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Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ASMA A asma é uma doença inflamatória crônica, caracterizada por hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, manifestando-se por episódios recorrentes de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite e pela manhã ao despertar. Além disso, é uma patologia de etiologia desconhecida mas acredita-se que resulta de uma interação entre genética, exposição ambiental a alérgenos e irritantes, além de outros fatores específicos que levam ao desenvolvimento e à manutenção dos sintomas; ainda com presença de várias células e elementos celulares. Há vários episódios recorrentes de obstrução generalizada das vias aéreas – que se reverte espontaneamente ou com tratamento. A hiper-reatividade brônquica se expressa como uma resposta broncoconstritora exagerada a estímulos que, em situações normais, não causariam qualquer sintoma em indivíduos normais. Os pacientes asmáticos apresentam um tipo especial de inflamação das vias aéreas que os torna mais responsivos que os indivíduos normais a uma ampla variedade de estímulos desencadeantes; isso provoca estreitamento excessivo das vias aéreas, redução do fluxo ventilatório e sinais e sintomas como sibilos e dispneia. Em geral, o estreitamento das vias aéreas é reversível, mas alguns pacientes com asma crônica podem ter um componente de obstrução ventilatória irreversível. A asma é uma doença heterogênea com vários fenótipos reconhecidos, mas, até o momento, eles não correspondem bem aos mecanismos patogênicos conhecidos (endótipos) ou às respostas à terapia. A atopia é um importante fator predisponente identificável para o desenvolvimento da asma alérgica. Pode-se definir a atopia como uma característica herdada de um indivíduo em sintetizar a imunoglobulina do isotipo E (IgE) diante de alérgenos do meio ambiente. Essa produção de IgE pode ou não desencadear uma doença atópica (rinossinoconjuntivite alérgica, asma alérgica, dermatite atópica, alergia alimentar). EPIDEMIOLOGIA ▪ A asma é muito comum em todos os países, afetando, em média, 7-10% da população. Atinge cerca de 300 milhões de pessoas ao redor do mundo. ▪ Ela é discretamente mais frequente em crianças do sexo masculino (idade < 14 anos) e mulheres adultas. A maioria dos casos início antes dos 25 anos de idade – embora possa acometer qualquer faixa etária. ▪ A asma pode começar em qualquer idade, com o pico de incidência ocorrendo aos 3 anos. Na infância, a asma é duas vezes mais comum no sexo masculino, mas a relação entre os dois sexos iguala-se na idade adulta. ▪ A prevalência global da asma varia entre 1 a 18% da população em diferentes países e existem boas evidências de que esteja aumentando em alguns países e estabilizando-se em outros locais. A mortalidade anual por asma em todo o mundo foi estimada em 250.000 casos. ▪ O Brasil ocupa a 8ª posição em prevalência de asma. A prevalência varia de 4,7% a 30,5% - com média de 20% da população, segundo o estudo multicêntrico ISAAC, envolvendo 56 países. ▪ No Brasil, existem cerca de 20 milhões de asmáticos. ▪ Além disso, segundo o DataSUS, o Brasil teve 160 mil internações por asma em 2011, colocando a asma como quarta causa de internações. ▪ Os meses de outono e inverno possuem taxas maiores de internação, o que destaca o caráter sazonal da doença. ▪ Nos últimos 30 anos, a prevalência dessa doença aumentou nos países desenvolvidos, mas agora parece ter estabilizado com cerca de 10 a 12% dos adultos e 15% das crianças afetados pela doença. Nos países em desenvolvimento, nos quais a prevalência de asma era muito menor, há um aumento da prevalência, que parece estar associado ao aumento da urbanização. ▪ As prevalências de atopia e de outras doenças alérgicas também aumentaram no mesmo período, o que sugere que as razões desse aumento provavelmente sejam sistêmicas, em vez de limitadas aos pulmões. Nos países ricos, a maioria dos pacientes asmáticos é atópica e mostra sensibilização alérgica ao Dermatophagoides pteronyssinus da poeira doméstica e a outros alérgenos do ambiente, como pelos de animais e pólens. FATORES DE RISCO A asma é uma doença heterogênea com fatores genéticos e ambientais inter-relacionados. Vários fatores de risco que predispõem à asma foram identificados. Eles devem ser diferenciados dos desencadeadores, que são fatores ambientais que pioram a asma em pacientes com doença estabelecida. ATOPIA A atopia é o principal fator de risco para asma; os indivíduos não atópicos têm risco muito pequeno de desenvolver a doença. Os pacientes asmáticos frequentemente Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA apresentam outras doenças atópicas, sobretudo rinite alérgica (detectada em mais de 80% dos asmáticos) e dermatite (eczema) atópica. A atopia pode ser evidenciada em 40 a 50% das populações dos países desenvolvidos, mas apenas um percentual pequeno dos indivíduos atópicos desenvolve asma. Essa observação sugere que algum outro fator (ou fatores) ambiental ou genético predisponha ao desenvolvimento da asma em indivíduos atópicos. Os alérgenos que causam sensibilização em geral são proteínas com atividade de protease, e os mais comuns são derivados dos ácaros de poeira doméstica, dos pelos de gatos e cães, das baratas (nas cidades do interior), do pólen de gramíneas e árvores e dos roedores (nos profissionais que trabalham em laboratórios). A atopia é causada pela produção geneticamente determinada de anticorpos IgE específicos, e muitos pacientes têm história familiar de doenças alérgicas. PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA A associação familiar da asma e um grau expressivo de concordância dessa doença entre gêmeos idênticos sugerem uma predisposição genética; contudo, ainda não está claro se os genes que predispõem à asma são semelhantes ou diferentes dos que predispõem à atopia. Hoje, parece provável que genes diferentes também possam contribuir especificamente para asma, e há evidências crescentes de que a gravidade da doença também seja determinada geneticamente. Triagens genéticas indicam que a asma é poligênica, ou seja, cada gene identificado produz um efeito pequeno que nem sempre se reproduz nas diferentes populações. Essa observação sugere que a interação de muitos genes seja importante e isso pode variar em diferentes populações. Os achados mais consistentes foram as associações com os polimorfismos dos genes do cromossomo 5q, inclusive das interleucinas (IL) 4, IL-5, IL-9 e IL-13 das células T auxiliares tipo 2 (TH2), que estão associadas à atopia. Existem evidências crescentes de uma interação complexa entre os polimorfismos genéticos e os fatores ambientais, mas serão necessários estudos com grandes populações para elucidar as relações. Novos genes associados à asma, inclusive ADAM-33, DPP10 e ORMDL3, também foram identificados por clonagem posicional, mas sua função na patogênese da doença ainda é desconhecida. MECANISMOS EPIGENÉTICOS Há evidências crescentes de que mecanismos epigenéticos podem ser importantes, particularmente no desenvolvimento precoce da asma. Padrões de modificação da histona e metilação do DNA podem ser influenciados por dieta, exposição à fumaça de cigarro e poluição do ar, podendo afetar os genes envolvidos na patogênese da asma. Essas alterações epigenéticas podem ocorrer no feto como resultado de exposições ambientais maternas. INFECÇÕES Embora as infecções virais (em especial o rinovírus) sejam fatores desencadeantes comuns das exacerbações da asma, ainda não está claro se elas desempenham alguma função etiológica. Há alguma correlação entre infecção pelo vírus sincicial respiratório em lactentes e desenvolvimento de asma, mas é difícil determinar a patogênese específica porque tal infecção é muito comum nas crianças. Bactérias atípicas, como Mycoplasma e Chlamydophila,foram implicadas na patogênese da asma grave, mas até agora as evidências em favor de uma associação real não são muito convincentes. Morar em casas úmidas com exposição a mofo é atualmente reconhecido como fator de risco, e a remoção desses fatores pode melhorar a asma. Essa “hipótese da higiene” propõe que a raridade das infecções nos primeiros anos de vida preserve a reatividade das TH2 ao nascer, enquanto a exposição aos agentes infecciosos e às endotoxinas provoque um desvio no sentido do predomínio da resposta imune TH1 protetora. Crianças criadas em áreas rurais expostas a níveis altos de endotoxinas têm menos tendência a desenvolver sensibilização alérgica do que crianças criadas em fazendas de gado leiteiro. Infecções por parasitas intestinais, como ancilóstomos, também podem estar associadas à diminuição do risco de desenvolver asma. Embora tenha suporte epidemiológico expressivo, essa hipótese não consegue explicar o aumento proporcional das doenças desencadeadas pelas células TH1 (inclusive diabetes) no mesmo período. DIETA O papel dos fatores dietéticos é controverso. Estudos de observação mostraram que dietas pobres em antioxidantes (vitaminas A e C), magnésio, selênio e gorduras poli- insaturadas ômega-3 (óleo de peixe), ou ricas em sódio e poli-insaturadas ômega-6, estavam associadas a risco mais alto de desenvolver