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A competência é um conjunto de regras que assegura a eficácia da garantia da jurisdição e, especialmente, do juiz natural. Delimitando a jurisdição, condiciona seu exercício. Como regra, um juiz ou tribunal somente pode julgar um caso penal quando for competente em razão da matéria, pessoa e lugar. Seguiremos o pensamento majoritário, que costuma afirmar que a competência em razão da matéria e pessoa é absoluta, ao passo que o critério local do crime seria relativo. Logo, a violação das regras de competência para matéria e pessoa, por ser absoluta, não se convalida jamais (não há preclusão ou prorrogação de competência) e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal, em qualquer fase do processo. Com relação à competência em razão do lugar, ao compreendermos que a jurisdição é uma garantia, não pode ela ser esvaziada com a classificação civilista de que é “relativa”. Ou seja, a eficácia da garantia do juiz natural não permite que se relativize a competência em razão do lugar. Assim, também consideramos a competência, em razão do lugar, absoluta. Predomina a noção civilista de que a competência, em razão do lugar do crime, é relativa. Desde a mera leitura do CPP, defendem que a incompetência em razão do lugar do crime deve ser arguida pelo réu no primeiro momento em que falar no processo, sob pena de preclusão e prorrogação da competência do juiz. O julgador, que inicialmente era incompetente em razão do lugar, adquire competência pela preclusão da via impugnativa. Somente o réu pode alegar a incompetência em razão do lugar, pois o Ministério Público, ao eleger o local onde ofereceu a denúncia, fez sua opção e, portanto, preclusa a via para ele. A distinção está em que, na incompetência em razão da matéria e pessoa, por serem critérios absolutos e indisponíveis, não se opera nenhuma espécie de convalidação (não há preclusão e nem prorrogação de competência do juiz). Inclusive em grau recursal pode ser declarada a incompetência do juiz (Questão de ordem pública). Já em relação ao lugar, ou a defesa alega através da respectiva exceção ou ela se prorroga. Nesse caso, somente o juiz poderá fazê-lo, até a sentença. Desde logo, advertimos que não existe nenhuma hierarquia ou ordem entre os incisos, e qualquer tentativa de extrair uma regra de aplicação a partir daí esbarrará em tantas exceções que a regra se diluirá. Propomos definir a competência a partir de três perguntas básicas: 1ª. Qual é a Justiça e órgão competente? Aqui se discutem os critérios relativos à matéria e pessoa, considerando a existência de: 1. Justiças Especiais 2. Justiças Comuns 1.1. Justiça Militar 2.1. Justiça Comum Federal 1.1.1. Justiça Militar Federal 2.2. Justiça Comum Estadual 1.1.2. Justiça Militar Estadual 1.2. Justiça Eleitoral Sempre, para definição da “Justiça” competente, deve-se considerar a matéria em julgamento e começar a análise pela esfera mais restrita das Justiças Especiais (começando pela Justiça Militar Federal, depois Estadual e, por fim, a Eleitoral), para, por exclusão, chegar às Justiças Comuns (Primeiro a Federal), para só então chegar à Justiça mais residual de todas: a Justiça Comum Estadual. Assim, um crime somente será de competência da Justiça Comum Estadual quando não for de competência de nenhuma das anteriores. Definida a Justiça, deve-se analisar ainda em qual será o nível da jurisdição que terá atuação originária, pois pode ocorrer que, por exemplo, em virtude do cargo que o réu ocupe, o processo já nasça no Tribunal de Justiça, no Superior Tribunal de Justiça ou mesmo no Supremo Tribunal Federal. Assim, para encontrar o órgão julgador, devemos considerar a existência dos seguintes níveis de jurisdição (Justiça Comum): Mas o problema poderá não estar resolvido ainda, com a mera definição da Justiça e órgão julgador. Em se tratando de primeiro grau de jurisdição, deve-se ainda definir qual é o foro competente, passando então à segunda pergunta. 2ª Qual é o foro competente (local)? Quando, em razão da natureza do delito (matéria) e qualidade do agente (pessoa), o julgamento for de competência da Justiça de primeiro grau, deve-se ainda definir qual será o foro competente (lugar), atendendo, nesse caso, às regras dos arts. 70 e 71 do CPP. Excepcionalmente, dependendo da situação, poderá ser necessário recorrer às regras dos arts. 88 a 90, quando o delito for cometido a bordo de navio ou aeronave, como explicaremos na continuação. Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. § 1o Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. § 2o Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado. § 3o Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção. Art. 71. Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção. 3ª Qual é a vara ou juízo? Ainda que respondidas as duas perguntas anteriores, pode a competência não estar definida, como ocorre, por exemplo, com um crime de roubo cometido na cidade de Porto Alegre. A Justiça será a comum estadual (diante da não incidência das demais), o órgão é o juiz de direito (primeiro grau) e o local será a comarca de Porto Alegre. Contudo, ainda assim, quantos juízes igualmente competentes em razão da matéria, pessoa e lugar existem nessa cidade? Dezenas. Logo, qual deles irá julgar? Deveremos recorrer aos critérios da prevenção (art. 83) ou da distribuição, conforme o caso. Finalmente, após responder corretamente a essas três perguntas, teremos a exata definição do juiz ou tribunal competente para o julgamento do processo penal. Mas, como advertimos no início, esse é um tema bastante complexo e, ainda que tudo isso tenha sido definido, a ocorrência de conexão ou continência pode alterar substancialmente a resposta final, como veremos. Qual é a Justiça Competente? Definição da Competência das Justiças Especiais (Militar e Eleitoral) e Comuns (Federal e Estadual) Justiça (Especial) Militar Federal: À Justiça Militar Federal compete o julgamento dos militares pertencentes às forças armadas (exército, marinha e aeronáutica), que possuem atuação em todo o território nacional. Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Requisitos: 1º seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar, pois somente assim teremos um crime militar; 2º esteja presente uma daquelas situações descritas no art. 9º do Código Penal Militar; 3º por fim, a jurisprudência tem (buscando claramente restringir a competência da Justiça Militar) passado a exigir uma situação de interesse militar. Isso porque a atuação da Justiça Militar deve ser excepcional somente nos casos de “efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos das Forças Armadas”. Trata-se de construção jurisprudencial de natureza subjetiva, que deve ser analisada caso a caso. *Pode um civil ser julgado na Justiça Militar Federal, desde que presentes as situações previstas no art. 9º do CPM. Exemplo: há alguns anos um grupo de pescadores foi surpreendido dentrode uma área militar (exército). Foram julgados e condenados pela Justiça Militar Federal pela prática do delito de ingresso clandestino em área de manobras militares (art. 302 do CPM). Justiça (Especial) Militar Estadual: A competência da Justiça Militar Estadual está prevista no art. 125, § 4º, da Constituição: Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. A competência da Justiça Militar Estadual também remete ao conceito de crime militar do art. 9º do CPM, exigindo, assim, que: 1º seja uma conduta tipificada no Código Penal Militar, pois somente assim teremos um crime militar; 2º esteja presente uma daquelas situações descritas no art. 9º do Código Penal Militar; 3º que o agente seja “militar do Estado”, ou seja, membro da polícia militar estadual, polícia rodoviária estadual ou bombeiro; 4º como explicado na Justiça Militar Federal, também na estadual, a jurisprudência tem exigido a presença de um real interesse militar na atuação, ou seja, que a atividade tenha sido propter officium. Isso porque também a atuação da Justiça Militar Estadual deve ser excepcional somente nos casos de efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos militares. Trata- se, por evidente, de uma questão a ser analisada caso a caso, fazendo com que exista grande oscilação das decisões nessa matéria. Quanto à possibilidade de o civil ser julgado na Justiça Militar Estadual, ao contrário da federal, aqui a Constituição adotou um critério objetivo-subjetivo. Ou seja, deve ser crime militar praticado por militar do Estado, descartando completamente a possibilidade de um civil ser julgado na Justiça Militar