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Fadiga, perda de peso e anemia Prob 1 – “Um número pra não esquecer” DEFINIR SINDROME CONSULPTIVA/CAQUEXIA, SINAIS DE ALERTA DE PERDA PONDERAL NO EXAME FISICO, SUAS PRINCIPAIS ETIOLOGIAS, EXAMES COMPLEMENTARES INICIAIS PARA DIAGNOSTICO E MEDIDAS TERAPEUTICAS DEFINIÇÃO A síndrome consumptiva pode também ser encontrada como “Emagrecimento Involuntário” em diversas literaturas. Ambos podem ser definidos como o estado patológico resultante de absoluta ou relativa deficiência de proteína e energia. Portanto, pense em uma balança na qual em um lado se encontra o gasto de energia e do outro o consumo dessa energia. Caso a balança pese mais no gasto de energia, ocorre o emagrecimento. Para definição da síndrome consumptiva, devemos ter em mente que tanto o grau de emagrecimento, bem como o tempo em que ele ocorreu, devem ser avaliados sempre de acordo com o seu peso basal anterior ao quadro de emagrecimento involuntário! Considera-se emagrecimento involuntário se houve perda de > 2% do peso basal em 1 semana, >5% em 1 mês, >7,5% em 3 meses, > 10% em 6 a 12 meses. Algumas situações devem ser avaliadas de forma específicas, como em idosos, nos quais considera-se síndrome consumptiva em perdas maiores que 5% em 6 a 12 meses e em pacientes portadores de anorexia nervosa, nos quais considera-se emagrecimento involuntário em perdas maiores que 15% em 6 meses. Perda de peso significativa pode ser definida como perda maior que 5,0% do peso habitual no período de 6 a 12 meses. Perda de peso maior que 10,0% é considerada estado de desnutrição associado à deficiência humoral e celular mediada. Variações no tamanho das roupas utilizadas também podem indicar indiretamente o início e a magnitude da perda de peso. Quando o emagrecimento ocorre de maneira involuntária geralmente está associado a alguma patologia, demandando avaliação e tratamento! Para abordar esse tema, devemos dominar alguns conceitos. A caquexia é a perda de peso associada à perda de massa muscular, podendo haver ou não perda de gordura. É o estado mais grave do emagrecimento. A desnutrição, por sua vez, é a deficiência de nutrientes específicos ou globais, associada ou não à perda de peso. A sarcopenia é usualmente uma síndrome geriátrica, caracterizada por perda de massa muscular, de força e de desempenho, gerando um déficit funcional no idoso. Por fim, a desnutrição energético-proteica (DEP) ocorre por aporte inadequado de energia associado ou não ao déficit de proteínas. A perda de peso inexplicável, recente e progressiva, em pessoa previamente hígida, embora potencialmente grave em qualquer idade, é mais preocupante quando ocorre acima de 40 anos de idade, em vista da maior prevalência de neoplasias e de fatores psicossociais e funcionais mais frequentes nessa faixa etária, especialmente em idosos. Constitui fator de risco independente para aumento na morbidade e mortalidade, particularmente em idosos, nos quais está correlacionada com morte prematura, risco mais alto de incapacidade, aumento nas admissões hospitalares e no tempo de internação, deficiências nutricionais específicas, úlceras de decúbito, fraturas do quadril e menos capacidade de recuperação de ferimentos. A perda de peso significativa também predispõe a infecções e aumento na mortalidade em pacientes submetidos a cirurgias eletivas, além de prejudicar a resposta à terapia medicamentosa. As taxas de mortalidade, nessa população, variam de 9 a 38% em dois a três anos de acompanhamento. Caquexia CLASSIFICAÇÃO DA PERDA DE PESO As mudanças no peso podem refletir perda de massa corporal ou de fluidos. Na primeira situação, ocorre quando há balanço calórico negativo, ou seja, desequilíbrio entre a quantidade de nutrientes e calorias disponíveis e as necessidades fisiológicas do organismo. Isto pode ocorrer por três mecanismos básicos: oferta reduzida de nutrientes/calorias; aumento da demanda metabólica; perda excessiva de nutrientes/calorias. Esses fatores podem coexistir em um mesmo indivíduo. Perdas agudas (em horas a dias), por sua vez, costumam significar perda de fluidos. A perda de peso pode ser traduzida como um sintoma de desordem multifatorial que inclui alteração da ingesta calórica, da absorção intestinal, da motilidade intestinal, do uso de medicamentos e abuso de drogas ou da produção aumentada de substâncias endógenas como fator de necrose tumoral, a interleucina 6, substâncias bombesina- like e fatores liberadores de corticotropina. A regulação do apetite sofre alterações com o envelhecimento (“anorexia fisiológica da idade”), há aumento da circulação de colecistocinina(gera contração da vesícula, estimulando a secreção da bile), por exemplo, que associada à diminuição do metabolismo basal pode levar à perda de peso importante. A maioria dos homens atinge o máximo de peso corporal ao redor dos 40 anos e as mulheres aos 50 anos. Logo após, ocorre progressiva perda de massa magra corporal, principalmente nas extremidades e estoque de gordura central. Atrofia gordurosa também pode ocorrer gerando aparência caquética. Alguns estudos mostram que há declínio natural da sensibilidade ao paladar e olfato com o aumento da idade, o que pode contribuir para a diminuição de peso. Distúrbios de visão e cognição no idoso também podem contribuir para a diminuição de ingesta calórica. Classifica-se perda de peso em dois grandes grupos: • Perda de peso involuntária o c/ aumento do apetite o c/ diminuição do apetite • Perda de peso voluntária Perda de peso involuntária com aumento do apetite Esta condição está associada com aumento do gasto energético ou perda de calorias pelas fezes ou urina. Neste caso, a quantidade de calorias ingeridas é insuficiente para suprir o déficit energético. São causas deste tipo de condição: hipertireoidismo, diabetes mellitus (DM) descompensado, síndrome de má absorção, feocromocitoma, aumento importante de atividade física. • No hipertireoidismo, a perda de peso está associada com aumento do gasto energético basal e com o déficit na absorção intestinal devido ao aumento da motilidade gastrointestinal. Em idosos com hipertireoidismo, também pode ocorrer a associação desta doença com anorexia. • No diabetes mellitus descompensado, principalmente no DM tipo 1, a causa da perda de peso está associada à deficiência de insulina (hormônio anabólico) e à hiperglicemia com glicosúria (diurese osmótica), causando depleção de líquido extra e intracelular (desidratação). • No feocromocitoma a atividade adrenérgica exacerbada aumenta a taxa de metabolismo basal. • Outra causa não orgânica deste tipo de perda de peso é a baixa condição econômica, que pode resultar em dificuldades para comprar alimentos adequados para a manutenção do equilíbrio calórico. Perda de peso involuntária com diminuição do apetite Neste grupo de doenças incluíam-se as doenças psiquiátricas como depressão, fase maníaca do distúrbio bipolar, distúrbio de personalidade e paranóia, uso crônico de drogas, doenças como câncer, endocrinopatias, doenças crônicas, doença pulmonar obstrutiva crônica e doenças gastrointestinais. A perda de peso devido ao câncer (síndrome anorexia-caquexia) é comum e ocasionalmente pode ser a única manifestação de tumores ocultos. Qualquer câncer pode evoluir com perda de peso, tanto como primeira manifestação ou manifestação tardia do tumor. As malignidades acometem aproximadamente um terço dos pacientes que apresentam síndrome consumptiva. Afecções gastrointestinais benignas, tais como úlcera e colecistite, também têm sido causas de perda de peso em 11,0 a 17,0% dos pacientes investigados. Nos pacientes com vírus da imunodeficiência humana (HIV) positivos ou soro-reagentes a perda de peso é sintoma relativamente comum, mas ao contráriodos cânceres, esta redução de peso está associada primariamente à diminuição da ingestão calórica, já que o gasto energético é igual ao paciente sem a doença. Perda de peso súbita no paciente com HIV geralmente está relacionada à infecção secundária, enquanto que perda gradual geralmente está relacionada à redução de ingesta calórica. Dentre as endocrinopatias, a insuficiência adrenal pode cursar com anorexia, náusea e perda de peso, assim como a hipercalcemia e alguns pacientes com hipertireoidismo, geralmente idoso. Nos pacientes com diabetes mellitus, pode ocorrer a perda de apetite como sintoma da gastroparesia, má absorção intestinal por neuropatia intestinal