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Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS Autora: Gisele Brandelero Camargo Pires CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2010 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Melissa Probst Stamm Revisão Gramatical: Profa. Teresa Pfiffer Franco Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci Reimpressão: Setembro, 2013 375 P667c Pires, Gisele Brandelero Camargo. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais/ Gisele Brandelero Camargo Pires. Centro Universitário Leonardo da Vinci. – Indaial: UNIASSELVI, 2010.x ; 89 p.: il. ISBN 978-85-7830-303-7 1. Currículo Escolar 2. Educação Infantil 3. Anos Iniciais do Ensino I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Gisele Brandelero Camargo Pires Possui graduação em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Centro Oeste (2003); especialização em Psicopedagogia, pela Universidade do Vale do Ivaí (2004); e Mestrado em Educação, pela Universidade do Vale do Itajaí (2007). Foi, por cinco anos, professora do Centro Universitário Leonardo da Vinci e do Instituto Catarinense de Pós-Graduação (ICPG). Atualmente é professora efetiva da Universidade Estadual de Ponta Grossa e professora formadora de cursos de especialização a distância da Universidade Aberta do Brasil. Tem experiência em educação, pesquisa e formação docente, atuando com os temas: introdução à Psicopedagogia; história da educação; métodos e técnicas da pesquisa educacional e recursos audiovisuais para educação. Na EAD, publicou: Lúdico e Musicalização na Educação Infantil, Fundamentos da Psicopedagogia e Dificuldades de aprendizagem. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 O Que é Currículo? ...............................................................9 CAPÍTULO 2 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos ..................................................27 CAPÍTULO 3 Projetos Interdisciplinares ................................................51 CAPÍTULO 4 Políticas Públicas de Implementação Curricular ............69 7 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Neste caderno de estudos, que apresenta o Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais, trataremos do currículo escolar como organizador dos processos de ensino e aprendizagem no contexto educacional, visando analisar o papel fundamental dos responsáveis pela construção do currículo na escola. Este caderno de estudos está organizado em quatro capítulos e traz discussões teóricas, indicações bibliográficas e atividades de estudo, para que você possa interagir com o conhecimento aqui sistematizado. Veja, a seguir, a composição de cada capítulo: No primeiro capítulo constam conceitos de currículo, a sua evolução histórica, além de teorias e tendências curriculares aplicadas hoje, no contexto educacional. No capítulo dois, discute-se sobre o currículo na construção dos saberes pedagógicos na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, com base nos documentos norteadores da elaboração do currículo nesses dois níveis da educação formal. O terceiro capítulo trata do papel dos projetos interdisciplinares frente aos conteúdos oficiais da escola e oferece orientações para a elaboração de projetos educacionais interdisciplinares. O quarto capítulo possibilita o conhecimento e a avaliação de algumas Políticas Públicas da iniciativa estadual e federal para a ampliação do currículo escolar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Tenha um ótimo estudo! A autora. CAPÍTULO 1 O Que é Currículo? A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Compreender o conceito de currículo, sua evolução histórica e teorias aplicadas no contexto educacional. 3 Identificar as teorias curriculares utilizadas no espaço escolar atual. 11 O Que é Currículo? Capítulo 1 Contextualização Certamente você já ouviu falar em currículo, não é verdade? Talvez você tenha utilizado esse termo em circunstâncias diversas, em lugares e momentos que não têm a escola como cenário. Isto se deve ao fato de que o termo em questão tem um significado abrangente, e pode ser adotado por vários segmentos sociais. O conceito de currículo é facilmente encontrado nos dicionários impressos e da internet. Alguns desses dicionários explicam, de forma superficial, que o termo currículo deriva da palavra curriculum (do latim) e representa uma redução da locução curriculum vitae, que significa percurso de vida. Você já elaborou, alguma vez, seu curriculum vitae? Sabe que aspectos devem ser colocados nesse documento? Quando elaboramos um curriculum vitae, temos que considerar todos os dados biográficos e os relativos à formação, aos conhecimentos e ao percurso profissional de uma pessoa. Mas, qual é a relação desse curriculum vitae com o termo empregado nas escolas, o currículo? Este capítulo tem como objetivo tecer a definição conceitual de currículo, levá-lo(a) a conhecer a evolução histórica deste termo no contexto da educação formal e identificar as teorias curriculares mais utilizadas na escola. Para que estes objetivos sejam alcançados, convido você a estudar as próximas páginas com dedicação e entusiasmo, buscando sanar suas dúvidas com o tutor desta disciplina. Preparado(a)? Do Conceito à Prática Atividade de Estudos: 1) É possível perceber, nos dicionários da língua portuguesa, que existe mais de um significado para o termo currículo. Além das definições dos dicionários, alguns autores da área educacional nos fornecem um conceito para este termo. Antes, porém, de Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 12 Agora que você já organizou um conceito de currículo, vamos recorrer às definições e concepções atuais, elaboradas por alguns autores renomados nessa área. Silva (2005, p. 15) nos diz que “a etimologia da palavra ‘currículo’ vem do latim curriculum e significa “pista de corrida”, podemos dizer que no curso dessa corrida que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos”. Para esse autor, currículo é o meio pelo qual formamos nossa identidade e nossa subjetividade. Forquin (1999, p. 22) explica que o sentido da palavra curriculum vai além de designar apenas uma “categoria específica de objetos pertencentes à esfera educativa [...]”, mais do que uma abordagem global dos fenômenos educativos, uma maneira de pensar a educação, que consiste em privilegiar a questão dos conteúdos e a forma como estes conteúdos se organizam nos cursos”. Moreira (2008, p.11) também busca uma definição para o termo, afirmando que O currículo constitui significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados como para socializar as crianças e jovens segundo os valores tidos como desejáveis. Por essa ótica, podemos entendero currículo como um meio de conservar, transformar e renovar os conhecimentos socioculturais, que as gerações foram incumbidas de transmitir. Em outras palavras, ‘Currículo’ vem do latim curriculum e significa “pista de corrida”. O currículo como um meio de conservar, transformar e renovar os conhecimentos socioculturais. conhecermos e/ou delimitarmos este conceito, é importante que você sistematize seu conhecimento. Sendo assim, responda, nas linhas que seguem, o que você entende por currículo? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 13 O Que é Currículo? Capítulo 1 é através do currículo que podemos ter contato com os conhecimentos historicamente acumulados. Já, no dicionário Michaelis (2010), você pode encontrar cinco significados para o termo currículo, que vêm ao encontro do conceito proposto pelo autor, citado anteriormente. No dicionário, o termo currículo significa: “1 - Ação de correr. 2 - Pequena carreira; atalho. 3 - Curso. 4 - Conjunto das matérias de um curso escolar. 5 - Parte de um curso literário”. Esta explicação conjumina com o conceito elucidado por Moreira (2008), porque também leva a acreditar que currículo é um percurso, um caminho. Seja na vida pessoal, quando elaboramos um currículo com as experiências profissionais que já tivemos, ou na vida acadêmica, quando o currículo revela a organização das experiências com o conhecimento historicamente acumulado. Em ambas as situações, o currículo demonstra o percurso que traçamos ou traçaremos para atingir algo que desejamos. Agora você já pode reconhecer as similitudes do termo currículo; portanto, volte sua atenção ao currículo no contexto escolar, pois é sobre isso que vamos tratar ao longo desta disciplina. Behar e Gaspar (2010, p. 5-6) oportunizam uma reflexão sobre o currículo no contexto educacional sob quatro conceituações. Confira isto nas palavras destas autoras: O primeiro conceito remete para uma listagem de enunciados de finalidades e objetivos a atingir, sendo a aprendizagem planificada e guiada. Nesta perspectiva, o currículo é o enunciado sequencial de objetivos, com a acentuação nos resultados obtidos; assume-se, então, como uma ‘lista de intenções. Ao segundo conceito associa-se a ideia de matéria ou conteúdo programático. De acordo com esta perspectiva, ‘o currículo deverá consistir num plano de estudos permanentes’. [...] O currículo consistirá, então, no conjunto de conhecimentos que faculta capacidades e aptidões que promove e desenvolve, competências que proporciona e até valores que incute. O currículo é um programa de aprendizagem; é, sobretudo, a lista do que há a aprender; assume- se, portanto, como um ‘plano para a ação’. O terceiro conceito de currículo tem como referente a experiência; esta experiência é possibilitada pela aprendizagem desenvolvida que deverá pressupor a que fora anteriormente adquirida; nesta perspectiva, o currículo sobreleva os processos de aprendizagem; “o ato curricular, além de ser um ato educativo, é um ato didático” (Pacheco, 1996:25). Aponta no sentido da individualização e Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 14 da socialização da aprendizagem. Mantendo-se fiel à matriz estruturante de programa, destacam os processos para a aprendizagem e o currículo assume- se como um processo ‘interacional’, perspectiva que conduz à integração da componente didática. [...] Para um quarto conceito, aponta-se o currículo como um conjunto de elementos que ressaltam de um contexto e que se configuram em materiais de estudo que serão, naturalmente, os materiais a utilizar para a aprendizagem. Estes materiais resultam do contexto e condicionam o ambiente. [...] é através destes materiais que se encontra o fio condutor do currículo, continuando a afirmar-se, no sentido estrutural, como plano; contudo, este plano poderá ter uma diversidade quanto à sequência na utilização ou instrumentalização dos materiais. Neste sentido, entende-se o currículo como o material que potencializa a aprendizagem (grifo nosso). Segundo estas autoras, o conceito de currículo utilizado no ambiente de educação formal dependerá de quem o está empregando, visto que o currículo se legitimará pelas ideias de seu precursor. Aliás, é justamente por causa dos organizadores do currículo, no contexto educacional, que existe um conflito curricular, cujo entendimento é imprescindível a todos os profissionais da educação. Neste sentido, Goodson (2005, p. 17) explica que “o emprego e o lugar deste termo em nosso tratado precisam ser amplamente examinados, porquanto, como qualquer outra reprodução social, ele constitui o campo de toda sorte de estratagemas, interesses e relações de dominação”. Em outras palavras, o currículo pode abarcar estratégias para dominação sociocultural, atendendo a interesses particulares de pequenos grupos. De acordo com Goodson (2005), é por causa disso que existe uma luta constante envolvendo as aspirações e objetivos de escolarização em torno da definição do currículo escrito. Goodson (2005) apresenta alguns autores que definem o termo currículo dentro da ideologia presente em cada época. Maxine Greene (1971, Apud Goodson, 2005, p. 18) apresenta um conceito duplo de currículo: a primeira definição diz respeito à noção dominante de currículo como “uma estrutura de conhecimento socialmente apresentado, externo ao conhecedor, a ser por ele dominado”. Na segunda definição, Greene (1971, Apud Goodson, 2005, p.18) afirma que o currículo representa “uma possibilidade que o discente tem como pessoa existente, sobretudo interessada em dar sentido ao mundo em que de fato vive”. Agora que você já possui algumas definições de currículo, consegue identificar como isso é evidenciado na escola? 15 O Que é Currículo? Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Considerando essas explicações acerca do conceito de currículo, indique nas próximas linhas, reformulando seu conceito inicial, se necessário for, as características que permeiam uma escola (de sua escolha). ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ As concepções que permeiam as escolas sobre o currículo são concepções influenciadas pela ideologia vigente na sociedade educacional atual. Essas concepções têm uma origem e sofreram modificações com o passar do tempo. Veja como isso se deu nas próximas seções: Na prática cotidiana da escola, o currículo se manifesta através dos conteúdos trabalhados em sala de aula, mesmo aqueles que não são sistematizados disciplinarmente na matriz curricularde um curso. Isso significa que o currículo também se constitui naqueles conhecimentos/conteúdos trabalhados informalmente na relação interpessoal do docente com o discente ou vice-versa. A este tipo de currículo se denomina currículo oculto, que, segundo Silva (2005, p.78), “é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes”. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 16 História do Currículo Segundo relatos históricos, o termo currículo passou a fazer parte do tratado educacional, quando a escolarização se transformou numa atividade de massa. De acordo com Hamilton e Gibbons (1980, Apud GOODSON, 2005, p. 32) “o College of Montaign inaugurou o sistema de classes da Renascença, mas a conexão vital a ser estabelecida refere-se ao modo como a organização em classes foi associada ao currículo prescrito e sequenciado em estágios ou níveis”. Esse programa, desenvolvido em 1509, em Paris, organizou a escola em classes. Em cada classe havia um nível de complexidade crescente e os alunos eram classificados e alocados conforme a idade e o conhecimento adquirido. O senso de disciplina absorvido no conceito de currículo procedeu também das ideias de João Calvino (1509 – 1564), segundo Hamilton e Gibbons (1980, Apud GOODSON, 2005, p. 32): “o currículo era para a prática educacional calvinista o que era a disciplina para a prática social calvinista”. O termo currículo passou a fazer parte do tratado educacional, quando a escolarização se transformou numa atividade de massa. VOCÊ SABE O QUE É O CALVINISMO? Na França, o teólogo João Calvino posicionou-se com as obras protestantes e as ideias evangelistas, partindo da necessidade de dar à Reforma um corpo doutrinário lógico, eliminando todas as primeiras afirmações fundamentais de Lutero: a incapacidade do homem, a graça da salvação e o valor absoluto da fé. Calvino julgava Deus todo poderoso, estando a razão humana corrompida, incapaz de atingir a verdade. Segundo ele, o arrependimento não levaria o homem à salvação, pois este tinha natureza irremediavelmente pecadora. Formulou então a Teoria da Predestinação: Deus concedia a salvação a poucos eleitos, escolhidos por toda a eternidade. Nenhum homem poderia dizer com certeza se pertencia a este grupo, mas alguns fatores, entre os quais a obediência virtuosa, dar-lhe-iam esperança. Os protestantes franceses seguidores da doutrina calvinista eram chamados huguenotes, e se propagaram rapidamente pelo país. O calvinismo atingiu a Europa Central e Oriental. Calvino considerou o cristão livre de todas as proibições inexistentes em sua Escritura, o que tornava lícitas as práticas do capitalismo, determinando uma certa liberdade em relação à usura, enquanto Lutero, muito hostil 17 O Que é Currículo? Capítulo 1 Vale ainda expor o pensamento de Gimeno Sacristán (1999, p. 205), que menciona que o currículo “é o texto educativo que contém os textos culturais da reprodução”. Segundo esse autor, o protótipo de currículo da modernidade pedagógica tem suas raízes na concepção de paideia ateniense que era elitista, porque a formação era para a classe dominante. Depois incorporou o legado do humanismo renascentista, igualmente minoritário, destruído mais tarde pela orientação realista, própria do desenvolvimento da ciência moderna, iniciada nos séculos XVII e XVIII. [...] Com os ideais da Revolução Francesa e, mais tarde, com os movimentos revolucionários dos séculos XIX e XX, há uma incorporação das dimensões moral e democrática, segundo as quais a educação redime os homens, cultiva-os para o sucesso de uma nova sociedade e forma-os como cidadãos; por isso, deve estar à disposição de todos e tornar-se universal. Na década de 1850, o currículo passou a ser institucionalizado, pois, segundo Goodson (2005, p.34), apareceram os “exames secundários e a institucionalização da diferenciação curricular”, como, por exemplo, a classificação da escola secundária em três graus. Essa epistemologia de currículo emergiu no final do século XIX, pela retórica da reprodução em série do sistema de sala de aula, como as matérias, horários, notas, aulas e padronização, e ganhou, nesse momento, um status de norma, com a qual todas as outras inovações educacionais seriam avaliadas. De acordo com Goodson (2005), essa epistemologia estava pautada em três aspectos: a pedagogia, o currículo e a avaliação. O processo histórico de evolução do conceito de currículo foi, mais tarde, sistematizado em blocos teóricos, que hoje são conhecidas como teorias curriculares. Na próxima seção, você poderá conhecer as teorias curriculares e enquadrar seu conceito de currículo em uma delas. ao capitalismo, considerava-o obra do demônio. Segundo Calvino, “Deus dispôs todas as coisas de modo a determinarem a sua própria vontade, chamando cada pessoa para sua vocação particular”. Calvino morreu em Genebra, em 1564. Porém, mesmo após sua morte, as igrejas reformadas mantiveram-se em contínua expansão. Fonte: Extraído e adaptado de: <http://www.colegioweb.com.br/ historia/o-calvinismo-na-franca>. Acesso em: 10 abr. 2010. Currículo “é o texto educativo que contém os textos culturais da reprodução”. Epistemologia de currículo emergiu no final do século XIX, pela retórica da reprodução em série do sistema de sala de aula, como as matérias, horários, notas, aulas e padronização. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 18 Teorias e Tendências Curriculares Para tratar sobre as tendências curriculares, recorrerei a Tomaz Tadeu da Silva que, em sua obra “Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo”, revela claramente as questões implícitas no tema. Para iniciar esta seção, é importante questionar: Por que devemos estudar o currículo? O que constitui o currículo como campo de estudos? Silva (2005, p. 21) explica que devemos estudar o currículo porque: a emergência do currículo como campo de estudos está estreitamente ligada a processos tais como a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de disciplinas e departamentos universitários sobre currículo, a institucionalização de setores especializados sobre currículo na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas acadêmicas especializadas sobre currículo. Sendo assim, o currículo enquanto campo de estudos abarca toda a estrutura da educação formal, o que permite dizer que, de certa forma, as teorias pedagógicas e educacionais são também teorias sobre o currículo. Isto porque, mesmo quando o processo de escolarização não era institucionalizado, as teorias pedagógicas e da educação já demonstravam preocupações com a organização da atividade educacional e até mesmo uma atenção ao ato de ensinar. Você estudará, a partir desta seção, como o campo do currículo se constituiu ao longo da história, através de seus pensadores. Confira, a seguir, como o pensamento tradicional de escola influenciou o campo do currículo. a) Teorias Curriculares Tradicionais No momento em que houve a institucionalização da educação de massas, sentiu-se a necessidade de discutir a questão do currículo. Esse movimento ocorreu nos Estados Unidos e teve como marco inicial o livro The Curriculum, escrito em 1918, por Bobbitt. De acordo com Silva (2005), nesse tratado, Bobbitt (1918) defendia que a escola devia ter a mesma organização de uma empresa comercial ou industrial; ou seja, ele afirmava que a escola tinha que ser capaz de delimitar precisamente os resultados que deveria obter e, para isto, deveria estabelecer de forma precisa seus objetivos, especificar métodos e estratégiasrígidas para verificar se eles foram alcançados. Ele utilizava a classificação da escola secundária em três graus. Nas palavras de Silva (2005, p. 23), é possível confirmar isso: As teorias pedagógicas e educacionais são também teorias sobre o currículo. 19 O Que é Currículo? Capítulo 1 O modelo de Bobbitt estava claramente voltado para a economia. Sua palavra-chave era eficiência. O sistema educacional deveria ser tão eficiente quanto qualquer outra empresa econômica. Bobbitt queria transferir para a escola o modelo de organização proposta por Frederick Taylor. Na proposta de Bobbitt, a educação deveria funcionar de acordo com os princípios da administração científica propostos por Taylor. Sob a ótica de Bobbitt, o currículo se resume a uma questão de organização, ou seja, uma atividade burocrática. Por isso, o conceito central dessa teoria é o desenvolvimento curricular. Este conceito considera que as finalidades da educação são estabelecidas pelas exigências profissionais da vida adulta, resumindo o currículo a uma questão técnica e padronizada. O modelo de currículo proposto por Bobbitt se consolidou com a obra de Ralph Tyler, que também está centrada nas questões de organização e desenvolvimento. Silva (20005, p.25) nos explica que a organização do currículo, na teoria de Tyler, deve responder a quatro questões básicas: 1. que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; 2. que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos?; 3. como organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4. como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? Silva (2005) acrescenta que essas questões propostas por Tyler correspondem à divisão tradicional da atividade educacional, que são, respectivamente: 1. Currículo; 2. Ensino; 3. Instrução; 4. Avaliação. O modelo de currículo de Bobbitt e Tyler atacava o modelo humanista, cujo objetivo era “Introduzir os estudantes ao repertório das grandes obras literárias e artísticas das heranças clássicas grega e latina, incluindo o domínio das respectivas línguas” (SILVA, 2005, p. 26). O ataque se justificava, afirmando que o modelo humanista era abstrato e inútil para a vida moderna. O latim e o grego não preparavam para o trabalho profissional contemporâneo. Esses modelos de currículo compuseram, juntamente com o modelo progressista de John Dewey, um aparato que considerava o ambiente escolar um local de vivência e prática direta de princípios tecnocráticos; isto é, a escola era vista como meio de adaptação aos preceitos mercadológicos e tinha a finalidade de controlar os resultados obtidos com a escolarização técnica. Sob a ótica de Bobbitt, o currículo se resume a uma questão de organização, ou seja, uma atividade burocrática. Questões propostas por Tyler correspondem à divisão tradicional da atividade educacional, que são, respectivamente: 1. Currículo; 2. Ensino; 3. Instrução; 4. Avaliação. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 20 O quadro de teorias tradicionais do currículo só foi contestado, nos Estados Unidos, no final dos anos 60. Para aprofundar seu conhecimento sobre as teorias tradicionais do currículo acesse: http://www.revistas.ufg.br/index. php/fef/article/viewFile/83/81 Atividades de Estudos: Você acabou de estudar as teorias tradicionais do currículo.Tente transferir, então, as teorias de Bobbitt e Tyler para a prática atual de sala de aula. Pense e responda: 1) Como seria organizada a metodologia de uma aula? _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ 2) Como seria estabelecida a relação entre professor e aluno? _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ 3) Que tipo de avaliação seria realizada? _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ 21 O Que é Currículo? Capítulo 1 Pronto(a) para continuar? Você estudará agora as teorias críticas do currículo. b) Teorias Curriculares Críticas No final dos anos 60, surgiram teorizações que discordavam do pensamento e da estrutura tradicional. Essas teorizações colocavam em questão os pressupostos dos arranjos educacionais e sociais e responsabilizavam a estrutura tradicional pelas desigualdades e injustiças sociais. Sendo assim, de acordo com Silva (2005, p. 30), há uma cronologia dos marcos fundamentais sobre as teorias curriculares críticas: 1970 – Paulo Freire, A pedagogia do oprimido 1970 – Louis Althusser, A ideologia e os aparelhos ideológicos de estado 1970 – Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reprodução 1971 – Baudelot e Establet, L’école copitaliste en France 1971 – Basil Bernstein, Class, codes and control, v.I 1971 – Michael Young, Knowledge and control: new directions for the sociology of education 1976 – Samuel Bowles e Hebert Gintis, Schooling in capitalist America 1976 – William Pinar e Madeleine Grumet, Toward a poor curriculum 1979 – Michael Apple, Ideologia e currículo Em todas essas obras, o currículo era visto como meio de disseminação e reprodução de ideologias sociais e políticas. Althusser (1970, Apud SILVA, 2005, p. 31) afirma que a escola influencia ideologicamente a sociedade através de seu currículo, quando oportuniza o repasse de “crenças explícitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais” em matérias como Estudos sociais, História e Geografia, por exemplo. Neste sentido, Silva (2005, p. 32) alerta que esse tipo de ideologia pode atuar de forma discriminatória, pois “inclina as pessoas de classes subordinadas à submissão e obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a mandar e a controlar.” Bowles e Gintis (1976 Apud SILVA, 2005) afirmam que a escola contribui com a reprodução desta ideologia através da repetição das relações profissionais no espaço escolar, no funcionamento da escola. Bourdieu e Passeron (1970, Apud SILVA, 2005) explicam que o currículo da escola se baseia na cultura dominante e, por isso, as crianças desta classe social podem compreender facilmente esse código; entretanto, as demais O currículo era visto como meio de disseminação e reprodução de ideologias sociais e políticas. O currículo da escola se baseia na cultura dominante e, por isso, as crianças desta classe social podem compreender facilmente esse código. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 22 crianças são excluídas do processo de escolarização por não conseguirem compreender a linguagem utilizada. Como você pode constatar, as teorias críticas do currículo se concentram na análise das ideologias pregadas na escola e através dela. Muitos dos pensadores e estudiosos do campo do currículo na década de 1970 afirmam a demasiada influencia da classe dominante na organizaçãoescolar, definindo-a como uma característica inaceitável para a constituição de uma sociedade igualitária. Por isso, havia uma crítica, nesse período, a esse modo de conceber a organização escolar. Concordando com essa lógica, Silva (2005, p. 30) diz que: as teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamentos e transformação radical. Para as teorias críticas, o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. Bourdieu e Passeron (1970, Apud SILVA, 2005) advogam em favor da classe dominada, sugerindo que a pedagogia e o currículo reproduzam, na escola, as condições que a classe dominante mantém na família. A partir daí, entende-se que estes autores defendem a “imersão duradoura na cultura dominante” (SILVA, 2005, p.36) de crianças da classe dominada. Para saber mais sobre as teorias críticas do currículo, sugiro que leia o seguinte texto: Teoria crítica do currículo: contribuições para uma breve reflexão sobre o papel do professor universitário nos cursos de licenciatura. Este texto está disponível no site: http://www.pucsp.br/ecurriculum/artigos_v_1_n_1_dez_2005/ comunicacaoanaluziaartigo.pdf Na próxima seção, apresentaremos a você as teorias curriculares pós- críticas. c) Teorias Curriculares Pós-Críticas A partir da década de 1980 muito se ouviu falar das teorias pós-críticas do currículo. Nesse período, houve a divulgação de uma mudança de paradigmas As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamentos e transformação radical. 23 O Que é Currículo? Capítulo 1 que fazia uma crítica aos padrões considerados rígidos da modernidade. Fez-se uma crítica à lógica positivista, racionalista e tecnocrática, implícita no currículo escolar e nos meios de comunicação de massa, Houve também uma tentativa de dar voz às pessoas das classes dominadas, que outrora eram excluídas de um sistema totalizante e padronizado. Para tornar isso possível, houve a defesa de um currículo multiculturalista, que pregava uma cultura livre de julgamentos, dando a compreender que nenhuma cultura podia ser julgada inferior à outra. O multiculturalismo apareceu, no campo do currículo, como uma tendência contrária ao modelo tradicional; ou seja, considerava que “os diferentes grupos culturais se tornariam igualados por sua comum humanidade.” (SILVA, 2005, p. 86). Além dessa perspectiva teórica que permeou o campo do currículo pós-crítico, é possível verificar a influência do pós-modernismo e o fim das metanarrativas nas discussões curriculares, como um conjunto abrangente de diversidades políticas, culturais, intelectuais, estéticos e epistemológicos. Conforme expõe Silva (2005), o pós-modernismo faz uma análise sistemática da perspectiva social moderna, que busca elaborar teorias e explicações sobre a estrutura e o funcionamento do universo e da sociedade. Silva (2005, p.112) explica ainda que “no jargão pós-moderno, o pensamento é particularmente adepto das grandes narrativas, das narrativas mestras [...] que são a expressão da vontade e de domínio e controle dos modernos”. Silva (2005) alerta, porém, que o pós-modernismo não pode ser confundido com o pós-estruturalismo, pois, embora compartilhem algumas características, pertencem a campos epistemológicos diferentes. Silva (2005, p. 117) acrescenta que o pós-estruturalismo “limita-se a teorizar sobre a linguagem e o processo de significação”. Visto que a língua é o sistema abstrato de regras sintáticas e gramaticais, validando as combinações e permutas de cada língua específica, a língua é a própria estrutura. Nesse sentido, o pós-estruturalismo partilha com o estruturalismo a mesma ênfase neste sistema de significação que é a linguagem. Alguns representantes das teorias pós-críticas, sob a perspectiva do pós-modernismo e pós-estruturalismo, são: Foucault (1984), Derrida (2004), Deleuze (1995), Lyotard (1998), Giroux (1993), McLaren (1993), Cherryholmes (1993) e Popkewitz (1994), entre outros. Cada um destes estudiosos do campo do currículo, à sua maneira, defendem o currículo escolar como meio de difusão da subjetividade, do multiculturalismo, do discurso e da construção de identidades. Veja no quadro, que segue, algumas diferenças entre as teorias críticas e pós-críticas do currículo. O multiculturalismo apareceu, no campo do currículo, como uma tendência contrária ao modelo tradicional; ou seja, considerava que “os diferentes grupos culturais se tornariam igualados por sua comum humanidade.” O pós- modernismo faz uma análise sistemática da perspectiva social moderna, que busca elaborar teorias e explicações sobre a estrutura e o funcionamento do universo e da sociedade. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais Quadro 1 – Diferenças entre as teorias do currículo Fonte: India Mara Ap. Dalavia de Souza Hollebn. Disponível em: <http://www.nre.seed.pr.gov.br/pontagrossa/arquivos/File/Equipe%20de%20 Ensino/CGE/TEORIAS_CURRICULO.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2010. Atividade de Estudos: 1) Em qual dessas tendências teóricas se baseia o currículo de sua escola? Justifique. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ • Conceitos e conhecimentos históricos e científicos • Concepções • Teoria de currículo – conceitos • Trabalho • Materialidade/ objetividade • Realidade • Classes sociais • Emancipação e libertação • Desigualdade social • Currículo como resistência • Currículo oculto • Definição do “o quê” e “por quê” se ensina • Noção de sujeito • Fim das metanarrativas • Hibridismo • Currículo como discurso e representações • Cultura • Identidade/ subjetividade • Gênero, raça, etnia, sexualidade • Representação e incertezas • Multiculturalismo • Currículo como construção de identidades • Relativismo • Compreensão do “para quem” se constrói o currículo – formação de identidades TEORIAS CRÍTICAS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS 25 O Que é Currículo? Capítulo 1 Algumas Considerações Neste primeiro capítulo, você teve a oportunidade de compreender o conceito de currículo, sua evolução histórica e teorias aplicadas no contexto educacional, além de identificar as teorias curriculares utilizadas no espaço escolar atual. Ao longo do capítulo, você constatou: • A etimologia da palavra ‘currículo’ vem do latim curriculum e significa “pista de corrida”, podemos dizer que no curso desta corrida, que é o currículo, acabamos por nos tornar o que somos”. • A palavra curriculum vai além de apenas designar uma “categoria específica de objetos pertencentes à esfera educativa [...], uma abordagem global dos fenômenos educativos, uma maneira de pensar a educação, que consiste em privilegiar a questão dos conteúdos e a forma como estes conteúdos se organizam nos cursos”. • Quando elaboramos um currículo com as experiências profissionais que já tivemos, ou na vida acadêmica, quando o currículo revela a organização das experiências com o conhecimento historicamente acumulado, ele demonstra o percurso que traçamos ou ainda traçaremos para atingir algo que desejamos. • O currículo pode abarcar estratégias para a dominação sócio-cultural,atendendo a interesses particulares de pequenos grupos. • Na prática cotidiana da escola, o currículo se manifesta através dos conteúdos trabalhados em sala de aula, mesmo aqueles que não são sistematizados disciplinarmente na matriz curricular de um curso. • O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes. • Os modelos tradicionais de currículo compuseram um aparato que considerava o ambiente escolar um local de vivência e prática direta de princípios tecnocráticos; ou seja, a escola era vista como meio de adaptação aos preceitos mercadológicos e tinha a finalidade de controlar os resultados obtidos com a escolarização técnica. • As teorias críticas do currículo se concentram na análise das ideologias pregadas através da escola e na escola. Muitos dos pensadores e estudiosos Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 26 do campo do currículo na década de 1970, afirmam a demasiada influencia da classe dominante na organização escolar, definindo-a como uma característica inaceitável para a constituição de uma sociedade igualitária. • As teorias pós-críticas defendem o currículo escolar como meio de difusão da subjetividade, do multiculturalismo, do discurso e da construção de identidades. Referências BEHAR, Patrícia Alejandra; GASPAR, Maria Ivone. Uma perspectiva curricular com base em objetos de aprendizagem. Disponível em <http://e-spacio.uned.es/ fez/eserv.php?pid=bibliuned:19205&dsID=n03behar07.