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Epilepsia: Conceitos e Fisiopatologia

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O QUE É? 
Antes de mais nada, é necessário saber diferenciar alguns conceitos: 
 Crise convulsiva - é uma atividade elétrica anormal, a qual gera sinais e sintomas específicos – como 
abalos musculares, e é dividida em crises convulsivas provocadas e não provocadas. 
 Epilepsia - doença cerebral crônica que possui várias etiologias e é caracterizada pela recorrência de crises 
epilépticas não provocadas. 
 Síndrome Epiléptica - conjunto de características incluindo tipos de crises convulsivas, EEG e características 
de imagem, que tendem a ocorrer juntas. 
FISIOPATOLOGIA 
 
Estudos feitos com microeletrodos intraneuronais demonstraram que a geração dos surtos de potenciais de 
ação envolve mecanismos sinápticos próprios de alguns neurônios, entre eles, os neurônios piramidais 
grandes - localizados principalmente no hipocampo e no neocórtex. Além disso, como fatores associados, 
têm-se que canais de cálcio e de potássio lentos permitem uma despolarização celular prolongada. Alguns 
mecanismos sinápticos podem interferir na liberação de neurotransmissores, que duram vários milissegundos 
na fenda sináptica. A desregulação desses neurotransmissores e o bloqueio da ação GABA permite a 
geração de surtos de potenciais de ação descontrolados. 
Durante a atividade repetitiva ictal a concentração de potássio aumenta no meio extracelular e modifica o 
potencial de equilíbrio desse íon, de tal forma que as correntes de saída enfraquecem e não são mais efetivas 
na repolarização da membrana. Nessa fase também há aumento da acetilcolina que reduz ainda mais a 
condutância do potássio, prolongando o efeito excitatório. Além disso, células gliais contribuem para o 
clearance extracelular, facilitando a recapitação dos neurotransmissores e, assim, contribuindo para reduzir o 
efeito epileptogênico. Sendo assim, pode-se dizer que há cinco principais fatores envolvidos na 
epileptogênese: 
 Eventos intrínsecos da membrana de determinadas células; 
 O grau de desinibição da população neuronal; 
 Presença de circuitos recorrentes excitatórios; 
 Modulação da concentração de íons transmissores no espaço intercelular; 
 Presença de interações elétricas entre os neurônios. 
 
Outras vezes não se identifica um fator causal para a crise epiléptica e a maioria desses pacientes não voltarão 
a ter crises. Por outro lado, alguns indivíduos apresentam crises epilépticas espontâneas recorrentes e sendo, 
portanto, considerados epilépticos. 
Durante a crise epiléptica há o envolvimento/acometimento de várias regiões, como: 
Zona Epileptogênica - localizada na região cortical que produz as crises epilépticas, sendo a área cuja remoção 
cirúrgica vai tornar o paciente livre de crises. Seus limites não 
podem ser definidos diretamente com qualquer instrumento de 
avaliação, no entanto, a união de outras cinco zonas como: (1) 
zona irritativa; (2) zona de início ictal; (3) zona sintomatogênica; 
(4) zona lesional e (5) zona de déficit funcional, permitem supor 
a localização da zona epileptogênica. 
Zona irritativa  área que gera as descargas interictais no 
eletrencefalograma (EEG); 
Zona de início ictal  área do córtex onde se iniciam as crises 
epilépticas - Algumas vezes, após a remoção da zona de início 
ictal, tem-se a impressão de que a zona epileptogênica foi removida, porque o paciente permanece sem crises 
por alguns meses, no entanto, após esse tempo, as crises epilépticas retornam. Nesse sentido, é pressuposto 
que uma outra área no interior da zona epileptogênica, até então silenciosa, tornou-se capaz de gerar essas 
crises  zona de início ictal potencial e não há, até o momento atual, métodos que possibilitem a delimitação 
dessa zona; 
Zona sintomatogênica  área de córtex que, quando ativada pelas descargas epileptogênicas, produz os 
sintomas das crises. Deve-se ressaltar que a maior parte do córtex cerebral é silenciosa e durante a monitoração 
por vídeo-EEG, muitas vezes é observado que o ritmo ictal já está plenamente desenvolvido e o paciente ainda 
está assintomático. 
Os sintomas podem se manifestar apenas após a ativação de uma área cortical precisa que está situada 
remotamente. Dando um exemplo disso, uma crise originada no polo do lobo frontal pode mostrar seus sinais 
clínicos apenas quando o ritmo ictal se propaga em direção a área 
motora primária, gerando contrações na musculatura facial ou da mão 
e segmentos corpóreos de maior representação cortical. Além disso, 
uma mesma zona de início ictal pode produzir uma ou mais zonas 
sintomatogênicas, dependendo das diferentes vias de propagação. 
 