e insuficiência renal. Diabético tipo um pode também apresentar doença de Addison associada. Pacientes com doenças psiquiátricas frequentemente apresentam perda de peso como critério de diagnóstico, como por exemplo, na depressão maior (perda de mais de 5,0% em um mês). A caquexia pode ser induzida por uso crônico de neuroléptico e deve ser descontinuada neste caso. O uso crônico do álcool, nicotina, opiáceos e estimulantes do sistema nervoso central diminuem o apetite e causam perda de peso. Outro distúrbio psiquiátrico, a anorexia nervosa é classificada como perda de peso voluntária. Nas doenças cardiopulmonares, a perda de peso relaciona- se à insuficiência cardíaca (caquexia cardíaca) ou à doença pulmonar obstrutiva crônica. No entanto, esta perda de peso pode ser ocultada pelo edema concomitante. Doenças neurológicas como o acidente vascular cerebral, demências, esclerose múltipla, Parkinson, podem estar associadas com alteração de motilidade gastrintestinal bem como disfagia, alteração do olfato, paladar (disgeusia), constipação, disfunção esfincteriana e falta de apetite. A doença de Parkinson relacionase com anorexia e aumento do gasto energético. Uremia induz anorexia, náusea e vômito, assim como perda de proteína pela urina, por exemplo, na síndrome nefrótica, contribuindo para o balanço negativo calórico. Pacientes em situações de isolamento social tendem a apresentar diminuição do apetite. Nos idosos, o isolamento se refere não apenas ao ato de comer, mas também à dificuldade em comprar e preparar os alimentos. ETIOLOGIAS (inflamação) • G = gastro = anorexia, dor abdominal, disfagia, odinofagia, saciedade precoce, diarreia, esteatorreia, sangramento crônico • E = endócrinas = DM, hipertireoidismo = apetite preservado • M = malignidades = etiologia mais comum • I = infecciosas • D = doença neurológica = disfagia, déficit cognitivo • O = psiquiátricas = depressão, transtorno alimentar • S = sistêmicas = DPOC, ICC... Neoplasia (causa mais comum) • As neoplasias culminam em emagrecimento normalmente secundário a anormalidades metabólicas. Devemos lembrar que o câncer é uma doença eminentemente inflamatória, portanto há uma grande produção e liberação de citocinas como a TNF alfa, IL-1, IL-6, as quais são anorexígenas e geram saciedade precoce. Além disso, podem promover a perda de massa magra, através do estímulo aos processos de lipólise e proteólise. O sítio específico acometido pela neoplasia também pode gerar mecanismos para o emagrecimento. Em exemplo, cânceres de cabeça e pescoço podem gerar anosmia, ageusia, hiporexia, disfagia, bem como em neoplasias do Trato Gastrointestinal (TGI) pode ocorrer náuseas, vômitos, diarreia e má absorção intestinal. • O paciente portador de uma neoplasia não consegue restabelecer o seu peso basal justamente pela conjuntura anorexígena da doença, associada ao estado metabólico de gasto energético acelerado (estímulos de proteólise, lipólise, entre outros) Doenças TGI • Tais patologias podem gerar emagrecimento por dor (durante a alimentação, inclusive), disfagia (principalmente em doenças que acometem ao esôfago, como esofagite, acalásia), estado inflamatório sistêmico (semelhante ao abordado no tópico das neoplasias) e perda de nutrientes nas fezes (síndromes disabsortivas). • A clínica dos pacientes com doenças gastrointestinais pode ser caracterizada pela presença de anorexia, dor abdominal, disfagia, odinofagia, saciedade precoce, diarreia, esteatorreia ou sangramento crônico do TGI. (geralmente acompanhada desses sintomas clínicos) Doenças neurológicas • O mecanismo gerador do emagrecimento depende muito de cada patologia e em qual nível do sistema nervoso ocorre o acometimento. Porém, de uma forma geral, as doenças neurológicas causam muitas sequelas ou déficits neurológicos permanentes, como alteração da cognição, disfunções motoras (tanto periférica como central, como alteração do aparelho muscular mastigatório) ou mais comumente a disfagia. Diabetes • Nessa patologia o mecanismo fisiopatológico é um pouco mais peculiar, pois há um emagrecimento apesar do apetite preservado e muitas vezes exacerbado! Isso ocorre tanto no Diabetes Mellitus quanto no hipertireoidismo. Há um processo de fome celular, estimulando o paciente a se alimentar, que gera uma hiperglicemia associada, pois o paciente continua ingerindo os alimentos mas não há sensibilidade à insulina ou insulina circulante para fazer o transporte da glicose para as células, permanecendo o paciente nesse ciclo, o que justifica as perdas energéticas abundantes. • O quadro clínico clássico, portanto, é de polifagia, poliúria e polidpsia. Há perda de glicose e nutrientes na urina (aumento da eliminação de urina), levando a uma perda de água (pelo componente osmolar). Essa perda justifica a polidipsia (ingestão de água aumentada) e a polifagia (ingestão de alimentos aumentada). Hipertireoidismo • De forma semelhante ao DM, ocorre um estado de hipermetabolismo sistêmico pelo aumento do hormônio tireoidiano circulante. Portanto, também se apresenta com um emagrecimento apesar do apetite preservado e/ou exacerbado. O quadro clínico que vai nos fazer pensar em hipertireoidismo em um paciente com síndrome consumptiva pode envolver sintomas como a hiperfagia, palpitação, tremores distais, sudorese quente, insônia, hiperdefecação e presença de bócio. • Em pacientes idosos com apatia e emagrecimento, devemos sempre lembrar do Hipertireoidismo apatético. Essa é uma forma atípica do hipertireoidismo, que acomete pessoas idosas e pode culminar em fibrilação atrial de forma aguda, portanto deve sempre ser lembrado como uma hipótese diagnóstica diante de um quadro clínico sugestivo! Transtornos psiquiátricos • A depressão possui um emagrecimento multifatorial, onde há uma grande sobreposição de causas. • Os transtornos alimentares, por sua vez, possuem como mecanismo fisiopatológico a obsessão pelo excesso de peso, gerando a diminuição da ingestão alimentar de forma expressiva, um aumento do nível de atividade física até ao excesso (vigorexia), pode gerar vômitos provocados pela culpa após cursar com uma compulsão alimentar (principalmente na bulimia) e utilização de medicamentos para estimular a perda de peso. Doenças infecciosas • As doenças infecciosas crônicas levam ao emagrecimento pelo mesmo mecanismo de aumento do estado inflamatório geral já explicado acima. As principais doenças infecciosas associadas ao emagrecimento involuntário são a Hepatite C, a Tuberculose e o HIV Drogas • Drogas psicoativas ou não, como a cocaína, o álcool e o tabaco, agem alterando o centro da saciedade, levando a um estado de anorexia durante o uso das substâncias • O paciente alcoolista crônico troca a grande maioria das suas calorias diárias apenas pelas calorias da bebida, gerando um grande • A maconha ou canabbis pode induzir o emagrecimento em seu processo de abstinência, quando o paciente pode cursar com uma síndrome composta por anorexia, emagrecimento, irritabilidade e ocorrência de sonhosestranhos. Os opioides reduzem tanto o apetite, como a motilidade intestinal e a produção e liberação das secreções digestivas, promovendo a perda ponderal em pacientes com abuso de uso dos opiáceos. • A utilização das anfetaminas gera a liberação de catecolaminas a nível pré-sináptico, levando a um aumento expressivo do metabolismo basal do paciente. Porém, de forma diferente do que ocorre no hipertireoidismo, o apetite é perdido nesse mecanismo. A síndrome de abstinência das diversas substâncias existentes podem gerar também um emagrecimento involuntário. O quadro clínico clássico da abstinência alcoólica, chamado de Delirium Tremens, é caracterizado pela presença de febre, tremores distais finos, alucinações e anorexia, sintomas com base adrenérgica. SINAIS DE ALERTA (quadro clinico) Na anamnese do paciente com síndrome consumptiva devemos focar em 3 vertentes, sendo elas: caracterização da perda de peso, caracterização do apetite e a presença de sintomas associados. O peso é uma medida antropométrica fácil, simples de ser aplicada e barata, que pode auxiliar no processo de entendimento do emagrecimento. Existe sinais que demonstram ao médico a perda de peso mesmo que de forma indireta, como o uso de roupas largas, fotos antigas ou relatos de familiares. Pacientes com peso estável que está em queda progressiva possui um prognóstico pior que pacientes com peso em “flutuação”, quando há perda seguida