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2010. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. GIMENO SACRISTÁN, José. A cultura para os sujeitos ou os sujeitos para a cultura? O mapa mutante dos conteúdos na escolaridade. In: GIMENO SACRISTÁN, José. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: ArtMed, 1999. GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2005. GREGORIM, Clóvis Osvaldo (Coord.). Michaelis: Moderno Dicionário da Língua portuguesa. Editora Melhoramentos. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/ moderno/portugues/index.php>. Acesso em: 10 abr. 2010. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. Currículo, utopia e pós-modernidade. In: MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa (Org). Currículo: questões atuais. 14 ed. Campinas –SP: Papirus, 2008. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. CAPÍTULO 2 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Refletir sobre os documentos norteadores do currículo da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. 3 Relacionar o currículo à construção dos saberes pedagógicos na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. 29 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 Contextualização Quem faz o currículo acontecer na escola? Você já parou para pensar nisto? No capítulo anterior você estudou que, na prática cotidiana da escola, o currículo se manifesta através dos conteúdos trabalhados em sala de aula, mesmo aqueles que não são sistematizados disciplinarmente na matriz curricular de um curso. Sendo assim, podemos entender que o currículo é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, mesmo sem fazer parte do currículo oficial, descrito na matriz curricular, contribuem para aprendizagens sociais relevantes. Quando o(a) professor(a) da educação infantil ou anos iniciais exerce uma relação de autoridade com os alunos ou quando organiza a distribuição do tempo e espaço na sala de aula, está também colocando em prática o currículo. Considerando esses exemplos, este capítulo se propõe a relacionar o currículo à prática do professor em sala de aula e tecer uma análise sobre os documentos norteadores para a prática curricular do professor na escola. Nas próximas seções você encontrará alguns indícios sobre a relação do currículo e a prática docente. Para isto, convido você a pensar sua ação docente (caso seja docente) ou mesmo a ação dos alunos de curso de formação docente. O Currículo e os Saberes Pedagógicos A partir da década de 1980, as teorias curriculares estavam preocupadas com a construção do conhecimento, a relação entre currículo escolar e trabalho e com o que o aluno deve aprender no contexto escolar. Tal pensamento curricular marcou, como você pôde estudar no primeiro capítulo deste caderno, as teorias críticas do currículo que, segundo Ribeiro (1999, p.105), “destacavam questões mais amplas referentes à natureza, a processos e formas de distribuição de conhecimentos escolares e à dinâmica social da escola, bem como os determinantes sociais do currículo”. Se o currículo passou a ter outro foco de preocupação nessa década, entende-se que a ação docente sofreu, também, alterações no que diz respeito às competências técnicas do saber pedagógico, a fim de tornar real o que o currículo propunha. O saber docente precisa levar em consideração “um sentido amplo que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades O saber docente precisa levar em consideração um sentido amplo que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 30 (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser.” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 212). Tardif e Raymond (2000, p. 212-213) afirmam que os professores investigados por eles, ao longo dos anos, definem o saber docente como: Conhecimento da matéria e do conhecimento relativo ao planejamento das aulas e à sua organização. Referem- se igualmente ao conhecimento dos grandes princípios educacionais e do sistema de ensino, tecendo comentários sobre os programas e livros didáticos, seu valor e sua utilidade. Salientam diversas habilidades e atitudes: gostar de trabalhar com jovens e crianças, ser capaz de seduzir a turma de alunos, dar provas de imaginação, partir da experiência dos alunos, ter uma personalidade atraente, desempenhar o seu papel de forma profissional sem deixar de ser autêntico, ser capaz de questionar a si mesmo. Enfim, os professores destacam bastante sua experiência na profissão como fonte primeira de sua competência, de seu “saber-ensinar”. Ou seja, os saberes docentes estão implícitos no currículo, mas “não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento especializado” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 213), pois abrangem, também, questões sobre o dia a dia do seu trabalho. Além disso, os professores estudados por Tardif e Raymond (2000) revelam que o saber docente não está diretamente relacionado aos conhecimentos obtidos na formação inicial (cursos de graduação) ou adquiridos pelas pesquisas realizadas na área da educação. Para os autores, “a experiência de trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar.” (TARDIF; RAYMOND, 2000, p. 213). Para Tardif e Raymond (2000, p. 214), os saberes docentes são adquiridos “na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc”. Veja no quadro que segue como os autores organizam a aquisição dos saberes docentes: Os saberes docentes estão implícitosno currículo, mas “não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento especializado” . Para Tardif e Raymond, os saberes docentes são adquiridos “na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc”. 31 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 Quadro 2 – Saberes docentes Fonte: Tardif e Raymond (2000, p. 215). Para inteirar-se mais, leia o texto sobre a ação docente, resultado da pesquisa de Tardif e Raymond (2000), que pode ser encontrado no site: http://www.scielo.br/pdf/es/v21n73/4214.pdf Considerando a pesquisa de Tardif e Raymond (2000), é possível questionar qual é a relação entre o currículo escolar e o saber docente. Ao que tudo indica, a prática do professor, oriunda de seu saber, vem sendo influenciada pelas mudanças curriculares implantadas a partir da década de 1980. Veja: a partir dessa década o currículo escolar passou a ter preocupações com a maneira pela qual se aprende, com o que se ensina e com questões referentes à construção do conhecimento no contexto escolar. SABERES DOS PROFESSORES Saberes pessoais dos professores Família, ambiente de vida, a educação no sentido lato etc. Pela história de vida e pela socialização primária Saberes provenientes da formação escolar anterior Saberes provenientes da formação profissional para o magistério Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados etc. A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados etc. Na utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas etc. A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares etc. Pela história de vida e pela socialização primária Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas Pela prática do trabalho e pela socialização profissional FONTES SOCIAIS DE AQUISIÇÃO MODOS DE INTEGRAÇÃO NO TRABALHO DOCENTE A prática do professor, oriunda de seu saber, vem sendo influenciada pelas mudanças curriculares implantadas a partir da década de 1980. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 32 Atividade de Estudos: 1) Considerando o sentido amplo do saber docente, descrito por Tardif e Raymond (2000), apresente as características que você acredita serem importantes para a efetivação das propostas que as teorias curriculares críticas tinham na década de 1980: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Como pressuposto desse movimento na área do currículo, foram elaborados alguns documentos, na década de 1990, que visavam estabelecer parâmetros curriculares para os níveis de ensino. Estes documentos tratavam dos conteúdos, do modo de ensinar, das competências técnicas do saber docente, do modo como a criança devia ser vista na escola, etc. Neste sentido, concordo com Nascimento e Ribeiro (2008, p. 3), quando afirmam que, “desse modo, os discursos presentes nas propostas curriculares para os anos iniciais do ensino fundamental estabelecem, através dos princípios que as orientam, um discurso pedagógico legítimo”. Sendo assim, o saber docente é influenciado pelos documentos norteadores do currículo, o que torna pertinente a análise dos mesmos. Nas próximas páginas, portanto, você estudará alguns dos documentos que norteiam o currículo da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. O Currículo na Educação Infantil O que compõe o currículo da educação infantil? Esta pergunta me faz lembrar de uma história que vivi: Certa vez, uma aluna do curso de graduação em Pedagogia, por ocasião do estágio na educação infantil, comentou comigo que gostaria de trabalhar com crianças entre 0 e 2 anos, mas sentia-se impedida, porque acreditava que nessa faixa etária não havia muitas questões pedagógicas a desenvolver. Nesse 33 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 momento, percebi a necessidade de explicar-lhe sobre o currículo da educação infantil e tudo o que ele implica. Sua maior dúvida se referia à organização curricular desse nível de ensino (conteúdos, métodos, avaliação, aprendizagem, desenvolvimento integral, relação professor e aluno, entre outras questões que abarcam o currículo). Embora minha aluna não soubesse, suas dúvidas seriam sanadas à medida em que compreendesse que a organização curricular da educação infantil respeita as especificidades da faixa etária que esse nível compreende. Assim, as atividades pedagógicas devem prever ações de cuidado à criança que, nesse momento, é totalmente dependente da pessoa adulta, sem, contudo, se limitar a ela. A organização curricular na educação infantil respeita o ritmo de aprendizagem da criança e tem fundamental importância, pois é nessa fase que se constroem os alicerces de toda a vida. É neste sentido que, atualmente, muitos estudiosos e pesquisadores da área da educação conduzem a educação infantil. Para ilustrar esta questão, convido você a realizar a leitura do texto que segue. Depois, reflita e responda a questão da atividade de estudos. A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL A primeira escola não existe para substituir a babá, para apenas tomar conta da criança enquanto você trabalha ou para preparar a melhor Festa Junina da sua vida. A escola de educação infantil vai muito além. Ei, você aí: passou do tempo de pensar que criança de 0 a 6 anos não aprende, de fato, na escola, pois “só” brinca. Também não dá mais para achar que é cedo para entender linha pedagógica, diferenciar construtivismo de escola tradicional, saber quem foi Maria Montessori, Jean Piaget ou Rudolf Steiner. Além de descobrir se está perto de casa, quanto custa, como cuida da limpeza, que tipo de alimentação oferece e se trata seu filho com carinho, é hora de identificar como essa escola vai educá-lo. Pois ele aprende desde que nasce que a escola é o ambiente social mais importante depois da família. Educação infantil pode ser mais importante do que o curso superior? Sim. É quando a criança experimenta o prazer pelo aprender e começa a gostar dela (ou não). A escola aguça a curiosidade da criança e diz a ela “olha que interessante é a vida!”. A organização curricular na educação infantil respeita o ritmo de aprendizagem da criança e tem fundamental importância, pois é nessa fase que se constroem os alicerces de toda a vida. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 34 Está se achando neurótico por já imaginar vestibular, faculdade e carreira profissional? Não se martirize. O futuro começa agora e por isso é hora de decidir se vai priorizar uma formação humanista em que se preza a criação de um ser crítico e capaz de tomar decisões ou optar por um perfil mais pragmático, em que o foco é o conteúdo, voltado para o vestibulare o êxito profissional. Ou tudo isso junto se for possível. Ou equilibrar. Escolinha?! Por essas e outras, chamar de “escolinha” soa pejorativo. O termo não existe à toa. A sociedade demorou a entender que infância é um período importante e as crianças são diferentes em determinadas idades. Para ter uma ideia, faz somente dez anos que o Ministério da Educação — com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases — reconheceu a educação infantil como parte da educação básica de qualquer brasileiro. Isso reflete no que é oferecido às famílias, pois, entre outras coisas, indica ser fundamental a especialização do educador. Significa que educação infantil tem de ir muito além da “tia”, das recreações, do Dia das Mães ou das canções de Natal. O seu filho precisa estar em um local com profissionais especializados que promovam rotinas baseadas em propostas pedagógicas muito bem fundamentadas. “Escola infantil não vive de improviso e não é um parque de diversões”, diz o educador Marcelo Bueno, coordenador pedagógico da escola Estilo de Aprender. Renata Americano vai além: “É o pedaço mais precioso da vida, porque é quando está se formando a identidade da criança!”. O período se resume em estar com os outros. “Aprendem a ser e a conviver. É a fase do ‘como’: como eu escovo os dentes, como eu lavo as mãos, como eu seguro o lápis, como eu brinco, como eu corro, como eu pulo. Ou seja: ‘como sou’, ‘como devo ser’ e ‘como faço para ser’”, diz Karina Rizek Lopes, coordenadora da Área de Educação Infantil da Secretaria de Educação Básica do MEC. “Além do desenvolvimento físico da criança, também acontece o psíquico e o do caráter”, afirma Quézia Bombonatto, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Fonte: CALLEGARI, Cristiane Rogerio e Jeanne. A importância da educação infantile. Revista Crescer. Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/ Revista/Crescer/0,,EMI1843-15153,00.html>. Acesso em: 10 abr. 2010. 35 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Em sua opinião, o que é necessário na organização curricular da educação infantil para que, nesse nível de ensino, a criança descubra respostas para as questões: “como sou”, “como devo ser” e “como faço para ser”? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A fim de contribuir com esta reflexão, inquietante para professores e profissionais da educação, o Ministério da Educação do Brasil vem propondo alguns documentos que norteiam a organização curricular da educação infantil. Certamente você já ouviu falar das Diretrizes Curriculares da Educação infantil, dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil ou dos Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Estes documentos têm a finalidade de orientar as questões implícitas no currículo da educação infantil. Nas próximas seções você estudará alguns dos documentos norteadores para esse nível de ensino. Documentos Norteadores para a Elaboração do Currículo da Educação Infantil O Ministério da Educação do Brasil (MEC) propõe alguns documentos orientadores da sistematização do processo educacional na educação infantil, que têm a finalidade de contribuir com a práxis de professores e profissionais da educação. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 36 No site do MEC você encontra tais documentos na íntegra, além de indicações de outras leituras. Para saber mais!!! Acesse o portal do MEC na internet: http://portal.mec.gov.br/ index.php No menu Professores você deve escolher a opção Publicações e, em seguida a opção Educação Infantil. Embora você possa acessar esses documentos norteadores da educação infantil na Internet, vamos descrevê-los brevemente: O documento: Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças, com quarenta e quatro páginas, apresenta à organização e o funcionamento interno das creches, especialmente em relação às práticas adotadas no trabalho com as crianças. Além disso, esse documento revela “critérios relativos à definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistemas de financiamento de creches, tanto governamentais como não governamentais” (CAMPOS, 2009, pg. 7). Figura 1 – Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças Fonte: Campos (2009). Apesar de trazer a nomenclatura “creche”, o documento trata de critérios para a educação de crianças de 0 a 6 anos. 37 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 É uma leitura de fácil acesso e que faz pensar sobre os direitos da criança, enquanto ser humano em formação, que deve ser respeitada em sua especificidade. Esse documento retoma, de forma pontual, a visão humanística de criança. Outro documento disponível no portal MEC é o intitulado: Indicadores da qualidade na educação infantil. Atividade de Estudos: 1) Você já estudou esse documento na disciplina Projetos pedagógicos na Educação infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Sendo assim, vou apresentá-lo aqui de forma resumida, apenas para relembrar as informações sobre esse documento. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Figura 2 – Indicadores da qualidade na educação infantil Fonte: Brasil (2009). Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 38 Os indicadores revelam um instrumento de “autoavaliação da qualidade das instituições de educação infantil, por meio de um processo participativo e aberto a toda a comunidade” (BRASIL, 2010). Os temas tratados nesse documento repassam orientações de como utilizar os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil, bem como orientam a organização dos materiais necessários para essa avaliação, a estimativa do tempo necessário para a avaliação e a elaboração do plano de ação, a participação de pessoas com deficiência, entre outras questões. É um texto de fácil leitura com sessenta e nove páginas. O documento (BRASIL, 2009, p.13) afirma que a “ampliação do direito à educação a todas as crianças pequenas, desde seu nascimento, representa uma conquista importante para a sociedade brasileira” e, por isso, ela deve ser mantida, com qualidade. Além disso, esse documento sugere, no início, questões como: Mas como deve ser uma instituição de educação infantil de qualidade? Quais são os critérios para se avaliar a qualidade de uma creche ou de uma pré-escola? Como as equipes de educadores, os pais, as pessoas da comunidade e as autoridades responsáveis podem ajudar a melhorar a qualidade das instituições de educação infantil? (BRASIL, 2009, p.13). Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil contêm “referências de qualidade para a Educação Infantil a serem utilizadas pelos sistemas educacionais, quepromovam a igualdade de oportunidades educacionais e levem em conta diferenças, diversidades e desigualdades do nosso imenso território e das muitas culturas nele existentes” (MEC, 2010). Figura 3 – Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil - volume 1 e 2 Fonte: Brasil (2009). Os Indicadores da Qualidade na Educação Infantil, como orientam a organização dos materiais necessários para essa avaliação, a estimativa do tempo necessário para a avaliação e a elaboração do plano de ação, a participação de pessoas com deficiência. 39 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 Este documento (Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil) é dividido em dois volumes e tem como objetivo responder com uma ação efetiva aos anseios da área, da mesma forma que cumpre com a determinação legal do Plano Nacional de Educação, que exige a colaboração da União para atingir o objetivo de “Estabelecer parâmetros de qualidade dos serviços de Educação Infantil, como referência para a supervisão, o controle e a avaliação, e como instrumento para a adoção das medidas de melhoria da qualidade. (BRASIL, 2006, p. 7). O primeiro volume deste documento revela aspectos importantes para a definição de parâmetros de qualidade para a educação infantil no país. Alguns dos aspectos destacados no documento são: “a trajetória histórica do debate da qualidade na Educação Infantil, as principais tendências identificadas em pesquisas recentes dentro e fora do país, os desdobramentos previstos na legislação nacional para a área e consensos e polêmicas no campo”. (BRASIL, 2006, p.10). O segundo volume traz a descrição das competências dos sistemas de ensino e a caracterização das instituições de educação infantil a partir de definições legais, visando um sistema educacional de qualidade, com instâncias responsáveis pela gestão, que respeitam a legislação vigente. No final do segundo volume (não menos importante) são apresentados os parâmetros de qualidade para os sistemas educacionais e para as instituições de educação infantil no Brasil. Com isto, o documento se propõe a subsidiar as discussões sobre implementação de centros de educação infantil no país. O documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à Educação se traduz em um documento que tem por finalidade contribuir para um processo democrático de implementação das políticas públicas para as crianças de zero a seis anos. (BRASIL, 2006). Elaborado em 2006, este documento preconiza a construção coletiva das políticas públicas para a educação infantil, com o intuito de promover a participação da sociedade na sistematização das políticas públicas para a educação infantil. Já o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil foi desenvolvido com o “objetivo de servir como um guia de reflexão para os profissionais que atuam diretamente com crianças de 0 a 6 anos” (BRASIL, 2010). Este documento orienta “o planejamento, O primeiro volume deste documento revela aspectos importantes para a definição de parâmetros de qualidade para a educação infantil. O segundo volume traz a descrição das competências dos sistemas de ensino e a caracterização das instituições de educação infantil. Já o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil foi desenvolvido com o “objetivo de servir como um guia de reflexão para os profissionais que atuam diretamente com crianças de 0 a 6 anos” . Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 40 o desenvolvimento e a avaliação de práticas educativas, além da construção de propostas educativas que respondam às demandas das crianças e de seus familiares nas diferentes regiões do país” (BRASIL, 2010). Figura 4 - Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – volume 1, 2 e 3 Fonte: Brasil (2009). Dividido em três volumes, esse documento tem contribuído com a organização curricular do professor da educação infantil, pois oferece subsídios teórico-práticos para a elaboração de conteúdo e estratégias de aulas para as diversas áreas do conhecimento e faixas etárias (compreendidas na educação infantil). O terceiro volume estabelece as áreas do conhecimento que devem ser desenvolvidas na educação infantil e, por isso, é uma leitura (quase) obrigatória ao professor deste nível. De acordo com o terceiro volume, as áreas de conhecimento a serem trabalhadas pelo professor unidocente da educação infantil, compreendem: movimento; música; artes visuais; linguagem oral e escrita; natureza e sociedade; matemática. Ser um professor unidocente significa promover aprendizagem nas diversas áreas do conhecimento, dominando conteúdos e estratégias metodológicas para que a criança aprenda. Considerando a proposta desse documento, convido a um exercício: 41 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 Atividades de Estudos: Acesse o volume três do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (pelo link: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ volume3.pdf), escolha uma das áreas do conhecimento propostas pelo documento e 1) Descreva que conteúdos devem ser trabalhados nessa área do conhecimento. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Aponte os principais objetivos de aprendizagem da área , considerando as duas faixas etárias propostas (0 a 3 e 4 a 6 anos). ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ _________________________________________________ _________________________________________________ Além de todos os documentos citados, o MEC oportuniza, em sua página na internet, o acesso ao material do Proinfantil - Programa de formação inicial para professores em exercício na educação infantil. Esse material, organizado em quatro módulos, visa esclarecer a concepção de educação, de aprendizagem, de instituição de educação infantil, de conhecimento escolar, de prática pedagógica, de interdisciplinaridade e de identidade profissional do professor da educação infantil, bem como apresentar a ele as leis e diretrizes que organizam esse nível de ensino. É um curso de formação e, por isso, sua leitura não é tão rápida quanto Proinfantil - visa esclarecer a concepção de educação, de aprendizagem, de instituição de educação infantil, de conhecimento escolar, de prática pedagógica, de interdisciplinaridade e de identidade profissional do professor da educação infantil. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 42 os demais documentos tratados aqui. Mas é uma leitura fundamental para o professor iniciante, já que traz orientações sistematicamente organizadas e de fácil entendimento. Agora que você já conhece alguns documentos que orientam a organização curricular da educação infantil, chegou a hora de conhecer ocurrículo dos anos iniciais do ensino fundamental e os documentos norteadores para esse nível da educação básica. Isso é o que veremos nas próximas páginas. O Currículo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Assim como na educação infantil, o currículo nos anos iniciais do ensino fundamental abarca questões sobre o que, como, para que e para quem ensinar. É fundamental destacar que o currículo, nesse nível, deve respeitar os princípios da LDB 9.394/96, que diz: Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. (BRASIL, 1996). Apesar das diretrizes ou princípios, há no artigo 12º da mesma lei a expressão de autonomia das instituições de ensino no que diz respeito à organização interna. 43 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola. (BRASIL, 1996). Isto significa que cada instituição é livre para elaborar seu currículo, de modo que o processo ensino aprendizagem oportunize o que está disposto no artigo 3º da LDB. Embora seja possível a cada instituição definir sua organização interna, o que podemos constatar, na maioria das escolas, é uma reprodução da concepção tradicionalista de escola; ou seja, a conservação de uma matriz curricular com referência na transmissão de conteúdos historicamente acumulados, a relação de professores e alunos com base no autoritarismo docente, a metodologia expositiva e (muitas vezes) ineficiente, a avaliação compreendida como prova dissertativa ou objetiva, com questões mal formuladas, cujo objetivo acaba sendo castigar o aluno ao invés de verificar seu nível de aprendizagem, e até mesmo a organização da sala de aula, que coloca os alunos enfileirados, um atrás do outro, impossibilitando o contato visual entre os alunos. Houve uma época, na história da educação do Brasil, em que se acreditava que esse modo de organização escolar era o único capaz de oportunizar o ensino aprendizado. Esse momento, na história, retratava a tendência pedagógica tradicionalista. Você acredita que essa tendência pedagógica tradicionalista consegue proporcionar uma organização escolar eficiente para a escola atual? Muitas vezes, ouvi meus alunos dizendo que não podiam acreditar que estavam estudando determinado conteúdo, pois não conseguiam fazer relação dele com a vida real, com a futura vida profissional. Também testemunhei algumas vezes os alunos corrigindo as informações que os professores estavam repassando em sala de aula, isto porque eles encontraram a mesma informação na internet com dados muito mais atualizados em relação ao que o professor conhecia. Essas experiências que vivi (provavelmente vividas por você também) Cada instituição é livre para elaborar seu currículo. A clientela da escola atual está mais exigente, mais comunicativa e mais crítica, o que nos obriga a repensar a organização da escola que estamos mantendo. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 44 revelam que a clientela da escola mudou. A clientela (o aluno) da escola atual está mais exigente, mais comunicativa e mais crítica, o que nos obriga a repensar a organização da escola que estamos mantendo. Com vistas à organização escolar que devemos construir, para satisfazer a nova clientela que atendemos, o MEC divulgou alguns documentos, com o objetivo de contribuir com essa tarefa. Na próxima seção, você estudará alguns desses documentos e poderá refletir sua prática docente na sistematização curricular do ensino fundamental. Saiba mais!!! Para aprofundar a reflexão sobre a organização curricular no Ensino fundamental, leia: Indagações sobre o currículo, produzido pelo MEC e organizado em cinco cadernos, que são intitulados respectivamente: • Currículo e Desenvolvimento Humano • Educandos e Educadores: seus direitos e o currículo • Currículo, Conhecimento e Cultura • Diversidade e Currículo • Currículo e Avaliação Este material está disponível no site: http://portal.mec. gov.br/ menu professores, opção publicações, opção Ensino fundamental. Documentos Norteadores para a Elaboração do Currículo dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Como você já deve saber, o ensino fundamental, no Brasil, passou a ter nove anos a partir da Lei 11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Esta lei altera alguns artigos da LDB 9.394/96, a fim de tornar obrigatório o ensino fundamental de nove anos, conforme podemos constatar na LDB (alterada pela Lei 11.274/06): 45 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006) I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (BRASIL, 1996). Veja que, além de estabelecer a alteração do tempo de curso do ensino fundamental, esta Lei ( Lei nº 11.274, de 2006) determina as condições da organização curricular da escola nesse período. Com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre a implantação do currículo que deve atender a criança a partir dos seis anos de idade no ensino fundamental, o MEC organizou alguns documentos, como: A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o Ensino Fundamental de Nove Anos; Passo a passo da implementação do ensino fundamental de nove anos; Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais e Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade. Veja, a seguir, a capa de cada um dos documentos. Figura 5 – Documentos que orientam o ensino fundamental de nove anos Fonte: Brasil (2009). Tais documentos impõem, de forma geral, uma organização curricular Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 46 do Ensino fundamentalcom a duração de nove anos, que oportunize o pleno desenvolvimento das potencialidades do educando, através de uma “ação educativa baseada em uma orientação teórico-metodológica”, que respeite “os objetivos de ensino, a organização do trabalho pedagógico, o tipo de abordagem que se quer dar ao conhecimento e, por fim, que se considere a realidade sociocultural dos alunos e o contexto da escola.” (MACIEL; BAPTISTA; MONTEIRO, 2009, p. 8). Para que o trabalho seja assim organizado, é importante pensar um currículo que preveja ações metodológicas compatíveis com a faixa etária e com as necessidades cognitivas das crianças que, então, se passou a atender. Neste sentido, os documentos despertam a discussão sobre a alfabetização de crianças de seis anos de idade. De acordo com Maciel, Baptista e Monteiro (2009, p. 22), é necessário, primeiramente, A consolidação de uma prática educativa na qual o aprendiz vai se apropriando da tecnologia da escrita, ao mesmo tempo em que vai se tornando um usuário competente desse sistema. Uma prática que atenda igualmente a esses dois eixos que constituem o processo de aquisição da linguagem escrita, trabalhados de forma integrada, sem que o desenvolvimento de um deles ocorra anteriormente ao do outro. Em segundo momento, há que se “considerar a escola como espaço privilegiado para garantir este aprendizado”, de acordo com as autoras Maciel, Baptista e Monteiro (2009, p. 23). Além de tratar sobre a alfabetização de crianças de seis anos, esses documentos trazem textos sobre: a infância e sua singularidade; a infância na escola e na vida; o brincar como um modo de ser e estar no mundo; as diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola; as crianças de seis anos e as áreas do conhecimento; a organização do trabalho pedagógico; avaliação e aprendizagem na escola. Outro documento imprescindível para orientar a organização curricular do ensino fundamental são os Parâmetros Curriculares Nacionais, que, embora tenham sido elaborados antes da ampliação do ensino fundamental para nove anos, trazem dicas sobre conteúdos, metodologias, estratégias docentes para as diversas áreas do conhecimento, como matemática, geografia, ciências, temas transversais, entre outras. De acordo com o caderno introdutório, os Parâmetros Curriculares Nacionais configuram um importante referencial para a “renovação e reelaboração da É importante pensar um currículo que preveja ações metodológicas compatíveis com a faixa etária e com as necessidades cognitivas das crianças que, então, se passou a atender. 47 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 proposta curricular da escola, reforçam a importância de que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resulte da co-responsabilidade entre todos os educadores” (BRASIL, 1997, p. 10). Portanto, os PCNs afirmam que a melhor forma de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais é aquela que envolve o debate em grupo no contexto escolar. Saiba mais!!! A leitura dos PCNs é de fácil acesso, pois se revela um tema pertinente para o professor do ensino fundamental. Sendo assim, sugiro que acesse o site: http://portal.mec.gov.br/index.php menu professores, opção publicações e opção ensino fundamental, para aprofundar sua leitura referente a esse documento. Atividade de Estudos: 1) Escolha um caderno dos PCNs do Ensino Fundamental (uma área de conhecimento) e, após a leitura, defina quais os objetivos de aprendizagem, conteúdos e melhores estratégias pedagógicas sugeridas por esse documento. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Os PCNs afirmam que a melhor forma de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais é aquela que envolve o debate em grupo no contexto escolar. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 48 Algumas Considerações Neste capítulo, você teve oportunidade de refletir sobre os documentos norteadores do currículo da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Procuramos relacionar o currículo à construção dos saberes pedagógicos na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Ao longo do capítulo, destacamos os seguintes aspectos: • Segundo Tardif Raymond (2000, p.212), o saber docente deve levar em consideração “um sentido amplo que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser”. • Os saberes docentes estão implícitos no currículo, mas “não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento especializado”. • Os saberes docentes são adquiridos “na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação etc”. • O currículo escolar passou a ter preocupações com a maneira como se aprende, o que se ensina e com questões referentes à construção do conhecimento no contexto escolar. Sendo assim, o saber docente é influenciado pelos documentos norteadores do currículo, o que torna pertinente a análise dos mesmos. • A organização curricular na educação infantil permite respeitar o ritmo de aprender da criança, o que é de fundamental importância, pois é nessa fase que se constroem os alicerces de toda a vida. • “A escola infantil não vive de improviso e não é um parque de diversões”, diz o educador Marcelo Bueno, coordenador pedagógico da escola Estilo de Aprender. Renata Americano vai além: “É o pedaço mais precioso da vida, porque é quando está se formando a identidade da criança!”