asma. A deficiência de vitamina D também pode predispor ao desenvolvimento da doença. Entretanto, estudos de intervenção com suplementação dietética não confirmaram que os fatores dietéticos desempenhem papel importante. A obesidade também é um fator de risco independente para asma, principalmente entre as mulheres, mas os mecanismos ainda não foram esclarecidos. POLUIÇÃO DO AR Os poluentes do ar, inclusive dióxido de enxofre, ozônio e partículas emanadas do diesel, podem desencadear sintomas de asma, mas a participação dos diferentes poluentes do ar na etiologia da doença ainda não está clara. Há evidências crescentes de que a exposição à poluição do tráfego urbano está associada com aumento dos sintomas Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA de asma, com os principais culpados sendo as partículas de diesel e o dióxido de nitrogênio. A poluição do ar nos ambientes internos também é importante em razão da exposição aos óxidos de nitrogênio emanados dos fornos e da exposição passiva à fumaça de cigarro. Existem algumas evidências de que o tabagismo materno seja um fator de risco para asma, mas é difícil dissociar tal associação do risco aumentado de infecções respiratórias. ALÉRGENOS Os alérgenos inalados são desencadeantes comuns dos sintomas asmáticos e também foram implicados na sensibilização alérgica. A exposição aos ácaros da poeira doméstica nos primeiros anos da infância é um fator de risco para sensibilização alérgica e asma, mas o controle rigoroso dos alérgenos não mostrou qualquer efeito de redução do risco de desenvolver asma. A proliferação dos ácaros da poeira doméstica em casas mal ventiladas com aquecimento central e carpetes foi implicada na prevalência crescente de asma nos países desenvolvidos. Animais domésticos, principalmente gatos, também foram associados à sensibilização alérgica, mas a exposição a gatos nos primeiros anos de vida pode conferir proteção por indução de tolerância. EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A asma ocupacional é relativamente comum e pode acometer até 10% dos adultos jovens. Existem descritos mais de 300 agentes sensibilizantes. Substâncias químicas como di-isocianato de tolueno e anidrido trimetílico podem causar sensibilização independente da atopia. Os indivíduos também podem ser expostos aos alérgenos nos locais de trabalho, inclusive alérgenos de pequenos animais de laboratório e amilase fúngica da farinha de trigo manuseada pelos padeiros. Trabalhadores da área da limpeza comumente desenvolvem asma ocupacional devido à exposição a aerossóis dos líquidos de limpeza. A asma ocupacional pode ser suspeitada quando a paciente melhora, nos finais de semana e nos feriados. OBESIDADE A asma ocorre com maior frequência em pessoas obesas (índice de massa corporal [IMC] > 30 kg/m2) e costuma ser mais difícil de controlar. Embora fatores mecânicos possam contribuir, também pode haver ligação com adipocinas pró- inflamatórias e redução de adipocinas anti-inflamatórias que são liberadas das células adiposas. OUTROS FATORES Muitos outros fatores foram implicados na etiologia da asma, inclusive idade materna baixa, duração da amamentação ao peito, prematuridade e baixo peso ao nascer e inatividade física, mas não é provável que esses fatores contribuam para o aumento mundial recente da prevalência da asma. Também existe uma associação com a utilização de paracetamol na infância, que pode estar ligada ao aumento do estresse oxidativo. FATORES DESENCADEANTES Vários estímulos desencadeiam o estreitamento das vias aéreas, os sibilos e a dispneia dos pacientes asmáticos. Embora uma noção antiga sugerisse que tais estímulos deveriam ser evitados, isto é atualmente visto como evidência de controle inadequado da doença e indica a necessidade de intensificar o tratamento de controle (preventivo). ALÉRGENOS Os alérgenos inalados ativam os mastócitos, e a IgE ligada a essas células pode provocar diretamente a liberação imediata dos mediadores broncoconstritores, resultando na resposta inicial que é reversível pelos broncodilatadores. Em geral, a exposição experimental aos alérgenos é seguida de uma resposta tardia evidenciada por edema das vias aéreas e uma resposta inflamatória aguda com aumento dos eosinófilos e dos neutrófilos que não regridem por completo com broncodilatadores. Os alérgenos que mais desencadeiam asma são a espécie Dermatophagoides, e a exposição ambiental causa sintomas crônicos leves e persistentes. Outros alérgenos perenes são oriundos de gatos e outros animais domésticos, assim como de baratas. Outros alérgenos, como o pólen de gramíneas, a erva-de- santiago (tasneiro), o pólen das árvores e os esporos dos fungos, são sazonais. Em geral, o pólen causa rinite alérgica em vez de asma, mas, durante as tempestades, os grãos de pólen rompem-se e as partículas liberadas podem desencadear exacerbações graves da asma (asma das tempestades). INFECÇÕES VIRAIS As infecções das vias aéreas superiores causadas por vírus como rinovírus, vírus sincicial respiratório e coronavírus estão entre os fatores desencadeantes mais comuns das exacerbações graves da asma, sendo que esses microrganismos podem invadir as células epiteliais das vias aéreas superiores e inferiores. O mecanismo pelo qual esses vírus provocam exacerbações não é bem entendido, mas há acentuação da inflamação das vias aéreas com quantidades aumentadas de eosinófilos e neutrófilos. Há evidências de produção reduzida de interferonas do tipo I pelas células epiteliais dos pacientes asmáticos, resultando no aumento Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA da suscetibilidade a essas infecções virais e em uma resposta inflamatória mais acentuada. AGENTES FARMACOLÓGICOS Vários fármacos podem desencadear asma. Os bloqueadores β-adrenérgicos muitas vezes pioram agudamente a asma e sua utilização pode ser fatal. Os mecanismos não estão claros, mas são mediados pela acentuação da broncoconstrição colinérgica. Todos os β- bloqueadores devem ser evitados, e até mesmo os bloqueadores β2 seletivos ou a aplicação tópica (p. ex., colírio de timolol) podem ser perigosos. Em tese, os inibidores da enzima conversora da angiotensina são deletérios porque inibem a decomposição das cininas, que atuam como broncoconstritores; contudo, esses fármacos raramente agravam a asma, e a tosse característica não é mais comum nos asmáticos do que nos demais pacientes. O ácido acetilsalicílico pode agravar a asma de alguns pacientes (a asma sensível ao ácido acetilsalicílico está descrita adiante em “Considerações especiais”).EXERCÍCIO FÍSICO O exercício físico é um fator desencadeante comum da asma, principalmente nas crianças. O mecanismo está relacionado com hiperventilação, que aumenta a osmolalidade do líquido que recobre as vias aéreas e desencadeia a liberação dos mediadores dos mastócitos, resultando em broncoconstrição. A asma induzida por exercícios (AIE) em geral começa após o final dos exercícios e melhora de forma espontânea dentro de cerca de 30 minutos. A AIE piora em climas secos e frios em comparação com condições quentes e úmidas. Por essa razão, tal tipo de asma é mais comum com os esportes como corridas em campo aberto em dias frios, esqui em trilhas e hóquei no gelo do que com a natação. Ela pode ser evitada pela administração prévia de β2 -agonistas e de bloqueadores dos leucotrienos, porém é mais facilmente controlada pelo tratamento regular com CIs, que reduzem a quantidade de mastócitos superficiais necessária a essa resposta. FATORES FÍSICOS Ar frio e hiperventilação podem desencadear asma pelos mesmos mecanismos associados à prática de exercício. Crises de riso também podem desencadear a doença. Alguns pacientes referem agravamento da asma em clima quente e quando há alterações climáticas. Alguns asmáticos pioram quando são expostos a odores ou perfumes fortes, mas o mecanismo de tal resposta não está esclarecido. ALIMENTOS E DIETA Existem poucas evidências de que as reações alérgicas aos alimentos agravem os sintomas da asma, embora alguns pacientes acreditem que seus sintomas sejam desencadeados por determinados tipos de alimento. As dietas de exclusão geralmente são ineficazes para reduzir a frequência das crises de asma. Alguns alimentos como mariscos e nozes podem provocar reações anafiláticas que, em alguns casos, podem incluir sibilos. Os pacientes com asma induzida por ácido acetilsalicílico podem melhorar se evitarem salicilatos, mas isso é difícil de manter. Alguns aditivos alimentares podem desencadear asma. O metabissulfeto utilizado como conservante alimentar pode provocar a doença em razão da liberação do gás dióxido de enxofre no estômago. No passado, acreditava-se que a tartrazina utilizada para dar coloração amarela aos alimentos desencadeasse crises de asma, mas há poucas evidências convincentes quanto a isso. POLUIÇÃO DO AR Níveis ambientais elevados de dióxido de enxofre, ozônio, partículas de diesel e óxidos de nitrogênio estão associados ao aumento dos sintomas de asma. FATORES OCUPACIONAIS Várias substâncias encontradas no ambiente de trabalho podem atuar como agentes sensibilizantes, conforme mencionado antes, mas também podem funcionar como desencadeantes dos sintomas