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AULA 03 EDUCAÇÃO E TRABALHO

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AULA 03-EDUCAÇÃO E TRABALHO
Conversa Inicial
Olá! Esta é a terceira aula da disciplina de Educação e Trabalho.
Nesta aula, vamos discutir de que forma as mudanças sociais desencadeadas pelo modo como os homens organizam suas relações de trabalho influenciam também mudanças educacionais. Trataremos sobre as mudanças na forma de produção, das relações escravistas para as relações servis e destas para as relações assalariadas, próprias do sistema Capitalista.
Veremos também como as reformas religiosas participam desse processo e trazem consequências para a organização da educação escolarizada. Além do mais, falaremos sobre o período do Iluminismo e seu papel da definição de uma escola laica, estatal e definida com base em conhecimentos científicos.
Como acontecem atualmente as relações de produção entre as diferentes classes sociais? Sempre foi assim? De que forma essas relações influenciam o campo educacional?
Essas são algumas questões importantes para serem pensadas quando se estuda a relação Trabalho-Educação. Na medida em que se modificam as relações sociais baseadas na forma como os homens se organizam para produzir o que necessitam para viver por meio do trabalho, também se modificam as formas de pensar, a cultura e consequentemente a educação.
Por exemplo, na Antiguidade Clássica, grega e romana, as relações de trabalho eram baseadas em relações de produção escravistas. Assim, quem de fato trabalhava e mantinha as condições de vida dos mais abastados eram os escravos. Escravos esses,
em geral, bastante cultos, posto que os povos da Grécia e de Roma eram
culturalmente bastante desenvolvidos.
Para saber mais sobre as modificações na forma de trabalhar desde a Antiguidade Clássica, assista a seguir à videoaula da professora Kátia Soares.
http://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/
SLAYDES PAG 01-
Outro período muito importante na história da humanidade foi a época do Iluminismo, das “luzes do conhecimento”, período que rompe com as ideias predominantes na Idade Média, baseadas até então nos dogmas da fé cristã. Com o Iluminismo, surge a Ciência moderna e a valorização de que os conhecimentos precisavam ser comprovados por meio da experiência empírica.
O conhecimento científico é importante até os dias de hoje? De que forma?
Procure pensar sobre os diferentes tipos de conhecimento que existem na nossa sociedade. Nesse sentido, qual seria o papel do conhecimento considerado científico?
Refletir sobre essas questões é necessário para que possamos entender a relação entre
a educação escolarizada e a transmissão de conhecimentos científicos até
os dias de hoje.
Leia mais sobre a questão do conhecimento na nossa sociedade acessando os artigos “O acesso desigual ao conhecimento científico” e “Conhecimento e sociedade: diálogos impertinentes”. Clique nos ícones a seguir e confira!
ARTIGP 01-
https://www.scielo.br/j/ts/a/dnYSh34RjpLPc9CQ77BSyLr/?lang=pt
ARTIGO 02
https://www.scielo.br/j/soc/a/k3kGJn8qk3BpCs7LNZK4JRL/?lang=pt
Além disso, consulte o livro-base da disciplina - capítulo III e assista à videoaula indicada.
http://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/
SLAYDES 
De acordo com Pereira (2013, pag.63): “O conhecimento científico é, de certa forma, recente, tendo surgido no século XVII. Porém, sua gênese está na Grécia Antiga, em Atenas, imbricada com a filosofia e à disposição da classe dos eupátridas – os únicos que tinham cidadania plena -, filhos de atenienses e nascidos em Atenas. Isso nos faz pensar que não é somente de hoje que a possibilidade de acesso ao conhecimento é determinante para o governo dos homens”.
Você concorda com o posicionamento da autora de que a possibilidade de acesso ao conhecimento é ainda hoje determinante para o governo dos homens?
Reflita e registre suas considerações.
Para participar do fórum, acesse o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).
http://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/
Na aula de hoje, vimos que as mudanças no modo de produzir (trabalho) trazem também mudanças na área da educação. Pudemos compreender também que, das relações escravistas na Antiguidade Clássica, passamos às relações servis na Idade Média e daí para relações assalariadas no contexto do Capitalismo.
Dessa forma, pudemos compreender como as reformas religiosas participaram desse processo e influenciaram questões educacionais, como métodos de ensino e nivelamento dos alunos.
Assista à videoaula a seguir, onde a professora faz um resumo da aula.
http://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/
Após estudar sobre as mudanças nos modos de produção de acordo com os diferentes períodos históricos, que tal, agora, você discutir em um bate-papo com amigos ou colegas de curso sobre o que abordamos aqui?
Lembre-se que trocar informações é sempre importante para nossa aprendizagem, pois saber o que os outros pensam sobre o assunto também ajudará você a desenvolver sua argumentação com base em conhecimentos científicos.
ARTIGO 01 acesso desigual ao conhecimento científico
Unequal access to scientific knowledge
Charles Tilly
 Resumos
 Text
 Datas de Publicação
Resumos
Aqui são tratadas algumas questões relativas ao acesso desigual ao conhecimento científico que afeta o bem-estar humano: controle sobre sua produção e distribuição e acesso a esse conhecimento por pessoas cujo bem-estar será ou poderá ser afetado por ele. Certamente não fornecerei respostas convincentes e abrangentes às questões, mas pretendo mostrar por que e como elas são importantes. O acesso ao conhecimento científico envolve os temas da ação, da identidade e da liberdade em três aspectos distintos. Em primeiro lugar, a produção e a distribuição de conhecimento científico dependem de agentes informados que, de forma quase inevitável, reservam o conhecimento para vantagem própria e de seus financiadores. Em segundo lugar, o controle sobre o conhecimento científico se organiza em torno de fronteiras definidoras de identidade, que dividem, de um lado, os que têm direitos a esse conhecimento e, de outro, os que carecem de tais direitos. Em terceiro lugar, a superação das barreiras entre os beneficiários e as vítimas do acesso desigual exige, normalmente, a ação heróica de advogados e autoridades políticas.
Scientific knowledge; Inequalities; Categorical inequality; Social identities
The author raises questions about unequal access to scientific knowledge whose consequences affect human well being: control over production of that knowledge, control over its distribution, and access to that knowledge by people whose well being it will or could affect. I will try to show how and why they matter. the problem of access to scientific knowledge involves agency, identity, and freedom. It involves those themes in three different ways. First, the production and distribution of scientific knowledge depends on knowledgeable agents who almost inevitably hoard their knowledge to the differential advantage of themselves and their sponsors. Second, control over scientific knowledge organizes around identity-defining boundaries between those who have rights to that knowledge and those who lack such rights. Third, overcoming the barriers between beneficiaries and victims of unequal access ordinarily requires heroic agency on the part of advocates and political authorities.
Scientific knowledge; Inequalities; Categorical inequality; Social identities
DOSSIÊ � SOCIOLOGIA DA DESIGUALDADE
O acesso desigual ao conhecimento científico*
Unequal access to scientific knowledge
Charles Tilly
RESUMO
Aqui são tratadas algumas questões relativas ao acesso desigual ao conhecimento científico que afeta o bem-estar humano: controle sobre sua produção e distribuição e acesso a esse conhecimento por pessoas cujo bem-estar será ou poderá ser afetado por ele. Certamente não fornecerei respostas convincentes e abrangentes às questões, mas pretendo mostrar por que e como elas são importantes. O acesso ao conhecimento científico envolve os temas da ação, da identidade e da liberdade em três aspectos distintos. Em primeiro lugar, a produção e a distribuiçãode conhecimento científico dependem de agentes informados que, de forma quase inevitável, reservam o conhecimento para vantagem própria e de seus financiadores. Em segundo lugar, o controle sobre o conhecimento científico se organiza em torno de fronteiras definidoras de identidade, que dividem, de um lado, os que têm direitos a esse conhecimento e, de outro, os que carecem de tais direitos. Em terceiro lugar, a superação das barreiras entre os beneficiários e as vítimas do acesso desigual exige, normalmente, a ação heróica de advogados e autoridades políticas.
Palavras-chave: Conhecimento científico; Desigualdades; Desigualdade categórica; Identidades.
O Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, fez há alguns anos um vigoroso apelo aos cientistas para que agissem contra a desigualdade técnico-científica. Ele apontou que
[...] cerca de 95% da nova ciência é criada nos países que abrigam somente um quinto da população mundial. Grande parte dessa ciência � no âmbito da saúde, por exemplo � negligencia os problemas que afligem a maioria da população mundial. A distribuição desigual da atividade científica gera sérios problemas não só para a comunidade científica dos países em desenvolvimento, mas para o próprio desenvolvimento. Ela acelera a disparidade entre países avançados e em desenvolvimento, criando dificuldades sociais e econômicas no plano nacional e internacional. A idéia de dois mundos científicos é um anátema ao espírito científico. A mudança desse cenário e a extensão dos benefícios da ciência a todos exigirão o empenho dos cientistas e das instituições científicas em todo o mundo (Annan, 2003, p. 1485).
Inspirado pelo apelo de Annan, gostaria de formular algumas questões relativas ao acesso desigual ao conhecimento científico, todas em torno das conseqüências que esse conhecimento acarreta para o bem-estar humano: controle sobre a produção, a distribuição e o acesso das pessoas cujo bem-estar pode ser afetado por tal conhecimento. Certamente não fornecerei respostas convincentes e abrangentes às questões, mas tentarei mostrar por que e como elas são importantes.
