubicni a e daunorrubicina são classificadas como antibióticos antraciclinos. A doxorrubicina é o análogo hidroxilado da daunorrubicina. As aplicações desses fármacos diferem, apesar das similaridades de estrutura e aparentemente de mecanismo de ação. A doxorrubicina é um dos mais importantes e mais usados fármacos antineoplásicos. Ela é usada em combinação com outros fármacos para o tratamento de sarcomas e uma variedade de carcinomas, incluindo de mama e pulmonar, bem como para o tratamento da leucemia linfocítica aguda e linfomas. A daunorrubicina e a idarrubicina são usadas no tratamento das leucemias agudas. Mecanismo de ação A doxorrubicina e outras antraciclinas induzem citotoxicidade por meio de vários mecanismos diferentes. Por exemplo, os radicais livres derivados da doxorrubicina podem causar peroxidação dos lipídeos de membrana, ruptura das fitas de DNA e oxidação direta das bases púricas e pirimídicas, tióis e aminas. Farmacocinética Todos esses fármacos precisam ser administrados por via IV, pois são inativados no TGI. O extravasamento é um sério problema, já que pode causar necrose tissular. Os antibióticos antraciclínicos se ligam às proteínas plasmáticas, bem como a outros componentes tissulares, onde são amplamente distribuídos. Eles não penetram o líquido cerebrospinal nem os testículos. Todos esses fármacos sofrem extensa biotransformação hepática. A bile é a principal via de excreção, e a dosagem precisa ser modificada em pacientes com função hepática insuficiente. Ocorre alguma excreção renal, mas em geral não é necessário ajustar a dose em pacientes com insuficiência renal. Devido à coloração vermelho-escuro dos antraciclínicos, as veias podem se tornar visíveis ao redor do local de infusão. Estes fármacos também coram a urina de vermelho. Efeitos adversos O efeito adverso mais grave é a cardiotoxicidade dose-dependente e irreversível, resultante da geração de radicais livres e lipídeo peroxidação e é mais comum com daunorrubicina e com doxorrubicina do que com idarrubicina e epirrubicina. A irradiação do tórax aumenta o risco de cardiotoxicidade. A adição de trastuzumabe aos protocolos com doxorrubicina ou epirrubicina aumenta a insuficiência cardíaca congestiva. Há algum sucesso na proteção contra a cardiotoxicidade pela doxorrubicina com o quelante de ferro dexrazona. (Nota: uma formulação de doxorrubicina encapsulada em lipossomos é apontada como menos cardiotóxica do que a formulação habitual.) A doxorrubicina e a daunorrubicina causam supressão temporária da medula óssea, estomatite e distúrbios do TGI. Aumento da pigmentação da pele também é encontrado. A alopecia em geral é intensa. Aldillany Maria BLEOMICINA A bleomicina é uma mistura de diversos glicopeptídeos queladores de cobre e, como os antibióticos antraciclínicos, causa cisão do DNA por um processo oxidativo. A bleomicina é ciclo-celular-específica e faz com que as células acumulem na fase G2. Ela é usada primariamente no tratamento de cânceres testiculares em combinação com vimblastni a ou etoposídeo. As taxas de resposta são próximas de 100°/o se a cisplatina for adicionada ao tratamento. A bleomicina também é eficaz contra carcinomas de célula escamosa e linfomas, embora não curativa. Mecanismo de ação O complexo DNA-bleomicina-Fe2+ sofre oxidação à bleomicina-Fe3+. Os elétrons liberados reagem com oxigênio para formar radicais superóxido ou hidroxilas que, por sua vez, atacam as ligações fosfodiester do DNA, resultando em quebra das fitas e em aberrações cromossomais. Resistência Embora o mecanismo de resistência não tenha sido elucidado, sistemas experimentais têm responsabilizado o aumento dos níveis de bleomicina hidrolase (ou desamidase), glutationa-S- transferase e, possivelmente, o aumento do efluxo da bleomicina. A reparação do DNA também pode contribuir. Farmacocinética A bleomicina é administrada por inúmeras vias, incluindo subcutânea, IM, IV e intracavitária. A enzima inativadora de bleomicina (uma hidrolase) é elevada em inúmeros tecidos (p. ex., fígado e baço), mas é baixa nos pulmões e ausente na pele (responsável pela toxicidade da bleomicina nesses tecidos). A maioria do fármaco é excretada inalterada na urina por filtração glomerular, necessitando reajuste da dose em pacientes com insuficiência renal. Efeitos adversos A toxicidade pulmonar é o efeito adverso mais grave, evoluindo de estertores, tosse e infiltrados até fibrose potencialmente fatal. A fibrose pulmonar causada pela bleomicina é denominada frequentemente "pulmão bleomicina". Reações mucocutâneas e alopecia são comuns. Alterações hipertróficas da pele e hiperpigmentação das mãos são prevalentes. Há elevada incidência de febre e calafrios. A bleomicina é incomum, pois provoca raras mielossupressões.