asmáticos. A asma ocupacional geralmente está associada ao aparecimento de sintomas no trabalho, com melhora nos finais de semana e nos feriados. Se houver remoção da exposição dentro dos primeiros 6 meses de manifestação dos sintomas, costuma haver recuperação completa. Os sintomas mais persistentes podem causar alterações irreversíveis das vias aéreas e, por essa razão, a detecção precoce e a evitação da exposição são medidas importantes. HORMÔNIOS Algumas mulheres têm agravamento pré-menstrual da asma, que, em alguns casos, pode ser muito grave. Os mecanismos não estão bem esclarecidos, mas se relacionam com a redução dos níveis de progesterona; nos casos graves, a asma pode melhorar com tratamento com doses altas de progesterona ou de fatores de liberação das gonadotrofinas. Tireotoxicose e hipotireoidismo podem piorar a asma, embora seus mecanismos sejam desconhecidos. RFLUXO GASTROESOFÁGICO O refluxo gastresofágico é comum nos pacientes asmáticos, uma vez que é acentuado pelos broncodilatadores. Embora Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA o refluxo de ácido possa provocar broncoconstrição reflexa, isso raramente causa sintomas asmáticos, e o tratamento antirrefluxo não consegue reduzir os sintomas da maioria dos pacientes. ESTRESSE Muitos pacientes asmáticos referem agravamento dos sintomas pelo estresse. Fatores psicológicos podem provocar broncoconstrição por ativação das vias reflexas colinérgicas. Paradoxalmente, o estresse muito grave (p. ex., perda de um ente querido por morte) não piora e pode até melhorar os sintomas de asma. FISIOPATOLOGIA Ainda não se sabe exatamente o que causa a asma, mas sabe-se que existem diversos fatores envolvidos na fisiopatologia da doença, como a hereditariedade – diversos genes são envolvidos na sua patogênese, embora não se tenha encontrado um que isoladamente precipite a doença – fatores ambientais e a obesidade. Hoje sabemos que o fenômeno fisiopatológico básico da asma é a inflamação crônica das vias aéreas inferiores. Todos os pacientes (sintomáticos ou não) apresentam uma reação inflamatória característica na parede brônquica, cuja intensidade pode variar ao longo do tempo (porém, sempre presente). Tanto a via aérea proximal (traqueia, brônquios fonte e lobares) quanto a distal (brônquios menores e bronquíolos) costumam ser afetadas. Os alvéolos, por outro lado, não apresentam tais alterações. Esta inflamação, através de uma complexa rede de interações moleculares (envolvendo diversos tipos de célula), é a causa da hiper-reatividade brônquica. Desse modo, estímulos como infecções, contato com alérgenos, mudanças climáticas, exercício físico, agentes químicos, fármacos ou estresse emocional podem desencadear um quadro de obstrução aguda das vias aéreas inferiores, chamado genericamente de crise asmática. Vale ressaltar que, além do broncoespasmo (contração da musculatura brônquica), os seguintes eventos são observados: edema da mucosa e formação de tampões de muco, contribuindo para a redução aguda no calibre da via aérea. PATOGÊNESE A explicação mais aceita para a gênese da asma envolve um desequilíbrio imunológico relacionado à diferenciação dos linfócitos T-helper. Estes linfócitos podem se diferenciar em dois subtipos: Th1 e Th2. Os linfócitos Th1 participam da resposta protetora contra agentes infecciosos, enquanto os Th2 promovem um tipo especial de inflamação chamado inflamação alérgica, cuja função não é propriamente de “defesa”. Nos pacientes asmáticos, existe predomínio dos linfócitos Th2, os quais estimulam, pela secreção de citocinas específicas, os seguintes eventos secundários: (1) proliferação de mastócitos; (2) produção de IgE por linfócitos B; e (3) recrutamento de eosinófilos à mucosa respiratória. Os eosinófilos parecem ser os principais responsáveis pelas lesões estruturais encontradas na via aérea do asmático. Já os mastócitos seriam as células que sinalizam para o sistema imune a ocorrência de contato com os alérgenos (pela ligação do alérgeno às IgE presentes em sua superfície), promovendo a liberação de mediadores que, entre outras ações, induzem diretamente o broncoespasmo. A parede brônquica, torna-se cronicamente inflamada. Se o tratamento anti-inflamatório não for instituído, ocorrerão mudanças estruturais potencialmente irreversíveis que, em conjunto, são chamadas de remodelamento brônquico. Fazem parte desta condição: desnudamento epitelial, edema da mucosa e acúmulo de muco, espessamento da membrana basal, hipertrofia/hiperplasia das glândulas submucosas e da camada muscular e, fundamentalmente, infiltrado inflamatório com predomínio de eosinófilos. Como dissemos, diversas substâncias são liberadas na via aérea durante o processo asmático, e estas podem ser divididas em três grandes grupos: (1) mediadores pró- inflamatórios; (2) fatores quimiotáticos para eosinófilos, neutrófilos e macrófagos; (3) citocinas, que são substâncias produzidas por leucócitos, endotélio ou mesmo pelas células epiteliais, capazes de estimular a atividade e proliferação das células inflamatórias. As substâncias pró-inflamatórias mais importantes na asma são: histamina, bradicinina, prostaglandinas, cisteinil- leucotrienos e PAF (Fator de Ativação Plaquetário).Em graus variáveis, todas promovem vasodilatação e edema da mucosa, além de broncoconstrição. Os cisteinil- leucotrienos ainda aumentam a produção de muco e reduzem a atividade ciliar. A cronicidade do processo resulta em alterações estruturais na mucosa brônquica que promovem a exposição de terminações nervosas vagais Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA (parassimpáticas), permitindo a ocorrência de uma resposta neurogênica direta que exacerba ainda mais o edema e o broncoespasmo. Dentre os fatores quimiotáxicos, merecem destaque o leucotrieno B4, a eotaxina e o RANTES, que atraem preferencialmente eosinófilos. As principais interleucinas na patogênese da asma são: IL-3, IL-4 e IL-5. Outros mediadores que atuam como “amplificadores” são: IL-1, IL-6, TNF-alfa e GM-CSF. Atualmente, quase todas essas substâncias vêm sendo estudadas como “alvos” em potencial para o desenvolvimento de novos fármacos contra a asma. CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA DA ASMA Alguns autores classificam a asma brônquica nos seguintes subtipos (considerando o provável mecanismo etiopatogênico): (1) asma extrínseca alérgica; (2) asma extrínseca não alérgica; (3) asma criptogênica (termo que corresponde à antiga “asma intrínseca”); e (4) asma induzida por aspirina. A asma extrínseca é definida como aquela que tem sua gênese relacionada a fatores externos, tais como alérgenos, agentes químicos ou fármacos. A asma criptogênica, como o nome indica, refere-se aos casos em que não se identifica o fator causal. O nome “intrínseca” foi abolido, uma vez que não se pode descartar o papel de fatores externos, como, por exemplo, as infecções virais. A asma induzida por aspirina será estudada como entidade separada, devido ao seu mecanismo fisiopatogênico peculiar. ASMA EXTRÍNSECA ALÉRGICA O fenômeno alérgico é o principal mecanismo etiopatogênico na maioria dos casos, sendo responsável por 70% das asmas em indivíduos com menos de 30 anos de idade e 50% em pacientes com mais de 30 anos. No subgrupo infantil, na faixa etária entre 2-15 anos, quase todos os casos (90%) representam o tipo alérgico. Para compreendermos a etiopatogenia da asma, portanto, devemos ter alguns conceitos básicos sobre alergologia. Em geral, existe na natureza uma série de substâncias suspensas no ar que, ao serem inaladas, têm grande propensão a desencadear o processo alérgico nas vias aéreas de pessoas predispostas – são os aeroalérgenos. Quase todas são glicoproteínas de baixo peso molecular e diâmetro entre 5-60 µm. As principais fontes de aeroalérgenos são: ▪ Ácaros: são minúsculos aracnídeos (0,3 mm) que vivem em “ninhos” formados em tapetes, camas, sofás, almofadas, estofados, colchões e travesseiros, alimentando-se de escamas e fungos da pele humana. São elementos comuns da poeira doméstica. Os principais são o Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e a Blomia tropicalis. Os alérgenos provenientes dos ácaros estão entre os principais agentes relacionados à asma e à rinite alérgica. ▪ Baratas: as baratas domésticas eliminam aeroalérgenos nas fezes. Estes insetos se proliferam com muita facilidade em ambientes quentes, úmidos e sujos. Os asmáticos sensíveis a alérgenos de barata costumam ter asma mais grave e refratária. ▪ Cães e Gatos: a descamação destes animais elimina partículas alergênicas que permanecem em suspensão por até 20 dias mesmo depois de retirado do animal. Todavia, a maior fonte de alérgenos é a saliva dos animais que, ao se lamberem, transferem tais substâncias para a pele e pelos. A urina e as fezes também contêm alérgenos. ▪ Fungos: os mofos ou bolores contêm esporos que são fontes de alérgenos. Tais fungos vivem na natureza e costumam se proliferar em algumas estações do ano, como o outono. Certas espécies proliferam em bibliotecas que contêm livros velhos. ▪ Grão de Pólen: esporo produzido pelas flores, o pólen é encontrado no solo de bosques e fazendas. É uma rica fonte de alérgenos, incluindo os responsáveis