Como esclarecerei em seguida, o problema do acesso ao conhecimento científico envolve os temas da ação, da identidade e da liberdade em três aspectos distintos. Em primeiro lugar, a produção e a distribuição de conhecimento científico dependem de agentes informados que, de forma quase inevitável, reservam o conhecimento para vantagem própria e de seus financiadores. Em segundo lugar, o controle sobre o conhecimento científico se organiza em torno de fronteiras definidoras de identidade, que dividem, de um lado, os que têm direitos a esse conhecimento e, de outro, os que carecem de tais direitos. Em terceiro lugar, a superação das barreiras entre os beneficiários e as vítimas do acesso desigual exige, normalmente, a ação heróica de advogados e autoridades políticas. Como afirmou Amartya Sem, a pobreza significa a privação de capacidades, uma forma de não-liberdade (cf. Sem, 1995). Se considerarmos o acesso ao conhecimento científico benéfico uma forma de liberdade, então a reserva desse conhecimento limita a liberdade no mundo.
Consideremos a desigualdade categórica, isto é, aquelas formas de benefício desigual em que conjuntos inteiros de pessoas, de um lado e de outro da fronteira, não recebem o mesmo tratamento. Desigualdades categóricas são, por exemplo, as que dividem homens e mulheres, pessoas que falam hebraico das que falam árabe, membros de diferentes religiões ou cidadãos de nações distintas. Embora os mesmos princípios se apliquem a diferenças individuais, em nosso mundo as diferenças categóricas em bem-estar e sofrimento suplantam a variação individual no interior das categorias. Assim, a maioria dos cidadãos de Israel vive de forma muito mais confortável do que os cidadãos de Serra Leoa, Myanmar ou Guatemala, exceto os mais privilegiados.
As categorias são cruciais, pois moldam desigualdades e identidades, e sempre estabelecem fronteiras entre os que estão dentro e os que estão fora. Todos os dias nos deparamos com fronteiras sociais. Observamos ou participamos de fronteiras que separam vendedores de compradores, alunos de professores, patrões de empregados, pacientes de médicos ou enfermeiros. Cada uma dessas fronteiras identifica uma relação social que não temos muito trabalho em reconhecer e, se necessário, em negociar. Em todos esses casos, a combinação de uma fronteira com as relações no seu interior e através dela gera, nos dois lados que divide, um sentido de compartilhamento a respeito de seu significado. Trabalhadores e patrões podem não considerar sob o mesmo prisma o significado da fronteira entre eles, mas negociam algum reconhecimento comum acerca de sua existência e importância.
Quando ativada, a combinação de fronteira, relações e significados constitui uma identidade social. Considerada da perspectiva de um ou outro lado da fronteira, essa combinação proporciona respostas variadas a questões como "quem sou eu?", "quem somos nós?", "quem é você?" e "quem são eles?". As identidades que nos interessam aqui envolvem sempre uma pluralidade, especialmente o "nós" e o "eles".
Na linguagem ordinária, o termo "identidade" apresenta nuanças que vão do mais interior ao mais exterior. No extremo interior há o senso de si mesmo como alguém único, complexo e secreto, que nenhuma outra pessoa poderia conhecer inteiramente. No extremo exterior, encontramos a identidade fornecida por bancos de dados e o furto de identidade, em que um estranho não precisa mais do que um nome ou um número para nos classificar. Na vida pública, a maioria das identidades sociais importantes se situa entre esses extremos. Elas dependem e conferem significado às relações com outras pessoas. A identidade pública inclui fronteiras, relações através de fronteiras, relações no interior do "nós" e no interior do "eles", além dos significados acumulados atribuídos a fronteiras e relações.
Dos dois lados da fronteira as pessoas mantêm relações entre si: relações no interior de X e Y. Há também relações através das fronteiras, que ligam X a Y. Por fim, as identidades criam interpretações coletivas a respeito da fronteira, das relações no interior de X e de Y e entre X e Y. Essas interpretações não costumam ser únicas de um lado e outro da fronteira, e freqüentemente se influenciam. Juntas, fronteira, relações através e no interior da fronteira e interpretações compartilhadas constituem identidades coletivas. Mudanças em um desses elementos, quaisquer que sejam as causas, afetam todos os outros. Além disso, as identidades coletivas moldam a experiência individual, ao enfatizar, por exemplo, a distinção entre nós, cientistas, e os não-cientistas.
Podemos chamar essa abordagem da identidade de relacional (cf. Brubaker, 2005). Segunda ela, a identidade tem quatro elementos: 1) uma fronteira que me separa de você ou que nos separa deles; 2) um conjunto de relações no interior da fronteira; 3) um conjunto de relações através das fronteiras; 4) a interpretação compartilhada da fronteira e das relações. O quadro 1 resume a abordagem relacional da identidade, enfatizando como as fronteiras categóricas se apresentam no seu interior.
Assim, as categorias sempre geram diferenças, mas não necessariamente desigualdade. Comunidades adjacentes de camponeses, por exemplo, sempre erguem fronteiras envolvendo nomes, práticas e interpretações. Essas fronteiras estabelecem limites ao cultivo, pastoreio, exploração, cooperação e, às vezes, às relações sexuais, mas essas comunidades freqüentemente mantêm entre si certa igualdade. No entanto, as categorias produzem desigualdades persistentes quando as reiteradas transações através da fronteira geram, regularmente, vantagens aos que estão em um dos lados dela e a reproduzem.
A desigualdade é uma relação entre pessoas ou conjuntos de pessoas na qual a interação gera mais vantagens para um dos lados. Podemos identificar as relações desiguais que ocorrem em pequena escala, por exemplo as que caracterizam uma firma,um lar ou uma vizinhança. Em uma escala maior, as múltiplas relações desse tipo formam vastas redes conectadas de desigualdade. Nas duas escalas, as redes interpessoais envolvidas só se aproximam de uma hierarquia simples em circunstâncias extraordinárias: por exemplo, quando uma instituição poderosa como o exército, a corporação ou a igreja agrupam as pessoas em níveis distintos. O mais freqüente é que as pessoas sejam reunidas em categorias, mas sem formar hierarquias explícitas. Os membros dessas categorias diferem, em média, nas vantagens que obtêm, mas as fronteiras categóricas são importantes porque as pessoas as utilizam para organizar a vida social e reproduzir a desigualdade entre os membros das diferentes categorias.
A desigualdade categórica duradoura refere-se a diferenças nas vantagens organizadas por gênero, raça, nacionalidade, etnia, religião, comunidade e outros sistemas classificatórios similares (cf. Tilly, 1998). Ela ocorre quando as transações através de uma fronteira categórica (por exemplo, masculino-feminino) (a) gera regularmente vantagens líquidas a pessoas em um dos lados da fronteira e (b) reproduzem a fronteira. Embora a forma e o grau da desigualdade categórica variem dramaticamente conforme o tempo e o lugar, toda população humana de grandes dimensões manteve sistemas substanciais de desigualdade categórica.
Causas da desigualdade categórica
Apresento a seguir um esboço de como tais sistemas emergem e operam. A desigualdade material resulta do controle desigual dos recursos que produzem valores (por exemplo, alguns poços de prospecção encontram petróleo, outros não). Pares de categorias desiguais, como masculino-feminino, branco-negro, consistem em relações assimétricas através de uma fronteira socialmente reconhecida (e em geral incompleta) e envolvendo redes interpessoais; tais pares categóricos ressurgem em várias situações, gerando a exclusão desigual de cada rede dos recursos controlados pela outra (por exemplo, nos guetos urbanos norte-americanos, os comerciantes imigrantes muitas vezes ganham a vida vendendo principalmente aos negros, mas nunca se integram à comunidade negra).
Um mecanismo gerador de desigualdade, que podemos chamar de exploração, ocorre quando as pessoas que controlam um recurso (a) arregimentam o esforço de outras para produzir um valor por meio desse recurso, mas (b) excluem as outras do valor total acrescentado por seus esforços (por exemplo, antes de 1848, cidadãos de vários cantões suíços obtinham rendimentos substanciais em rendas e taxas, extraídas dos residentes não-cidadãos dos territórios adjacentes tributados, que produziam bens agrícolas e artesanais sob o controle dos comerciantes e proprietários de terra dos cantões). Outro mecanismo gerador de desigualdade, que podemos chamar de reserva de oportunidade, consiste em limitar a disposição de um recurso produtor de valor aos membros de um grupo (por exemplo, os comerciantes de especiarias do sudeste asiático formam uma categoria étnico-religiosa particular, que domina a distribuição e a venda dos produtos). Esses dois mecanismos envolvem pares de categorias desiguais, dispostas na fronteira que separa os beneficiários maiores e menores do valor acrescentado graças ao esforço arregimentado pelos que controlam os recursos (por exemplo, a distinção entre profissionais e não-profissionais � enfermeiras registradas e ajudantes, cientistas e assistentes de laboratório, optometristas e funcionários em ótica, arquitetos e desenhistas etc. � marca, muitas vezes, tais fronteiras).