de ganho ponderal intercalados. Deve-se avaliar o apetite do paciente de acordo com duas vertentes: se há uma diminuição do apetite e da ingesta alimentar associada ao emagrecimento ou se o apetite está preservado e até aumentado, apesar da perda ponderal. Deve-se questionar hábitos alimentares anteriores e atuais, bem como a relação do paciente com a comida, se há apetite, se há compulsão alimentar, se há vômitos provocados após as alimentações, sua percepção da própria imagem corporal, entre outros fatores que podem direcionar a investigação da síndrome consumptiva. O ponto mais importante da anamnese, entretanto, é a avaliação dos sintomas associados apresentados pelo paciente com emagrecimento involuntário! Perdas ponderais associadas com malignidade usualmente se apresentam associadas a suores noturnos, febre e fadiga excessiva. Sintomas associados a má absorção são a esteatorreia, perda muscular, diarreia e até hematomas, por perda da Vitamina K e consequente sangramentos espontâneos. Por fim, sintomas associados aos transtornos psiquiátricos podem ser os sintomas depressivos, avolia, perda do prazer nos hábitos diários, pensamentos e planejamentos suicidas, presença de desgaste em unhas e ponta dos dedos (por vômitos forçados, como explicado anteriormente), entre outros. A febre é um importante sintoma relacionado à perda ponderal, que pode estar presente em quadros inflamatórios, como infecções, quadros neoplásicos, reumatológicos, de doença inflamatória intestinal e de outras doenças sistêmicas, como Insuficiência Cardíaca (IC), Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Insuficiência renal (IR), dentre outras. Podem ter outras causas menos comuns não inflamatórias, como causas mecânicas, psíquicas e por abuso de substâncias ou síndrome de abstinência. Antecedentes pessoais, hábitos e vícios • Problemas sociais e econômicos que sugerem alteração de acesso, disponibilidade e mecânica/fisiologia da alimentação e digestão. • Rever medicações, uso de drogas ilícitas, álcool e tabaco (que são causas de emagrecimento e fatores de risco para tumores e doenças crônicas), dieta, comorbidades (DM, ICC, DPOC, cirurgias, enteropatias, verminoses, amebíase, pancreatites, hepatites, internações). Suspeita-se de dependência de drogas em indivíduos com postura de isolamento, mau rendimento escolar, agressividade, tremores, conjuntivite, rinite, instabilidade do humor e, por vezes, alucinação, palpitação e dores precordiais de causa desconhecida. Os contactantes e familiares também devem ser questionados a esse respeito, além de se checar as atividades do paciente. • História social como finanças, transporte, suporte social, comportamento sexual, viagens que sugerem riscos para doenças infectocontagiosas. Antecedentes familiares • Cânceres (mama, trato gastrintestinal, pulmão, cólon, próstata), doenças benignas do trato gastrintestinal (gastrite, cólon irritável, diverticulite, pólipos, enteropatias inflamatórias como doença de Chron, e retocolite), depressão e outras doenças psiquiátricas, hipertireoidismo, integridade cognitiva como demência, distúrbio neurológico, status funcional, doenças degenerativas (cardiovasculares, diabetes mellitus, ICC, DPOC, uremia, cirrose). DIAGNOSTICO Anamnese • Durante investigação etiológica de síndrome consumptiva, é necessário perguntar ao paciente sobre seu apetite, atividade física, como é o padrão da perda de peso (flutuante ou estável), por quanto tempo vem perdendo peso e se a perda é voluntária ou involuntária • Como auxílio no raciocínio diagnóstico para síndrome consumptiva, Robbins8 publicou regra mneumônica que consiste em nove “D”s de causas de perda de peso nesta população: o Dentição: alteração na cavidade oral o Disfagia o Distúrbio do paladar (Disgeusia) o Diarreia o Depressão o Doença crônica o Demência o Disfunção (física, cognitiva e psicosocial) ou dependência o Drogas Ainda como roteiro da anamnese, deve-se quantificar a Medida de Independência Funcional (MIF) dos pacientes no intuito de avaliar o grau de dependência nas atividades de vida diária (figura 1). O instrumento avalia 18 categorias pontuadas de um a sete e classificadas quanto ao grau de dependência para a realização da tarefa. As categorias são agrupadas em seis dimensões: autocuidados, controle de esfíncteres, transferências, locomoção, comunicação e cognição social. Cada dimensão é analisada pela soma de suas categorias referentes; quanto menor a pontuação, maior é o grau de dependência. Somando-se os pontos das dimensões da MIF obtém- se escore total mínimo de 18 e máximo de 126 pontos. Pontuação: • 7 = independência completa • 6 = independência modificada • 5 = supervisão • 4 = ajuda mínima (realiza >75% tarefas) • 3 = ajuda moderada (realiza > 50% tarefas) • 2 = ajuda máxima (realiza > 25% tarefas) • 1 = ajuda total • Independência completa: toda tarefa que envolve uma atividade, é realizada de forma segura, sem modificações ou recursos auxiliares, dentro de um tempo razoável • Independência modificada: capaz de realizar tarefas com recursos auxiliares, necessitando de mais tempo, porém realiza de forma segura e totalmente independente • Supervisão: sujeito necessita somente supervisão ou comandos verbais ou modelos para realizar tarefa sem a necessidade de contato ou a ajuda é somente para preparo da tarefa quando necessário • Mínima assistência: necessita uma mínima quantidade de assistência, um simples tocar, possibilitando a execução da atividade (realiza 75% do esforço necessário na tarefa) • Moderada assistência: necessita uma moderada quantidade de assistência, mais do que um simples tocar (realiza 50% do esforço necessário na tarefa) • Máxima assistência: utiliza menos que 50% do esforço necessário para completar a tarefa, mas não necessita auxílio total • Total assistência: assistência total é necessária ou a tarefa não é realizada. Utiliza menos que 25% do esforço necessário para realizar a tarefa Existem diversos instrumentos validados que poderão auxiliar na avaliação da perda de peso do paciente, tal como Mini Nutritional Assessment (MNA), que avalia o risco de desnutrição em idosos, e inclui a medida de circunferência do braço (valores menores que 22 cm para mulher e 23 cm para homem são sugestivosde deficiência crônica de energia). Exame físico • O exame físico geral inicia-se com a observação clínica simples do paciente ao se aproximar da sala de atendimento: capacidade de deambular e expressar-se, psiquismo/humor/lucidez, posições antálgicas, fácies típicas, atrofias musculares. Se houver alteração de sensório, fazer MMSE ou GDS. Os dados clínicos mais importantes no exame físico em paciente emagrecido são o peso e a perda de massa magra com atrofia muscular como a musculatura temporal, diâmetro dos membros, em especial as panturrilhas (dando a impressão de que os joelhos aumentaram), costelas e omoplatas “saltadas” no tronco (destaque das “asas” posteriores) e abdome cavo. A carência protéica também pode induzir descamação cutânea, queilite, unhas fracas e quebradiças, cabelo fino (lanugo) e cílios longos (sinal de Pitaluga). • O exame físico do paciente pode demonstrar diversos sinais de síndrome consumptiva, inclusive através da observação. Imagine um paciente que entra em seu consultório com fácies emagrecida e utilizando de roupas largas, isso já deve criar um alerta para investigação ponderal adequada em seu exame físico! • Podemos observar a perda de massa magra em conjunto com a atrofia muscular nesses pacientes, bem como a presença de descamação cutânea, queilite (ressecamento, rachaduras e lesões avermelhadas em lábios) e unhas fracas e quebradiças. Com relação ao peso, deve-se observar a duração da perda de peso e a sua relação com o peso anterior (basal). De dados antropométricos, também é pertinente a aferição de altura e IMC, para que se possa observar o grau de magreza. • O exame físico do paciente com perda de peso deve ser detalhado e incluir exame da pele (observar sinais de desnutrição, deficiência vitamina e oligoelementos), cavidade oral, avaliação da tireóide, propedêutica cardiovascular, pulmonar e abdominal, toque retal, palpação de linfonodos, exame neurológico, incluindo o Mini Exame do Estado Mental (figura 2), medidas antropométricas para cálculo do IMC (kg/m2), além dos sinais vitais. Feito uma hipótese de diagnóstico etiológico, a pesquisa laboratorial deve ser direcionada para a causa específica. EXAMES