Estadual. Assim, somente quando concorrerem esses dois elementos (militar + crime militar), poderemos ter um crime de competência da Justiça Militar Estadual. Nessa linha está a (desnecessária) Súmula n. 53 do STJ, que apenas repete a disciplina constitucional. Por fim, sublinhamos que se o policial militar (estadual) cometer um crime doloso contra a vida de civil, tentado ou consumado, será julgado na Justiça Comum (federal, se presente alguma das circunstâncias do art. 109 da Constituição; ou estadual, nos demais casos) pelo Tribunal do Júri. Em que pese ser considerado crime militar (previsto no CPM), a Lei n. 9.299/96 deslocou a competência para o Tribunal do Júri, com a assumida intenção de subtrair do julgamento da Justiça Militar Estadual. Essa regra foi recepcionada e incluída no texto constitucional. Apenas quando cometido por militar contra militar é que o crime doloso contra a vida será julgado na Justiça Militar Estadual. Justiça (Especial) Eleitoral: A Justiça Especial Eleitoral prevalece sobre as Justiças Comuns, mas que a Militar não prevalece, ela cinde (separa). Assim, sempre que tivermos um crime eleitoral conexo com um crime comum, previsto no Código Penal, a competência para julgamento de ambos (reunião por força da conexão) será da Justiça Eleitoral (art. 78, IV). Os únicos crimes em que tal reunião dá ensejo a grande discussão são aqueles de competência do Tribunal do Júri (previstos no art. 74, § 1º, do CPP), especialmente o de homicídio doloso. Nesses casos, tem prevalecido atualmente a posição de que, quando o crime eleitoral for conexo com o homicídio doloso (ou outro de competência do júri), haverá cisão: o crime eleitoral será julgado na Justiça Eleitoral e o homicídio, no Tribunal do Júri. Isso porque a competência do júri é constitucional, prevalecendo sobre o disposto em leis ordinárias (como o Código Eleitoral e o CPP). Justiça (Comum) Federal: A competência da Justiça Federal é residual em relação às especiais, sendo sua atuação restrita aos crimes que não sejam de competência daquelas. Por outro lado, prevalece sobre a outra Justiça Comum, a Estadual, pois é considerada mais graduada nos termos do art. 78, III, do CPP. No primeiro caso (art. 109, IV, da CF), o crime será de competência da Justiça Federal quando for praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Assim, qualquer delito que atinja bens jurídicos sobre os quais recaia esse interesse será de competência da Justiça Federal o seu processo e julgamento. Importante que a Constituição excluiu da competência da Justiça Federal as contravenções, mesmo quando praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, autarquias ou empresas públicas. Mas a interpretação não pode ser extensiva ou por analogia, diante do princípio da reserva legal e a garantia do juiz natural. Logo, quando a Constituição fala em empresa pública, por exemplo, não se pode ampliar para alcançar as empresas de economia mista. Assim, os crimes praticados em detrimento da Caixa Econômica Federal, por exemplo, serão julgados na Justiça Federal. Contudo, o mesmo delito de roubo, praticado contra o Banco do Brasil, será julgado na Justiça Estadual, pois se trata de empresa de economia mista. Quanto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, eventual delito praticado em seu detrimento será de competência da Justiça Federal. Contudo, quando estivermos diante de uma loja franqueada dos correios, a situação muda completamente, cabendo à Justiça Estadual o processo e julgamento, pois não há prejuízo efetivo da União, mas do particular que adquiriu a franquia. Não há que se esquecer que na estrutura da Justiça Federal de primeiro grau existe Tribunal do Júri, de modo que, se o delito praticado pelo servidor ou contra ele for um crime doloso contra a vida, tentado ou consumado, a competência será do Tribunal do Júri Federal. Justiça (Comum) Estadual: É a mais residual de todas. Um crime somente será julgado na Justiça Comum Estadual quando não for de competência das Especiais (Militar e Eleitoral), nem da comum federal. Inclusive, é importante destacar, em eventual conflito entre a Justiça Federal e a Estadual, prevalece a Federal, nos termos do art. 78, III, do CPP. Qual é o Foro Competente (Local)? Definida a Justiça competente, a