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FUNDAMENTOS E MÉTODOS DO ENSINO DE HISTÓRIA CURSO DE GRADUAÇÃO – EAD Fundamentos e Métodos do Ensino de História – Profª. Ms. Karina Elizabeth Serrazes Meu nome é Karina Elizabeth Serrazes. Sou graduada em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Franca) e em Pedagogia pelo Centro Universitário Claretiano. Além disso, sou mestre em História, na área de História e Cultura, também pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Franca). Atuo como docente nos cursos de Licenciatura em Pedagogia e de Licenciatura em História, bem como em outros cursos da área de formação de professores, nas modalidades presencial e a distância do Centro Universitário Claretiano. Como pesquisadora, realizo estudos na área de História Regional, História e Memória, História da Educação e Metodologia de Ensino. e-mail: karina.serrazes@claretiano.edu.br Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação FUNDAMENTOS E MÉTODOS DO ENSINO DE HISTÓRIA Karina Elizabeth Serrazes Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação © Ação Educacional Clare ana, 2010 – Batatais (SP) Versão: dez./2013 900.071 1 S496f Serrazes, Karina Elizabeth Fundamentos e métodos do ensino de história / Karina Elizabeth Serrazes – Batatais, SP : Claretiano, 2013. 208 p. ISBN: 978-85-8377-065-7 1. A construção do conhecimento histórico. 2. As propostas teórico-metodológicas para o ensino de História no ensino Fundamental e Médio. 3. O saber histórico em sala de aula: construindo o conhecimento e formando cidadãos. 4. Experiências e propostas metodológicas do ensino de História. 5. Os livros didáticos e paradidáticos de História: uma análise crítica. 6. O planejamento e a avaliação na prática docente do ensino de História. I. Fundamentos e métodos do ensino de história. CDD 900.071 1 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didá co Mediacional: J. Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cá a Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Mar ns Lidiane Maria Magalini Luciana A. Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana. Claretiano - Centro Universitário Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000 cead@claretiano.edu.br Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006 www.claretianobt.com.br SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9 2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO .......................................................................... 12 UNIDADE 1 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 29 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 29 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .............................................. 30 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 30 5 HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA: CONCEITOS E METODOLOGIAS ........... 32 6 SABERES CIENTÍFICOS E ESCOLARES: PERSPECTIVAS E DESAFIOS .............. 36 7 ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS E ENSINO DE HISTÓRIA ........................ 39 8 HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL ............................................ 42 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 54 10 1CONSIDERAÇÕES ........................................................................................... 55 11 1E REFERÊNCIAS .............................................................................................. 55 12 1INDICAÇÃO DE FILME .................................................................................... 56 13 1REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 56 UNIDADE 2 PROPOSTAS TEÓRICO METODOLÓGICAS PARA ENSINO DE HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 57 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 57 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .............................................. 58 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 58 5 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS E ENSINO DE HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO .................................................................. 60 6 PESQUISA, DOCUMENTOS HISTÓRICOS E ENSINO DE HISTÓRIA ................ 84 7 PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES E TRANSVERSALIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA ..................................................................................................... 88 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 91 9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 92 10 1E REFERÊNCIAS .............................................................................................. 92 11 1REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 93 UNIDADE 3 SABER HISTÓRICO EM SALA DE AULA: CONSTRUINDO O CONHECIMENTO E FORMANDO CIDADÃOS 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 95 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 95 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .............................................. 96 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 97 5 MULTICULTURALISMO E ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA DE CURRÍCULO ................................................................................................. 98 6 TEMPO, ESPAÇO E SUJEITO NO ESTUDO DA HISTÓRIA ................................ 101 7 LEITURA E COMPREENSÃO DO MUNDO E ENSINO DE HISTÓRIA ................ 106 8 ENSINO DE HISTÓRIA, MEMÓRIA E IDENTIDADE .......................................... 109 9 MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E ENSINO DE HISTÓRIA: ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS ....................................................................................112 10 1QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ...................................................................... 116 11 1CONSIDERAÇÕES ............................................................................................ 117 12 1E REFERÊNCIAS .............................................................................................. 118 13 1INDICAÇÃO DE FILMES .................................................................................. 119 14 1REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 119 UNIDADE 4 EXPERIÊNCIAS E PROPOSTAS METODOLÓGICAS DO ENSINO DE HISTÓRIA 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 121 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 121 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .............................................. 122 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 123 5 INCORPORAÇÃO DE DIFERENTES FONTES E LINGUAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA ..................................................................................................... 124 6 IMPRENSA, PROPAGANDA E ENSINO DE HISTÓRIA ..................................... 126 7 LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA .......................................................... 132 8 CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA .................................................................... 140 9 MÚSICA NA AULA DE HISTÓRIA ...................................................................... 146 10 1IMAGENS E ENSINO DE HISTÓRIA ................................................................ 152 11 1NTICS E ENSINO DE HISTÓRIA ....................................................................... 160 12 1QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ...................................................................... 