Em uma gama de circunstâncias, a mobilidade através das fronteiras não altera a produção da desigualdade, mas sim os que se beneficiam dela (por exemplo, na medida em que o diploma universitário permanece essencial para o desempenho de ocupações relacionadas à engenharia, a aquisição desse diploma por parte dos imigrantes reforça a exclusão dos que não dispõem do diploma, mesmo entre os imigrantes). As desigualdades assim produzidas tornam-se mais duradouras e eficazes quando os beneficiários do excedente gerado pela exploração e/ou reserva de oportunidade empregam parte desse excedente para reproduzir (a) as fronteiras que os separam das categorias excluídas da população e (b) relações desiguais através das fronteiras (por exemplo, os proprietários de terra empregam parte do trabalho assalariado de que dispõem para construir cercas e expulsar os invasores).
É esse o esboço da teoria (para mais detalhes, ver Tilly, 2005b). Assim formulada, ela não proporciona explicações diretas para a variação individual no êxito e no fracasso, ou para a mudança e a variação na distribuição total da riqueza e da renda de um país. Mas explica a criação da desigualdade categórica.
Recursos geradores de desigualdade
A exploração e a reserva de oportunidade sempre estabelecem barreiras cruciais. Uma primeira aproximação à desigualdade deve começar com a especificação dos recursos geradores de valor sobre os quais operam a exploração e a reserva de oportunidade. O Quadro 2 arrola as principais classes de recursos cujo controle propiciou a desigualdade em um período ou outro da longa história humana. O quadro não esgota as possibilidades. O controle de metais ou minerais preciosos, por exemplo, foi em certos momentos crucial para a exploração e a reserva de oportunidade; aqui, incluí essas situações na noção de controle sobre a terra que contém os minerais. A lista, porém, identifica as principais classes de recursos que deram sustentação a sistemas de desigualdade de larga escala nos últimos 5 mil anos.
Todos esses recursos permitem a produção de benefícios para alguns por meio do esforço coordenado. Quando o suprimento deles é restrito e relativamente fácil de circunscrever, permitem a exploração e a reserva de oportunidade e, portanto, a geração de desigualdade. Meios coercitivos, por exemplo, sustentaram sistemas de desigualdade por milhares de anos e ainda desempenham, pelo menos em parte, um papel na manutenção da desigualdade em todo o mundo, apesar da crescente importância dos últimos itens da lista. A propriedade da terra ainda é a base fundamental da desigualdade nas regiões agrícolas mais pobres do mundo.
No amplo levantamento realizado pelo Banco Mundial a respeito das regiões mais pobres, o caso de Bangladesh constitui um bom exemplo. Segundo um observador local, no povoado de Kalkerchar as pessoas ricas "têm sua própria terra, outras propriedades, animais de criação, dinheiro para investimentos, alimentação suficiente, boas roupas, emprego, mobilidade, enviam seus filhos à escola e estão livres da incapacidade" (Narayan e Petesch, 2002, p. 120). As camadas médias possuem ou participam da colheita de um ou dois acres de terra, ao passo que os "socialmente pobres" combinam a colheita compartilhada com o trabalho assalariado para os ricos. Os "pobres desamparados", em contraste,
[...] não possuem terra nem lote cedido pelo governo para domicílio ou cultivo. O trabalho assalariado e a colheita compartilhada são seus principais meios de vida. Os participantes do levantamento apontam que os pobres desamparados são identificáveis pelas roupas gastas e o semblante aflito. Eles não podem proporcionar serviço de saúde ou educação para seus filhos, não possuem meios para hospedar convidados e muitos não dispõem de um dote para casar as filhas (Idem, p. 121).
Nos últimos cinco milênios, a maioria dos seres humanos viveu nas camadas mais baixas de tais sistemas de desigualdade baseados na terra. Máquinas, capital financeiro, informação e meios de comunicação são recursos recentes na história. Há apenas pouco tempo o controle sobre o conhecimento técnico-científico se tornou uma das principais bases da desigualdade em todo o mundo.
O predomínio de uma combinação ou outra de recursos nos quais a desigualdade se baseia afeta fortemente os padrões de mobilidade individual e coletiva. Quando os meios coercitivos prevalecem, os indivíduos e os grupos que dispõem de armas e guerreiros adquirem vantagens de mobilidade cruciais.Nos sistemas agrários, a aquisição ou a perda de terra (que muitas vezes ocorre, é claro, mediante o uso da força coercitiva por parte de alguém) faz grande diferença. Somente nos períodos recentes de trabalho assalariado e de amplo comércio se tornou possível aos trabalhadores poupar o dinheiro proveniente do salário e investi-lo em pequenas empresas de produção artesanal ou comércio varejista.
Os recursos predominantes distinguem os sistemas de desigualdade. No mundo contemporâneo, por exemplo, a grande importância da terra e dos meios coercitivos na desigualdade de países como Uganda e Camboja contrasta com os tipos de desigualdade baseados no capital financeiro e no conhecimento técnico-científico, prevalecentes em países como França e Japão. O Brasil está passando de um sistema de desigualdade baseado principalmente no controle sobre a terra para um � não menos desigual � baseado no controle sobre o capital financeiro e o conhecimento técnico-científico. Conflitos rurais ocorrem em toda a China, conforme o país passa de um sistema de desigualdade baseado na terra e na coerção para um em que prevalece o controle sobre as máquinas, o capital financeiro e o conhecimento técnico-científico.
Os recursos geradores de desigualdade predominantes e o controle de que são objeto afetam a viabilidade do regime autoritário. Regimes fundados no controle sobre a terra, no trabalho e em meios coercitivos � a variedade mais comum nos últimos 5 mil anos � se prestam facilmente à tirania. Mas, em tais regimes, os governantes enfrentam limites inevitáveis para a consolidação de seu poder pessoal, que decorrem do fato de que esses regimes precisam contar com intermediários poderosos e parcialmente autônomos, como senhores da guerra, proprietários de terras e chefes de linhagem. Muito mais raramente, regimes fundados em instituições que mantêm o comprometimento, como uma religião compartilhada, impõem o domínio autoritário sobre os súditos em nome de deuses, sacerdotes e profetas. Os últimos recursos mencionados na lista � máquinas, capital financeiro, informação, meios de comunicação e conhecimento técnico-científico � só se destacam em um Estado autoritário quando os governantes monopolizam sua produção e/ou distribuição. Na maior parte do tempo, os governantes incorporam no regime os produtores e os distribuidores desses recursos e, assim, aceitam limitar o próprio autoritarismo.
Até poucos séculos atrás, os primeiros itens da lista � meios coercitivos, trabalho, animais, terra e instituições que mantêm o comprometimento � predominaram na produção mundial de desigualdade categórica. Ainda hoje eles provavelmente explicam grande parte da desigualdade mundial em escala local e regional. Entre o século XVIII e o passado recente, entretanto, o controle sobre as máquinas ganhou uma importância cada vez maior como base da desigualdade.
Quatro novos focos de recursos geradores de valor mostram sinais de estar deslocando o predomínio mundial que o controle sobre as máquinas exerceu nos últimos séculos. O primeiro é o capital financeiro, que não é um elemento novo na economia mundial, mas cujo volume e volatilidade conferem hoje enorme poder aos que o controlam. Redes de financistas, reduzidas e bem conectadas, podem prejudicar uma economia nacional deslocando seus investimentos de um local a outro.
O segundo é a informação, que ganhou destaque com a espetacular expansão da comunicação eletrônica. Apesar da promiscuidade da internet, a informação é mais fácil de ser reservada do que o dinheiro, as máquinas ou a terra; tudo o que exige para isso são circuitos e memórias seguras. Registros administrativos e comerciais, arquivos pessoais, resultados de pesquisa e muito mais são armazenados em bancos de dados cuja escala ultrapassa qualquer coisa concebível há algumas décadas.
O terceiro tipo de recurso gerador de valor, meios para armazenamento e transmissão de capital, informação e conhecimento técnico-científico, exerce uma influência parcialmente independente na desigualdade. A enorme quantidade de capital investido recentemente em publicidade, meios de comunicação de massa e comunicação eletrônica sugere isso.
O quarto tipo, o conhecimento técnico-científico, assume hoje uma importância primordial. Graças ao desenvolvimento da indústria farmacêutica, da engenharia genética, da computação biomecânica, da microeletrônica, dos métodos de diagnóstico médico, das telecomunicações, do mapeamento geofísico e da exploração astrofísica, a inovação científica gera possibilidades de controle e, portanto, de desigualdade sem precedentes.
O capital financeiro, a informação, os meios de comunicação e o conhecimento técnico-científico continuam sob o controle de redes que, se comparadas à população mundial, são bem pequenas. A expansão desses recursos foi acompanhada pelo desenvolvimento de sistemas de reserva, que proporcionam vantagens crescentes aos que pertencem a essas redes.
Durante a segunda metade do século passado, as diferenças ligadas ao capital financeiro, à informação, aos meios de comunicação e ao conhecimento técnico-científico participaram cada vez mais na produção de desigualdade, especialmente no plano internacional. Neste século, esses recursos se tornarão ainda mais importantes como base da desigualdade categórica, tanto local como internacional. É inédita a força da atual combinação de capital financeiro e conhecimento técnico-científico na produção de desigualdade entre os que controlam e os que não controlam tal combinação.