partir dos critérios anteriormente explicados, deve-se ainda apontar qual é o foro competente (competência em razão do lugar). Prevalece o entendimento jurisprudencial e doutrinário de que a competência em razão do lugar é relativa (com o que não concordamos, conforme explicado anteriormente), devendo ser arguida no primeiro lugar em que a defesa se manifestar nos autos, sob pena de preclusão (prorrogatio fori). Nessa perspectiva, somente a defesa poderá alegá-la, não podendo ser conhecida pelo juiz, de ofício, e tampouco pode ser alegada pelo Ministério Público, na medida em que o promotor, ao oferecer a denúncia, faz sua opção. Para tanto, utilizam-se as regras dos arts. 70 e 71 do CPP. Iniciemos pelo critério do art. 70, onde o lugar da infração é aquele em que se consumar a infração ou, no caso de tentativa, o lugar em que for praticado o último ato de execução. Partindo de uma necessidade probatória, tem-se feito uma ginástica jurídica, criando-se um conceito de consumação para o processo penal que não corresponde àquele previsto no Código Penal, adotando-se na prática a teoria da atividade. Nessa linha, “lugar da infração” passou a ser visto como aquele onde se esgotou o potencial lesivo da infração, ainda que distinto do resultado. Isso atende a uma necessidade probatória, pois todos os elementos do crime estão na cidade onde ocorreu o atropelamento, e não onde a vítima morreu. Láestá o lugar do crime (atropelamento) para ser periciado, lá será feita a reconstituição simulada, e lá residem as testemunhas presenciais do fato. No nosso exemplo, o réu será julgado na comarca de Canoas, lugar onde se esgotou o potencial lesivo da infração. Por fim, devemos sublinhar que o critério de domicílio ou residência do réu, art. 72 do CPP, é considerado o mais subsidiário de todos, pois somente pode ser utilizado quando desconhecido o lugar do crime. Existe, ainda, um único caso de eleição de foro no processo penal, previsto no art. 73 do CPP e somente aplicável no caso de ação penal privada. Segundo o art. 73, o querelante poderá optar pelo foro de domicílio ou residência do réu, ainda que conhecido o lugar da infração. É o único caso em que o autor pode eleger o foro onde a ação penal (privada) será processada e julgada. Qual é a Vara, o Juízo Competente? Definida a competência em razão da matéria (Justiça Estadual, Federal etc.) e o lugar (cidade), resta saber dentro daquela Justiça, naquela cidade, qual vai ser o juiz competente para o julgamento. A questão aqui será resolvida a partir da prevenção ou distribuição. Nos termos do art. 83, será competente o juiz que tiver antecedido os demais na prática de algum ato decisório, como o recebimento da denúncia. Mas também será competente, em razão da prevenção, aquele que tiver praticado, na fase pré-processual, algum ato decisório, como a homologação da prisão em flagrante, a decretação da prisão preventiva ou temporária, ou, ainda, tiver decidido sobre alguma medida assecuratória ou mesmo busca e apreensão. Caso nenhum juiz esteja prevento, será empregado o sistema de distribuição (art. 75), uma escolha aleatória entre os juízes igualmente competentes, definindo assim qual deles será então o competente para o processo e julgamento. Teoria do Juiz Aparente: Se no momento da realização do ato da investigação os elementos de informação trazidos do juiz conduzem para sua competência aparente, ainda que posteriormente a sua incompetência absoluta, estes atos de investigação poderão ser ratificados pelo juiz competente. Competência Territorial: Vigora o princípio do resultado - local onde o crime foi consumado. Exceção – Nos casos de crimes dolosos contra a vida considera-se competente o local onde se esgotou os atos de execução em razão da melhor colheita da prova (M.P) Se não for possível definir onde o crime foi consumado a possibilidade de competência territorial é o domicílio do réu. - Quando é ação penal privada o querelante pode escolher apresentar a queixa no local onde - resultou o crime ou no local de residência do querelado. - No caso de não saber o local do resultado, o réu não tiver domicílio, utiliza-se a competência do primeiro despacho, juiz prevento. Resumo feito com base na Doutrina de Aury Lopes Júnior
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