pela clássica febre do feno. São importantes na etiologia da asma em países de clima temperado. EVENTOS CELULARES QUE ACONTECEM NUMA REAÇÃO ALÉRGICA A reação alérgica é uma resposta imunológica, também conhecida como reação de hipersensibilidade tipo I, ou hipersensibilidade IgE-mediada. Para a sua ocorrência, é preciso que haja uma sensibilização prévia ao antígeno específico (alérgeno). No indivíduo sensibilizado, novos contatos com o antígeno desencadeiam a reação. A resposta costuma se manifestar nos primeiros 10min após o contato, durando < 2h. Porém, em alguns casos, há também uma resposta tardia e prolongada, iniciando-se em 3-4h e durando > 24h. Agora vamos descrever como ocorrem: (1) a sensibilização; (2) a resposta imediata; e (3) a resposta tardia. ▪ Sensibilização: o antígeno é fagocitado pela célula dendrítica (célula de Langerhans) – chamada de “célula apresentadora” – presente no epitélio da mucosa brônquica. Esta célula processa e expressa o antígeno em sua membrana plasmática, ligando-o ao complexo MHC classe II. O reconhecimento do conjunto antígeno- MHC pelo linfócito T-helper (CD4) do tipo Th2 dá início ao processo de ativação imunológica. Esta célula produz interleucinas (IL-4 e IL-5) que estimulam a formação de linfócitos B produtores de IgE, a imunoglobulina envolvida na alergia. A IL-4 estimula ainda a proliferação e diferenciação de mastócitos, e a IL-5 estimula a proliferação e diferenciação de eosinófilos. As Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA moléculas de IgE secretadas pelo linfócito B se ligam à membrana plasmática do mastócito e do basófilo. Mastócitos e basófilos tornam-se, portanto, sensibilizados, isto é, revestidos de IgE específica contra o alérgeno em sua superfície. ▪ Resposta Imediata: na presença de mastócitos sensibilizados (na via aérea), a reexposição ao antígeno promove a resposta imediata. O antígeno se liga à IgE presente na superfície dos mastócitos, promovendo a degranulação e liberação de mediadores: histamina, leucotrienos, bradicinina etc. Estes mediadores induzem diretamente três eventos: (1) broncoconstrição; (2) vasodilatação, levando ao edema da mucosa; (3) produção de muco (células caliciformes e glândulas submucosas). Há também ativação de terminações nervosas vagais, com liberação reflexa de acetilcolina, o que contribui para a broncoconstrição e o edema. Eosinófilos, são recrutados por ação quimiotáxica de mediadores mastocitários, tornando-se as principais células inflamatórias neste momento. Secretam substâncias com ação lesiva celular, como a proteína básica principal e a proteína eosinofílica catiônica, além de “mais” mediadores inflamatórios e quimiotáxicos. ▪ Resposta Tardia: os mastócitos e eosinófilos (bem como células endoteliais e epiteliais), quando ativados, também liberam mediadores quimiotáxicos para neutrófilos, monócitos e linfócitos. Após 3-4h, esses outros leucócitos se acumulam na mucosa brônquica, junto aos eosinófilos, e secretam mediadores que contribuem para a persistência da atividade inflamatória e broncoconstrição, além de induzir a degeneração das células epiteliais, que descamam para o lúmen brônquico. Os eosinófilos continuam sendo as células inflamatórias mais numerosas neste momento, porém já podemos dizer que a reação inflamatória tornou-se crônica (linfócitos e monócitos). ASMA EXTRÍNSECA NÃO ALÉRGICA A asma extrínseca não alérgica NÃO envolve reação IgE mediada, mas sim uma irritação direta da mucosa brônquica por substâncias tóxicas. Agentes químicos, geralmente presentes nos processos industriais, são frequentes causadores desse tipo de asma. Definimos ASMA OCUPACIONAL como a asma causada por contato com agentes presentes apenas no ambiente de trabalho, podendo ser tanto de origem alérgica quanto irritativa. É responsável por cerca de 10% dos casos de asma em adultos. Os agentes podem ser substâncias inorgânicas (isocianatos,resinas epóxi, sais de platina, solda, glutaraldeído etc.) ou orgânicas (enzimas proteolíticas, poeira da madeira, farinha de cereais, poeira de mamona, crustáceos etc.). Os agentes orgânicos geralmente apresentam componente alérgico, enquanto as substâncias químicas são majoritariamente irritantes. Existe uma característica clínica que ajuda a diferenciar entre os dois mecanismos: no alérgico, observa-se um período de latência entre a exposição e o início dos sintomas, intervalo esse inexistente na forma irritativa. Nem sempre, porém, a asma extrínseca não alérgica está relacionada à asma ocupacional. Alguns agentes químicos podem estar presentes no cotidiano das pessoas, dentro de suas próprias casas. Os principais exemplos são os sulfitos (metabissulfito de potássio, bissulfito de sódio), presentes em determinados conservantes de alimentos (saladas, frutas, batatas, frutos do mar e vinho) e em alguns remédios. Por fim, elementos da poluição atmosférica podem contribuir para o desencadeamento da crise asmática, porém, a princípio, não participam da gênese da diátese asmática. Os exemplos são: ozônio, dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre. As infecções virais, o ar frio, a hiperventilação, os fumos, o exercício físico e o estresse emocional podem também desencadear exacerbações, contudo, igualmente não participam da gênese da doença. ASMA CRIPTOGÊNICA (“INTRÍNSECA”) Uma minoria dos pacientes asmáticos (aproximadamente 10%) apresentam uma resposta negativa a todos os testes cutâneos, com níveis séricos de IgE normais, sendo denominados de asma criptogênica. Esse tipo é mais comum quando a asma aparece na idade adulta. A etiopatogenia não é bem conhecida, porém a imunopatologia de biópsias brônquicas e análises do escarro são semelhantes à asma atópica, inclusive com infiltrado eosinofílico. Parece haver uma hiperprodução local de IgE nas vias aéreas. A participação de infecções virais prévias como agente causal também já foi sugerida, mas nunca confirmada. ASMA INDUZIDA POR ASPIRINA (AIA) A asma induzida por aspirina responde por 2-3% dos casos de asma em adultos. É desencadeada pelo uso de aspirina ou outros AINE não seletivos, podendo persistir por vários anos mesmo após a suspensão dos mesmos. Alguns pacientes já eram asmáticos previamente, apenas apresentando um componente associado de AIA. Seu grande Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA marco clínico é a associação da asma com rinite e pólipos nasais. Acredita-se que um dos mecanismos etiopatogênicos seja o seguinte: com a inibição da ciclo- oxigenase-1 (COX-1) pela aspirina (ou AINE), o ácido aracdônico passa a ser preferencialmente metabolizado pela lipo-oxigenase, a enzima que gera leucotrienos – mediadores de grande importância na reação inflamatória da asma (responsáveis por broncoconstrição, edema, aumento de muco e atração de eosinófilos para a via aérea). Mas por que somente algumas pessoas desenvolvem o quadro? Simples: genética. Estudos recentes demonstraram a existência de mutações na lipo-oxigenase que exageram a síntese de leucotrienos quando a COX-1 é inibida pela aspirina ou outros AINE. Vale dizer que os inibidores seletivos da COX-2 (Coxibs) não se associam a AIA e podem ser usados nestes pacientes. REPERCUSSÃO FUNCIONAL A asma é uma doença episódica, marcada por períodos de exacerbação e remissão. A exacerbação é a própria crise asmática, caracterizada por um episódio agudo de obstrução generalizada das vias aéreas inferiores. O principal componente desta obstrução é o broncoespasmo ou broncoconstrição, porém o edema e a formação de tampões mucosos também contribuem para o processo obstrutivo agudo. A maioria dos asmáticos (60%) possui asma “persistente” e permanece com obstrução das vias aéreas no período intercrítico (mesmo na ausência de sintomas). O restante dos casos – asma “intermitente” – não apresenta obstrução nesse intervalo. A obstrução das vias aéreas altera os volumes e fluxos pulmonares, podendo ser facilmente mensurada através da espirometria. O volume residual (aquele que permanece no pulmão após uma expiração forçada) e a capacidade residual funcional (volume que permanece após uma expiração espontânea) estão caracteristicamente aumentados, em função do “aprisionamento” de ar (air trapping). Na expiração, a pressão intratorácica elevada agrava o estreitamento das vias aéreas mais distais, impedindo a saída de parte do ar que foi inspirado. Durante a crise, o volume residual pode aumentar em até 400%. A gasometria arterial comumente está alterada. Devido à taquipneia e à hiperventilação, a eliminação de CO2 aumenta, provocando hipocapnia e alcalose respiratória – esta é a alteração mais frequente. Nos casos mais graves, a obstrução brônquica reduz a relação V/Q (ventilação/perfusão) em múltiplas unidades alveolares, gerando hipoxemia. Quanto mais grave a crise, pior a hipoxemia. Na crise muito grave, a obstrução é tamanha que o trabalho da musculatura respiratória é maior que o suportável pelo paciente, culminando em fadiga respiratória e insuficiência ventilatória aguda (hipercápnica). Uma pCO2 em níveis normais já é preocupante, pois mostra a incapacidade do paciente em manter um trabalho respiratório elevado (sinal precoce de fadiga). Ocorre em 10% das crises asmáticas e é o