Se a noção de que o conhecimento técnico-científico pode rivalizar com a riqueza como base da desigualdade categórica parece exagerada, considere-se como o Qatar está investindo os lucros obtidos com sua vasta, mas esgotável, reserva de gás natural. O emir, Sheikh Hammad bin Khalifa Al-Thani, investe bilhões em educação e pesquisa científicas, com a idéia de tornar o país o pólo da pesquisa no Oriente Médio. A esposa do emir, Sheikha Mozah bint Nasser Al-Misnad, dirige a Fundação Qatar para Educação, Ciência e Desenvolvimento da Comunidade, que mobiliza bilhões. O rendimento obtido com um poço de petróleo, talvez 80 milhões de dólares por ano, é destinado a um fundo de pesquisa científica. Em um principado de cerca de 800 mil pessoas, os quinhentos estudantes da nova universidade têm boas chances de constituir uma elite nacional (cf. Science, 2006). Se o programa do emir for bem-sucedido, o controle sobre a terra (que nesse caso inclui o combustível fóssil) pode ceder ao controle sobre o conhecimento técnico-científico o papel de principal base da desigualdade no Qatar.
A desigualdade baseada no conhecimento
O acesso desigual ao conhecimento científico e o controle desigual sobre sua produção ou distribuição são temas importantes não só em razão do valor intrínseco do conhecimento, mas também porque sua distribuição desigual gera outros tipos de desigualdade. O conhecimento confere vantagens políticas, financeiras e existenciais aos que o detêm. As recompensas propiciadas pelo conhecimento permitem que seus detentores reproduzam as relações e as instituições que dão sustentação às vantagens de que desfrutam. Em áreas como saúde pública, alimentação, meio ambiente e combate letal, a aplicação do conhecimento decide quem sobrevive e quem pode viver confortavelmente.
A desigualdade baseada no conhecimento prevalece no mundo contemporâneo. Considere o caso óbvio da saúde (cf. Deaton, 2003), que emprega a ciência natural e outras formas de conhecimento, já que envolve o treinamento e a alocação dos profissionais da área, sistemas de distribuição de medicamentos e outros materiais, além do conhecimento por parte dos beneficiários e de suas famílias e amigos. No passado recente, os pesquisadores dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Japão produziram mais da metade das publicações científicas relacionadas à saúde, e o abismo nesse aspecto entre países ricos e pobres está aumentando.
A disponibilidade da saúde também é muito desigual. Considere uma estatística elementar. Em 2003, Israeltinha 375 médicos para cada 100 mil habitantes, proporção não tão alta quanto a italiana (607) ou a grega (438), mas ainda assim uma das mais altas do mundo. A proporção cai para menos de um sexto da israelense, isto é, para cinco ou menos médicos por 100 mil pessoas, em Angola, Butão, Burkina Fasso, República Centro-Africana, Chade, Eritréia, Etiópia, Gâmbia, Mali, Moçambique, Níger, Ruanda, Tanzânia e Uganda (cf. UNDP, 2004, pp. 156-159).
Embora muitos cidadãos dos países ricos ocidentais possam sofrer com o tratamento médico precário, no mundo como um todo a ausência de médicos apresenta forte correlação com a alta taxa de mortalidade infantil, o pouco acesso a medicamentos essenciais, a reduzida taxa de imunização das crianças, a elevada freqüência de má nutrição e o número de mortes causadas pela Aids. A falta de médicos também está correlacionada a outros déficits vinculados ao conhecimento, como analfabetismo, baixa taxa de matrícula escolar e pouco investimento nacional em pesquisa científica. É claro que o nível de pobreza nacional ajuda a explicar a ausência de tratamento médico adequado. Mas a questão é justamente essa: no mundo contemporâneo, o acesso ao conhecimento e ao tratamento proporcionado pela medicina científica depende da renda e da riqueza, e não da necessidade.
Considere os meios de comunicação de massa. Em 1995, cerca de 20 milhões de pessoas em todo o mundo tinha acesso à internet, número que hoje aumentou para 900 milhões (cf. UNDP, 2001, p. 32; Internet World Stats, 2005, p. 1). Mas algo por volta de 86% da população mundial não tem acesso à internet. Pelo menos por enquanto, as pessoas que não têm conhecimento algum sobre computadores não podem se conectar à poderosa rede de comunicação. Como o preço do computador mais barato, o Pentium III, é de 500 dólares americanos ou mais, 5/6 da população mundial que vive em países com renda de 4 mil dólares ou menos por ano esperará muito tempo para ter acesso à internet. Apesar do formidável sucesso do telefone celular, a situação não difere muito em relação a outros meios de comunicação; na atual África subsaariana, para tomar o exemplo mais extremo, para cada mil pessoas há quinze telefones, 39 aparelhos celulares e menos de dez usuários da internet, ao passo em que em Israel os dados são, respectivamente, 453, 955 e 301 (cf. UNDP, 2004, pp. 180-183).
Poderíamos identificar outras aplicações científicas e tecnológicas que afetam o bem-estar humano: algumas aprimoram a vida e outras a destroem, mas os custos e os benefícios são distribuídos de forma dramaticamente desigual. A qualidade do meio ambiente e dos transportes, os produtos de alta tecnologia e até mesmo a educação que aumenta a expectativa de vida estão concentrados nas partes ricas de um mundo pobre. A degradação ambiental, a exploração predatória dos recursos naturais, o domínio militar, o homicídio e a poluição das águas incidem, de forma desproporcional, nas regiões mais pobres do mundo. Nem todas essas conseqüências resultam, é claro, direta e exclusivamente da presença ou ausência do conhecimento científico como tal. Mas todas decorrem, pelo menos em parte, da desigual disponibilidade do conhecimento técnico-científico que aprimora a qualidade de vida, incluindo o conhecimento relativo à administração pública e aos processos sociais.
Os produtores e distribuidores de conhecimento científico têm, assim, interesse em reservar esse conhecimento e explorar seu uso. A própria identidade dos produtores e distribuidores traça fronteiras categóricas entre os conhecedores e os desinformados, os privilegiados e os destituídos, os que estão dentro e os que estão fora. Essa circunstância fornece um preocupante exemplo ao nosso tema central: como a liberdade de uma parte produz a falta de liberdade da outra. Apesar da retórica acadêmica em contrário, os produtores e distribuidores têm poucos incentivos para disseminar seus conhecimentos onde quer que eles possam gerar boas conseqüências, e muitos incentivos para impedir que isso ocorra. Há assim um grave problema para a intervenção das pessoas que, no interior da academia, querem disseminar o conhecimento e das que, fora da academia, desejam assegurar a distribuição do conhecimento onde quer que ele possa gerar o efeito mais benéfico.
Dramatizei a divisão entre os que estão dentro e os que estão fora para elucidar os temas, mas agora apresentarei um sumário mais nuançado da situação. Os membros das instituições de ensino superior ocupam atualmente uma posição ambivalente em relação ao controle e ao acesso desiguais. Nossas instituições são especializadas na produção, transformação e difusão do conhecimento, inclusive do conhecimento social, exemplificado pelos censos e pesquisas de opinião, ambos produtos do trabalho das ciências sociais. Pesquisadores, professores, estudantes e até administradores têm certamente um interesse na busca e disseminação do conhecimento, ainda que seja apenas para justificar suas atividades e ganhar a atenção do público.
Por outro lado, prevalecem em todas as instituições acadêmicas os incentivos à reserva do conhecimento (cf. Kennedy, 2005). Em primeiro lugar, os especialistas preferem comunicar-se com os outros especialistas de sua comunidade, o que é compreensível; físicos, lingüistas e economistas extraem parte considerável de sua satisfação e auto-estima da comunicação com os pares. Em segundo lugar, quando uma disciplina gera resultados para os quais há uma demanda monetária, os produtores ganham, pelo menos no curto prazo, ao restringir a disseminação desses resultados por meio de estratagemas como patentes, marcas registradas, licenças e associações profissionais fechadas; o debate contemporâneo sobre a propriedade intelectual discute a quantidade de proteção que os resultados comercialmente valiosos devem receber (ver, por exemplo, Posner, 2005). Os habitantes dos países de alta renda da OCDE obtêm cerca de 360 patentes por milhão de pessoas por ano, ao passo que os países em desenvolvimento obtêm menos de uma por milhão (cf. UNDP, 2004, p. 183).
As pessoas que participam da educação superior também enfrentam o problema de manter as suas instituições e, de forma mais geral, as condições que dão apoio a sua área de trabalho. Toda grande instituição de ensino superior investe parte do que ganha com a reserva de conhecimento em novas pesquisas. Caso não dispusessem desse tipo de rendimento externo, universidades de prestígio teriam menos recursos para financiar a nova pesquisa realizada por faculdades, equipes e estudantes. Entretanto, o rendimento em questão significa que algumas pessoas e organizações que poderiam ser beneficiadas pelo conhecimento gerado nas universidades não podem adquiri-lo. A escolha se torna ainda mais complexa quando os recursos externos provêem de organizações � governos e firmas com ou sem fins lucrativos � interessadas em se apropriar do conhecimento produzido e que, portanto, estabelecerão restrições à disseminação desse conhecimento e oferecerão maiores recompensas às instituições ou indivíduos dispostos a promover seus interesses de proprietário (ver, por exemplo, Freudenberg, 2005).
O que fazer?
Cada passo que as universidades dão no sentido de recompensar e reproduzir a capacidade de pesquisa envolve, no curto prazo, alguma reserva de conhecimento e, portanto, uma exclusão das pessoas que estão fora dessas universidades do controle e dos benefícios proporcionados pela acumulação de conhecimento. Um princípio moralmente defensável poderia ser assim formulado: a pesquisa que afeta o bem-estar humano deveria beneficiar, pelo menos no médio prazo, as populações das quais a evidência foi extraída, e uma proporção significativa dos ganhos obtidos por pesquisadores e financiadores deveria ser destinada à aplicação e à difusão do conhecimento adquirido para beneficiar outras populações que carecem dos meios de adquirir, por si mesmas, o conhecimento.
