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São antigas constatações, mas deixaram uma marca: a ideia de que parece ser mais fácil apon- tar as culturas alheias como inferiores do que percebe...

São antigas constatações, mas deixaram uma marca: a ideia de que parece ser mais fácil apon- tar as culturas alheias como inferiores do que perceber que cada cultura possui características particulares que são irredutíveis às lógicas umas das outras – no caso, utilizava-se pejorativamente o termo bárbaro para tudo aquilo que não fosse apresentado à imagem que o europeu tinha de si mesmo. Dois séculos adiante, e em uma forma distinta de se considerar os “selvagens”, o filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau também se esforçou para deixar de lado seus preconceitos europeus ao refletir sobre os “outros”. Em sua obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, publicada em 1755, Rousseau defendeu a necessidade de se realizar uma histó- ria natural, moral e política dos diferentes grupos humanos distribuídos ao redor do mundo, de modo a melhor compreender o próprio horizonte cultural dos europeus do seu tempo. A respeito do filósofo iluminista, é considerado como o pai das ciências do homem por um impor- tante antropólogo francês (LÉVI-STRAUSS, [1973], 2018), uma vez que Rousseau teria apresentado a perspectiva de investigação humanística das diferentes culturas. Desse modo, a perspectiva de Rousseau teria aberto caminho para o desenvolvi- mento posterior da etnografia e da etnologia, sendo a primeira o trabalho de registro e descrição, por parte do antropólogo, dos aspectos culturais de cada grupo estudado e a segunda o estudo siste- mático das diferentes formas culturais e históricas estudadas pelos antropólogos. A ANTROPOLOGIA MODERNA E SEUS OBJETOS DE ESTUDOS Pode-se afirmar que o surgimento da Antropologia esteve relacionado a certa perspectiva estreita atri- buída aos chamados “evolucionistas”, identificados dessa forma pois aderiam à teoria da evolução de Charles Darwin (1809–1882) para a compreensão dos fenômenos culturais. Para eles, havia apenas uma única cultura considerada superior, de modo que as demais seriam derivações ainda não de- senvolvidas. Trata-se de uma visão associada ao etnocentrismo, ou seja, à concepção que define uma única cultura como central e as demais, por conseguinte, como marginais em relação a ela. Essa visão etnocêntrica esteve associada inicial- mente aos antropólogos europeus, que viam em sua própria cultura indícios de superioridade sobre as demais. Como resposta ao evolucionismo, estabeleceu-se a moderna Antropologia, fundamentada em uma visão abrangente e relativista das posições ocu- padas pelas diferentes culturas humanas. A esta nova maneira de se considerar os grupos humanos, deu-se inicialmente o nome de culturalismo, uma vez que a pluralidade passou a prevalecer sobre a divisão entre superioridade e inferioridade das culturas. Mas, antes de comentarmos a respeito desses autores, como podemos definir cultura? A noção de cultura pode ser compreendida por mais de uma perspectiva. De um lado, no sentido amplo, temos cultura como um todo que engloba tradições, língua, regras, comportamentos e formas de sociabilidade específicas de um determinado grupo. A origem do termo cultura advém da palavra latina colere, que significava uma série de processos re- lacionados aos verbos habitar, cultivar e proteger, entre outros. Com o passar do tempo, o termo foi adquirindo significados em razão dos contextos históricos em que foi considerado. Todavia, se considerarmos a maneira como utilizamos o ter- mo nos dias de hoje, podemos considerar suas origens modernas durante o século 19. Trata-se de considerar não mais o termo no singular, mas sim compreender cultura como expressão plural. Segundo Raymond Williams: “ As culturas especificas e variáveis de diferen- tes nações e períodos, porém também as culturas específicas e variáveis dos grupos sociais e eco- nômicos contidos dentro de uma mesma nação. O movimento romântico desenvolveu amplamente este sentido como uma alternativa à ‘civilização’ ortodoxa e dominante. Em um primeiro momento se utilizou para ressaltar as culturas nacionais e tradicionais. Posteriormente, utilizou-se o termo para atacar o que se via como o caráter ‘mecânico’ da nova civilização então emergente: tanto por seu racionalismo abstrato como pela ‘desumanidade’ do desenvolvimento industrial do momento (WILLIAMS, 2003, p.90, tradução própria). Em seus usos mais específicos, a cultura designa uma série de processos estudados com atenção, que foram se tornando cada vez mais importantes para se compreender as características de pensa- mentos, ações e sentimentos que diferenciam os grupos humanos. Nesse sentido, gradualmente, deixa-se de defender-se a existência de um modelo cultural universal que define a espécie humana, bem como a noção de que existem culturas puras ou superiores, uma vez que se tem constatado, cada vez mais, a pluralidade imensa de formas de se viver que não podem ser reduzidas a modelos simplistas que separam culturas em desenvolvidas e subdesenvolvidas. A partir do constante exercício de reflexividade so- bre a ideia de cultura, feita pelos cientistas sociais, pode-se verificar a complexa relação existente entre os objetos e tecnologias produzidos pelos grupos humanos – cultura material – e a produ- ção simbólica desses mesmos grupos – cultura imaterial –, pertinente às suas demandas especí- ficas. Percebe-se, assim, o equívoco de se medir ou de se comparar as culturas de acordo com um parâmetro único de desenvolvimento. Enquanto domínio de análise dentro das ciências sociais, a Antropologia moderna, preocupada com o domínio cultural, desenvolveu métodos próprios de investigação dos grupos humanos, sendo Franz Boas (1858-1942) e Bronislaw Malinowski (1884-1942) dois de seus principais iniciadores. A partir das obras desses dois autores, os grupos passaram a ser cada vez mais analisados, sobretudo em fun- ção de seus contextos e em seus próprios termos. Antropólogo de origem alemã, Franz Boas defendeu a noção de que a Antropologia deveria se afastar das concepções que estabelecem hierarquias entre os grupos humanos. Essa mudança de perspectiva foi fundamental, pois distanciou-se da noção de que os diferentes grupos humanos evoluem de maneira unilinear, sendo esta concepção presente, por exemplo, entre aqueles que defendiam que as centenas de grupos indígenas então conhecidos estavam em uma etapa primitiva de evolução, enquanto a sociedade europeia estaria no grau mais elevado.

Essa pergunta também está no material:

Identidade e Diversidade
39 pág.

Introdução à Antropologia ArtesArtes

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