 
 
 
 
 
 
Zona lesional – zona que sofreu uma lesão relacionada com as crises epilépticas. 
 
 
 
 
 
 
 
Zona de déficit funcional - São os déficits neurológicos determinados pela zona epileptogênica. 
 
 
 
 
 
 
 
ETIOLOGIAS 
Desde o momento em que o paciente apresenta a primeira crise epiléptica, deve-se buscar etiologia de sua 
epilepsia. Existem diversos tipos de etiologias que podem/estão envolvidos com a epilepsia, sendo que elas 
podem ser organizadas em 5 principais grupos: estrutural, genética, infecciosa, metabólica, imune e 
desconhecida (idiopática). A epilepsia de um paciente pode ser classificada em mais de uma categoria etiológica. 
As etiologias não são hierárquicas e a importância dada ao grupo dependerá da circunstância em que o 
paciente se encontra. 
 Estrutural - se refere a anormalidades visíveis em estudos de neuroimagem estrutural. Nesse caso, a 
avalição eletroclínica associada aos achados de imagem levam à um grau razoável de inferência de que a 
anormalidade presente na imagem é, provavelmente, a causa das crises do paciente. As etiologias estruturais 
podem ser adquiridas - como uma encefalopatia hipóxico-isquêmica, acidente vascular cerebral, trauma e 
infecção - ou genéticas - como a esclerose tuberosa. É importante salientar que, apesar de existir uma base 
genética em tais malformações, é a alteração estrutural a responsável pela epilepsia deste indivíduo. 
 Genética - resultado direto de uma mutação genética conhecida ou presumida na qual as crises epilépticas 
constituem o sintoma central da doença. As epilepsias na quais a etiologia genética tem sido implicada são 
muito diversas e, na maioria dos casos, os genes responsáveis ainda não são conhecidos. Primeiramente, a 
 
inferência de uma etiologia genética pode ser baseada apenas em uma história familiar de uma doença 
autossômica dominante. Em segundo lugar, uma etiologia genética pode ser sugerida pela pesquisa clínica 
em populações com a mesma síndrome. Em terceiro, uma base molecular pode ter sido identificada, podendo 
implicar um único gene ou variações no número de cópias como efeito maior. 
 
Nas formas de epilepsia que tem herança complexa, há o envolvimento de múltiplos genes com ou sem 
contribuição ambiental, e podem ser identificadas variantes de susceptibilidade que contribuem para causar 
a doença mas são insuficientes, por si só, para causar epilepsia. Nesta situação, pode não haver história 
familiar de epilepsia pois outros membros da família podem não ter variantes dos genes de epilepsia 
suficientes para serem afetados. É importante ressaltar que genético não é sinônimo de hereditário. O 
paciente pode ter uma mutação nova que surgiu nele, e que a mutação genética não foi herdada, e assim, é 
improvável que haja história familiar de crises. No entanto este paciente pode agora ter uma forma hereditária 
de epilepsia. 
 