Mas até mesmo um princípio modesto como esse exigiria grandes mudanças nos modos pelos quais pesquisadores,universidades, governos, organizações sem fins lucrativos e empresas redistribuem o conhecimento e os meios de produzi-lo. Em nome da liberdade, seria preciso uma enorme intervenção por parte de governos, advogados e instituições que geram conhecimento. Softwares abertos, desenvolvimento de métodos mais baratos para o tratamento da malária e da Aids, mobilização contra a excessiva proteção da propriedade intelectual e a produção de genéricos de baixo custo equivalentes aos caros medicamentos ocidentais são alguns exemplos de que uma intervenção adequada pode garantir a redistribuição dos benefícios do conhecimento.
Contra qualquer proposta promissora como essa, os cínicos e conservadores apresentarão as objeções que Albert Hirschman celebrizou com os termos perversidade, futilidade e risco. "Segundo a tese da perversidade", escreve Hirschman,
[...] qualquer ação destinada a aprimorar algum aspecto da ordem política, social ou econômica só serve para exacerbar a situação que se busca remediar. A tese da futilidade sustenta que as tentativas de transformação social são inúteis, não conseguirão reduzir os problemas. Finalmente, a tese do risco argumenta que o custo da mudança ou reforma proposta é alto demais, uma vez que compromete alguma preciosa conquista anterior (Hirschman, 1991, p. 7).
A tese da perversidade afirma que qualquer tentativa de generalizar o controle ou o acesso do conhecimento técnico-científico acabará com os incentivos para a criação de novo conhecimento; as empresas farmacêuticas muitas vezes apresentam esse argumento para defender os preços altos e as licenças restritivas. Outro argumento do mesmo tipo adverte que, em mãos incompetentes ou malévolas, o conhecimento acarretará mais danos do que benefícios; em nome desse contraprincípio de exclusividade, os médicos norte-americanos conseguiram, desde o final do século XIX, organizar a distribuição do tratamento médico.
A futilidade, por sua vez, sustenta que a maior parte do mundo não tem capacidade para absorver o conhecimento ou os potenciais benefícios da ciência de alta tecnologia, e que, portanto, antes de intervir devemos simplesmente esperar que a educação, a democratização e a civilização façam seu longo trabalho; as objeções à ampla prevenção à Aids assumiram, por vezes, essa forma. Para as pessoas ligadas à universidade, a tese do risco é a mais sedutora, já que chama a atenção para o alto custo da disseminação em todo o mundo de conhecimentos cruciais e para a utilidade de manter atuantes as pessoas e as instituições que contribuem para a acumulação de conhecimento.
Receio que prevalecerão as teses da perversidade, da futilidade e do risco. As pessoas que as propõem incorporaram os interesses de suas instituições e países e têm um apelo para as tendências nacionalistas de nossa época. Elas apontam, corretamente, que os beneficiários do conhecimento desigual têm, no curto prazo, muito a perder se ocorrer uma ampla reorganização do controle sobre a produção, a difusão e a aplicação do conhecimento técnico-científico. Atualmente, os produtores e beneficiários do conhecimento desigual não sacrificarão facilmente suas vantagens. O custo, porém, será a persistência da desigualdade que prejudica, desnecessariamente, o bem-estar humano.
ARTIGO 2
Conhecimento e sociedade: diálogos impertinentes
Alexandre Silva VirginioSOBRE O AUTOR
Resumos
O objetivo deste texto é demarcar o sentido que tem assumido, no contexto do capitalismo, a relação entre sociedade e conhecimento científico. O desenvolvimento do capitalismo e da ciência moderna prosperaram a partir de uma relação de interdependência entre a lógica mercantil do primeiro e os pressupostos lineares da segunda. Neste sentido, ao racionalismo cartesiano podem ser creditadas muitas das conseqüências indesejadas que o sistema mundo tem produzido ao longo dos dois últimos séculos. Entrementes, em face das promessas de progresso não realizadas pelo capitalismo em sua versão cognitiva, a ciência moderna, passa a ser questionada em seu mais elementar fundamento, o domínio da natureza pelo homem. De sua crítica nascem e/ou ressurgem perspectivas não-lineares, que procuram considerar novas conexões e/ou saberes entre consciência e existência, entre sujeito e objeto, entre homem e natureza, entre sociedade e conhecimento. Nossa expectativa é que este debate, marcado por antagonismos e tensões, menos intransparente quanto mais impertinente, possa contribuir para um diálogo que deságüe em um conhecimento menos obtuso, porque atencioso para com a complexidade da realidade. Um novo conhecimento capaz de se reconciliar, humildemente, com a sabedoria, necessária e urgente, que irá permitir ao homem, ao fazer outras e novas escolhas, nascer de novo.
sociedade capitalista; interesse; conhecimento científico; complexidade; ecologia de saberes
This text is aimed at outlining the meaning that the relationship between society and scientific knowledge has taken under the context of capitalism. Capitalist development and modern science advanced from a relationship of interdependence between mercantile logic of the former and the linear assumptions of the latter. Therefore, several unwanted consequences produced by the system in the last centuries can be credited to Cartesian rationalism. In the meanwhile, in face of unfulfilled promises of capitalism in its cognitive version, modern science starts to be challenged in its most basic fundament: man's domination over nature. Nonlinear perspectives emerge or re-emerge from its criticism, which seek to consider new connections and/or knowledges between consciousness and existence, between subject and object, between man and nature, between society and knowledge. Our expectation is that such debate, marked by antagonism and tensions, more transparent as it is more impertinent, can contribute to a dialogue that ends in knowledge that is less obtuse for attending to reality's complexity. A new knowledge able to humbly reconcile with the necessary and urgent wisdom that will allow man to make other and new choices - to be born again.
capitalist society; scientific knowledge; complexity; ecology of knowledges
DOSSIÊ COMPLEXIDADE
Conhecimento e sociedade: diálogos impertinentes
Knowledge and society: impertinent dialogues
Alexandre Silva Virginio
Doutorando � PPG-Sociologia/UFRGS/Brasil e Professor da Escola Técnica/UFRGS. Brasil
RESUMO
O objetivo deste texto é demarcar o sentido que tem assumido, no contexto do capitalismo, a relação entre sociedade e conhecimento científico. O desenvolvimento do capitalismo e da ciência moderna prosperaram a partir de uma relação de interdependência entre a lógica mercantil do primeiro e os pressupostos lineares da segunda. Neste sentido, ao racionalismo cartesiano podem ser creditadas muitas das conseqüências indesejadas que o sistema mundo tem produzido ao longo dos dois últimos séculos. Entrementes, em face das promessas de progresso não realizadas pelo capitalismo em sua versão cognitiva, a ciência moderna, passa a ser questionada em seu mais elementar fundamento, o domínio da natureza pelo homem. De sua crítica nascem e/ou ressurgem perspectivas não-lineares, que procuram considerar novas conexões e/ou saberes entre consciência e existência, entre sujeito e objeto, entre homem e natureza, entre sociedade e conhecimento. Nossa expectativa é que este debate, marcado por antagonismos e tensões, menos intransparente quanto mais impertinente, possa contribuir para um diálogo que deságüe em um conhecimento menos obtuso, porque atencioso para com a complexidade da realidade. Um novo conhecimento capaz de se reconciliar, humildemente, com a sabedoria, necessária e urgente, que irá permitir ao homem, ao fazer outras e novas escolhas, nascer de novo.
Palavras-chave: sociedade capitalista, interesse, conhecimento científico, complexidade, ecologia de saberes.
VERDADE
A Porta da Verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a Verdade,
Porque cada metade traziao perfil da meia verdade
E sua segunda metade
Voltava igualmente com meio perfil
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a Verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela,
Nenhuma das duas partes era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
Seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade1
O mundo em que vivemos reflete e torna inconfundíveis as marcas de um período de transição. São indeléveis os eixos de mudanças e transformações de toda ordem � social, econômica, política, ambiental, cultural e individual - que tem caracterizado as sociedades contemporâneas ao longo do século XX e neste início de terceiro milênio. O sistema capitalista mundial mostrou-se incapaz de nos proteger da infelicidade e do sofrimento, produtos de nossa implausível capacidade em aceitar . . . a força superior da natureza, a disposição decadente de nossos corpos e a inadequação dos nossos métodos de ordenar as relações humanas na família, na comunidade e no Estado (Freud apud Wallerstein, 2002, p. 185). O modus vivendi atual tem levado ao extremo o alargamento da distância entre os que têm e os que nada possuem, o lucro máximo coordena as ações econômicas � em especial as de caráter financeiro e especulativo -, os governos cada vez mais se submetem aos interesses das grandes corporações transnacionais ou aos imperativos da força militar, a degradação e devastação do meio ambiente nunca foi tão veloz e violenta, a vida cultural tão mais plastificada, massificada e/ou pasteurizada enquanto nós, pessoalmente, jamais estivemos tão coletivamente sozinhos, seqüestrados à vida pública e confinados na ilusão do efêmero, próprio do consumismo irrefreado � tanto para os que podem como para os que desejam e não podem � ou da inconcretude presente nas relações entre o real e o virtual que nos consome à frente da televisão, do computador ou dos jogos eletrônicos.