COMPLEMENTARES Se a sua anamnese e exame físico não foram elucidativas o suficiente para criar uma hipótese diagnóstica, a avaliação e pesquisa laboratorial pode ser elaborada em duas etapas. A primeira etapa é a investigação de inflamação, através de hemograma (leucograma), PCR e VHS (velocidade de hemossedimentação). Se houver uma carga inflamatória elevada, aumenta-se a suspeição sobre neoplasias e doenças sistêmicas crônicas. A segunda etapa é pautada pela pesquisa etiológica específica, tentando criar um direcionamento de acordo com algum sintoma ou achado laboratorial da primeira etapa. A pesquisa de doenças sistêmicas é feita através de exames que, além avaliar o estado sistêmico em geral do indivíduo, também vai observar se há um estado inflamatório. Deve-se solicitar VHS, bioquímica sérica, hemograma, enzimas hepáticas, albumina, TSH, urina tipo I. Com relação à pesquisa de etiologias específicas, pode-se solicitar a pesquisa de sangue oculto nas fezes, mamografia, Papanicolau (neoplasia de colo do útero), PSA, Endoscopia digestiva Alta (EDA), colonoscopia, entre outros exames que possam melhor direcionar para uma suspeita. Para uma avaliação inicial da etiologia em casos em que a história e o exame físico não forem indicativos da causa, os seguintes exames complementares são sugeridos: • Hemograma • eletrólitos • glicemia • Função renal e hepática • TSH • Sorologia para HIV • Proteína C Reativa • Parasitológico de fezes • Raio X de tórax • Urina 1 • PPD (exame padrão p/ identificar presença de infecção pela Mycobacterium tuberculosis) Embora concentrações de albumina sérica, pré albumina, transferrina, colesterol e contagem de leucócitos possam ajudar a estabelecer o diagnóstico de desnutrição, suas determinações não contribuem para determinar a causa do problema. Na ausência de alteração no exame físico e nos exames iniciais complementares, deve-se seguir a investigação com exames de rastreamento para câncer, conforme sexo e idade. Os marcadores tumorais geralmente não são diagnósticos de neoplasias, embora possam contribuir para o diagnóstico. O valor diagnóstico do marcador tumoral depende da prevalência da doença na população, podendo auxiliar no diagnóstico diferencial (ex: câncer de células germinativas) e, especialmente, predizer metástases. No entanto, se após uma boa avaliação clínica, acompanhada de uma análise laboratorial adequada, não se encontrar a causa da síndrome consumptiva, pode ser mais razoável acompanhar o paciente. Mesmo que o diagnóstico seja um tumor ainda não manifesto, detectá- lo nesta fase pode ser muito dispendioso e invasivo e provavelmente trará mais malefícios ao doente do que benefícios. Esta decisão é sem dúvida difícil, mas pode ser tão ou mais importante para o paciente do que outras decisões investigatórias ou terapêuticas TRATAMENTO O tratamento do emagrecimento involuntário e a correção da desnutrição/caquexia são multifatoriais e necessitam de estratégia integrada multidisciplinar. Objetivam a maior recuperação possível da função fisiológica adaptada com capacitação física, melhora da função muscular e orgânica e competência imunológica. Requerem um tempo muito maior que o tempo de instalação do processo e está baseado, na prática, em 3 pontos: 1. Definir metas significativas e possíveis: peso, composição corpórea, força, desempenho e status, apetite e qualidade de vida específicos individualmente para cada paciente. 2. Definir medidas de tratamento (multidisciplinar): nutrição, medicação, exercício (dentista, assistência social, fisioterapia, fonaudiologia, enfermagem,médico). 3. Para perdas de peso causadas por doença específica, seguir a terapia prescrita no tratamento da causa de base. Avaliação multidisciplinar 1. Avaliação psicossocioconômica: acesso às necessidades básicas (abrigo, alimentação), tratamento de distúrbios do humor (depressão e compulsão alimentar), distúrbios alimentares (anorexia nervosa e bulimia). Inclusão (sensibilização, orientação, adesão, participação e intervenção) da família no tratamento. Em casos precoces, a anorexia nervosa pode ser tratada com internação hospitalar sob rígida supervisão. Mesmo após aparente cura, pacientes com anorexia nervosa devem manter consultas médicas regulares, pois recidivas são muito freqüentes. 2. Avaliação bucal e de deglutição (principalmente idosos, pacientes com distúrbios alimentares tipo anorexia e bulimia, distúrbios neurológicos e doenças com mucosites como tumores, HIV, imunossuprimidos): avaliação de dentista, fonaudiólogo, otorrinolaringologista. 3. Atividade física: a. leve à moderada diariamente (quando tolerar); b. se possível, exercício de resistência (peso) para aumentar a musculatura contrapondo-se ao ganho de massa de gordura (efeito anabolizante); c. exercício em excesso induz perda de peso (cálculo individualizado); d. em idosos, ter cuidado com quedas; além de melhorar a musculatura, prevenir osteoporose e evitar quedas, o exercício, se não for bem orientado, pode também predispor a quedas e causar fraturas. 4. Intervenção nutricional = Apesar do mau aproveitamento de nutrientes durante processos inflamatórios/proliferativos, o aporte nutricional deve ser aumentado na tentativa de manter/reverter o balanço energético negativo. A dieta deve conter refeições pequenas e freqüentes e ser balanceada para impedir ganho predominante de gordura, se possível, dentro das preferências do paciente. As causas digestivas de intolerância alimentar(anorexia, refluxos gastrintestinais, vômitos, diarréias, mucosites, dumping, empachamentos, distensões abdominais, intolerância medicamentosa, laxativos) devem ser tratadas especificamente com medicações sintomáticas e orientação disciplinar. 5. Intervenção medicamentosa a. Não existe suporte científico validado na literatura para a utilização de tratamento medicamentoso de emagrecimento involuntário, limitando-se apenas, na maioria das vezes, a estudos pequenos, sem casos-controle necessários, e com benefícios de pequeno e restrito ganho de peso, sem evidências de melhora na morbidade e na mortalidade ou melhora da qualidade de vida5,8,10. A maioria desses agentes induz efeitos colaterais importantes, particularmente em pacientes de alto risco, como idosos, fragilizados e desnutridos, limitando sua utilização. b. Porém, a terapêutica por meio de suplementação de macro e micronutrientes, sintomáticos quando indicados como analgésicos, ansiolíticos, antidepressivos, antieméticos, antidiarréicos, protetores gástricos e procinéticos (metoclopramida, domperidona) e anabolizantes são sugeridos na literatura na tentativa de melhorar a qualidade de vida. Depressão, independentemente da idade, sempre deve ser tratada, após afastar/tratar tireoidopatia pré-existente. c. As drogas anabolizantes/orexígenas mais estudadas são glicocorticóides, progesterona, derivados de testosterona, ornitina e derivados canabinóides, como dronabinol, nabilona. DISCUTIR A SINDROME DO IDOSO FRAGIL DEFINIÇÃO O termo “frágil” pode ter diferentes significados como, por exemplo, facilmente quebrável ou destrutível; com probabilidade de falhar ou morrer rapidamente, mais suscetível a doenças ou agravos; fraco e/ou muito magro. Em gerontologia, esse termo relaciona-se com fraqueza muscular, fragilidade óssea, índice de massa corporal muito baixo, vulnerabilidade ao trauma, ao risco de infecção, ao delirium, instabilidade e/ou capacidade física significativamente diminuída. Pode, ainda, descrever uma condição na qual um número crítico dessas alterações específicas possa ocorrer em paralelo. Foi apenas a partir da década de 1980 que o termo fragilidade apareceu na literatura da área de saúde do idoso para designar indivíduos em precárias condições funcionais. Desde então, as referências bibliográficas sobre o assunto vêm crescendo de maneira exponencial, partindo de umas poucas no início daquela década para muitas centenas por ano nos últimos 10 anos. Segundo Hogan et al. 14,22, a definição de fragilidade pode ser originada de três fontes classificatórias distintas: 1. dependência nas atividades de vida diária (AVDs) e nas atividades instrumentais de vida diária (AIVDs); 2. vulnerabilidade aos estresses ambientais, às patologias e às quedas 3. estados patológicos agudos e crônicos Do ponto de vista clínico, a literatura é abundante em definições de quem é o indivíduo frágil. Algumas destas definições veem-no como aquele sujeito dependente de