Pacientes também podem ser mosaicos para a mutação. Isso significa que eles apresentam duas populações 
de células, uma que contém a mutação e outra que tem o alelo tipo selvagem (normal). Mosaicismo pode 
impactar na gravidade de sua epilepsia, com taxas de mosaicismo mais baixas resultando em epilepsias 
de menor gravidade. Uma etiologia genética não exclui uma contribuição ambiental, pelo contrário, sua 
associação pode tornar o indivíduomais propenso a desenvolver o quadro. O fato de que fatores ambientais 
contribuem para a epilepsia é um conceito bem aceito, por exemplo, vários indivíduos com epilepsia são mais 
propensos a ter crises quando expostos a privação de sono, estresse e doenças. 
 Infecciosa - resulta diretamente de uma infecção conhecida, na qual as crises epilépticas são os sintomas 
centrais da afecção. Uma etiologia infecciosa se refere a um paciente com epilepsia e não às crises ocorrendo 
no contexto de uma infecção aguda como meningite ou encefalite. Exemplos comuns em regiões 
específicas do mundo incluem: neurocisticercose, tuberculose, HIV, malária cerebral, panencefalite esclerosante 
subaguda, toxoplasmose cerebral, e infecções congênitas como pelo Zika vírus e citomegalovírus. 
 Metabólica - resultado direto de um distúrbio metabólico conhecido ou presumido, no qual o sintoma 
central do distúrbio são as crises epilépticas. Está relacionada a distúrbios metabólicos bem delineados com 
manifestações ou alterações bioquímicas em todo o corpo como: porfiria, uremia, aminoacidopatias ou as crises 
por dependência de piridoxina. 
 Imune - resulta diretamente de um distúrbio imune no qual as crises são o sintoma central desta afecção. Pode 
ser conceituada quando há evidência de uma inflamação imuno-mediada no sistema nervoso central. 
 Desconhecida - descrita quando mesmo depois da investigação, não é possível determinar a origem do quadro. 
Não sendo possível fazer um diagnóstico específico além da semiologia eletroclínica básica. 
 
TIPOS DE CRISES CONVULSIVAS 
 Crise de Início Focal - crises bem localizadas ou mais difusamente distribuídas, iniciadas em redes neurais 
limitadas a apenas um hemisfério cerebral, podendo originar-se também em estruturas subcorticais. 
 
 
As crises focais podem ser classificadas de acordo com a percepção, que é operacionalmente definida como 
conhecimento de si mesmo e do ambiente. A avaliação da percepção é um marcador substituto pragmático, 
usado para determinar se o nível de consciência está ou não afetado. 
Durante uma crise focal perceptiva, a consciência estará intacta. 
 
Percepção especificamente refere-se à consciência durante a crise, e não ao 
fato do paciente ter ou não percebido a ocorrência da crise. Se a percepção 
do evento está comprometida em qualquer parte da crise, então a crise deve 
ser classificada como crise focal com comprometimento da percepção ou 
disperceptiva. De uma forma prática, temos que compreender que uma crise 
focal com comprometimento da percepção implica na habilidade da pessoa 
- que teve a crise - de verificar se a consciência permaneceu intacta. 
 
A classificação básica das crises também permite a classificação em crises com 
sintomas de início motor e início não motor (por exemplo, sensorial). Existe ainda uma categoria especial 
de tipo de crise, que é a crise focal evoluindo para tônico-clônica bilateral. A ocorrência desse tipo de crise 
é comum e importante, apesar de refletir mais um padrão ictal de propagação do que um tipo específico de 
crise. 
 Crise de Início Generalizado - crises iniciadas em algum local de uma rede neuronal, com rápido envolvimento 
de redes distribuídas bilateralmente. São divididas em crises motoras e não motoras (ausência). O grau de 
percepção não é utilizado como classificador para crises 
generalizadas, já que a maioria dessas crises (embora não todas) 
estão associadas a alteração da percepção. 
 
Crises motoras - Para ser definida como generalizada, a atividade 
motora deve ser bilateral desde o início, mas na classificação 
básica o tipo de atividade motora não precisa ser especificado. Nos 
casos em que o início da atividade motora bilateral é assimétrica, 
pode ser difícil determinar se a crise tem início focal ou 
generalizado baseado apenas na semiologia. 
 
Crises não motoras - As crises não motoras de início generalizado 
ou crises de ausência apresentam-se com súbita parada da 
atividade e da percepção. 
 