Este cenário é o quadro resultante do processo de desenvolvimento da sociedade capitalista mundial que, durante muito tempo, foi interpretada, quando não alimentada e legitimada, pelo caráter instrumental da ciência moderna. A vivacidade de seu progresso tem sua raiz no desenvolvimento do capitalismo que a fez sua força motriz na conquista, no domínio e na exploração da natureza. Seu fundamento político, por sua vez, fundamenta-se na idéia de que essa exploração era uma vocação, 'natural' e inevitável, do homem (Fourez, 1995; Wallerstein, 2002). Nesta perspectiva, mesmo reconhecendo o valor, a profundidade e a contribuição do racionalismo iluminista,2 não podemos aceitar que toda a multidimensionalidade e a complexidade da realidade obedeçam às fronteiras estipuladas pelo racionalismo cartesiano. Como imaginar e aceitar que a ciência possa se ocupar de todas as manifestações possíveis, em manipulações de laboratório (Kuhn, 2003). Este método de descrição da realidade engessou a vida em uma lógica formal, de certa maneira, mecânica e pragmática. Este racionalismo, além de não ser o único racionalismo possível, acabou por cimentar no homem a idéia de progressão dependente de um crescente domínio, senão controle, sobre a natureza (retornaremos a esta questão no decorrer de nossa análise).
Esta perspectiva de relação entre o saber e o mundo desembocou na essência da ciência moderna, ou seja, na certeza da certeza e na promessa do alcance, por parte de todo, dos benefícios materiais e das liberdades individuais e coletivas. Ademais, a ciência moderna carrega consigo alguns predicados que conferem uma linha discernível e identificável. Dentre eles, merece destaque a afirmação de que tudo que existe no universo está sujeito e regido por leis naturais universais, que podem ser expostas a partir de enunciados simples e cuja descoberta e aperfeiçoamento decorrem da investigação empírica levada a cabo por especialistas, isto é, legitimada como saber válido a partir do pronunciamento de cientistas. Afirma ainda que a realidade é resultado de processos lineares que tendem sempre em direção ao equilíbrio no qual a natureza encarna o papel de objeto passivo, manipulável e controlável, portanto de comunicado e não de comunicante (Wallerstein, 2002).
Este racionalismo, que tem seu fundamento básico na existência de leis universais e na Matemática (Santos, 1987; Nicolescu, 1999), não contempla, apesar de ainda hegemônico, tudo o que há de contingente, subjetivo e circunstancial em nossa existência. Tentar reproduzir a riqueza da vida humana - e cotidiana - dentro de um caminho moldado pelo uso formal das palavras e restrito ao universo da denotação é não reconhecer que somos portadores de outras dimensões, de subjetividades. Que até mesmo o uso das palavras não é capaz de espelhar, na totalidade, o significado da realidade.3 Ao optarmos, com exclusividade, pela linguagem lógica e analítica tornamo-nos menos humanos. Assim procedendo, desconsideramos a linguagem cotidiana. E, assim fazendo, deixamos escapar toda a substantividade de nossa vivência cotidiana, todas as singularidades de nosso universo cultural. Ao pensar o homem, não se pode desconsiderar que o mundo em que vivemos, em extensão e profundidade, demanda ser apreendido, ainda que apresente um universo para além de qualquer ambivalência e ainda distante da linha do infinito, a um só tempo, a partir do universal e do particular, da razão e da sensibilidade, da consciência e da existência, da forma e do conteúdo, da teoria e da prática, da aparência e da essência, enfim, da objetividade e da subjetividade.
Deste modo, o esquema cartesiano cuja origem remonta ao século XVIII, está, mais uma vez sendo desafiado. Em conseqüência, o racionalismo lógico - duro - teve sua maior crise na primeira metade do século XX. Ao se constatar não ser possível uma razão única e absoluta, o homem, órfão da pedra angular de seu pensamento, caminhou em direção às fronteiras da irracionalidade, ao perigo de substituir a razão absoluta por razão alguma. Foi o momento, segundo Mannheim, de queda no relativismo. Conforme este autor,
A emergência do problema da multiplicidade de estilos de pensamento surgida no decorrer do desenvolvimento científico e a perceptibilidade de motivações do inconsciente coletivo, anteriormente veladas, é apenas um dos aspectos da preponderância da inquietação intelectual que caracteriza nossa época. (1972, p. 60),
Com efeito, nosso desafio enquanto sujeito/objeto desta e nesta realidade passa por uma perspectiva ambivalente e interdependente. Por um lado, temos que encontrar nosso espaço e nosso tempo nesta realidade e definir nova forma de relação para com ela � se de conformidade ou de construção de caminhos alternativos. De outra parte, premissa de nosso transitar existencial, temos que compreender, senão conhecer, as formas de pensar e/ou de produzir conhecimento que tem, mais ou menos dramaticamente, (con)tornado essa mesma realidade.
Nestes termos, o que estaremos apresentando a seguir é um esforço, reconhecidamente modesto, no sentido de procurar conhecer e compreender as conexões entre pensamento e existência. Entrementes, não se trata de recuperar essa relação desde os primórdios do capitalismo. Da mesma forma, não temos a pretensão de tratar de todas as perspectivas inerentes ou próximas ao tema. Em contrapartida, estaremos tramando uma aproximação com alguns autores que, nos seus termos, procuraram significar ou descortinar os vínculos entre conhecimento e interesse, entre produção científica e mercado, entre ciência e sociedade.
Em princípio, ainda que menos pela sua singularidade e mais pela sua substantividade, partiremos das contribuições de Pierre Bourdieu.4 Esta é uma opção de caráter reconhecidamente discricionário, portanto de nossa inteira responsabilidade. Outros poderiam supor partir das contribuições de Kuhn ou de Merton.5 Todavia, assumimos aqui o entendimento de que a análise de Bourdieu, numa perspectiva Mertoniana e apesar da ascendênciado homo economicus em sua teoria, significou um aprofundamento crítico em relação às ambivalências e dicotomias que envolvem ciência e sociedade, conhecimento e ganho pessoal, ou conhecimento científico e vida social. Ademais, ele deve ser apreendido como um (pre)texto para um conjunto de questões que permeiam o diálogo e/ou debate entre os diferentes saberes produzidos e produtores da realidade cognoscível. Desta forma e correlatamente, após expor as formulações de Bourdieu sobre o campo científico, e em meio às críticas desencadeadas por esse autor, estaremos apresentando o dilema do desafio da produção do conhecimento em meio a uma sociedade que, cada vez mais, é cenário e elenco de uma atmosfera infinita e irrefletida de complexidade.
O campo científico na análise de Pierre Bourdieu
Em seu trabalho de análise do campo científico, Bourdieu (1983), a partir da preocupação central em desvendar os mecanismos e formas de dominação presentes na sociedade, assinala e sustenta que a construção do saber científico e epistemológico é resultado da estrutura e do funcionamento desse campo.6 Neste sentido, também no campo científico verifica-se uma luta pela imposição ou monopólio da autoridade cientifica, legitimamente reconhecida pelos agentes em disputa, para conferir os critérios de valor e validade científica à produção científica no que concerne, inclusive, à área de pesquisa, à metodologia e à origem e trajetória do pesquisador.7 Para Bourdieu, em síntese
A estrutura do campo científico se define, a cada momento, pelo estado das relações de força (que por sua vez está condicionada pela posição dos agentes em outros campos)8 entre os protagonistas em luta, agentes ou instituições, isto é, pela estrutura da distribuição do capital específico, resultado das lutas anteriores, que se encontra objetivado nas instituições e nas disposições e que comanda as estratégias e as chances objetivas dos diferentes agentes ou instituições (1983, p. 133).
Neste sentido, a luta dentro desse campo se dá a partir do interesse que move os agentes no interior do campo científico, isto é, a busca por prestígio, reputação,9 reconhecimento, ou mesmo de celebridade. Em realidade, Bourdieu coloca relevo na ilusão de se perceber a produção científica como resultado de uma competência técnica asséptica ou desprovida de sentido político,10 já que as mesmas estão presas as determinações sociais impostas às práticas dos agentes. Assim, a busca por prestígio e reconhecimento condiciona a escolha da temática o setor de certa disciplina, em função de suas chances de reconhecimento. Destarte, de acordo com Bourdieu, no campo científico
O que é reconhecido como importante e interessante é o que tem chances de ser reconhecido como importante e interessante pelos outros; portanto, aquilo que tem a possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como importante e interessante aos olhos dos outros (1983, p. 125).