principal mecanismo de óbito na “asma fatal”. QUADRO CLÍNICO SINTOMAS CLÁSSICOS Classicamente, a asma se manifesta com episódios limitados de DISPNEIA, TOSSE e SIBILÂNCIA – a tríade clássica. Eventualmente os pacientes referem sensação de aperto no peito ou desconforto torácico. Os sintomas são mais intensos à noite ou nas primeiras horas da manhã. Os indivíduos que apresentam episódios desta tríade têm asma brônquica até prova em contrário. Caracteristicamente, os sintomas são desencadeados por um dos seguintes fatores: exposição a alérgenos, infecção viral respiratória, mudança climática (ar frio), fumos, exercício físico, fármacos e estresse emocional. Obs.: Toda a sintomatologia dos asmáticos resulta da obstrução das vias aéreas. As vias aéreas de grande calibre tendem a aumentar a sua resistência rapidamente quando estimuladas, mas seu efeito pode ser revertido com rapidez, enquanto a reação das vias aéreas de pequeno calibre tende a ser mais lenta e persistente.8 Isso pode explicar a pobre correlação entre os sintomas de asma e o grau de obstrução das vias aéreas observado em alguns pacientes que subestimam a gravidade de sua doença. OUTROS SINTOMAS Em algumas situações, nem todos os sintomas da doença estão presentes: ▪ Tosse variante de asma Alguns pacientes manifestam-se apenas com crises de tosse seca ou mucoide. Eles apresentam tosse noturna e normalmente são usuários crônicos de drogas antitussígenas. Na investigação de toda tosse crônica inexplicada deve ser pesquisada a presença de asma. Quando não há sibilos no exame físico, temos a chamada asma oculta. A tosse, na asma, está relacionada à hiper- reatividade das vias aéreas mais proximais, ricas em receptores da tosse. ▪ Broncoconstrição induzida pelo exercício (BIE) O diagnóstico é feito por meio da história clínica e do teste de função pulmonar. Ocorre mais freqüentemente quando o paciente inala o ar frio e seco. A obstrução da via aérea costuma iniciar logo após o exercício, atingindo seu pico entre 5 e 10 minutos, após o que há remissão espontânea do broncoespasmo, com melhora total da função pulmonar em torno de 30 a 60 minutos. Os pacientes em crise de asma Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA precipitada pelo exercício apresentam os mesmos sintomas observados em crises desencadeadas por outros estímulos ▪ Rinite alérgica e dermatite atópica São condições bastante associadas à asma alérgica e devem ser questionadas na anamnese de todos os pacientes asmáticos. ASMA SAZONAL X PERENE Quando os episódios de crise asmática ocorrem apenas em determinadasestações do ano, está caracterizada a ASMA SAZONAL. Tais pacientes geralmente apresentam asma extrínseca alérgica, sendo os episódios relacionados a determinados alérgenos que aparecem naquelas épocas, como o pólen durante a primavera de países temperados, e os fungos nas estações úmidas. A asma alérgica relacionada a antígenos presentes durante todo o ano é denominada ASMA PERENE (ex.: ácaros, animais domésticos etc.). EXAME FÍSICO Na crise asmática há taquipneia (geralmente > 25 ipm), com tempo expiratório prolongado em relação ao tempo inspiratório, o que caracteriza a dispneia por obstrução de vias aéreas. Nos casos mais graves, podemos observar sinais de esforço ventilatório: tiragem intercostal, tiragem supraclavicular, batimento de asa do nariz, respiração abdominal. O esforço é nitidamente maior na fase expiratória! Na crise asmática grave, que cursa com hipoxemia, podemos observar cianose do tipo central (lábios, lobo da orelha). ▪ Ausculta respiratória A ausculta respiratória revela o sinal clássico da asma: os sibilos. Os sibilos podem ser apenas expiratórios e geralmente são difusos. Quando a obstrução brônquica é mais intensa, auscultam-se sibilos também na fase inspiratória. Na crise asmática MUITO grave pode-se não auscultar sibilos, devido ao fluxo aéreo extremamente baixo. Neste caso, há uma redução generalizada do murmúrio vesicular associada a importante esforço ventilatório. Roncos também podem ser auscultados, especialmente quando as vias aéreas estão cheias de muco. ▪ Crise grave Na crise grave, o paciente pode ainda apresentar pulso paradoxal (redução exagerada na pressão sistólica durante a inspiração) e assumir a famosa posição de tripé (posição sentada com os braços estendidos suportando o tórax, a fim de melhorar a mecânica da musculatura acessória). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Várias doenças podem confundir o diagnóstico de asma e algumas situações são específicas para determinadas faixas etárias: anel vascular, fístula traqueoesofágica, apnéia obstrutiva do sono, incoordenação da deglutição, aspergilose broncopulmonar alérgica, infecções virais e bacterianas, bronquiectasias, insuficiência cardíaca, bron quiolites, massas hipofaríngeas, carcinoma brônquico, massas mediastinais, discinesia da laringe, obstrução alta das vias aéreas, disfunção das cordas vocais, obstrução mecânica das vias aéreas, doença respiratória crônica da prematuridade, refluxo gastresofágico, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), síndrome de Löeffler, embolia pulmonar, síndrome de hiperventilação, fibrose cística, alveolite alérgica extrínsica ou pneumonite por hipersensibilidade. Em resumo, os principais diagnósticos diferenciais da asma brônquica são: Insuficiência cardíaca; Tromboembolismo pulmonar; Obstrução da laringe ou traqueia; Traqueomalácia; Corpo estranho; Esofagite de refluxo. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de asma requer histórico ou presença de sintomas respiratórios consistentes com asma associado a limitação variável do fluxo de ar expiratório. Preferencialmente, o diagnóstico deve ser feito antes de dar início ao tratamento, uma vez que o diagnóstico se torna mais difícil após o tratamento ter sido estabelecido. ▪ História clínica O histórico de sintomas respiratórios pode incluir tosse, opressão torácica, dispneia e sibilos. Pacientes com asma geralmente têm mais de um desses sintomas, embora não necessariamente todos tenham todos esses sintomas clássicos. Obs.: O diagnóstico de asma brônquica é facilmente suspeitado pela clínica. No entanto, recomenda-se que um método complementar que demonstre e quantifique a presença de obstrução reversível das vias aéreas seja sempre utilizado para confirmação. EXAMES COMPLEMENTARES INESPECÍFICOS ▪ Diagnóstico de alergia É importante devido à grande associação entre asma e doenças alérgicas, especialmente rinite alérgica, e pela possibilidade da identificação de fatores de risco para a asma. Os teste cutâneos com alérgenos são simples, de baixo custo comparados à medida da IgE específica no sangue, de rápida execução e alta sensibilidade. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ▪ Radiografia de Tórax A Radiografia de Tórax pode ser solicitada, visando basicamente afastar complicações (pneumonia, pneumotórax). No asmático leve, a radiografia é totalmente normal. No asmático moderado a grave, podemos observar sinais de hiperinsuflação pulmonar (padrão semelhante à DPOC). ▪ Exame de Escarro O Exame de Escarro pode revelar alterações bastante sugestivas: Cristais de Charcot-Leiden (precipitados cristalinos, contendo eosinófilos degenerados) Espirais de Curschmann (cilindros de muco formados nos bronquíolos, envoltos por fibrilas em forma de espiral) Corpúsculos de Creola (aglomerados de células epiteliais descamadas). PROVAS DE FUNÇÃO PULMONAR (PFP) Exame fundamental na asma, não só para confirmar o diagnóstico, mas também para estratificar a gravidade da obstrução brônquica e a resposta à terapia. Constitui-se de quatro elementos principais: espirometria; cálculo dos volumes pulmonares; capacidade de difusão de monóxido de carbono (CO); gasometria arterial. ESPIROMETRIA Esta parte do exame é a mais importante no que concerne à asma. O paciente faz uma inspiração profunda máxima e depois expira de forma forçada todo o ar possível. Os fluxos e volumes de ar expirados são mensurados no aparelho e comparados com valores estabelecidos para o sexo, peso, altura e idade. Os principais parâmetros analisados na espirometria são: ▪ VEF1,0 Este é o volume expiratório forçado no primeiro segundo. Está caracteristicamente reduzido na crise asmática e frequentemente no período intercrítico. Seu aumento após a prova broncodilatadora é um critério diagnóstico de asma. Pode ser utilizado para quantificar a gravidade da doença. (1) asma leve: VEF1,0 > 80% do previsto; (2) asma moderada: VEF1,0 60- -80% do previsto; (3) asma grave: VEF1,0 < 60% do previsto. O VEF1,0 de um adulto de 70 kg deve estar em torno de 2 litros. ▪ Pico de Fluxo Expiratório (PFE) Este é o fluxo expiratório máximo. Pode ser utilizado nas consultas para quantificar a gravidade da doença, com valores percentuais semelhantes ao VEF1,0. Asma leve: > 80% do previsto; asma moderada: entre 60-80% do previsto; asma grave: < 60% do previsto. Existe um aparelho de uso caseiro (portátil) para medir o PFE (peak flow), que deveria ser adquirido por todos os asmáticos, no intuito de orientar a terapêutica. A medida do peak flow durante o dia demonstrando uma variação no grau de obstrução pode ser usada tanto no diagnóstico quanto na determinação da