. • O Ministério da Educação do Brasil (MEC) propõe alguns documentos orientadores da sistematização do processo educacional na educação infantil. Esses documentos têm a finalidade de contribuir com a práxis de professores e profissionais da educação e estão disponíveis no portal do MEC. 49 O Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental e a Construção dos Saberes Pedagógicos Capítulo 2 • O currículo nos anos iniciais do ensino fundamental abarca questões sobre o que, como, para que e para quem ensinar. É fundamental dizer que o currículo, neste nível, deve respeitar os princípios da LDB. • Cada instituição é livre na elaboração de seu currículo, a fim de que o processo ensino aprendizagem oportunize o que está disposto no artigo 3º da LDB. • O ensino fundamental, no Brasil, passou a ter nove anos a partir da Lei 11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Esta lei altera alguns artigos da LDB 9.394/96, tornando obrigatório o ensino fundamental de nove anos. • Com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre a implantação do currículo que deve atender a criança a partir dos seis anos de idade no ensino fundamental, o MEC organizou alguns documentos, como: A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o Ensino Fundamental de Nove Anos; Passo a passo da implementação do ensino fundamental de nove anos; Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais; Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade. • Outro documento imprescindívelpara orientar a organização curricular do ensino fundamental são os PCNs, que, embora tenham sido elaborados antes da ampliação do ensino fundamental para nove anos, trazem dicas sobre conteúdos, metodologias, estratégias docentes para as diversas áreas do conhecimento, como matemática, geografia, ciências, temas transversais, entre outros. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica. Brasília: MEC/ SEB, 2009. ______. Lei de diretrizes e bases da educação nacional 9.394/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: MEC/SEF, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 20 abr. 2010. _______. Secretaria de Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov. br/index.php>. Acesso em: 19 abr. 2009. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 50 ______. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. ______. Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil. Brasília: MEC/SEB, 1997a. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ pdf/livro01.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2010. ______. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997b. ______. Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília: MEC, SEB, 2006. CAMPOS, Maria Malta. Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças. 6. ed. Brasília: MEC, SEB, 2009. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/ direitosfundamentais.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2010. MACIEL, Francisca Izabel Pereira; BAPTISTA, Mônica Correia; MONTEIRO, Sara Mourão (Orgs.). A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o ensino fundamental de nove anos: orientações para o trabalho com a linguagem escrita em turmas de crianças de seis anos de idade. Belo Horizonte: UFMG/ FaE/CEALE, 2009. NASCIMENTO, Débora Maria; RIBEIRO, Márcia Maria Gurgel Ribeiro. Saberes docentes sobre a organização do ensino aprendizagem. VI Congresso Português de Sociologia: mundo sociais – saberes e práticas. De 25 – 28 de junho de 2008. Universidade Nova de Lisboa – Portugal. Disponível em: <http:// www.aps.pt/vicongresso/pdfs/446.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2010. RIBEIRO, Victoria Maria Brandt. Uma pequena conversa sobre currículo, prática docente e teoria da ação comunicativa. PSYSIS: Revista da saúde coletiva, Rio de Janeiro, n. 9, p. 99 – 116, 1999. TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade. São Paulo, v. 21, n.73, p. 209- 244, dez. 2000. CAPÍTULO 3 Projetos Interdisciplinares A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Refletir sobre o papel dos projetos interdisciplinares para o trabalho com os conteúdos curriculares oficiais da escola. 3 Identificar características necessárias aos projetos interdisciplinares. 53 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 Contextualização Antes de tratar sobre o tema propriamente dito, permita-me um relato de experiência: Em certa ocasião, na regência de uma turma de quarta série do Ensino Fundamental (hoje, com a nova nomenclatura seria o quarto ano do Ensino Fundamental), diante de um grupo de alunos rebeldes e incorrigíveis (alunos que todo professor percebe, pois não se interessam por conteúdo escolar nenhum), resolvi utilizar uma estratégia metodológica diferente das que vinha utilizando até então. Ao invés de mediar o conhecimento através de exposições orais, livros e apostilas, propus aos alunos que investigassem e organizassem um material sobre o tema Meio Ambiente. Dividi a turma em pequenos grupos e estabeleci algumas regras necessárias para esse tipo de trabalho: 1ª regra – cada grupo deveria delimitar o tema geral, elegendo um foco para a investigação - por exemplo: poluição dos rios; reciclagem; plantio de árvores; entre outros. 2ª regra – cada grupo deveria buscar o máximo de informações sobre o assunto escolhido (dentro do tema geral) e organizar uma breve apresentação, através da qual deveriam contar aos colegas o que encontraram. 3ª regra – cada grupo deveria realizar uma experiência prática que estivesse ligada ao seu assunto, por exemplo, para o assunto plantio de árvores, os alunos poderiam selecionar algumas sementes para plantar, ou ainda, coletar mudas de árvores, etc. Na primeira aula sobre o assunto, fizemos uma contextualização do tema geral e organizamos essa atividade, que ficou conhecida por nós como projeto meio ambiente. Os alunos tiveram, a partir da primeira aula, uma semana para se organizar e apresentar seus novos conhecimentos. Durante as apresentações, pude perceber que os alunos estavam motivados e felizes por estarem desenvolvendo, de forma ordenada e orientada, um conhecimento. Foi a primeira vez que percebi algum entusiasmo dos alunos, citados no início deste relato, como rebeldes e incorrigíveis. Pela proposta pedagógica pude compreender qual a função dos projetos pedagógicos no contexto escolar. Esta simples experiência me fez buscar saber mais sobre a utilização de projetos na escola. Apesar de ter ouvido muito sobre projetos (projetos de Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 54 pesquisa, projetos de aula, projetos de extensão, projeto de software, entre outros) foi muito válido buscar entender como a pedagogia de projetos pode ser uma forma eficiente de mediar conhecimento, motivar para o aprender e despertar o interesse. O tema “Pedagogia de projetos” também é abordado na disciplina de Projetos Pedagógicos na Educação Infantil e Anos Iniciais. Todavia, neste capítulo, abordaremos os projetos pedagógicos sob o foco da interdisciplinaridade. E você, sabe em que consiste a pedagogia de projetos? Sabe como utilizar os projetos pedagógicos em favor do aprendizado de seus alunos? Como a interdisciplinaridade contribui para o trabalho com projetos? Neste capítulo, você poderá refletir sobre essas questões, aprimorando sua percepção sobre ferramenta tão útil: os projetos interdisciplinares na escola. O Papel dos Projetos Interdisciplinares Frente aos Conteúdos Oficiais da Escola Moura e Barbosa (2009) nos explicam que há muitas formas de classificação de projetos. Segundo eles, os vários tipos de projetos educacionais se diferenciam pelos objetivos que apresentam, pela organização e pela forma como são conduzidos. Veja, a seguir, a classificação geral de projetos educacionais apresentada por estes autores. a) Projetos de Intervenção Os projetos de intervenção têm, normalmente, a função de promover uma “introdução de modificações na estrutura ou na operação do sistema ou organização, afetando positivamente seu desempenho em função de problemas que resolve” (MOURA; BARBOSA, 2009, p. 156). Os mesmos autores afirmam que este tipo de projeto não é uma exclusividade do meio educacional, pois pode ocorrer também em outras instituições, no setor produtivo, por exemplo, ou comercial. 55 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 b) Projetos de Pesquisa Um projeto de pesquisa tem o intuito de construir conhecimentos, com garantia do rigor metodológico que uma investigação possui. Um projeto de pesquisa é delimitado a partir de uma questão problema e a metodologia é variável, de acordo com o que e como se pretende responder a tal questão. c) Projetos de Desenvolvimento Os Projetos de desenvolvimento têm a finalidade de produzir novas atividades ou implementar atividades já existentes. De acordo com Moura eBarbosa (2009), um bom exemplo deste tipo de projeto é o desenvolvimento de nova organização curricular ou adequação do currículo existente. d) Projetos de Ensino Estes projetos têm a finalidade de melhorar o processo de ensino e aprendizagem. São projetos elaborados a partir de conteúdos de uma ou mais disciplinas e referem-se ao exercício das funções do professor. Geralmente, estes projetos envolvem alguns alunos, mas sua essência está na ação do(s) professor(es).O contexto escolar é o melhor espaço para se desenvolver este tipo de projeto. e) Projetos Interdisciplinares de Trabalho Na disciplina Projetos Pedagógicos na Educação Infantil e Anos Iniciais do ensino fundamental, que você já estudou ou estudará, este tema tem destaque. Nesta disciplina, aproveitaremos o foco da interdisciplinaridade, para aprofundá- lo ainda mais, visto que os projetos são muito importantes para um processo de aprendizagem eficaz. Os protagonistas deste tipo de projeto são os alunos, sob a orientação de um (ou mais) professor(es). O projeto se desenvolve, exclusivamente, no contexto escolar e tem por objetivo a aprendizagem de conceitos e o desenvolvimento de competências e habilidades específicas de uma (ou mais) disciplina(s) curricular(es). Pode ser conduzido de acordo com a Pedagogia de Projetos. Segundo Moura e Barbosa (2009, p. 157), o que diferencia os projetos entre si é que “enquanto os projetos de ensino são executados pelo professor, os projetos de trabalho são executados pelos alunos sob orientação do professor, visando a aquisição de determinados conhecimentos, habilidades e valores”. O projeto tem por objetivo a aprendizagem de conceitos e o desenvolvimento de competências e habilidades específicas de uma (ou mais) disciplina(s) curricular(es). Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 56 Saiba mais!!! A Pedagogia de Projetos surgiu no início do século, com John Dewey e outros pensadores da chamada “Pedagogia Ativa”. Nessa época, a discussão estava embasada numa concepção de que “educação é um processo de vida e não uma preparação para a vida. Dewey (1987) afirmava que a escola devia representar a vida presente, real e vital para o aluno”. Quando refletimos sobre as ações que envolvem os projetos de trabalho de forma interdisciplinar, tais quais no-los apresentam os autores Moura e Barbosa (2009), podemos constatar que eles permitem aliar os conteúdos curriculares, tradicionalmente propostos na matriz curricular da escola, nas diferentes disciplinas, às vivências cotidianas de professores e alunos. Tais procedimentos oferecem condições para que “os questionamentos sejam respondidos à luz da curiosidade dos alunos, de suas necessidades e dos seus interesses mais imediatos” (MOURA; BARBOSA, 2009. p 122). Além disso, o desenvolvimento de projetos de trabalho de forma interdisciplinar coloca os alunos como centro do processo educacional, favorecendo seu desenvolvimento frente aos conteúdos curriculares propostos pela escola. A propósito, Ventura (2002, p. 39) explica que todo projeto possui uma característica comum. Vejas as palavras do autor: Todo projeto parte de uma ação negociada entre os membros de uma equipe, e entre a equipe e a rede de construção de conhecimento da qual ela faz parte, ação esta que se concretiza na realização de uma obra ou na fabricação de um produto inovador. Ao mesmo tempo em que esta ação transforma o meio, ela transforma também as representações e as identidades dos membros da rede produzindo neles novas competências, através da resolução dos problemas encontrados. Com este pressuposto, podemos compreender que os projetos de trabalho (conforme apresentados pelos autores Moura e Barbosa, 2009) são mais eficazes quando envolvem mais de um professor, mais de uma disciplina curricular, ou seja, quando são interdisciplinares. Isto significa que relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação configura um cenário interdisciplinar e se revela numa prática pedagógica e didática adequada aos objetivos de ensino e aprendizagem. Fazenda (2002, p.18) nos explica quais são as principais características da interdisciplinaridade: Os projetos de trabalho de forma interdisciplinar permitem aliar os conteúdos curriculares, tradicionalmente propostos na matriz curricular da escola, nas diferentes disciplinas, às vivências cotidianas de professores e alunos. Relacionar as disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisa e ação configura um cenário interdisciplinar e se revela numa prática pedagógica e didática adequada aos objetivos de ensino e aprendizagem. 57 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 O que caracteriza a atitude interdisciplinar é a ousadia da busca, da pesquisa, é a transformação da insegurança num exercício do pensar, do construir. A solidão dessa insegurança individual que vinca o pensar interdisciplinar pode transmutar- se na troca, no diálogo, no aceitar o pensamento do outro. Exige a passagem da subjetividade para a intersubjetividade. A partir daí, podemos entender que a interdisciplinaridade não exime a identidade de cada professor (ou conteúdo). Ao contrário, a interdisciplinaridade faz com que as diferentes identidades (e subjetividades) se complementem, contribuindo para uma finalidade maior. Em outras palavras, a interdisciplinaridade vai além da mera justaposição de disciplinas, pois, ao mesmo tempo, evita a diluição delas em generalidades. Agora que você já constatou a importância dos projetos de trabalho interdisciplinares no contexto escolar, veja no exemplo que segue, como foi organizado o projeto que envolveu as disciplinas de Ciências Naturais, Biologia, Ciências Físicas e Engenharia de uma pequena escola de ensino fundamental de Massachusetts, nos Estados Unidos. EXEMPLO DE PROJETO O PROJETO DE ÁGUA DE SHUTESBURY O projeto de água de Shutesbury utilizou a experiência dos professores de uma pequena escola rural de ensino fundamental de Shutesbury, Massachuestts. Em Shutesbury, os professores trabalharam muitos anos para organizar o programa de ensino em torno de projetos. Em determinados anos, os professores escolhem um tema interdisciplinar a ser ensinado em todas as séries. No início do ano, os professores participam de oficinas e viagens de campo para obterem uma compreensão comum do assunto. No restante do ano, alunos do jardim à sexta série “mergulham nos aspectos literários, artísticos, matemáticos, ecológicos, políticos, atléticos, científicos e lúdicos desse amplo tema. TEMA DO PROJETO Alguns anos atrás, os professores da Escola de Ensino Fundamental de Shutesbury escolheram a água como seu tema de estudo. o trabalho durante o ano foi dividido em três fases: (1) água como recurso; (2) as propriedades físicas da água e (3) a A interdisciplinaridade faz com que as diferentes identidades se complementem, contribuindo para uma finalidade maior. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 58 biologia dos corpos de água. Os alunos mediram a acidez da água de lagos e de reservas locais, construíram e povoaram um aquário com vida aquática, pesquisaram e leram sobre temas relacionados com água e mediram o uso e o desperdício de água, por meio de um diário. A QUESTÃO ORIENTADORA A água que bebemos é segura? Tendo aprendido sobre a facilidade com que lagos e reservas de água tornam-se poluídos, os alunos propuseram a pergunta: a água que bebemos é segura? Uma vez que a região de Shutesbury é servida por poços particulares, geralmente um para cada casa, a pergunta representava um significativo desafio para esses alunos. Para respondê-la, os alunos eram obrigados a lidar comquestões científicas e sociais associadas com o conteúdo do projeto, as quais incluíam os princípios de poluição da água, as ferramentas e os procedimentos de análise científica, a relação entre qualidade da água e saúde pública e as questões que orientam as políticas comunitárias. ATIVIDADES DO PROJETO Os alunos e os professores decidiram testar uma amostra dos poços particulares de Shutesbury com duas preocupações em mente: poluição com chumbo e com sódio. Reuniões escolares foram realizadas para orientar os alunos e responder perguntas, e os alunos tiveram aulas sobre poços artesianos. Eles trabalharam com os pais para desenhar mapas das localizações dos poços, assim como da inclinação do terreno, para que uma relação pudesse ser estabelecida entre o nível de sócio na água e a proximidade de fontes de sal em estradas. Alunos de sexta série tornaram-se experientes nas técnicas de coleta de amostras de água e também aprenderam o procedimento correto para tirar amostras dos poços de suas casas. Trabalhando em equipe, esses alunos aprenderam a calibrar e a usar os sofisticados instrumentos disponíveis no laboratório de biologia da faculdade local para testar amostras de água. Um grupo separado de alunos filmou o processo em vídeo para que outros alunos pudessem adquirir essas habilidades. Depois, utilizando impressões de computador do laboratório, os alunos criaram tabelas e um mapa da cidade que mostrava a localização das casas de todos os alunos, além de dados sobre o poço de cada família. Os alunos também aprenderam a plotar dados em gráficos a fim de buscar correlações. 