Por decorrência, o jogo ou luta no interior do campo científico transcorre a partir do desenvolvimento de estratégias assumidas pelos diferentes jogadores, no sentido de acumulação de capital científico, capital esse que vai condicionar a posição de cada agente no campo. Em conseqüência, aqueles que dominam o campo científico são aqueles que, além de procurarem distinguir-se de seus predecessores, conseguem impor aos demais a definição de ciência e/ou do que é considerado científico. Em outras palavras, são dominantes no campo porque a delimitação e definição particular que fazem dos problemas, das teorias e métodos são reconhecidos como legítimas,11 porquanto hegemônicas, no campo científico. A dominação12 no campo é, conforme Bourdieu, o resultado do reconhecimento, conferido pelos agentes em disputa, da validade dos critérios que definem os princípios de hierarquização do que está em jogo e que, em verdade, revelam a força de certos grupos de interesse.13
De outra parte, a competência científica, produto da consistência e volume de capital científico � que é também simbólico �,14 é resultado de uma acumulação de capital, produto da apropriação de um conjunto de sinais específicos de consagração em função do valor distintivo e da originalidade que o cientista traz aos recursos científicos já acumulados. Tais recursos podem, por sua vez, ser ampliados a partir do acesso a cargos administrativos, comissões governamentais, pela instituição de origem ou por sua reputação entre seus pares. Estes seriam mecanismos ou estratégias utilizadas pelos agentes em sua busca por diferenciação, distinção ou visibilidade dentro do campo. Conforme Bourdieu
... acumular capital é fazer um 'nome', um nome próprio, um nome conhecido e reconhecido, marca que distingue imediatamente seu portador, arrancando-o como forma visível do fundo indiferenciado, despercebido, obscuro, no qual se perde o homem comum (1983, p. 132).
Neste contexto, a disposição e propensão dos agentes a investir15 na lutas internas ao campo científico são tanto mais elevadas quanto maior é a possibilidade de reconhecimento. Nesta medida, as estratégias e impulso a investir dependem da relação entre a importância do capital produzido e as chances concretas de "lucro" no campo científico, ou seja, das reais possibilidades de aumento do prestígio e reconhecimento. Portanto, tanto o nível quanto o caráter da produtividade do campo, além da posição de dominante ou de sujeito da dominação por parte do agente � posição na estrutura de sua carreira -, são definidos pela aceitação do que é considerado, ou não, como fator de distinção dentro do campo. Para Bourdieu
A estrutura da distribuição do capital científico está na base das transformações do campo científico e se manifesta por intermédio das estratégias de conservação ou de subversão da estrutura que ela mesma produz. Por um lado, a posição que cada agente singular ocupa num dado momento na estrutura do campo científico é a resultante, objetivada nas instituições e incorporada nas disposições, do conjunto de estratégias anteriores desse agente e de seus concorrentes (elas próprias dependentes da estrutura do campo, pois resultam das propriedades estruturais da posição a partir da qual são engendradas). Por outro lado, as transformações da estrutura do campo são o produto de estratégias de conservação ou de subversão que tem seu princípio de orientação e eficácia nas propriedades da posição que ocupam aqueles que as produzem no interior da estrutura do campo (1983, p. 134).
Ademais, o campo científico se constitui num espaço de luta, cuja desigualdade ante o desafio de contrair e acumular capital científico é definida a partir do maior ou menor volume de capital, compondo uma hierarquia e diferenciações configuradas pela posição do agente em relação à estrutura de distribuição de capital no campo e com certa dependência da posição dos agentes na estrutura de campos exógenos16 ao campo científico. Desse modo, os agentes dominantes, cujo habitus17 corresponde a uma posição privilegiada na estrutura de distribuição do capital científico, desenvolvem estratégias de conservação da ordem científica, qual seja, do conjunto de instituições que garantem a circulação dos bens científicos, dos produtores e consumidores, de modo a garantir a inculcação e/ou a reificação de práticas incorporadas e responsáveis pelo consenso em torno do qual se travam as lutas no campo.
De forma inversa, os dominados, com interesses e meios distintos, assumem as estratégias de sucessão, visando acessar os lucros decorrentes do acesso ao capital científico legitimado no interior do campo ou, inversamente, adotar as estratégias de subversão que visam romper com os princípios e critérios legitimadores do capital científico, substituindo-os por outros, o que pressupõe, por conseguinte, a não participação no ciclo das trocas de reconhecimento.
Não obstante, Bourdieu (1983) sustenta que, quanto maior a homogeneidade no interior do campo, decresce a probabilidade de alteração das posições dos agentes nesse campo. Com a elevação dos recursos científicos disponíveis,tem-se um maior equilíbrio entre os capitais disponíveis dos e entre os agentes. Outrossim, a posição dos agentes diante da estrutura de distribuição de capital científico estará mais suscetível à posição que cada agente possui em relação à estrutura do capital em outros campos. Nesta perspectiva, as estratégias de conservação ou subversão próprias ao campo científico dependem da maior ou menor dependência desse campo à ordem social ou à formação histórica na qual está inserida. Em função disto, toda revolução contra as instituições ou ordem científicas é também revolução contra a ordem estabelecida.
Em sentido convergente, Bourdieu (1983) sublinha o que para ele, dentro do campo científico, cumpre um papel de dominação e de imposição ideológica. No momento em que o domínio do campo científico e, portanto, da imposição legítima e hegemônica de determinadas teorias científicas, acontece pela imposição de um arbitrário social e cultural por parte de certos grupos que transformam interesses científicos privados em interesses gerais da ciência,18 temos a imposição e a transposição, comumente consentida, de uma visão particular em geral, de uma necessidade singular em necessidade universal.19
O que movimenta o campo e, ao mesmo tempo, paradoxalmente garante sua reprodução, são, segundo Bourdieu (1983), para além da revolução inaugural, pequenas e contínuas revoluções.20 Para ele, a acumulação do capital científico necessário à revolução científica diminui a distância entre conservação e subversão, visto que a ruptura contínua reforça o princípio da continuidade, e as estratégias de luta dos agentes obedecem aos padrões impostos à carreira. Assim, a maior ou menor tensão dialética do habitus em relação ao campo científico acaba por revelar o caráter funcional da própria lógica desse campo. Submersos na luta concorrencial por acúmulo de capital, os agentes deixam de reconhecer o que orienta a estrutura de funcionamento do campo científico, isto é, sua doxa.21 Esta deve ser apreendida, segundo Bourdieu, como o
... consenso sobre os objetos de dissensão, os interesses comuns que estão na base dos conflitos de interesses, todo o não-discutido, o não-pensado, tacitamente mantidos fora dos limites da luta. (1983, p. 146).
Na medida em que o campo científico está mais ou menos submisso às demandas de outros campos, a produção da crença na autonomia do campo científico deve ser considerada, conforme Bourdieu, como o resultado da função ideológica de encobrimento da imposição de interesses específicos dos dominantes como universais.22 Desta forma, a autonomia da ciência é falsa, e sua neutralidade, uma farsa. Mais precisamente, a ciência atende aos interesses, econômicos23 e políticos da classe dominante. No entendimento de Bourdieu,
...no espaço abstrato da teoria, qualquer campo científico � o das ciências sociais ou da matemática, hoje, ou o da alquimia ou da astronomia matemática do tempo de Copérnico � pode estar situado em algum ponto entre os dois limites representados, de um lado, pelo campo religioso (ou o campo da produção literária), no qual a verdade oficial nada mais é do que a imposição legítima (isto é, arbitrária, e não reconhecida enquanto tal) de um arbitrário cultural exprimindo o interesse específico dos dominantes � dentro do campo e fora dele � e, de outro lado, por um campo científico que baniria qualquer elemento de arbitrário (ou de não-pensado) social e onde os mecanismos sociais realizariam a imposição necessária das normas universais da razão (1983, p. 146).
Sendo que, mais especificamente,
... o que está em jogo na luta interna pela autoridade científica no campo das ciências sociais, isto é, o poder de produzir, impor e inculcar a representação legítima do mundo social, é o que está em jogo entre as classes no campo da política. Segue-se daí que as posições na luta interna não podem jamais atingir o grau de independência com relação às posições nas lutas externas que se observa no campo das ciências da na-tureza. A idéia de uma ciência neutra é uma ficção, e uma ficção interessada, que permite fazer passar por científico uma forma neutralizada e eufêmica, particularmente eficaz simbolicamente porque particularmente irreconhecível, da representação dominante do mundo social. (1983, p. 148).
Desta maneira, caberia, de acordo com Bourdieu, às ciências sociais desvendarem os fundamentos, mormente simbólicos, que sustentam a ignorância da lógica particular que orienta e assegura a dominação de uma parte sobre o todo. Caberia então, no juízo de Bourdieu, a denúncia do caráter ideológico que cumpre a sociologia oficial da ciência que, ao atribuir-lhe qualidades duvidosas de cientificidade, garante a legitimidade da ciência oficial.24 A sociologia oficial, através da retórica, de estratégias de fechamento ou de denegação ou, até mesmo, do sistema escolar,25 assume a tarefa de forjar a produção da crença e, por decorrência, da reprodução, isto é, de afastar da percepção e da razão qualquer possibilidade de reconhecimento da unilateralidade e parcialidade presentes no paradigma científico hegemônico. Como desvelou Bourdieu
Falsa ciência destinada a produzir e a manter a falsa consciência, a sociologia oficial (de quem a politicologia é, hoje, o mais belo ornamento) deve ostentar objetividade e neutralidade 'ética' (isto é, neutralidade na luta entre as classes cuja existência, por outro lado, ela nega) manter as aparências de uma ruptura categórica com a classe dominante e suas demandas ideológicas, multiplicando os sinais exteriores de cientificidade: temos assim, do lado do 'empírico', a ostentação tecnológica e, do lado da 'teoria', a retórica do 'neo' (florescente também no campo artístico) que imita a acumulação científica aplicando a uma obra ou a um conjunto de obras do passado o procedimento tipicamente erudito da 'releitura' � operação paradigmaticamente escolar de simples reprodução (ou de reprodução simples) feita para produzir, nos limites do campo e de suas crenças, as aparências da 'revolução'. É preciso analisar sistematicamente essa retórica de cientificidade através da qual a 'comunidade' dominante produz a crença no valor científico de seus produtos e na autoridade científica de seus membros (1983, p. 152).