outros ou sob risco substancial de dependência e outros desfechos de saúde adversos; pode ser visto, ainda, como aquele que apresenta perda das reservas fisiológicas; ou o que tem muitas doenças crônicas – comorbidades – e problemas médicos e psico-sociais complexos, além de apresentações atípicas de doenças; ainda, algumas descrições se pautam nos indivíduos que apresentam envelhecimento acelerado sendo, portanto, candidatos a programas especializados de geriatria. Associada inicialmente com incapacidade funcional e comorbidade, hoje se sabe que ela é uma entidade à parte, na qual nem todo indivíduo frágil é incapaz ou apresenta comorbidades e vice-versa. Como resultado, definiu-se que “a fragilidade é um estado clínico em que há um aumento da vulnerabilidade do indivíduo à maior dependência e/ou mortalidade quando exposto a um estressor. Pode ocorrer como resultado da presença de multimorbidades diversas”. Esta definição foi baseada em trabalhos que sugeriram que, embora se tratasse de acometimento inespecífico, envolvendo redução multissistêmica da reserva funcional, suas manifestações clínicas estão associadas, principalmente, ao acometimento da reserva funcional de alguns sistemas orgânicos – sarcopenia, disfunção neuroendócrina e alterações imunes – envolvidos em uma espiral de perdas cumulativas. Foram estabelecidos três pontos de consenso sobre fragilidade física: • Fragilidade física é uma síndrome clínica com múltiplas causas e fatores associados que se caracteriza pela diminuição da força, resistência e função fisiológica, aumentando a vulnerabilidade de um indivíduo para o desenvolvimento de maior dependência e/ou morte • Fraqueza física pode potencialmente ser prevenida ou tratada com exercícios, suplementação proteico-calórica, vitamina D e redução da polifarmácia • Testes de rastreio simples e rápidos têm sido desenvolvidos e validados para permitir que os profissionais de saúde identifiquem objetivamente as pessoas frágeis. Esse grupo também discutiu que a fragilidade não é apenas uma condição física, mas também psicológica ou uma combinação das duas. Concluíram que existem duas abordagens para definir fragilidade física que se tornaram populares, o modelo de acumulação de déficits que gera o índice de fragilidade e o fenótipo de fragilidade que consiste na apresentação de um ou mais de cinco componentes (perda de peso, fadiga, fraqueza, lentidão e redução da atividade física) em decorrência de um sistema múltiplo de desregulação. Ambas as definições são usadas atualmente para definir pré-frágil, uma condição entre frágil e não frágil. Em ambos os constructos, a força física aparece como uma característica discriminante. Para efeitos de otimização na identificação de idosos frágeis, recomendou- se que todas as pessoas a partir dos 70 anos e todos os indivíduos com perda de peso não intencional significativa ( ≥ 5%) devem ser rastreados para a fragilidade. Inicialmente é importante diferenciar fragilidade, incapacidade e multimorbidades. A incapacidade é definida como limitações físicas e/ou cognitivas, dependência em mobilidade e/ou atividades de vida diária, básicas ou instrumentais. Limitações funcionais são prevalentes em pessoas idosas, particularmente nas mais longevas, e estão associadas com o declínio nas condições de saúde. São preditoras do aumento na utilização de serviços de saúde, bem como nos índices de hospitalização e óbito. Assim, idosos com essas limitações pertencem a um grupo de alto risco para outros desfechos adversos na área de saúde e, por esse motivo, parece mais apropriado considerar que uma pessoa idosa com problemas funcionais seja mais frágil que outra que não os apresente (Fried et al., 2001; 2004). Estudo de Fried et al. (2001; 2010) e Fried e Walston (2003), quando da proposição do fenótipo de fragilidade, encontrou uma sobreposição entre os indivíduos frágeis e os incapacitados, no entanto, não eram idênticos, ou seja, existiam pessoas idosas frágeis, porém não apresentavam incapacidades e, por outro lado, também existiam pessoas com incapacidades sem, no entanto, serem frágeis (Figura 118.1). Do total de 2.762 indivíduos que apresentavam comorbidades, incapacidades e/ou fragilidade, 368 eram frágeis. Dos 2.576 que apresentavam duas ou mais doenças, 249 eram frágeis e, dos 363 que tinham incapacidades, apenas 100 eram frágeis. Concluiu-se que a incapacidade poderia ser considerada um desfecho da síndrome ou, ainda, um elemento contributivo para seu desenvolvimento e não sua essência. Assim, os termos incapacidade e fragilidade não podem ser considerados sinônimos. A presença simultânea de múltiplas doenças crônicas costuma ser outro marcador frequentemente utilizado para indicar fragilidade. Embora tal condição estejaassociada ao aumento do número de desfechos adversos em saúde, quando comparados ao grupo de idosos sem doenças, ela não pode identificar, por si só, os indivíduos frágeis Fried et al. (2001; 2010), eFried e Walston (2003) descreveram fragilidade como processo fisiopatológico único, resultante de alterações em uma série de mecanismos biológicos, que leva a modificações de múltiplos sistemas e, eventualmente, ao rompimento do equilíbrio homeostático. Segundo os autores, os sistemas são inter-relacionados e formam uma rede de regulação homeostática que apresenta, quando íntegra, habilidade compensatória aos estressores graças a sua reserva e resiliência. A desregulação de múltiplos sistemas e a diminuição da efetividade dessas interconexões pode conduzir à perda dessas reservas e, consequentemente, comprometer a manutenção da homeostase diante dos estressores. O resultado final da agregação dessas múltiplas perdas de reserva tem impacto na capacidade do organismo de responder aos estressores mantendo seu equilíbrio homeostático. A fragilidade surge quando a capacidade fisiológica para responder de maneira apropriada a situações dinâmicas estressoras (exercícios, temperaturas extremas, doenças agudas) mostra-se insuficiente ou inadequada, possivelmente associada ao intervalo e à complexidade de resposta ao estressor que, agora, o organismo é capaz de elaborar. Em decorrência de um estreitamento regulatório, ocorre a diminuição na efetividade das respostas compensatórias. De modo geral, a perda de reserva agregada em múltiplos sistemas pode conduzir a um declínio global na habilidade do organismo como um todo em tolerar estressores, aumentando, assim, o risco de ocorrência de desfechos adversos associados à fragilidade. Em última análise, tais mudanças levariam a uma espiral negativa de declínio funcional. Os principais sistemas envolvidos incluiriam os que mantêm a estabilidade na produção, distribuição e utilização de energia, abrangendo os que envolvem processos hormonais, imunológicos, inflamatórios e neurológicos. A diminuição da energia disponível afetaria múltiplos sistemas fisiológicos, levando ao seu comprometimento funcional e, em última instância, desencadearia um progressivo declínio no funcionamento físico. Em um organismo saudável, a rede homeostática é complexa e adapta-se, rápida e flexivelmente, a diferentes tipos de perturbações internas e externas. O envelhecimento ocasionaria mudanças nessas estratégias adaptativas que, progressivamente, se tornariam limitadas. Enquanto o declínio nas reservas em múltiplos sistemas pode justificar o risco elevado de desfechos adversos que os profissionais de saúde associam com fragilidade, eles, em si, não explicam necessariamente a síndrome de fraqueza, perda de peso e declínio da atividade, bem como as anormalidades comumente observadas no equilíbrio e na marcha. A integração desses sinais e sintomas clínicos ocorreria como um segundo estágio da fragilidade quando a reserva acumulada declinaria a um nível limítrofe Síndrome de declínio espiral de energia, embasada por um tripé de alterações relacionadas com o envelhecimento, composto por sarcopenia, desregulação neuroendócrina e disfunção imunológica. Os idosos portadores desta tríade estariam propensos à redução acentuada da massa muscular e a um estado inflamatório crônico que, se associados a fatores extrínsecos como a incidência de doenças agudas ou crônicas, a imobilidade, a redução da ingestão alimentar e outros, levariam a um ciclo vicioso de redução de energia e aumento da dependência e suscetibilidade a agressores. A Figura 118.3 mostra o círculo vicioso ou espiral da síndrome de fragilidade que pode