59 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 PADRÕES DE CONTEÚDO • Ciências naturais: o ciclo da água. • Biologia: mudanças e ecossistema ao longo do tempo. • Ciências físicas: elementos, compostos e misturas. • Tecnologia/engenharia: mediação e o método científico. Usando as tabelas e o mapa, os alunos buscaram estabelecer correlações entre profundidade da água e conteúdo de sódio; nível de pH e conteúdo de chumbo; e conteúdo de sódio e de chumbo. Os alunos de sexta série construíram diagramas para apresentar seus achados, que foram então utilizados em reuniões escolares para apresentar os resultados ao resto da escola. As atividades do projeto incorporaram diversas ferramentas tecnológicas e outros recursos e ocorreram sob diversas condições realistas: tarefas em grupo, trabalho individual, atividades em sala de aula, tarefas de laboratório e assembleias gerais de toda escola. Essas atividades foram essenciais para abordar a Questão Orientadora; ao mesmo tempo, elas estimularam os alunos a aprender princípios centrais associados à área do conteúdo. PRODUTOS O projeto envolveu vários tipos de produtos, desde pequenas tarefas individuais até relatórios e apresentações formais dos grupos. Destacaram-se: • tabelas e mapa da cidade para apresentação de dados; • apresentações orais para a escola e a comunidade; • relatório escrito resumindo as descobertas respondendo a Questão Orientadora. RESULTADOS DO PROJETO O projeto da água foi um grande sucesso. Os alunos aprenderam os princípios da contaminação da água, as habilidades de processo da análise de contaminação, as habilidades de raciocínio da análise correlacional e os pressupostos analíticos que subjazem à coleta de dados. Desenvolveram também um senso visual para apresentação de dados e resultados. Além disso, as atividades dos alunos lhes trouxeram reconhecimento em toda a comunidade. Seu trabalho sobre a água deixou claro que eles foram capazes de interagir com professores universitários, repórteres de jornal e membros do Conselho de Saúde da cidade. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 60 Fonte: Extraído de: BUCK Institute for Education. Aprendizagem baseada em projetos: guia para professores de ensino fundamental e médio. Tradução Daniel Bueno. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 155-157. Saiba mais!!! Aprofunde seus conhecimentos sobre o trabalho com projetos interdisciplinares na escola, lendo o livro: FAZENDA. Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. 5 ed. São Paulo – SP: Loyola, 2002. Disponível também pelo site: http://books.google.com.br Nesta seção, você pôde constatar que os projetos de trabalho interdisciplinar são muito eficientes para o desenvolvimento de conteúdos curriculares oficiais propostos pelas escolas. A próxima seção lhe dará acesso a algumas orientações para executar os projetos interdisciplinares no contexto escolar. Orientações para os Projetos Interdisciplinares na Escola Para realizar um projeto interdisciplinar, é necessário “compreender e respeitar o modo peculiar de ser de cada um, respeitar também o caminho que cada indivíduo empreendeu na busca de sua autonomia; é necessário revelar a identidade, a marca teórica de cada um.” (FAZENDA, 2002, p. 68). Da mesma forma, os Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil estabelecem algumas diretrizes para o trabalho com projetos. Veja o que diz o artigo 3º acerca dos fundamentos norteadores que devem orientar os projetos pedagógicos desenvolvidos nas instituições de educação infantil: a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática; 61 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. (BRASIL, 2006, p. 35, grifo meu). De acordo com Rué (2002, apud ARAUJO, 2008, p. 197), Projetos podem ser compreendidos também como estratégias de ação e possuem três características constitutivas: 1. a intenção de transformação do real; 2. uma representação prévia do sentido dessa transformação (que orienta e dá fundamento à ação); 3. uma ação em função de um princípio de realidade (atendendo às condições reais decorrentes da observação, do contexto da ação e das experiências acumuladas em situações análogas). Assim, para que os projetos interdisciplinares tenham eficácia, faz-se necessário ter objetivos definidos para atender a uma necessidade específica e ter começo e término programados. O planejamento do projeto é imprescindível para atingir o que se pretende. Sendo assim, leia o texto que segue e confira os elementos que um bom projeto deve prever em seu planejamento. EXIGÊNCIAS NA ELABORAÇÃO DE UM PROJETO INTERDISCIPLINAR Delimitação da área: as áreas do conhecimento são inúmeras e, por isso, devem ser claramente definidas para facilitar a pesquisa bibliográfica, fichamentos, arquivos etc. O respeito a cada área de conteúdo é fundamental para um projeto interdisciplinar. Delimitação do tema: a fim de que a realização do tema se torne possível, deve-se selecionar apenas um aspecto a ser abordado. Em cada nível de escolaridade essa escolha adota características diferentes. Problema: o problema sempre vem em forma de questionamento. Surge de uma insatisfação, de uma curiosidade. O professor e/ou os alunos devem perguntar-se sobre a necessidade, relevância, interesse ou oportunidade de trabalhar um ou outro determinado tema. Hipóteses: é preciso estabelecer uma série de hipóteses em termos do que se quer saber, as perguntas que devem ser respondidas. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 62 Objetivos: o que pretendemos com esse trabalho? Qual a finalidade de sua realização? Os objetivos estão divididos em dois grupos: geral e específicos. Justificativa: é preciso a clareza da viabilidade da realização do projeto que se propõe desenvolver. Os argumentos devemser convincentes e claros. Revisão bibliográfica: para ter credibilidade, uma pesquisa deve fundamentar-se em teorias reconhecidas. Portanto, para que o aluno possa atingir seus objetivos, é preciso conhecer a literatura, ler o que foi publicado anteriormente, para apoiar seu trabalho em base sólida de conhecimentos e práticas reconhecidas. Procedimentos metodológicos: é um conjunto de instrumentos que deverá ser utilizado na pesquisa e tem por finalidade encontrar o caminho mais racional para atingir os objetivos propostos. Recursos financeiros: quanto vai custar, quem vai arcar ou patrocinar? Socialização: o importante numa pesquisa é a socialização, a divulgação do trabalho, isto é, torná-la pública. Avaliação: toda atividade deve ser avaliada. Resta escolher o método de avaliar. É aconselhável que ela se dê pelo método formativo, sem esquecer de avaliar pelos conceitos, procedimentos e atitudes, principalmente para continuar fazendo, e fazendo melhor. Fonte: ALENCAR, Mariano Batista. Projetos e interdisciplinaridade. Jornal Mundo Jovem, edição 373, Porto Alegre – RS, p. 7, 2007. Disponível em: <http://www.mundojovem.pucrs.br/projetos/pedagogicos/projeto- projetos-e-interdisciplinaridade.php>. Acesso em: 23 mai. 2010. Quando desenvolvemos um projeto interdisciplinar de trabalho no contexto escolar, estamos buscando superar práticas pedagógicas habituais, metodologias e estratégias didáticas rotineiras, ou seja, estamos intencionando uma ação docente prazerosa e contextualizada, que estimule o aprendizado de conteúdos curriculares de forma eficaz. Neste sentido, Hernández (2002) afirma que “todo projeto precisa estar relacionado com os conteúdos, para não perder o foco. Além disso, é fundamental estabelecer limites e metas para a conclusão do trabalho”. Por isso, é preciso que o docente abandone o papel de Todo projeto precisa estar relacionado com os conteúdos, para não perder o foco. Além disso, é fundamental estabelecer limites e metas para a conclusão do trabalho. 63 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 “transmissor de conteúdos” e se transforme num pesquisador, para que o aluno seja o sujeito do processo ensino aprendizagem. Para Hernández (2002), “o primeiro passo é determinar um assunto – a escolha pode ser feita partindo de uma sugestão do mestre ou da garotada”. Após o planejamento cuidadoso há de se constatar que “todas as coisas podem ser ensinadas por meio de projetos, basta que se tenha uma dúvida inicial e que se comece a pesquisar e buscar evidências sobre o assunto”, diz Hernández (2002). Saiba mais!!! Para ver a entrevista completa de Hernández à revista Educar é Crescer, acesse: http://educarparacrescer.abril.com.br/ aprendizagem/materias_296380. shtml?page=page2 Portanto, concordo com Machado (2004, p.6) quando ele diz que “não se faz projetos se [...] não se acredita haver futuro; simetricamente, sendo a realidade uma construção humana, pode-se afirmar também que o futuro não existe – ou não existirá – sem nossos projetos”. Uma vez expostos os pressupostos que constituem a pedagogia de projetos, confira agora um exemplo de projeto, na atividade a seguir. Atividades de Estudos: Leia o projeto que segue e responda o que se pede: Tema Vida e obra de Cândido Portinari Objetivos 1. Conhecer o artista e o contexto histórico de suas obras. 2. Despertar a curiosidade e o gosto pela arte. 3. Ampliar os conhecimentos gerais dos alunos. 4. Promover atividades artísticas baseadas nas obras estudadas. Descrição Todas as coisas podem ser ensinadas por meio de projetos. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 64 Este projeto encontra-se na área de Artes e visa o conhecimento da vida e obra de Portinari, através do estudo de alguns trabalhos e de atividades de artes relacionadas a eles. Site Base Candido Portinari – http://www.portinari.org.br/ Atividades - Portinari na Sala de Aula Primeira Etapa: Navegar pelo site base e pelos sites de apoio, com o objetivo de estabelecer um primeiro contato com o tema. 1. Apresentar aos alunos algumas telas do artista, perguntando se eles já viram alguma daquelas obras, se sabem quem pintou, quando foram feitas, que assuntos retratam etc. 2. Organizar os alunos em grupo para pesquisarem sobre o artista, via Internet ou utilizando material impresso, levantando dados biográficos. 3. Confeccionar cartazes com o material pesquisado para a sala ou mural da escola. 4. Propor aos alunos a seleção de algumas obras, classificando-as por temas: brincadeiras infantis, paisagens do interior, retratos, cenas de retirantes, trabalhadores rurais etc. 5. Organizar os alunos em grupos de modo que cada um se encarregue de estudar detalhadamente as obras classificadas pelos temas: perceber detalhes repetidos, cores mais usadas, elementos presentes em situações atuais ou que não se observam hoje em dia, ambientações específicas, tipos de traços etc. 6. Propor aos alunos a preparação de materiais lúdicos baseados nas obras estudadas: quebra-cabeças, jogo dos sete erros, olho vivo, palavras cruzadas, caça-palavras etc. 7. Enviar o material produzido para as escolas parceiras, registrar e trocar as impressões sobre os trabalhos apresentados. 8. Trabalhar as diferentes técnicas artísticas - desenho, pintura, colagem, escultura, maquete - fazendo releituras das obras estudadas ou trabalhos semelhantes aos do artista. 9. Organizar uma exposição virtual dos trabalhos de desenho, pintura e colagem, com a participação das escolas parceiras. 10. Organizar uma exposição de todos os trabalhos na própria escola, cuidando que cada um tenha o registro do processo. 65 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 11. Promover apresentações sobre o artista e sua obra para outras turmas da escola, aproveitando o material lúdico produzido. Atividades Extras 1. Assistir a vídeos sobre o artista. 2. Visitar museus ou mostras que apresentem obras do artista. Cronograma - Portinari na Sala de Aula Etapas 1. Primeira semana Atividades 1, 2 e 3 2. Segunda semana Atividades 4 e 5 3. Terceira semana Atividades 6 e 7 4. Quarta semana Atividade 8 e uma atividade extra. 5. Quinta semana Atividades 9 e 10 6. Sexta semana Atividade 11 7. Sétima semana Atividade extra 2. Sites de Apoio Candido Portinari – Obras - http://www.candidoportinari.com.br/ Casa de Portinari - http://www.casadeportinari.com.br/ Fonte: AZEVEDO, Valmir Soares; MARTINEZ, Ana Claudia. Projeto Portinari na sala de aula. Disponível em: <http://www.edukbr.com.br/ celeirodeprojetos/projetos_areas.asp?Id_Proj=20&Proj_ int=S&Proj=Arte>. Acesso em: 25 mai. 2010. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 66 1) Como esse projeto pode contribuir para a aprendizagem do conteúdo curricular de artes? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Você aprova a maneira com que foi planejado o conteúdo nesse projeto? Justifique. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Em sua opinião, é necessária alguma alteração nesse projeto? Se acha quesim, cite-a(s): ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas Considerações Este capítulo levou-o a refletir sobre o papel dos projetos interdisciplinares para o trabalho com conteúdos curriculares oficiais da escola e capacitou-o para identificar características necessárias aos projetos interdisciplinares. Ao longo do capítulo, você constatou o seguinte: • Há muitas formas de classificação de projetos. 67 Projetos Interdisciplinares Capítulo 3 • Os vários tipos de projetos educacionais se diferenciam pelos objetivos que apresentam, pela organização e a forma como são conduzidos. • Os projetos de intervenção têm, normalmente, a função de promover uma introdução de modificações na estrutura ou na operação do sistema ou organização, afetando positivamente seu desempenho em função de problemas que resolve. • O projeto de pesquisa tem o intuito de construir conhecimentos, com garantia do rigor metodológico que uma investigação possui. • Os projetos de desenvolvimento têm a finalidade de produzir novas atividades ou implementar atividades já existentes. • Os projetos de ensino visam à melhoria do processo ensino aprendizagem. São projetos elaborados a partir de conteúdos de uma ou mais disciplinas e referem-se ao exercício das funções do professor. • O projeto de trabalho tem por objetivo a aprendizagem de conceitos e o desenvolvimento de competências e habilidades específicas de uma (ou mais) disciplina(s) curricular(es). • Desenvolver projetos na escola é um trabalho que permite aliar os conteúdos curriculares, tradicionalmente propostos na matriz curricular da escola, às vivências cotidianas de professores e alunos. • O desenvolvimento de projetos de trabalho coloca os alunos como centro do processo educacional, favorecendo com isto, seu desenvolvimento frente aos conteúdos curriculares propostos pela escola. • Os projetos de trabalho são mais eficazes quando envolvem mais de um professor, mais de uma disciplina curricular, ou seja, quando são interdisciplinares. • A interdisciplinaridade não exime a identidade de cada professor (ou conteúdo). Ao contrário, faz com que as diferentes identidades (e subjetividades) se complementem, contribuindo para uma finalidade maior. • A realização de um projeto depende de várias etapas de trabalho, que devem ser planejadas e negociadas com as crianças, para que elas possam se engajar e acompanhar o percurso até o produto final. • Para realizar um projeto interdisciplinar é necessário “compreender e respeitar o modo peculiar de ser de cada um, respeitar também o caminho que cada indivíduo empreendeu na busca de sua autonomia; é necessário revelar a identidade, a marca teórica de cada um”. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 68 • Para que os projetos interdisciplinares tenham eficácia, faz-se necessário ter objetivos definidos para atender a uma necessidade específica e ter começo e término programados. • Todo projeto precisa estar relacionado com os conteúdos, para não perder o foco. Além disso, é fundamental estabelecer limites e metas para a conclusão do trabalho. • Todas as coisas podem ser ensinadas por meio de projetos, basta que se tenha uma dúvida inicial e que se comece a pesquisar e buscar evidências sobre o assunto. Referências ARAUJO, Ulisses Ferreira de. Pedagogia de projetos e direitos humanos: caminhos para uma educação em valores. Pro-Posições, v.19, n.2, p. 193-204, 2008. BRASIL. Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 2006. v. 1. ______. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 1. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. 5 ed. São Paulo:Loyola, 2002. HERNÁNDEZ. Fernando. Reorganização do currículo por projetos. Educar para Crescer. Agosto 2002. Entrevista concedida a Cristiane Marangon e Eduardo Lima. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/ materias_296380.shtml>. Acesso em: 25 mai. 2010. MACHADO, Nilson José. Educação: projetos e valores. 5 ed. São Paulo: Escrituras editora, 2004. MOURA, Dácio Guimarões; BARBOSA, Eduardo Fernandes. Trabalhando com Projetos: Planejamento e Gestão de Projetos Educacionais. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 2009. VENTURA, Paulo Cesar Santos. Por uma pedagogia de projetos: uma síntese Introdutória. Educação & Tecnologia, Belo Horizonte, v.7, n.1, p.36-41, jan./jun. 2002. CAPÍTULO 4 Políticas Públicas de Implementação Curricular A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Analisar a função de algumas políticas públicas na área educacional. 3 Avaliar as políticas públicas que implementam o currículo escolar. 71 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 Contextualização A educação básica é obrigatória no Brasil, de acordo com a LDB 9.394/96. Antes da LDB 9.394/96, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 205, afirmava que a educação já havia se tornado um direito de todos, dever do estado e da família, devendo promover o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). A proposta desse artigo na Constituição de 1988 foi considerada um avanço para a educação brasileira, que foi coroada com a proposta de obrigatoriedade da educação para o nível básico na LDB 9.394/96. Desde então, algumas iniciativas têm sido realizadas na educação básica, a fim de tornar realidade esses pressupostos legais; ou seja, promover uma educação de qualidade. Todavia, concordo com Mello (1991, p.13) quando diz que, atualmente, “a convivência desses avanços com a situação de penúria da escola obrigatória de base mostra o descompasso do sistema com as novas demandas econômicas e sociais, que supõem um salto educacional da sociedade como um todo”. Essa demanda, que dificulta a efetivação de uma educação de qualidade, cria a urgência de se gerarem subsídios extras no cenário educacional. É aí que entram as políticas públicas (ou políticas sociais). Mas afinal, o que são políticas públicas? Este capítulo vai capacitar você para defini-las, comprovando a contribuição que trazem para a qualidade dos processos escolares no âmbito nacional. Além disso, você poderá avaliar como as políticas públicas estão implementando o currículo escolar oficial. Está preparado(a)? O Conceito de Políticas Públicas O termo política diz respeito à coordenação, organização e administração de estados, de povos. Neste sentido, a política está relacionada com tomadas de decisões e se torna pública quando tais decisões são elaboradas por pessoas que têm intenções, valores, opções e maneiras diferentes de perceber os contextos sociais. As políticas públicas devem ser vistas, segundo Hofling (2001), como resultados de debates entre diferentes pessoas, e, para que A educação já havia se tornado um direito de todos, dever do estado e da família, devendo promover o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O termo política diz respeito à coordenação, organização e administração de estados, de povos. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 72 todos os direitos sejam garantidos, devem ser acompanhadaspela comunidade e pelo poder público. Para Hofling (2001, p.31), as políticas públicas são entendidas como o “Estado em ação”; é o “Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade”, que visam alcançar os objetivos almejados nas decisões discursadas diante das necessidades propostas em relação às visões de mundo. Como exemplos de políticas públicas na educação brasileira podemos citar: a aprovação da LDB, em 1996; os PCNs, para orientação curricular nas escolas; o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); a política de inclusão e permanência na escola; a política dos nove anos; entre outras. No Brasil, as várias políticas educacionais implementadas ao longo dos últimos anos foram pensadas de modo a promover reformas de ensino de caráter nacional, de longo alcance, homogêneas, coesas, ambiciosas em alicerçar projetos para uma nação forte. É desta forma que Malarmé (2010) expõe, criticamente, a definição do termo políticas públicas na educação, no Brasil. Veja no texto que segue: FALANDO EM POLÍTICA EDUCACIONAL NO BRASIL O termo “política” tem inúmeros significados. O conceito encadeou-se, assim, ao poder do Estado – ou sociedade política – em atuar, proibir, ordenar, planejar, legislar, intervir, com efeitos vinculadores a um grupo social definido e ao exercício do domínio exclusivo sobre um território e da defesa de suas fronteiras. O Estado é compreendido como produto da razão, ambiência social marcada pela racionalidade, única na qual o ser humano encontrará a possibilidade de viver nos termos da razão, ou seja, de acordo com sua natureza. As políticas públicas emanadas do Estado anunciam-se nessa correlação de forças, e nesse confronto abrem-se as possibilidades para implementar sua face social, em um equilíbrio instável de compromissos, empenhos e responsabilidades. É estratégica a importância das políticas públicas de caráter social – saúde, educação, cultura, previdência, seguridade, informação, habitação, defesa do consumidor – para o Estado capitalista. Não são estáticas ou fruto de iniciativas abstratas, mas 73 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 estrategicamente empregadas no decurso dos conflitos sociais expressando, em grande medida, a capacidade administrativa e gerencial para implementar decisões do governo. Ao longo da história, a educação redefine seu perfil reprodutor/inovador da sociedade humana. O processo educativo forma as aptidões e comportamentos que lhes são necessários, e a escola é um dos seus locus privilegiados. Tática e estrategicamente, a centralidade da educação é reafirmada nos documentos e na definição de políticas governamentais. A reestruturação produtiva exige que se desenvolvam capacidades de comunicação, de raciocínio lógico-formal, de criatividade, de articulação de conhecimentos múltiplos e diferenciados de modo a capacitar o educando a enfrentar sempre novos e desafiantes problemas. Percebem-se dois movimentos simultâneos e articulados: de um lado, a afirmação da ideia de educação continuada que rompe as fronteiras dos tempos e locais destinados a aprender. A própria LDBN estabelece que sejam reconhecidas e certificadas as aprendizagens realizadas em outros espaços que não o escolar e, antevendo os diferentes e não programados períodos de estudo, propõe o ensino, por módulos, que permite a alternância entre períodos de ocupação e estudo. Por outro lado, reafirma a importância do sistema de ensino. Se o antigo sistema perde a serventia na “sociedade cognitiva”, tratando-se então de pensar outro ensino mais adequado, flexível, onde a ordem é reduzir o insucesso para alcançar menor desperdício de recursos humanos e materiais. Contraditoriamente, busca-se resolver no e pelo sistema de ensino aquilo que ele, por si só, é incapaz de solucionar. No período de 1930 a 1937 e no desenrolar do Estado Novo, nos anos de construção do regime militar, entre 1964 e a crise econômica que caracterizou o “fim do milagre”. As várias políticas educacionais implementadas foram pensadas de modo a promover reformas de ensino de caráter nacional, de longo alcance, homogêneas, coesas, ambiciosas em alicerçar projetos para uma “nação forte”. As reformas do ensino constituíram-se e foram apresentadas como importante instrumento de persuasão. Como nos anos de 1930, reivindicou- se para a educação a função de “criar” cidadãos e de reproduzir/ A centralidade da educação é reafirmada nos documentos e na definição de políticas governamentais. As várias políticas educacionais implementadas foram pensadas de modo a promover reformas de ensino de caráter nacional, de longo alcance, homogêneas, coesas, ambiciosas em alicerçar projetos para uma “nação forte”. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 74 modernizar as “elites”, simultaneamente à de contribuir para o trato da “questão social”. Como no regime militar, a ela foi atribuído o ofício de formar o capital humano, moldado pela ideologia da segurança nacional. Trata-se de convencer com o uso mínimo da ação estatal e da força, ou seja, trata-se de persuadir e construir novo consenso. Para isto, tem sido o sutil exercício linguístico posto em prática nos últimos tempos. Com o objetivo de instigar a obediência e a resignação pública, o novo vocabulário se faz necessário para erradicar o que se considera obsoleto e criar novas formas de controle, regulação e regimes administrativos. Em um artigo, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso afirma que há que substituir a “ação estatal” – burocrática e ineficiente – pela “ação pública”, baseada na responsabilidade e na solidariedade do cidadão, onerando assim a população e desresponsabilizando o Estado pela trágica situação da educação no país. Segundo alguns dados fornecidos pelo IPEA, sobre as condições físicas de estabelecimentos de ensino no país, tem- se a informação de que 25% deles não têm nenhum banheiro; 27% não existe água, nem mesmo de poço. Na zona rural, estes números sobem para 33%, sendo que 48% não dispõe de energia elétrica, nem mesmo bancos suficientes para os alunos sentarem- se, obrigados ou a dividir ou sentar no chão. E ainda, segundo uma pesquisa da CNTE, em 1997 nada menos do que nove Estados brasileiros pagaram a seus professores salários inferiores ao mínimo, violando assim a constituição. Fonte: MALARMÉ, Sérgio. Falando em política educacional no Brasil. 2007. Disponível em: <http://pt.shvoong.com>. Acesso em: 15 mai. 2010. Sob esta ótica, o que pode ser considerado Política Pública na educação? De forma simplista, poderíamos afirmar que são as iniciativas para modificar (contribuindo com a melhoria) a escola, no contexto nacional, por exemplo, a política dos nove anos no ensino Algumas dessas políticas públicas evidenciam o caráter centralizador, pois, reúnem em documentos de ordem nacional, orientações para todas as escolas, independente da cultura local. 75 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 fundamental, a política da escola de tempo integral (ainda não está concatenada às políticas públicas no nível federal, mas estamos a caminho disso), os Parâmetros e Diretrizes curriculares para os diversos níveis de ensino, os sistemas de avaliação (por exemplo o SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica), o programa nacional do livro didático, além dos programas de assistência à população de baixa renda para inclusão e permanência na escola. Algumas dessas políticas públicas evidenciam o caráter centralizador, pois, reúnem em documentos de ordem nacional, orientações para todas as escolas, independente da cultura local. Porisso, concordo com Santos (2002, p. 347) ao afirmar: De forma geral, as análises sobre as políticas públicas para os diferentes níveis e modalidades de ensino, no Brasil, têm mostrado a coerência interna dessas políticas, sua organicidade na busca de um reordenamento da educação, evidenciando o caráter centralizador dessas políticas, realizadas por meio da instituição de parâmetros e diretrizes curriculares, sistema nacional de avaliação e programa nacional de livro didático. De acordo com Santos (2002), essas questões têm sido debatidas, buscando uma análise sobre a equidade dos documentos oficiais. Além disso, “tem sido problematizada a questão de uma educação voltada para os interesses e a lógica do mercado e as formas encontradas para conjugar ampliação do acesso com a redução de custos no setor educacional.” (SANTOS, 2002, p.348). Atividade de Estudos: 1) Você conhece a realidade da Política dos nove anos no Ensino Fundamental? Sim? Então expresse sua opinião acerca de como esta política vem sendo implementada no contexto escolar. Verifique e analise se há recursos disponíveis, formação para o professor, debates para aprimoramento da prática na nova realidade, aceitação e/ou crítica dos professores acerca desta política. Se não conhece, busque essas informações na escola mais próxima: Tem sido problematizada a questão de uma educação voltada para os interesses e a lógica do mercado e as formas encontradas para conjugar ampliação do acesso com a redução de custos no setor educacional. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 76 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Para aprofundar seu conhecimento sobre as políticas públicas na educação, leia: AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública: polêmicas do nosso tempo. 3 ed. Campinas – SP: Autores Associados, 2004. Disponível na versão on-line no site: http://books.google.com.br No arcabouço teórico deste tema, há autores que apresentam uma análise crítica sobre o modo como as políticas públicas educacionais vêm ocorrendo no Brasil. É o caso de Arelaro (2007, p. 903), que afirma: O Brasil possui boas e interessantes experiências de ampla participação popular na definição de políticas, nem sempre devidamente valorizadas. É oportuno lembrar duas recentes experiências, ousadas nos seus objetivos e abrangência participativa: a elaboração por educadores do Plano Decenal de Educação, “proposta da sociedade brasileira” – experiência histórica pioneira do final da década de 1990 – e a realização do Fórum Social Mundial, como reação e mobilização popular contra as políticas neoliberais, que vêm sendo implementadas em todo o mundo e que, apesar do discurso “inclusivo”, espoliam cada vez mais os povos pobres e reduzem suas O Brasil possui boas e interessantes experiências de ampla participação popular na definição de políticas, nem sempre devidamente valorizadas. 77 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 possibilidades de participar de processos de socialização dos bens mundialmente produzidos. Neste sentido, Santos (2002) apresenta sua crítica às políticas públicas de normatização do currículo, como no caso dos parâmetros curriculares nacionais e o livro didático. Afirma que eles têm pouca eficiência e explica: Como os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados por um grupo, com a colaboração de intelectuais dos diferentes campos disciplinares, eles fatalmente irão apresentar inconsistências ou divergências implícitas, mesmo que a mão hábil de seus redatores tenha procurado atenuá-las ou suprimi-las. Além disso, as vozes discordantes, que se levantaram contra sua orientação, ou contra a forma como foram elaborados, estão atuando em outras esferas, sejam elas estaduais ou municipais, e articulando propostas mais compatíveis com suas ideias. (SANTOS, 2002, p. 352). A partir dessas leituras, num cenário que é político, partidário e administrativo, podemos observar que uma política nacional de orientação ao currículo e à escola é inviável, pois o “processo de elaboração curricular só pode ser pensado em uma dinâmica constante de construção e reconstrução.” (SANTOS, 2002, p. 352). Infiltrado nesse contexto, reflita sobre o que é necessário para estabelecer políticas públicas eficientes, que contribuam, de fato, com a melhoria da escola pública. De que forma as políticas públicas deveriam ser pensadas para atender às especificidades dos grupos sociais? Esta é uma discussão que tem se expandido na educação brasileira, especialmente no que toca à questão do currículo da escola pública. Em vista disso, na próxima seção, você estudará mais profundamente essa questão. Avaliando Iniciativas de Implementação do Currículo Escolar No estudo da seção anterior, você pôde reconhecer os documentos norteadores do currículo escolar como políticas públicas no âmbito nacional. Mas, você conhece os direcionamentos que esses documentos dão ao currículo? Nesta seção, você refletirá sobre as políticas públicas de implementação Uma política nacional de orientação ao currículo e à escola é inviável, pois o “processo de elaboração curricular só pode ser pensado em uma dinâmica constante de construção e reconstrução.” Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 78 curricular, mais precisamente sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil e os Parâmetros Curriculares Nacionais e, em seguida, conhecerá a efetivação de uma política pública no Estado de Santa Catarina para a implementação do currículo escolar, pela proposta Escola Pública Integrada (EPI). a) Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil O documento Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, já abordado no capítulo 2 deste caderno de estudos, estabelece os seguintes objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. De acordo com este documento, os objetivos de aprendizagem são delimitados da seguinte forma: • desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações; • descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar; • estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social; • estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração; • observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para suaconservação; • brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades; • utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva; • conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade. (BRASIL, 1998, p. 63). 79 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 Você acredita que estes objetivos podem desenvolver a criança de forma integral? Você acrescentaria ou retiraria algum objetivo para esse nível de ensino? É preciso compreender que as políticas públicas (propostas nesses documentos) precisam ser revisitadas por profissionais da educação, a fim de estabelecer ciclos de avaliação. Com certeza, ninguém melhor do que o professor para efetuar um parecer sobre esses documentos norteadores, garantindo, desta forma, a participação efetiva na elaboração das políticas públicas. b) Parâmetros Curriculares Nacionais – 1ª a 4ª série Os Parâmetros Curriculares Nacionais são, com efeito, uma política pública que visa orientar o currículo dos anos iniciais do ensino fundamental. Os parâmetros são divididos em dez volumes, reconhecendo as especificidades de cada área do conhecimento e valorizando os temas transversais, entendidos como ética, saúde, pluralidade cultural, meio ambiente e orientação sexual. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (1ª a 4ª SÉRIE) Volume 1 - Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais Volume 2 - Língua Portuguesa Volume 3 - Matemática Volume 4 - Ciências Naturais Volume 5 - História e Geografia Volume 6 - Arte Volume 7 - Educação Física Volume 8 - Apresentação dos Temas Transversais e Ética Volume 9 - Meio Ambiente e Saúde Volume 10 - Pluralidade Cultural e Orientação Sexual Estes documentos são muito importantes, pois orientam o trabalho do professor nos anos iniciais do ensino fundamental. Para consultá-los, acesse o portal do MEC: http://portal.mec.gov. br/ Clique em: Portal do Ministério da Educação; Publicações; Ensino Fundamental; PCN de 1ª a 4ª série Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 80 Cada volume dos PCNs trata de elencar os objetivos, os conteúdos curriculares, os encaminhamentos pedagógicos e a avaliação necessária em cada área do conhecimento. O segundo volume dos Parâmetros Curriculares Nacionais – da Língua Portuguesa – propõe como objetivos do ensino fundamental para esta área: expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá- la com eficácia em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos — tanto orais como escritos — coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados; utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade linguística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação comunicativa de que participam; conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado; compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções de quem os produz; valorizar a leitura como fonte de informação, via de acesso aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição estética, sendo capazes de recorrer aos materiais escritos em função de diferentes objetivos; utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem, sabendo como proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações contidas nos textos: identificar aspectos relevantes; organizar notas; elaborar roteiros; compor textos coerentes a partir de trechos oriundos de diferentes fontes; fazer resumos, índices, esquemas, etc.; valer-se da linguagem para melhorar a qualidade de suas relações pessoais, sendo capazes de expressar seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões, bem como de acolher, interpretar e considerar os dos outros, contrapondo-os quando necessário; usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a língua para expandirem as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade de análise crítica; conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero ou etnia. (BRASIL, 1997, v. 2, p. 33). Perceba que estes objetivos, propostos pelos PCNs para a língua Os conteúdos para a língua portuguesa a serem trabalhados nos anos iniciais devem prever também o letramento. 81 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 portuguesa, organizam os conteúdos desta área para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita. Você concorda que esses conteúdos são relevantes para o desenvolvimento do(a) aluno(a) nos anos iniciais do ensino fundamental? Certamente os conteúdos para a língua portuguesa a serem trabalhados nos anos iniciais devem prever também o letramento (tão absorvido pelos autores da área, na atualidade) e as especificidades da cultura regional. O volume três, sobre a Matemática, compreende que esta área do conhecimento é componente importante na construção da cidadania, na medida em que a sociedade se utiliza, cada vez mais, de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, dos quais os cidadãos devem se apropriar. Considerando este pressuposto, os PCNs orientam que o currículo de Matemática deve contribuir para a valorização da pluralidade sociocultural, impedindo o processo de submissão no confronto com outras culturas. (BRASIL, 1997. v. 3). O livro dos PCNs de Ciências Naturais (volume quatro) reconhece a importância do ensino de Ciências Naturais, afirmando que esta disciplina configura um espaço privilegiado, onde as diferentes explicações sobre o mundo, os fenômenos da natureza e as transformações produzidas pelo homem podem ser expostos e comparados. De acordo com esse volume, a disciplina de Ciências Naturais deve ser lugar para a expressão das explicações espontâneas dos alunos e daquelas oriundas de vários sistemas explicativos. (BRASIL, 1997, v. 4). O volume cinco, de História e Geografia, revela o ensino destas duas áreas com objetivos específicos, sendo um dos mais relevantes o que se relaciona e favorece a constituição da noção de identidade. Assim, é primordial que o ensino de História e Geografia estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e coletivas, entre as quais se constituem como nacionais (BRASIL, 1997, v. 5). O sexto volume, PCNs de Arte, afirma a importância desta área no currículo escolar, pois [...] propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas. (BRASIL, 1997, v. 6, p. 19). O sétimo volume, que se refere à Educação Física, explica que o trabalho O ensino de História e Geografia estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e coletivas, entre as quais se constituem como nacionais. O volume três, sobre a Matemática, compreende que esta área do conhecimento é componente importante na construção da cidadania. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais82 nesta área tem seus fundamentos nas concepções de corpo e movimento. O documento afirma que, nas aulas de Educação Física, não basta a repetição de gestos estereotipados, com vistas a automatizá-los e reproduzi-los. É necessário que o aluno se aproprie do processo de construção de conhecimentos relativos ao corpo e ao movimento e construa uma possibilidade autônoma de utilização de seu potencial gestual. (BRASIL, 1997, v. 7). O volume oito, que trata dos Temas Transversais e Ética, justifica a inclusão de questões sociais no currículo escolar. Não é uma preocupação inédita. Estas temáticas já têm sido discutidas e incorporadas às áreas ligadas às Ciências Sociais e Ciências Naturais, chegando mesmo, em algumas propostas, a constituir novas áreas, como no caso dos temas Meio Ambiente e Saúde. (BRASIL, 1997, v. 8). O nono volume afirma a importância de se trabalhar os temas: Meio Ambiente e Saúde. Este documento enfoca a necessidade de educar os futuros cidadãos brasileiros para que atuem de modo responsável e com sensibilidade. (BRASIL, 1997, v. 9). O décimo volume dos PCNs trata sobre a Pluralidade Cultural e Orientação Sexual. Estes temas dizem respeito ao conhecimento e à valorização das características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira. (BRASIL, 1997, v. 10). Atividade de Estudos: 1) Escolha uma área do conhecimento apresentada em um dos volumes dos PCNs e identifique os objetivos de aprendizagem da área escolhida e os conteúdos propostos. Em seguida, analise o teor da proposta (nos PCNs) em relação ao cotidiano da escola. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Temas: Meio Ambiente e Saúde enfoca a necessidade de educar os futuros cidadãos brasileiros para que atuem de modo responsável e com sensibilidade. 83 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 c) Uma Experiência de Políticas Públicas Uma das experiências de políticas públicas do estado de Santa Catarina revela a participação efetiva dos profissionais envolvidos com a educação. Trata-se da Proposta Escola Pública Integrada – a proposta EPI, implantada democraticamente em algumas escolas estaduais. O Projeto normatiza alguns elementos para orientação da construção de um currículo amplo e integrado, com disciplinas do núcleo comum e do núcleo diversificado. No documento que o normatiza está descrito: Portanto o currículo da Escola Pública Integrada deve ser entendido como eixo organizador, integrador e dinamizador do conjunto das ações desenvolvidas e projetadas pela escola. É importante lembrar que ele não é um elemento neutro da ação educativa. É uma construção histórico-social refletida no Projeto Político Pedagógico. (EPI, 2003 apud Pires, 2007, p. 106). De acordo com Pires (2007), a matriz curricular das escolas com EPI, no estado de Santa Catarina, é implementada com disciplinas do núcleo diversificado e núcleo comum, sendo que a proposta EPI orienta e organiza a matriz do núcleo diversificado, a fim de oportunizar liberdade para as escolas no processo de construção da matriz curricular da classe com EPI. Veja, a seguir, como a proposta EPI sistematiza o núcleo diversificado da matriz curricular, segundo Pires (2007, p. 34-35): O currículo da Escola Pública Integrada deve ser entendido como eixo organizador, integrador e dinamizador do conjunto das ações desenvolvidas e projetadas pela escola. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 84 No mínimo 02 aulas NÚCLEO DIVERSIFICADO – ÁREA 2 EIXO HABILITAÇÃO Letras EI XO 1 - L IN GU AG EM E C OM UN IC AÇ ÃO Língua Estrangeira Artes Educação Física EIXO 2 – CIÊNCIAS E MATEMÁTICA DISCIPLINAS EPI/Literatura 1 EPI/Literatura 2 EPI/Inglês EPI/Espanhol EPI/Francês EPI/Alemão EPI/Italiano Artes/Música Artes Plásticas 1 Artes Plásticas 2 Artes Cênicas 1 Artes Cênicas 2 Artes/ Artesanato 1 Artes/ Artesanato 2 Ed. Física/Dança 1 Ed. Física/Dança 2 Ed. Física/Esporte 1 Ed. Física/Esporte 2 Ed. Física/Esporte 3 Ed. Física/Cultura e Movimento 1 Ed. Física/Cultura e Movimento 2 Ciências/Iniciação e Pesquisa 1 Ciências/Iniciação e Pesquisa 2 Ciências/Ed. Tecnológica 1 Ciências/Ed. Tecnológica 2 Mat/Jogos Matemáticos 1 Mat/Jogos Matemáticos 2 Nº AULAS 02 04 02 02 01 02 01 02 01 02 01 02 01 02 03 01 02 01 02 01 02 01 02 OBSERVAÇÕES No mínimo 02 aulas No mínimo 02 aulas No mínimo 02 aulas EIXO 3 – HISTÓRICO E SOCIAL EPI/Turismo 1 EPI/Turismo 2 EPI/Sociologia 1 EPI/Sociologia 2 EPI/Filosofia 1 EPI/Filosofia 2 História/História Local 1 História/História Local 2 01 02 01 02 01 02 01 02 No mínimo 01 aula Fonte: Pires, 2007, p.34-35. Quadro 3 – Matriz Curricular da EPI 85 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 As disciplinas descritas em cada eixo temático são sugeridas às escolas com a EPI, para que, de acordo com as necessidades da comunidade local e as possibilidades da escola, cada uma possa escolher as disciplinas e a carga horária que irá oferecer. A orientação para a implantação da EPI e a organização curricular das escolas do estado, é constituída nos seguintes termos: A dimensão de totalidade das ações envolvidas pela instituição escolar, sejam elas, disciplinares ou não, regulares ou não, sistemáticas ou não, realizadas no espaço escolar ou fora dela; A flexibilidade dos processos pedagógicos, oportunizando maior compreensão participação do/no movimento da realidade e do pensamento; Uma concepção clara e definida de gestão educativa, visando garantir ação efetiva e proativa dos sujeitos que integram o processo escolar; Uma concepção de avaliação que, em consonância com os propósitos da ação educativa, oriente os processos pedagógicos em suas diferentes formas; Uma concepção sócio-histórica de aprendizagem que permita a adoção de critérios consistentes na seleção de conteúdos, na definição de objetivos, no estabelecimento de estratégias metodológicas e nas decisões sobre formas de organização dos processos pedagógicos. (Projeto Escola Pública Integrada, 2003, apud PIRES, 2007, p. 33). Saiba mais!!! A experiência da EPI, no Estado de Santa Catarina, foi registrada na dissertação de mestrado de Gisele Brandelero Camargo Pires, autora deste caderno de estudo. Para conhecer mais sobre esta experiência, acesse: http://www.dominiopublico.gov.br/download/ texto/cp045206.pdf Como foi possível verificar nesta seção, as políticas públicas, expressas nos documentos norteadores do currículo escolar, possuem as características de centralização e linearidade do currículo. Para que essas políticas públicas As disciplinas descritas em cada eixo temático são sugeridas às escolas com a EPI, para que, de acordo com as necessidades da comunidade local e as possibilidades da escola, cada uma possa escolher as disciplinas e a carga horária que irá oferecer. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 86 avancem na efetivação das melhorias na escola pública brasileira,é necessária a intensa participação dos profissionais dessa área. Atividade de Estudos: 1) Você chegou ao final desta disciplina. Pense, então, de que forma o currículo escolar (da educação infantil e/ou anos iniciais do ensino fundamental) pode ser reestruturado, a fim de oportunizar as melhorias, tão necessárias, na escola pública. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Considerações Finais Neste capítulo, você foi capacitado para analisar a função das políticas públicas na educação e avaliá-las enquanto implementadoras do currículo escolar. Ao longo do capítulo, você pôde constatar o seguinte: • O termo política diz respeito à coordenação, organização e administração de estados, de povos. Neste sentido, a política está relacionada com tomadas de decisões e se torna pública quando tais decisões são elaboradas por pessoas que têm intenções, valores, opções e maneiras diferentes de perceber os contextos sociais. • As políticas públicas são entendidas como o “Estado em ação”; é o “Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade”, que visam alcançar os objetivos almejados nas decisões discursadas diante das necessidades propostas em relação às visões de mundo. 87 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 • O termo “política” tem inúmeros significados. O conceito encadeou-se, assim, ao poder do Estado – ou sociedade política – em atuar, proibir, ordenar, planejar, legislar, intervir, com efeitos vinculadores a um grupo social definido e ao exercício do domínio exclusivo sobre um território e da defesa de suas fronteiras. • Há iniciativas para modificar (contribuindo com a melhoria) a escola, no contexto nacional, como a Política dos nove anos no Ensino Fundamental, a Política da escola de tempo integral (ainda não está concatenada às políticas públicas no nível federal, mas está a caminho disso), os Parâmetros e Diretrizes curriculares para os diversos níveis de ensino, os sistemas de avaliação (SAEB, por exemplo), o programa nacional do livro didático, além dos programas de assistência à população de baixa renda para inclusão e permanência na escola. • O Brasil possui boas e interessantes experiências de ampla participação popular na definição de políticas, nem sempre devidamente valorizadas. É oportuno lembrar duas recentes experiências, ousadas nos seus objetivos e abrangência participativa, que são: a elaboração por educadores do Plano Decenal de Educação e a realização do Fórum Social Mundial. • O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil estabelece os eixos de trabalho e têm os seguintes objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. • Os Parâmetros Curriculares Nacionais revelam-se numa política pública que visa orientar o currículo dos anos iniciais do ensino fundamental. Eles são divididos em dez volumes, reconhecendo as especificidades de cada área do conhecimento e valorizando os temas transversais, entendidos como ética, saúde, pluralidade cultural, meio ambiente e orientação sexual. • Como exemplo de políticas públicas, apresentamos a proposta EPI de Santa Catarina com disciplinas do núcleo comum e do núcleo diversificado. Para que essas políticas públicas avancem na efetivação das melhorias na escola pública brasileira, é importante que se promova muita discussão e uma intensa participação dos profissionais da área da educação. Currículo na Educação Infantil e Anos Iniciais 88 Referências ARELARO, Lisete R. G. Formulação e implementação das políticas públicas em educação e as parcerias público-privadas: impasse democrático ou massificação política? Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 899-919, out. 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26 mai. 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. ______. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: Brasília: MEC/SEF, 1997. v.2. ______. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 3. ______. Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais Brasília: MEC/ SEF, 1997. v. 4. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: história, geografia. Brasília: MEC/ SEF, 1997. v. 5. ______. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 6. ______. Parâmetros curriculares nacionais: educação física. Brasília: MEC/ SEF, 1997. v. 7. ______. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 8. ______. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente, saúde. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 9. ______. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 10. HOFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Caderno CEDES, Campinas, v. 21, n. 55, p. 30-41, nov. 2001. 89 Políticas Públicas de Implementação Curricular Capítulo 4 MELLO, Guiomar Namo de. Políticas públicas de educação. Instituto de Estudos avançados, São Paulo, v. 5, n. 13, p. 7-47, dez. 1991. PIRES, Gisele Brandelero Camargo. Escola pública integrada: as impressões dos professores e especialistas das escolas de Blumenau – SC. 155f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Mestrado Acadêmico em Educação, Universidade do Vale do Itajaí, 2007. SANTOS, Luciola Licinio de C. Políticas Públicas para o Ensino Fundamental: Parâmetros Curriculares Nacionais e Sistema Nacional de Avaliação (SAEB). Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 23, n. 80, p. 346-367, set. 2002.