Quanto mais não seja, o que Bourdieu procura discernir e expor são as condições sociais nas quais e das quais se gera e regenera a produção científica. Segundo ele, mesmo as revoluções científicas, decorrentes de processos de inovação e de outras representações da produção científica, não estariam desconectadas mas, pelo contrário, estariam presas à doxa do campo científico o que demandaria, por seu turno, um esforço, demasiado complexo e profundo, de construção de uma ciência desinteressada. Esta, no auditório da Sociologia, seria tão mais desinteressada quanto mais assumisse por objeto tanto as estratégias dos agentes como, em especial, as idéias que condicionam a mobilização dos agentes, isto é, a doxa peculiar a cada campo científico.
Um passo à frente
Ainda que a perspectiva de Bourdieu revele um certo determinismo na perspectiva de alteração na dinâmica e lógica que permeia o campo científico, não seria demasiado afirmar que seu modo de apreensão desse campo contribuiu para a emergência da consciência acerca da parcialidade e dos vínculos instrumentais da ciência26 pertinente ao paradigma racional/cartesiano, característico da modernidade.
Outrossim, mesmo que possa ser reconhecido � o que lhe daria, à luz de sua própria teoria, elementos de distinção � por integrar um campo na teoria social que discerniu e/ou fez emergir os vínculos entre conhecimento e interesse presentes nas estratégias dos atores em suas buscas por acúmulo de capital simbólico,27 Bourdieu não saiu ileso de críticas em face de outras perspectivas de análise. Deste modo, ao minimizar as diferentes possibilidades abertas a partir das interações dos agentes (Capra, 2002) e das distintas configurações discursivas28 que podem surgir, deixa de perceber que suas escolhas não estão tão atreladas às determinaçõesimpostas pela estrutura do campo científico ou mesmo de outros campos (Baumgarten, 2001). Ademais, não é incomum aos cientistas, quando defrontados com períodos de crises reconhecidas, recorrerem à filosofia na peregrinação por soluções a seus problemas (Piaget, 1975; Kuhn, 2003). Amiúde, as opções e alternativas, senão as veredas metodológicas � flexíveis e adaptativas -, a densidade de sua motivação e a pertinência de sua curiosidade29 têm sua configuração definida a partir do modo pelo qual cada cientista dialoga com seu contexto sociocultural.30 Ou seja, ainda que o sujeito cognoscente seja determinado, em certa medida, pela estrutura, isto não quer dizer ser predeterminado. De acordo com Maturana . . . el hecho de que São Paulo conecte todas las rutas hacia todas las ciudades es determinante pero eso no determina que ruta debo escojer (2000, p. 22). Deve-se, por outra parte, segundo Paulo Freire, considerar que a competência em objetivar depende também da emoção. Em seu juízo,
O medo, a sensibilidade, os afetos e as paixões que eivam a mente curiosa fazem-na epistemologicamente ativa . . . ou, ao contrário, podem castrá-la. Conforme seja o modo com que se convive com o emocional.
Portanto, desenvolver a mente epistemologicamente curiosa orienta-se para desenvolver emocionalmente e racionalmente a capacidade de indagar. Tudo isso é tratamento e cuidado importantes no rumo da educação científica... que é sobretudo uma forma experimental de lidar com ambas emoção/racionalidade sem hierarquizá-las (
2000, p. 14-15).
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Neste sentido, conforme Hochman (1994), Bruno Latour32 foi um dos que procurou minimizar o peso da estrutura sobre as escolhas dos cientistas a partir de sua análise in loco, no laboratório. Tomando por princípio a idéia de 'ciclo de credibilidade', Latour remete a compreensão e explicação do sentido do progresso científico às estratégias de conversão de credibilidade e progresso do cientista, a partir do reconhecimento de seus pares quanto ao valor de sua produção científica. Ainda que tributário de Bourdieu, Latour assinala que menos a estrutura social e mais o volume e intensidade de circulação de sua produção é que influenciam e definem a posição e as estratégias dos cientistas no campo científico.
Para outros, adeptos do construtivismo, a prática científica deve ser compreendida a partir do contexto de sua produção, no qual cada agente a percebe e a ela reage de forma específica. De acordo com Hochman (1994), para Knorr-Cetina, é impensável reduzir a análise do campo científico a uma lógica economicista, sendo esta a pedra angular na orientação do comportamento, então racional e maximizador, do indivíduo. Esta explicação está, segundo esta autora, prisioneira de uma visão de homem identificado com o apetite de acumulação capitalista. Segundo ela, destaca Hochman, o que as incursões aos laboratórios mostram é
que os resultados das decisões são socialmente contextuais ou negociados interativamente. Não procedem de um cálculo consciente ou inconsciente, nem podem ser uma conseqüência de propriedades individuais adquiridas (1994, p. 224).
Por outra parte, não podemos elidir da abordagem de Bourdieu, conforme percebemos, o que a torna mais substantiva, ou seja, o condicionamento sociocultural que recai sobre as escolhas dos cientistas. Se havia alguma dúvida acerca da neutralidade do cientista, despojado de qualquer interesse ou juízo de valor, Bourdieu contribuiu para sua dissipação. Neste sentido, ele pode ser alçado à condição daqueles que fizeram do produto da razão científica a própria crítica de sua racionalidade fundante. Por decorrência, ele abriu mais uma janela para o desafio de reconstituir nossas instituições na perspectiva de desenvolver um saber coletivo que, além de insubmisso às relações de poder, seja produto de perspectivas plurais que, quando não, desemboquem em benefícios sociais que minimizem ou eliminem a exclusão.
Apesar disso, as questões colocadas até aqui permitem-nos reconhecer o momento de crise que coloca uma série de questões diante do desafio de compreender o mundo em que vivemos. Quanto mais não seja, nas palavras de Santos (1987), estamos imersos numa transposição deste paradigma a um outro, ainda emergente, e cuja conformação ainda não apresenta contornos bem definidos. Segundo ele, presenciamos uma transição na qual temos
Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente (1987, p. 28).
A partir disto, a busca da objetividade das e nas ciências não pode deixar de considerar a necessidade de aproximação entre ciências naturais e ciências sociais, ou mesmo de superação da separação entre ciência e cultura (Nicolescu, 1999), haja vista a interdependência e comunicabilidade entre suas categorias, resultados ou condicionantes. Por decorrência, o valor da ciência deve ser percebido em seu conteúdo processual, ou seja, na busca ininterrupta de superação do erro. É uma combinação de procura, de erro e de aprendizado. Para Bachelard (1984), não há ciência absoluta ou fechada. A idéia de ciência é a idéia de processo. E, enquanto processo, deve estar receptivo às inúmeras formas - ou razões - de percepção da realidade. Para ele, a ciência é a prova da evolução progressiva do pensamento. Nela . . . toda a fronteira absoluta proposta à ciência é sinal de problema mal formulado (1984, p. 22). De forma consoante, na medida em que a realidade é complexa, o conhecimento da mesma deve considerar as propriedades de seus processos biológicos, físico-químicos e psicossociais,33 devendo expressar-se, entrementes, por um esforço de linguagem que possa ser compreensível a todos (Nogueira, 2000).
Por outra parte, a superação da dicotomia sujeito/objeto integra a busca da construção de um conhecimento totalizante, porque aberto e sempre inacabado. Isto nos remete a uma nova noção de sujeito que reconhece o protagonismo da natureza, ou seja, que o que pretendemos conhecer se comunica, tem sua linguagem e tem projeto de vida e, não, algo que é somente um autômato, um interlocutor estanque, incomunicável e estúpido a ser quantificado e dominado (Santos, 2000). Implica saber que o conhecimento da realidade resulta de uma dinâmica reflexiva na qual a dicotomia, que envolve o dilema da objetividade científica presente na equação conhecimento e interesse, coloca em causa a premissa, por parte do cientista, de um comportamento, mais do que desinteressado, ético.
Esta demanda remete-nos ao reconhecimento de uma realidade complexa na qual sujeito e objeto se retroalimentam num movimento constante de in put e out put em que, não só a ciência deve ser considerada produto e produtora da cultura, como também deve ir em busca de uma síntese de superação da dicotomia sujeito e estrutura. Este ponto de equilíbrio, em termos sociais, apresenta o desafio de diminuir o papel da macrofísica cotidiana sobre as escolhas individuais.34 Trata-se de uma necessidade que poderia, nas palavras de Nicolescu (1999), prevenir, senão impedir, que o homem seja colocado na condição de objeto. Para ele, é este desajuste entre a realidade social e realidade individual que leva à fragilidade dos laços sociais e à fragmentação do homem em múltiplas máscaras. Em conseqüência vivemos numa sociedade em que o culto à personalidade reflete o encurralamento do sujeito pela estrutura. De acordo com Nicolescu, o desencontro do homem com seu lugar, sua humanidade perdida é que permitiram a emergência de realidades perversas. Diante disto, este autor questiona:
Como um homem destinado a ser um artista pintor pôde tornar-se um ditador de um grande povo e exterminar friamente um número alucinante de seres humanos? Como outro homem, destinado a ser pároco de aldeia, tornou-se o ditador de um grande país e prendeu e exterminou milhões de seres humanos nos campos de concentração soviéticos? Estes dois tiranos que ensangüentaram a terra

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