ter início em qualquer ponto como, por exemplo, na ingestão alimentar. Existem evidências mostrando a associação entre envelhecimento e diminuição na habilidade de modular, de maneira equilibrada, a ingestão alimentar com o total de gasto energético despendido, o que aumenta a probabilidade de consumo alimentar inadequado e/ou insuficiente. Essa anorexia do envelhecimento pode ser composta por muitos fatores capazes de diminuir a ingestão alimentar, incluindo diminuição do paladar e do olfato, problemas odontológicos, depressão, demência e outras doenças. A ingestão energética menor que as calorias necessárias para suprir o gasto energético despendido pode conduzir a um estado crônico de subnutrição proteico-energética que levaria à perda de massa muscular, resultando em sarcopenia. A sarcopenia contribui para a perda de força e para o declínio da tolerância máxima ao exercício (VO2 máx.), que, juntos, levam à lentidão de velocidade de caminhada e, posteriormente, à incapacidade no desempenho de tarefas que exijam força e/ou tolerância ao exercício e, por fim, à diminuição da taxa metabólica latente que, concomitantemente a outros declínios, culmina com a queda no total de energia despendida. Esse ciclo (Figura 118.3) teria manifestações clínicas como declínio de força, energia, velocidade de marcha, atividade física e perda de peso, todas inter-relacionadas. Essas manifestações seriam detectáveis por um fenótipo mensurável constituído por cinco componentes: • Perda de peso não intencional (4,5 kg ou mais no último ano ou pelo menos 5% do peso corporal) • Fadiga (obtida por autor-referência de exaustão a partir de duas questões do Center for Epidemiologic Studies – Depression) • Diminuição da força (mensurada por dinamômetro em membro superior dominante ajustado por gênero e índice de massa corporal [IMC]) • Baixo nível de atividade física (obtido pelo cálculo do dispêndio médio semanal de quilocalorias obtidos pelo relato das atividades físicas desenvolvidas no período ajustadas por gênero) • Diminuição da velocidade da marcha (obtida pelo tempo despendido para caminhar um espaço de 4 m ajustado por gênero e altura). • Fragilidade pode, assim, ser considerada uma síndrome clínica geriátrica, com um conjunto de sintomas e sinais centrais ligados à fisiopatologia subjacente que são capazes de identificá-la. Um ou dois componentes do fenótipo seria indicativo de alto risco de desenvolver a síndrome (pré-frágeis), e três ou mais componentes estariam presentes em idosos frágeis. Fragilidade pode, assim, ser considerada uma síndrome clínica geriátrica, com um conjunto de sintomas e sinais centrais ligados à fisiopatologia subjacente que são capazes de identificá-la. Nesse processo, o nível normal de mecanismos homeostáticos pode não ser mais suficiente para produzir uma resposta homeostática eficiente, sendo necessário selecionar outros estados de equilíbrio menos eficientes. Nessa perspectiva, o fenótipo de fragilidade ou sua condição fisiológica subjacente (fisiotipo) pode representar o melhor estado possível de equilíbrio de uma pessoa, em qualquer nível de funçãofisiológica, em uma tentativa de evitar a espiral de deterioração para o óbito. Como as respostas adaptativas teoricamente podem ser melhoradas, prevenção e tratamento tornam-se possíveis FISIOPATOLOGIA Segundo a teoria proposta por Fried et al. (2001), a síndrome seria embasada na redução da atividade de eixos hormonais anabólicos, na instalação da sarcopenia e na presença de um estado inflamatório crônico subliminar (Figura 90.1). Estas três alterações, quando intensas o suficiente, interagiriam de maneira deletéria (p. ex., a inflamação e as alterações hormonais induzindo a sarcopenia; esta, por sua vez, diminuindo a atividade física e promovendo mais inflamação e alterações hormonais), precipitando a ocorrência de um ciclo autossustentado de redução de energia, perda de peso, inatividade, baixa ingestão alimentar e sarcopenia. Diversos fatores, como doenças agudas e crônicas, alterações próprias do envelhecimento, efeito de medicamentos,quedas e outras condições mórbidas, contribuiriam para que uma pessoa idosa entrasse no ciclo de fragilidade. A energia utilizada na maioria dos processos celulares que mantêm a homeostase (ATP) é proveniente das mitocôndrias pelo processo de transformação da glicose. Com o envelhecimento, parte do DNA mitocondrial é deletado, gerando, assim, o acúmulo de determinado número de mutações. Tais modificações afetariam a produção de energia necessária para a manutenção da integridade metabólica e celular. Considerando a marcante fadiga e perda de energia observada em idosos frágeis e a reduzida capacidade de responder a vários estímulos, acredita-se que essas alterações moleculares podem ter um papel significativo no desenvolvimento da síndrome. Na barra à esquerda, encontra-se o total de energia acumulada (moléculas de trifosfato de adenosina [ATP]) que pode ser gerado em uma unidade de tempo. Considerando que o metabolismo energético é aeróbico, a dimensão total da barra pode ser definida como o consumo máximo de O2 (MVO2 máx.). Uma grande quantidade de energia ou taxa de metabolismo basal é necessária para manter o organismo humano em equilíbrio homeostático. Na parte inferior, encontra-se o mínimo requerido para a homeostase em função de idade, sexo, composição corporal e atividade física. No caso dos idosos, deve ser considerada uma cota extra (esforço homeostático) necessária para equilibrar a homeostase instável causada pela presença de doenças. Em indivíduos saudáveis, essa cota é desprezível, porém aumenta rapidamente com a deterioração da saúde. A energia restante é utilizada em atividades físicas e cognitivas que pode ser muito reduzida quando o esforço homeostático aumenta. Se houver aumento da carga de trabalho individual no intervalo de energia usado para as atividades, o indivíduo começará a apresentar fadiga. O limite para que isso ocorra é influenciado por uma quantidade indefinida de fatores que incluem os biológicos (inflamação, estresse oxidativo, hormônios, metabolismo anabólico), os psicológicos e os fisiológicos. Quanto menor o limite e maior a atividade, mais rapidamente a fadiga ocorre. Indivíduos sedentários podem entrar em um estado de fadiga apenas com uma pequena carga de trabalho, o que não ocorre com os indivíduos ativos. A longo prazo, o sedentarismo reduz a quantidade total de energia que pode ser produzida, precipitando um ciclo vicioso que conduzirá a um progressivo e acelerado declínio na função física. Conforme afirmou Carvalho Filho,5 Brocklehurst criou um modelo de fragilidade que contemplava os componentes biológico, social e psicológico no ano de 1982. A partir dessa abordagem, identificou-se que a fragilidade pode se manifestar em qualquer faixa etária, podendo estar presente não apenas na velhice.17,18 No entanto, quando associada ao envelhecimento, tem sido amplamente aceita como uma síndrome clínica, de natureza multifatorial, caracterizada por um estado de vulnerabilidade fisiológica resultante da diminuição das reservas de energia e da habilidade de manter ou recuperar a homeostase após um evento desestabilizante.18,19 Nessa linha, Teixeira20 mostrou que o conceito de fragilidade seria unidimensional, visto que agrega a vulnerabilidade e baixa resposta aos fatores de estresse, bem como maior suscetibilidade a doenças e à presença de síndromes geradoras de incapacidade. A definição mais utilizada sobre a síndrome da fragilidade é que ela representa uma síndrome biológica caracterizada por diminuição da reserva homeostática e redução da capacidade do organismo de resistir às intempéries, resultando em declínios cumulativos em múltiplos sistemas fisiológicos, causando vulnerabilidade e efeitos adversos.19 Assim, o resultado cumulativo desses declínios em múltiplos sistemas do corpo humano poderia constituir a base do que é frequentemente considerado o fenótipo da fragilidade: a vulnerabilidade aos fatores estressores e o comprometimento da capacidade de manter a homeostase, bem como a incapacidade, dependência parcial ou total em atividades básicas da vida diária (ABVD), da maior presença de comorbidades ou de idosos mais debilitados e vulneráveis. Neste contexto e juntamente com outros autores, a fragilidade é identificada como uma síndrome associada à idade e caracterizada por manifestações como perda de peso e massa muscular, diminuição