gravidade da asma. ▪ CVF Capacidade Vital Forçada. É o total de ar que sai dos pulmões após uma inspiração profunda seguida de uma expiração forçada. Na asma moderada a grave pode haver aprisionamento de ar nos pulmões, devido à obstrução significativa das vias aéreas. Na expiração forçada, a pressão intratorácica no asmático fica bastante positiva, colabando algumas vias aéreas terminais, impedindo assim a saída de parte do ar que normalmente seria expirado. Portanto, nesses pacientes, a CVF encontrar-se-á reduzida. ▪ VEF1,0 / CVF Este índice (também chamado de Índice de Tiffenau) está reduzido na asma, sendo o parâmetro definidor de uma doença obstrutiva. O VEF1,0 pode estar reduzido nas doenças pulmonares restritivas; porém, nestas patologias, a CVF reduz-se proporcionalmente ao VEF1,0, não ocorrendo alteração do índice. Já nas doenças obstrutivas (ex.: asma, DPOC), o VEF1,0 se reduz muito mais que a CVF. Na asma, por definição, é < 75% (adultos) ou < 86% (crianças). ▪ FEF 25-75% Fluxo Expiratório Forçado entre 25% e 75% do ar expirado. Neste momento da expiração forçada, o ar está vindo das vias aéreas mais distais, que são as mais acometidas na asma e na DPOC, portanto, o FEF 25-75% está bastante reduzidonessas patologias. Este é o exame funcional mais sensível (o primeiro que se altera e o último a normalizar) para diagnóstico de asma e DPOC. Obs.: A capacidade de difusão do CO está normal na asma, estando caracteristicamente reduzida na DPOC do tipo enfisema pulmonar, devido à perda estrutural de área de troca gasosa. A gasometria arterial, como já assinalado, está alterada apenas na crise asmática. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE ASMA 1- Prova broncodilatadora positiva (CRITÉRIO PRINCIPAL): espirometria mostrando aumento do VEF1,0 ≥ 200 ml (valor absoluto) e ≥ 12% do valor pré-broncodilatação ou ≥ 200 ml (valor absoluto) e ≥ 7% do valor previsto. 2- Na presença de VEF1,0 normal no período intercrítico, pode-se recorrer ao Teste Provocativo, que expõe o paciente a baixas concentrações de agentes broncoconstritores pela via inalatória (metacolina, histamina ou carbacol). A queda ≥ 20% no VEF1,0 significa um teste provocativo positivo, denotando hiper-responsividade brônquica, diagnóstico de asma. Na asma induzida pelo exercício, espera-se uma queda Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA de mais de 10-15% do VEF1,0 após a realização de um protocolo de atividade física. 3- PEF (Peak Flow) com variação ≥ 60 l/min (valor absoluto) ou ≥ 20% em relação ao basal após inalação de um broncodilatador. Uma variação ≥ 20% num período de 2-3 semanas, considerando múltiplas medidas matinais realizadas pelo próprio paciente, também sugere asma. Se o peak flow for medido 2x ao dia (manhã/noite), basta uma variação ≥ 10% entre as medidas para se considerar o diagnóstico. CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DA ASMA CLASSIFICAÇÃO ANTIGA Antigamente, classificava-se a asma somente em função dos sintomas e alterações funcionais observados antes do início do tratamento, conforme a Tabela abaixo. A conduta terapêutica inicial se pautava nesta classificação, de acordo com a Tabela abaixo. Obs.: A classificação quanto à gravidade sempre foi motivo de controvérsia... A razão é que, para estabelecer a verdadeira gravidade da asma, além de quantificar as manifestações clinicofuncionais, é preciso determinar também a resposta ao tratamento, isto é, se a doença pode ou não ser facilmente controlada com as medicações... Por exemplo: imagine dois pacientes virgens de tratamento com sintomas asmáticos semelhantes, classificados num primeiro momento como “asma persistente grave”. Viu-se que não era incomum que um deles apresentasse adequado controle clínico com baixas doses de corticoide inalatório, ao passo que o outro poderia se mostrar refratário até mesmo à associação de corticoide inalatório em altas doses + agonistas beta-2 de longa ação + corticoide oral... E agora, quem tem a asma mais grave??? A classificação antiga, na realidade, não consegue responder corretamente a este quesito! CLASSIFICAÇÃO ATUAL Atualmente se recomenda classificar a asma de acordo com o nível de controle. O termo “controle” refere-se ao grau de supressão das manifestações clínicas da doença, DE FORMA ESPONTÂNEA (paciente virgem de tratamento) OU EM RESPOSTA À TERAPIA, e abrange duas esferas principais: (1) controle das manifestações clínicas atuais; (2) controle dos riscos futuros. As manifestações clínicas atuais referem-se ao comportamento da doença nas últimas quatro semanas, o que permite estabelecer três diferentes níveis de controle: asma controlada, asma parcialmente controlada e asma não controlada. O controle dos riscos futuros refere-se à redução das chances de exacerbação, perda acelerada da função pulmonar e efeitos colaterais do tratamento (tabela abaixo). Os riscos futuros estão diretamente relacionados ao grau de controle das manifestações clínicas atuais, sendo bastante reduzidos quando o paciente consegue manter a “asma controlada” em longo prazo e com baixas doses de medicação. Obs.: O controle da asma expressa o grau de supressão das manifestações clínicas da doença, sendo variável em dias ou semanas por influência da adesão ao tratamento e exposição a fatores desencadeantes. Já a gravidade é uma característica intrínseca da doença, relacionando-se com a intensidade do tratamento necessário para se obter o controle. Asma na infância? Cerca de 50% das crianças apresentam pelo menos um episódio de sibilância durante a infância. A confirmação do diagnóstico de asma em menores de cinco anos de idade é dificultada pela impossibilidade de se obterem medidas confiáveis de obstrução ao fluxo aéreo, uma vez que, em geral, a realização de espirometria não é factível (exame que demanda plena compreensão e colaboração do paciente)... O fato é que crianças com sibilância recorrente nem sempre serão portadoras de asma, pois nem sempre existirá um processo inflamatório CRÔNICO em suas vias aéreas inferiores! Tais episódios às vezes podem ser explicados por outros mecanismos (ex.: infecções recorrentes, corpo estranho, broncoaspiração etc.)... Então, como confirmar a suspeita diagnóstica de asma em menores de cinco anos? Temos que pesquisar alguns fatores... Os mais associados a um diagnóstico real de asma na criança com sibilância recorrente que, portanto, nos ajudam a predizer a persistência dos sintomas numa idade mais avançada e a necessidade de tratamento de controle, são: (1) diagnóstico de rinite e/ ou eczema nos três primeiros anos de vida; (2) pai ou mãe com asma; (3) sibilância na ausência de resfriado; e (4) eosinofilia periférica > 3% na ausência de parasitose intestinal. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA TRATAMENTO O tratamento da asma fundamenta-se no controle da inflamação, broncoconstrição e hiper-responsividade da via aérea, principalmente por meio de medicamentos antiinflamatórios e de broncodilatadores, e tem como objetivos manter o paciente assintomático e exercendo suas atividades normalmente, utilizando a menor dose possível de medicação, bem como prevenir o remodelamento da via aérea e a perda irreverssível da função pulmonar e diminuir as exacerbações e hospitalizações, além de prevenir a morte. O tratamento deve incluir medidas farmacológicas e nãofarmacológicas e deve basear-se no diagnóstico da gravidade da asma, o que pode ser facilmente aferido pela avaliação dos sintomas e da disfunção ventilatória. RECOMENDAÇÕES AO PACIENTE Antes de iniciarmos a abordagem do tratamento da asma, convém pontuar que o GINA 2019 (Global Initiative for Asthma 2019), a principal diretriz internacional sobre o assunto, atualizou as recomendações de tratamento. É altamente recomendado que o paciente com asma seja reavaliado periodicamente, e que tenha um “plano de ação” para quando houver exacerbação. Esse plano de ação deve conter: Os medicamentos em uso Como e quando aumentar a dose dos medicamentos, bem como quando iniciar uso de corticoesteroide oral. Pode ser necessário aumentar a dose do medicamento inalatório de alívio, do medicamento de controle ou iniciar corticoesteroide; Como procurar ajuda médica se sintomas piorarem ou não responderem à terapia. MANEJO DA CRISE Segundo o GINA 2019, exacerbação de asma é um episódio caracterizado por um aumento progressivo nos sinais e sintomas: tosse, sibilos, sensação de aperto no peito e dispneia, com risco de causar insuficiência respiratória. Toda exacerbação de asma requer uma revisão no tratamento habitual daquele paciente, e pode acontecer também como a primeira apresentação de asma. Dessa forma, os principais fármacos utilizados são: BETA-2-AGONISTAS DE CURTA AÇÃO Primeira escolha no tratamento da crise asmática, atua por estímulo aos receptores β2 da musculatura lisa brônquica, levando à broncodilatação de início imediato. Agem também, em menor grau, inibindo o edema e a formação de muco. Como existem receptores β2 em outras células (inclusive no coração), efeitos colaterais são comuns (taquicardia, tremor muscular), principalmente se a administraçãofor oral ou parenteral. Portanto, prefere-se a via inalatória, pois com ela se atingem altas concentrações