Crises de ausência - tendem a ocorrer em indivíduos jovens, seu início e final são mais abruptos e geralmente 
são acompanhadas de automatismos menos complexos do que aqueles observados nas crises focais com 
comprometimento da percepção. 
 
Crise de Início Desconhecido - Na crise de início desconhecido o indivíduo ou informantes não conseguem 
caracterizar o início da crise, apenas informam desconhecimento. Uma crise de início desconhecido ainda pode 
apresentar algumas evidências que a define como crise com características motoras (ex. tônico-clônica) ou 
 
não motora (ex. parada comportamental). Uma posterior reclassificação em crises de início focal ou 
generalizado é possível. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TIPOS DE EPILEPSIA 
Além dos tipos de crises convulsivas é importante entender a classificação das epilepsias. 
 Epilepsia Generalizada - caracterizada pela apresentação de atividade de complexos de espícula-onda 
generalizados no EEG. Indivíduos com esse tipo de epilepsia podem apresentar um conjunto de diferentes 
tipos de crises que incluem: crises de ausência, mioclônicas, atônicas, tônicas e tônico-clônicas. O diagnóstico é 
feito com base nos dados clínicos, corroborados pelo achado de descargas interictais típicas no EEG. 
 
Dentro do grupo das epilepsias generalizadas existe um subgrupo bem reconhecido e comum, o das Epilepsias 
Generalizadas Idiopáticas (EGI), que são representadas por quatro síndromes epilépticas bem 
estabelecidas: Epilepsia Ausência da Infância; Epilepsia Ausência Juvenil; Mioclônica Juvenil; Epilepsia 
com Crises Tônico-clônicas. No entanto, atualmente, este grupo de síndromes pode ser definido como 
Epilepsias Generalizadas Genéticas (EGGs), quando o clínico possui evidências suficientes para esta 
classificação. Tais evidências são retiradas de pesquisas clínicas detalhadas sobre a herança destas síndromes 
em estudos hereditários e não significa que mutações genéticas específicas tenham sido identificadas. 
 Epilepsia Focal - incluem distúrbios unifocais e multifocais envolvendo apenas um hemisfério. Uma 
variedade de tipos de crises epilépticas pode ser encontrada incluindo: crises focais perceptivas, crises focais 
disperceptivas ou com comprometimento da percepção, crises focais motoras e não motoras e crises focais 
evoluindo para crises tônico-clônicas bilaterais. O EEG interictal tipicamente mostra descargas epileptiformes 
focais, mas o diagnóstico deve ser feito com base nos dados clínicos, corroborado pelos achados de EEG. 
Existem várias epilepsias focais autolimitadas, as quais tipicamente têm início na infância. A epilepsia 
autolimitada mais comum é a epilepsia com descargas centrotemporais. 
 
 Epilepsia Combinada - ocorre quando um mesmo paciente apresenta tanto crises focais, como crises 
generalizadas. O diagnóstico de ambos os tipos de crises é feito com bases clínicas, corroborado pelas 
descargas no EEG. Registros ictais são úteis, mas não essenciais. O EEG interictal pode mostrar tanto espícula-
onda generalizada - como descargas epileptiformes focais, mas atividade epileptiforme não é exigida para 
o diagnóstico. Exemplos comuns nos quais ambos os tipos de crises estão presentes são as síndromes de 
Dravet e de Lennox-Gastaut. 
 
 Epilepsia de tipo desconhecido - O termo “desconhecido” é usado para se referir a uma situação na qual sabe-
se que o paciente tem epilepsia, mas o clínico é incapaz de determinar se o tipo de epilepsia é focal ou 
generalizado porque há pouca informação disponível. Isto pode ocorrer por várias razões, como: pode não 
haver acesso ao EEG ou os estudos de EEG são não informativos, por exemplo, normais. Se o tipo de crise 
é desconhecida, então o tipo de epilepsia também será desconhecido por razões similares, embora os dois 
possam não ser sempre concordantes. Por exemplo, o paciente pode ter tido crises tônico-clônicas simétricas 
sem características focais e registros EEG normais.Assim, o início das crises é desconhecido e a pessoa tem um 
tipo de epilepsia desconhecido.

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