da força de preensão, fadiga, instabilidade postural e redução da ingestão de alimentos, aumentando o risco para uma evolução desfavorável diante das agressões externas e das doenças agudas. Três sistemas fisiológicos parecem ser componentes integrais da fragilidade e centrais na compreensão das causas relacionadas com a maior vulnerabilidade aos estressores associados à síndrome. São eles sarcopenia ou perda de massa muscular, disfunção imunológica e desregulação neuroendócrina. A sarcopenia ou perda de massa muscular associada ao envelhecimento inicia-se aproximadamente aos 35 anos e avança de maneira regular, podendo alcançar uma perda de até 50% da massa muscular (musculoesquelético), que é reposta com tecido adiposo e fibrótico. Essa perda cumulativa resulta em diminuição de força e de tolerância ao exercício, fadiga, fraqueza e diminuição da capacidade de desempenhar muitas atividades de vida diária. O declínio na força constitui fator de risco para comprometimento de equilíbrio, velocidade de caminhada e quedas. A perda musculoesquelética resulta em declínio da taxa metabólica de repouso com consequências metabólicas diretas que ainda não são claras. No entanto, a termorregulação parece constituir um elemento crítico nesse contexto e muito da intolerância ao frio e ao calor observada nos idosos está relacionada com esse fenômeno. A reposição gradual dessa perda tecidual com gordura e tecido fibroso é parcialmente responsável pelo aumento da resistência à insulina e da intolerância à glicose observada na meia-idade e nos idosos. Como a insulina é um dos mais importantes hormônios anabólicos, a diminuição, em nível tecidual, dos seus valores efetivos pode contribuir para um estado catabólico generalizado que caracteriza os indivíduos frágeis. O sistema neuroendócrino funciona de maneira integrada com o sistema regulatório, que monitora os estímulos internos e externos e mantém o equilíbrio homeostático. Evidências mostram que a perda de complexidade dos sistemas com o envelhecimento está relacionada com a diminuição de reserva e a variação e precisão de sua resposta. As respostas do sistema neuroendócrino são normalmente pulsáteis, sendo rapidamente acionadas e desligadas. Com o avançar da idade, a sensibilidade dessa complexa rede de controle de respostas diminui e a velocidade de transmissão é alentecida. Diante de um estímulo estressor, a resposta orgânica pode apresentar início mais tardio e, também, um “ desligamento ” mais alentecido. Essa desregulação constitui, segundo Fried e Walston (2003), o componente central da síndrome de fragilidade, sendo mais observada nas pessoas em velhice avançada, colocando sua resposta aos estressores em um nível crítico. Possivelmente, o efeito agregado de sarcopenia, a disfunção imunológica e a desregulação neuroendócrina sejam a maior vulnerabilidade do organismo aos estressores e a menor capacidade de adaptação, compensação ou adequação diante deles. Cada um desses componentes exerce efeito significativo sobre os outros, conduzindo ou acelerando o declínio em outros mecanismos regulatórios que, ao final, podem contribuir para os desfechos clínicos da fragilidade independente de qualquer processo de doença específico. Essas alterações subjacentes podem ser precipitadas por doenças, lesões ou medicações. Em suma, essas alterações fisiológicas inter-relacionadas contribuemcom mudanças em outros componentes fisiológicos, acelerando, assim, a instalação do ciclo de fragilidade. QUADRO CLINICO As manifestações da síndrome da fragilidade propostas por Fried et al. são perda de peso não intencional, fraqueza muscular, fadiga, redução da velocidade da marcha e redução do nível de atividade física. Ainda que não determinantes da fragilidade, são frequentes entre os seus portadores anormalidades da marcha e balanço, ocorrência de quedas, sintomas depressivos, redução da massa óssea, alterações cognitivas e déficits sensoriais. Também a vulnerabilidade a processos infecciosos ou traumáticos e a má resposta às terapêuticas instituídas são características frequentes desta população. A incapacidade e a fragilidade apresentam similaridades óbvias, o que promove algum grau de confusão entre seus conceitos. No entanto, enquanto a fragilidade é um quadro necessariamente multissistêmico de instalação lenta e que promove vulnerabilidade da regulação homeostática, a incapacidade pode se instalar de maneira aguda e comprometer um único sistema, como em um acidente vascular encefálico que evolua para a permanência de sequelas e que, não necessariamente, implica instabilidade homeostática de seu portador. Neste caso, o portador da incapacidade pode não ser portador de fragilidade, exemplo que diferencia as duas condições Do mesmo modo, a fragilidade deve ser diferenciada da presença de comorbidades. Embora bastante frequentes com o envelhecimento, as comorbidades não necessariamente são associadas a redução de reservas de múltiplos sistemas e inadequação da manutenção da homeostase frente a estímulos agressivos, o que a diferencia da síndrome de fragilidade. Outros dois conceitos, de emprego cada vez mais frequente e que também devem ser diferenciados de fragilidade, são a sarcopenia e a caquexia. Recentemente, foi publicado um consenso europeu que define a sarcopenia como a redução da massa muscular, relacionada com o envelhecimento, associada à redução da força e/ou função (Cruz-Jentoft et al., 2010). Na verdade, este é um conceito em evolução e ainda em disputa: pesquisadores mais “puristas” da sarcopenia insistem que esta seja definida exclusivamente pela redução da massa muscular, sendo que a perda de função ou força seriam mais bem definidas como “ dinapenia ” (Clark e Manini, 2008). De qualquer maneira, a sarcopenia pode estar presente sem os outros comemorativos da síndrome de fragilidade, sendo, quando coexistente, apenas um dos componentes de um processo muito mais complexo. Já a síndrome da caquexia é definida como “ uma síndrome metabólica complexa associada à doença e caracterizada pela perda de músculo, com ou sem a perda de massa gorda ” (Evans et al., 2008). A caquexia apresenta várias semelhanças, em sua fisiopatologia e apresentação clínica, com a síndrome da fragilidade, como perda de peso, redução da força e fadiga; no entanto, a caquexia é, como a própria definição deixa claro, induzida por uma doença crônica, como o câncer, a insuficiência cardíaca, a doença pulmonar obstrutiva crônica e outras, enquanto a síndrome da fragilidade incide de maneira independente destes diagnósticos. Além disso, aspectos fisiopatológicos da síndrome da fragilidade não estão, necessariamente, envolvidos no desenvolvimento da caquexia. DIAGNOSTICO Por outro lado, continua uma questão não equacionada: a realização do diagnóstico de fragilidade. Existem diversos instrumentos para o diagnóstico de fragilidade, alguns baseados na detecção da redução de reservas funcionais (p. ex., velocidade de marcha, força muscular), outros baseados na detecção de déficits funcionais e biológicos acumulados (Abellan van Kan et al., 2008; Bandeen-Roche et al., 2006; Rockwood et al., 2005). Isto demonstra que ainda não existe consenso para a classificação de um idoso como frágil, e mesmo a diferenciação de diferentes graus de fragilidade. Rockwood et al. (2005) propuseram uma escala de sete itens, classificando o idoso desde “gravemente frágil” (“ completamente dependente de outros para as atividades da vida diária, ou terminalmente enfermo”) a “muito apto” (“ robusto, ativo, energético, bem motivado e apto). Observa- se, nesta proposição, que reflete o ponto de vista defendido por este grupo, o emprego, como referido no início deste capítulo, de aspectos predominantemente funcionais para o diagnóstico da fragilidade, em oposição às propostas de Fried et al. Resumidamente, esses autores postulam que não existe, ainda, um claro mecanismo fisiopatológico comum para a fragilidade, e que a abordagem funcional torna esta condição mais direta e objetivamente detectável e abordável na prática clínica. Outras propostas para critérios diagnósticos receberam boa aceitação nos últimos anos, algumas por sua simplicidade de aplicação na prática diária, outras por visar aspectos de interesse dos serviços onde são empregadas. As escalas mais empregadas são o fenótipo de Fried et al.; o Índice de Fragilidade de Rockwood et al.; a escala FRAIL, proposta por Van Kan e Morley (Abellan