nas vias aéreas, com mínimos níveis plasmáticos, devido à pequena absorção. Existem três estratégias para ministrar uma droga inalatória: (1) nebulização; (2) jato de aerossol com dose fixa ou dosimetrada (MDI – Metered Dose Inhaling); (3) inalação de pó seco (DPI – Dry Powder Inhaling), também chamado de turbohaler. A duração do efeito desses fármacos (independente da apresentação) é de 3-6 horas. Nebulização Algumas gotas do fármaco são adicionadas a 3-5 ml de soro fisiológico. A administração deve ser feita com uma máscara ligada à fonte de oxigênio com fluxo de 6-8 L/ min. O aparelho deve produzir gotas de tamanho adequado (5-15 µm), de forma a atingir as vias aéreas inferiores. Alguns nebulizadores tornam- -se ineficientes com o uso, por não mais produzirem gotas no tamanho correto. Se o aparelho estiver sem problemas, a nebulização é um excelente método de administração inalatória e, às vezes, o único método possível no caso de crianças < 5 anos e pessoas que não conseguem utilizar os outros instrumentos de forma adequada. MDI – Aerossol Dosimetrado Existem dispositivos capazes de expelir jatos contendo doses fixas do fármaco. O beta-2-agonista fica em suspensão num pequeno recipiente contendo gases propelentes na forma líquida (clorofluormetano, triclorofluormetano). Quando o paciente dispara o dispositivo, os gases se dispersam sob alta pressão, expelindo o jato de aerossol (puff). Para otimizar a inalação do fármaco, torna-se necessária uma câmara espaçadora, na qual o aerossol se concentra. O paciente faz uma inspiração súbita e profunda e, em seguida, prende o ar por 5-10 segundos antes de expirar. Este tipo de dispositivo exige uma coordenação mínima entre o ato do disparo e a inalação. DPI – Inalador de Pó Seco (Turbohaler, Aerolizer, Diskus, Pulvinal) O beta-2-agonista está na forma de pó. Quando o paciente encosta a boca no dispositivo e inspira, desencadeia a formação do aerossol, que então é inalado. Este método é mais confiável do que os dois primeiros. Obs.: Os β-2-agonistas de curta ação existentes no mercado brasileiro são: Salbutamol (ou Albuterol); Fenoterol; Terbutalina. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ANTICOLINÉRGICO (BROMETO DE IPRATRÓPIO) O brometo de ipratrópio é um fármaco anticolinérgico ministrado por via inalatória (nebulização ou MDI), com propriedades broncodilatadoras. O mecanismo é a inibição dos receptores muscarínicos da acetilcolina liberada pelas terminações axonais livres hiperativadas na asma. Entretanto, estas drogas são menos eficazes e demoram mais para agir (30-60min), quando comparadas aos beta-2- agonistas. Podem, contudo, ser associadas aos β-2-agonistas para efeito aditivo nos casos de crise asmática moderada/ grave ou pouco responsiva à terapia inicial. O brometo de ipratrópio é o fármaco de escolha para tratar a crise precipitada por betabloqueadores. CORTICOSTEROIDES SISTÊMICOS Os corticoides, em doses farmacológicas, inibem uma série de processos imunológicos e inflamatórios. Entre eles, a formação de citocinas e interleucinas, especialmente pelos linfócitos T e eosinófilos. A lipocortina, proteína produzida pela ação glicocorticoide, inibe diretamente o metabolismo do ácido aracdônico, bloqueando a fosfolipase A2. Com isso, a produção de leucotrienos e prostaglandinas é bloqueada... A prednisona, por via oral (1-2 mg/ kg/dia, dose máx. 60 mg), tem mostrado excelente ação no tratamento agudo da asma, com eficácia equivalente a dos corticoides venosos (ex.: metilprednisolona), mesmo nas crises graves, sendo a droga de escolha. Desse modo, não se justifica um atraso na medicação devido à dificuldade de obtenção de acesso venoso... O efeito, no entanto, demora entre 4-6h para começar, pois o mecanismo de ação envolve transcrição gênica. ▪ Tempo de uso Os corticoides sistêmicos devem ser mantidos por 7-10 dias, não havendo necessidade de suspensão paulatina (pode suspender abruptamente). O risco de insuficiência adrenal geralmente só ocorre após o uso contínuo por > 3 semanas... Evidências recentes sugerem que os corticoides inalatórios, quando utilizados em doses altas (4x a dose basal, por alguns dias), podem ser efetivos no tratamento da crise asmática desde que iniciados precocemente. ESTRATÉGIA NA CRISE ASMÁTICA A maioria das crises asmáticas pode ser abordada pelo próprio paciente. Para tanto, ele deve ser instruído a reconhecer o início da crise, utilizar corretamente a medicação e reconhecer a eficácia ou não da terapia. O fluxômetro portátil (medidor de PFE) é extremamente útil nesse sentido. Clinicamente, estagiamos a crise asmática em leve/moderada, grave e muito grave (insuficiência respiratória). Os principais critérios de gravidade são: dificuldade de falar, taquipneia > 30 irpm, taquicardia > 110 bpm, uso da musculatura acessória (esforço ventilatório), cianose central e a presença de pulso paradoxal (queda da PA sistólica na inspiração) Além disso, o Consenso Americano de Asma propõe um esquema mais simplificado para avaliação de gravidade da crise asmática: Obs.: O sinal de maior gravidade é a queda do nível de consciência – sonolência, desorientação, torpor – denotando hipercapnia e acidose respiratória aguda por fadiga, ou mesmo hipoxemia grave. Esses pacientes devem ser imediatamente intubados e colocados em ventilação mecânica! Nos pacientes sem indicação inicial de suporte respiratório invasivo, os sedativos e analgésicos opioides são contraindicados, por serem potencialmente depressores do sensório e do drive respiratório. OXIGENOTERAPIA E OUTRAS MEDIDAS A oxigenoterapia e a oximetria de pulso estão indicadas em todos os pacientes com crise moderada a grave. Nos pacientes com insuficiência respiratória iminente, pode-se fazer uso de beta-2-agonista intravenoso, especialmente em crianças (devido às consequências menos deletérias da taquicardia). Adrenalina subcutânea também pode ser feita neste subgrupo ou nos adultos que apresentam outros indícios de anafilaxia ou angioedema... Metilxantinas (aminofilina e teofilina) não devem ser empregadas como tratamento inicial da crise asmática, porém, representam uma opção nos quadros graves e refratários. Outra terapia “alternativa” é o sulfato de magnésio por via intravenosa ou inalatória. Os pacientes em ventilação mecânica podem se beneficiar de anestésicos broncodilatadores como o halotano. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA Obs.: Crise Asmática na Gestante: O tratamento da crise asmática em gestantes é basicamente idêntico ao já descrito. As únicas diferenças são as contraindicações relativas do brometo de ipratrópio e dos beta- -2-agonistas DURANTE o trabalho de parto (o primeiro pode causar taquicardia fetal, e os últimos podem inibir as contrações uterinas). A hipoxemia na gestante pode levar ao sofrimento fetal, devendo ser tratada de forma mais agressiva. MANEJO DE CONTROLE Primeiramente, precisamos saber que o tratamento da asma a longo prazo é baseado nos Steps. O que são esses steps? São “etapas” nas quais os pacientes asmáticos são classificados. Elas indicam a gravidade da doença e irão guiar o tratamento. Existem as etapas de 1 a 5. Via de regra, asma leve é aquela que, para um bom controle, precisa de baixa intensidade de tratamento (etapa 2); asma moderada é necessita de intensidade intermediária de tratamento (etapa 3); e asma grave, de alta intensidade (etapas 4 e 5). Obs.: Se um paciente está com sintomas intensos, iniciamos o tratamento com base em uma das etapas e, após reavaliação em 2 a 3 meses, decidimos se reduzimos a dose para a de uma etapa abaixo. ETAPA 1 Nessa etapa, o paciente não vai precisar tomar remédio todo dia. Utilizaremos apenas medicação de demanda, dessa forma: Corticoide inalatório em dose baixa+ β2-agonista de longa duração de demanda Outra opção é corticoide inalatório em dose baixa + β2- agonista de curta duração de demanda. Obs.: Existia desde 2014 a opção de utilizar corticoide inalatório em doses baixas diariamente, mas o GINA 2019 passou a não mais recomendar seu uso devido à baixa aderência de uso diário em pacientes com poucos sintomas. ETAPA 2 Corticoide inalatório em doses baixas diário (padrão ouro) ou; Corticoide inalatório em doses baixas + β2-agonista de longa duração de demanda também é uma possibilidade. Obs.: Outras opções são: uso isolado de anti-leucotrienos diário, embora menos efetivo que corticoide inalatório, ou corticoide inalatório em doses baixas + β2-agonista curta duração de demanda. ETAPA 3 Corticoide inalatório dose baixa + β2-agonista de longa duração diários; Ou seja, a partir da etapa 3, não tem para onde ir: o paciente vai precisar entrar com medicação diária necessariamente, não apenas de demanda. Outras opções incluem: corticoide inalatório dose moderada diário, ou corticoide inalatório dose baixa + anti-leucotrienos diários ou corticoide inalatório dose baixa + imunoterapia sublingual diários com em pacientes com rinite e alergia a ácaros. ETAPA 4 Corticoide inalatório dose moderada + β2-agonista de longa duração diários Outras opções: corticoide inalatório dose alta diário, ou corticoide inalatório dose alta + anti-leucotrienos, ou corticoide inalatório em dose alta + tiotrópio diários ou corticoide inalatório dose alta + imunoterapia sublingual em pacientes com rinite e alergia a ácaros. ETAPA 5 Corticoide inalatório em dose alta + β2-agonista de longa duração diários; Outras opções incluem: associar tiotrópio ou anti-IgE se asma alérgica (omalizumabe – anticorpo específico contra IgE) ou anti IL-5 se asma eosinofílica (mepolizumabe) ou corticoide oral dose baixa diário (mais barato, mas inúmeros efeitos adversos). Obs.: Pacientes na etapa 5 devem ser encaminhados para avaliação mais detalhada. REAVALIAÇÃO Reavaliaremos o paciente após 2 a 3 meses do início do tratamento – checar sintomas, exacerbações, efeitos colaterais e satisfação do paciente – e consideraremos reduzir para a terapia da etapa logo abaixo (step down) após 3 meses de sintomas controlados. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA LISTA DE FÁRMACOS UTILIZADOS NA TERAPIA DE MANUTENÇÃO CORTICOSTEROIDES INALATÓRIOS São as drogas de escolha no tratamento de manutenção da asma! Os corticosteroides são potentes anti-inflamatórios e imunomoduladores, porém, em níveis plasmáticos altos e por tempo prolongado (provenientes da terapia sistêmica contínua) promovem uma série de efeitos adversos (osteoporose, miopatia, hipertensão, diabetes, úlcera péptica, imunodepressão, edema e catarata). Entretanto, se a administração for inalatória, conseguem-se concentrações eficazes nas vias aéreas sem aumentar demais os níveis plasmáticos. Em doses baixas ou moderadas, os únicos efeitos adversos relatados são locais: candidíase oral e disfonia. A candidíase oral pode ser prevenida pelo uso do espaçador e pela lavagem bucal (retirar partículas grandes que se precipitam na cavidade oral). Em crianças, doses elevadas de corticoide inalatório aumentam o risco de catarata. Obs.: Os principais corticoides inalatórios no mercado são: (1) propionato de beclometasona; (2) triancinolona; (3) fluticasona; (4) flunisolida; (5) budesonida; e (6) mometasona. Os quatro últimos são considerados de última geração, por terem meia-vida mais longa. BETA-2-AGONISTAS DE AÇÃO PROLONGADA (LABA) Existem dois β-2-agonistas de ação prolongada que podem ser ministrados por via inalatória, sob a forma de aerossol MDI ou DPI: o salmeterol e o formoterol. Tais drogas têm se mostrado eficazes na terapia de manutenção da asma quando associadas aos corticoides inalatórios. O fármaco permanece ligado ao receptor β2 por até 12h e, além de broncodilatar de forma prolongada, possui propriedades imunomoduladoras e anti-inflamatórias leves. O formoterol tem início de ação mais rápido. XANTINAS As xantinas são drogas bastante antigas utilizadas no tratamento da asma. Derivam de alcaloides presentes em uma série de espécies de plantas (são “parentes” da cafeína). Nas últimas décadas seu papel no tratamento da asma tem sido questionado... Pensou-se, durante muito tempo, que a principal ação das xantinas fosse o efeito broncodilatador. Na verdade, nas doses convencionais não tóxicas, o efeito broncodilatador é discreto! Existem outros efeitos mais significativos que beneficiam os pacientes com asma, como os efeitos imunomodulador e estimulador do movimento ciliar, bem como o efeito analéptico respiratório (maior contratilidade diafragmática). ESTABILIZADORES DE MEMBRANA DE MASTÓCITO Dois agentes – o cromoglicato de sódio (cromolim sódico) e o nedocromil sódico – são alternativas na terapia de manutenção da asma, principalmente a asma induzida por exercício. Podem ser associados aos corticoides inalatórios, geralmente na contraindicação ou intolerância ao beta-2- agonistas de longa duração. O mecanismo de ação é pouco conhecido, mas sabe-se que inibem a degranulação mastocitária pela estabilização dos canais de cloreto da membrana. Estão disponíveis na forma inalatória (nebulização ou aerossol MDI). Sua grande limitação é a meia-vida curta, devendo ser administrados de 6/6h. Podem também ser usados como profilaxia imediata da asma induzida por exercício ou após exposição aguda a um alérgeno conhecido, embora os beta-2-agonistas de curta ação sejam a droga de escolha nestas situações. A aplicação deve ser feita 30 minutos antes do exercício ou exposição alergênica. ANTAGONISTAS DOS LEUCOTRIENOS Os leucotrienos têm papel fundamental na patogênese da asma, através de três ações distintas: (1) efeito broncoconstritor; (2) dano microvascular; e (3) inflamação eosinofílica. Os antagonistas de leucotrienos são drogas aprovadas para o tratamento da asma como medicação substituta aos beta-2-agonistas de longa duração e como droga adicional ao uso de corticoides inalatórios e agonistas beta-2 em asmas mal controladas. Podem também ser usados como monoterapia, especialmente nos casos de asma induzida por aspirina. Seus resultados são melhores e mais consistentes que os do cromoglicato e do nedocromil, embora inferiores aos corticoides inalatórios e aos LABA. Dispomos de três medicações nesta classe: montelucaste, zafirulcaste e zileuton. Têm posologia cômoda (1x ou 2x ao dia), porém ainda são bastante caros. CORTICOSTEROIDES SISTÊMICOS Os corticoides sistêmicos acabam sendo ministrados em pacientes com asma grave ou refratária. Os corticoides sistêmicos, como vimos, também são muito usados para tratar a crise. A regra é: sempre tentar reduzir a dose ao máximo, passando para dias alternados e, se possível, retirar. As drogas empregadas são prednisona ou prednisolona. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA IMUNOSSUPRESSORES Metotrexate, ciclosporina, azatioprina e ouro já foram testados como drogas poupadoras de corticoides nas asmas graves, porém, até o momento, não mostraram benefícios consistentes a longo prazo. ANTICORPOS MONOCLONAIS O omalizumabe (Xolair) é um anticorpo monoclonal que neutraliza as IgE circulantes, impedindo a ligação destas com seu receptor de alta afinidade. Tem sido usado em pacientes > 12 anos com asma alérgica de difícil controle. Seu custo é elevado, e só está indicado na vigência de altos níveis de IgE e história marcante de alergia. A via de administração é subcutânea. IMUNOTERAPIA A imunoterapia baseia-se na dessensibilização do paciente alérgico a um determinado alérgeno específico. Está indicada principalmente na asma que não responde adequadamente à terapia farmacológica e ao controle ambiental, desde que o alérgeno, evidentemente, tenha sido identificado por testes cutâneos. SITUAÇÕESESPECIAIS ASMA OCUPACIONAL Pode corresponder a até 10% dos casos de asma iniciada na vida adulta. O objetivo do tratamento é identificar a causa e removê-la, o que pode significar recomendar ao paciente uma modificação de sua atividade profissional, o que deve ocorrer preferencialmente nos primeiros 12 meses após o início dos sintomas. ASMA INDUZIDA POR MEDICAMENTOS Até 28% dos asmáticos adultos podem ter crises desencadeadas pela ingestão de aspirina ou outro antiinflamatório não-esteróide, independentemente da dose ingerida. As bases do tratamento são as mesmas já descritas, mas o uso de antagonistas dos leucotrienos pode ser particularmenmte útil. Dessensibilização pode ser utilizada nas situações nas quais o uso dessas drogas é imprescindível. β-bloqueadores administrados por via oral ou tópica (ocular) podem exacerbar a asma. ASMA NA GRAVIDEZ Várias modificações fisiológicas que ocorrem na gravidez podem melhorar ou piorar a asma. Em cerca de um terço das vezes há piora do controle da asma, o que tem sido associado a complicações materno-fetais, tais como hiperemese, hipertensão, pré-eclâmpsia, hemorragia vaginal, menor crescimento fetal, prematuridade e mesmo maior mortalidade perinatal.34 O tratamento e controle adequado da asma elimina o risco de complicações relacionadas à doença.37 Não há associação demonstrada do uso de β2-agonistas, corticosteróides ou teofilina com mal-formações ou efeitos adversos perinatais e o mesmo plano de tratamento deve ser implementado. Considerando que as informações de segurança são limitadas, não se recomenda iniciar com antagonistas dos receptores dos leucotrienos durante a gestação. ASMA E CIRURGIA A presença de asma significa maior risco de complicações pulmonares pós-operatórias e broncoespasmo. Pacientes com valores de VEF1 menores do que 80% do seu melhor resultado podem receber curso breve de corticóide oral. Asma induzida pelo exercício: Cerca de metade dos asmáticos têm broncoconstrição induzida pelo exercício e esse fator desencadeante pode induzir à taquifilaxia, ou seja, a manutenção do exercício não causa broncoespasmo. O tratamento em nada difere das medidas já descritas, mas, até que o controle da asma seja obtido, a prevenção pode ser feita pelo uso de β2-agonistas de curta ação, 15 a 30 minutos antes do exercício. FONTES III Consenso Brasileiro Sobre o Manejo da Asma - SBP Clínica Médica USP, volume 2: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, emergências e terapia intensiva. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma – 2012 IV Diretrizes Brasileiras para Manejo da Asma. Jonral Brasileiro Pneumologia https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2015/02/cons_asma_2002_s03.pdf https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2015/02/cons_asma_2002_s03.pdf
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