Van Kan et al., 2008); a escala VES-13, proposta por Saliba (Maia et al., 2012) e o Groningen Frailty Indicator (Steverink et al., 2001). Comparações entre estas escalas mostram que o nível de concordância para o diagnóstico de fragilidade é moderado, o que indica que estão avaliando aspectos diferentes desta síndrome (Malmstrom et al., 2014). Os critérios mais frequentemente empregados em estudos internacionais são adaptados a partir dos estudos de Fried e Walston, compondo cinco diferentes critérios, apresentados no Quadro 90.1. Idosos portadores de três ou mais desses critérios são classificados como frágeis, idosos com um ou dois critérios, pré-frágeis, e idosos sem a presença destes critérios, não frágeis. Em relação aos critérios de Fried et al., alguns pontos críticos devem ser citados. Em primeiro lugar, embora a perda de peso, a força de preensão palmar e a velocidade de marcha sejam objetivos, os critérios referentes à exaustão e à redução da atividade física não o são. Isso porque exaustão se refere a uma percepção altamente subjetiva, que nem sempre é bem compreendida pelos idosos (é perguntado ao idoso: “na última semana, o(a) senhor(a) sentiu que teve de fazer esforço para dar conta das suas tarefas habituais?” e “ na última semana, o(a) senhor(a) não conseguiu levar adiante suas coisas?”); quanto ao nível de atividade física, hoje é bem determinado que os questionários de atividade física são muito pouco acurados para classificar o nível real de atividade e o gasto energético. Por isso, este critério diagnóstico de fragilidade se embasa em uma variável de mensuração altamente imprecisa. Na prática, apesar de o trabalho original de Fried et al. adotar o Minnesota Leisure Time Activity Questionnaire, versão curta, diferentes autores empregam questionários diferentes, como o Perfil de Atividades Humanas e o International Physical Activity Questionnaire, de acordo com a prática de seus serviços. Mesmo que, dada a fisiopatologia da fragilidade, diversos exames laboratoriais possam estar alterados (marcadores de aumento da atividade inflamatória, redução da creatinina sérica, redução da albumina sérica, anemia, alterações hormonais), nenhum destes testes, empregados isolados ou em conjunto, possibilita o diagnóstico de fragilidade ou para ele contribui de modo definido. A identificação da fragilidade secundária, decorrente de doenças latentes ou não tratadas, deve ser incluída na avaliação, uma vez que pode conduzir também a um estado catabólico com perda de peso ou diminuição da ingestão calórica. Boa parte das doenças consumptivas pode ser tratada, incluindo insuficiência cardíaca congestiva, doenças da tireoide, diabetes, tuberculose e outrasinfecções crônicas, câncer e condições inflamatórias e condições neuropsicológicas como depressão, demência, psicose e luto. Nessa avaliação, devem-se ainda rastrear os fatores que podem exacerbar a vulnerabilidade, como medicações inadequadas ou polifarmácia, hospitalizações, cirurgias ou outras intervenções com potenciais efeitos iatrogênicos. Uma avaliação geriátrica global centrada na pessoa idosa envolvendo a família e/ou cuidador e monitoramento regular por equipe de saúde capacitada auxiliará na identificação proativa de tais condições e no estabelecimento de intervenções precoces. Se a fragilidade for uma condição primária, o objetivo do tratamento deve ser a instituição precoce de intervenções de suporte para prevenir a perda de massa muscular e melhorar a força e a energia. Essas intervenções visam controlar os fatores que podem desencadear ou acelerar as manifestações de fragilidade, especialmente baixa atividade, inadequação nutricional e uso de medicações com efeitos catabólicos. Devem-se considerar, se indicadas, a prescrição de exercícios regulares e a adição de suplementação nutricional. Existem evidências indicando que exercícios resistidos contribuem para o aumento da força nos idosos frágeis, além de atuar na prevenção da síndrome. Os melhores resultados foram obtidos entre os que apresentavam diminuição de força, mas não tinham atrofia muscular. A suplementação alimentar, no entanto, só se mostrou efetiva quando associada à realização de exercícios, pois, quando isolada, não levou a aumento da massa muscular, força ou melhora funcional. TRATAMENTO Diversas modalidades de tratamento vêm sendo propostas para a síndrome da fragilidade, mas ainda não estão disponíveis tratamentos específicos para a síndrome como um todo. Tratamentos medicamentosos embasados na fisiopatologia desta condição (p. ex., anti-inflamatórios, reposição hormonal, anabolizantes para reduzir a perda de massa muscular), embora ainda em fase de estudos, não se mostraram, isoladamente, eficazes para a terapêutica. As intervenções atualmente propostas se baseiam especificamente em: • Atividade física, para promover o aumento da massa muscular, suplementação alimentar, para reduzir a perda de massa magra e promover a melhoria do estado energético • Suplementações hormonais, buscando quebrar o ciclo da fragilidade em seus componentes relacionados com a desregulação neuroendócrina • Medicações de diversas naturezas, com atuação em componentes da fisiopatologia da síndrome (antiinflamatórios, miostáticos, anabolizantes etc.). A intervenção mais bem estudada em relação à síndrome da fragilidade é a prática de atividade física. A literatura evidencia, em seu conjunto, que o treinamento de força isolado pode melhorar este parâmetro, mas, no conjunto, aumenta o risco de lesões e não promove a melhora global do paciente. A combinação de treinamento de força com exercícios para flexibilidade, equilíbrio e capacidade aeróbica mostra mais benefícios nos estudos realizados até o momento que, ressalte-se, ainda são escassos A suplementação alimentar isolada, conquanto importante para a manutenção do estado nutricional e promoção de sua melhoria, não apresenta benefícios bem demonstrados. Sua associação à atividade física, por outro lado, apresenta evidências de benefícios. Recentemente, estudos têm demonstrado que a necessidade de proteínas de idosos, em especial os portadores de doenças crônicas, é superior à preconizada (0,8 a 1,2 g/kg/dia), exceto em condições especiais, como a insuficiência renal. Desta forma, suplementos proteico-calóricos, especialmente associados temporalmente ao exercício físico, mostram-se benéficos para estimular a síntese proteica em idosos. Ainda é motivo de estudo a quantidade de proteína e sua distribuição ao longo do dia, bem como em relação à prática de atividade física. Suplementações com hormônio de crescimento, DHEA, progestógenos e outros tratamentos hormonais não se mostraram benéficas, os efeitos colaterais suplantando, de uma maneira geral, os benefícios (Hodes, 1994; Fairhall et al., 2011). A exceção relativa que se apresenta é a suplementação de testosterona, em homens frágeis que apresentam deficiência deste hormônio. Alguns estudos demonstram que, quando não contraindicada, a suplementação, associada à atividade física, apresenta efeitos benéficos para a fragilidade e a qualidade de vida. No entanto, mais estudos são necessários em uma gama mais ampla de pacientes com fragilidade (Fairhall et al., 2011). Outras medicações para o tratamento da fragilidade ainda se encontram em estudo, não estando indicadas, no momento, para o emprego na prática clínica Se a fragilidade for uma condição primária, o objetivo do tratamento deve ser a instituição precoce de intervenções de suporte para prevenir a perda de massa muscular e melhorar a força e a energia. Essas intervenções visam controlar os fatores que podem desencadear ou acelerar as manifestações de fragilidade, especialmente baixa atividade, inadequação nutricional e uso de medicações com efeitos catabólicos. Devem-se considerar, se indicadas, a prescrição de exercícios regulares e a adição de suplementação nutricional. Existem evidências indicando que exercícios resistidos contribuem para o aumento da força nos idosos frágeis, além de atuar na prevenção da síndrome. Os melhores resultados foram obtidos entre os que apresentavam diminuição de força, mas não tinham atrofia muscular. A suplementação alimentar, no entanto, só se mostrou efetiva quando associada à realização de exercícios, pois, quando isolada, não levou a aumento da massa muscular, força ou melhora funcional. COMPREENDER A IMPORTANCIA DA RELAÇÃO FAMILIAR E EQUIPE MULTIDISCIPLINAR NA SAÚDE DO IDOSO