162 13 1CONSIDERAÇÕES ............................................................................................ 163 14 1E REFERÊNCIAS .............................................................................................. 164 15 1REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 166 UNIDADE 5 MANUAIS, APOSTILAS, LIVROS DIDÁTICOS E ARADIDÁTICOS DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 167 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 167 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .............................................. 168 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 168 5 LEGISLAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE MANUAIS, APOSTILAS, LIVROS DIDÁTICOS E PARADIDÁTICOS DE HISTÓRIA ..................................... 170 6 TRABALHO PEDAGÓGICO E UTILIZAÇÃO DE MANUAIS, APOSTILAS, LIVROS DIDÁTICOS E PARADIDÁTICOS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ......... 178 7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 181 8 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 182 9 E REFERÊNCIAS ................................................................................................ 184 10 1REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 184 UNIDADE 6 PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO NA PRÁTICA DOCENTE DO ENSINO DE HISTÓRIA 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 185 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 185 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .............................................. 186 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 186 5 PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE ENSINO .................................................. 188 6 PLANO DE ENSINO E PLANO DE AULA: DO DOCUMENTO À AÇÃO PEDAGÓGICA ................................................................................................... 193 7 AVALIAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM: ASPECTOS PEDAGÓGICOS, POLÍTICOS E TEÓRICO METODOLÓGICOS .......................... 201 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 206 9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 207 10 1E REFERÊNCIAS .............................................................................................. 208 11 1REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 208 Claretiano - Centro Universitário CRC Caderno de Referência de Conteúdo Conteúdo ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A construção do conhecimento histórico. As propostas teórico-metodológicas para o ensino de História no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O saber histórico em sala de aula: construindo o conhecimento e formando cidadãos. Ex- periências e propostas metodológicas do ensino de História. Os livros didáticos e paradidáticos de História: uma análise crítica. O planejamento e a avaliação na prática docente do ensino de História. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 1. INTRODUÇÃO “[...] O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente” (DRUMMOND). O tempo presente, segundo os versos de Drummond, deve ser o foco de nossas atenções, pois é nele que estão todas as pos- sibilidades e todos os desafios, o que sugere, à primeira vista, um desprezo pelo passado e certo desinteresse pelo futuro, talvez em uma tentativa de viver intensamente o momento, sem se preo- cupar com o amanhã e, muito menos, censurar-se pelas ações e pelos erros do passado, ou, simplesmente, configura um apelo à vida, contra a tirania do tempo. © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 10 Na obra de Carlos Drummond de Andrade, a questão do tem- po e as suas dimensões adquiriram diferentes contornos, tais como: a denúncia e o pessimismo característicos do momento histórico vivido pelo poeta, principalmente durante a Segunda Guerra Mun- dial; a indagação filosófica sobre o sentido da vida e a condição do homem; e até certo saudosismo diante das lembranças de sua in- fância, o que nos remete à reflexão de que somos filhos de nosso tempo e de que nossas ações e nossos pensamentos estão sempre voltados para as problemáticas e os desafios de nossa época. A supervalorização do tempo presente, por exemplo, é uma característica da sociedade contemporânea, que, diante da rapidez das informações, da influência da mídia, com seu bombardeio de imagens, do consumismo e da valorização do novo, parece negli- genciar outras dimensões do tempo, relegando o passado à cate- goria de objeto descartável. Em contrapartida, podemos perceber que, nos últimos anos, o cinema, a TV e as editoras têm investido em publicações e em produções sobre temas históricos, tornan- do a História um objeto de consumo, o que, sem dúvida, segue uma lógica capitalista de ampliação e diversificação do mercado, porém, também demonstra os anseios e as expectativas de nossa época, ou seja, a necessidade de encontrarmos nossas raízes, de compreendermos nossa realidade e até de reavaliarmos nossas ações como sujeitos históricos, pois o ponto de partida da História como estudo é o tempo presente. Nessa perspectiva, o estudo da História possibilita o ques- tionamento e a reflexão sobre a realidade atual e a construção de uma consciência histórica capaz de reinterpretar o passado, de reavaliar ações e de projetar o futuro. Além disso, o estudo da His- tória é importante para o conhecimento de si mesmo e do outro,o que contribui para a tolerância e para uma convivência mais soli- dária entre as pessoas, pois constrói identidades e cidadania. Assim, percebemos como o conhecimento histórico é es- sencial para a formação integral do indivíduo, o que, em nossa 11 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo sociedade, enfrenta inúmeros desafios, já que parte dessa forma- ção acontece na escola, um espaço de múltiplas interações, con- tradições e conflitos. A escola, como instituição educativa, tem sido questionada acerca de seus objetivos e de suas práticas, e as diversas disciplinas tornaram-se alvos de críticas e, consequente- mente, objetos de estudos que visam discutir os fundamentos de cada área e as possibilidades de realizar um trabalho educativo interdisciplinar e, principalmente, de colocar em prática metodo- logias diversificadas, centradas na construção de conhecimentos significativos e na interação professor-aluno. Dessa forma, é necessário que o futuro professor de História não apenas conheça os conteúdos a serem ensinados, mas que também reflita sobre os seus fundamentos e sobre o processo de ensino-aprendizagem, analisando as propostas curriculares da dis- ciplina e discutindo tanto as estratégias de ensino diferenciadas quanto, as especificidades da construção do saber histórico esco- lar, para que possa atuar de forma significativa, potencializando o caráter transformador do estudo da História. Com esse intuito, no Caderno de Referência de Conteúdo Fun- damentos e Métodos do Ensino de História, realizaremos estudos teórico-práticos, com atividades e interatividades que possibilitem a você, futuro professor, a construção de conhecimentos, a reflexão so- bre a prática docente, tendo em vista a análise de situações-problema do cotidiano escolar, e a discussão sobre as possibilidades metodoló- gicas no ensino de História, com a utilização de diferentes linguagens, tais como: a música, a pintura, a literatura, dentre outros. Esperamos, então a sua participação efetiva nas discussões, nas reflexões e nas atividades e, também, o seu compromisso em aprofundar os seus estudos na área por intermédio da pesquisa e da vivência do cotidiano escolar, para que, juntos, possamos cons- truir um novo perfil profissional, em que o prazer em aprender e ensinar História se tornem realidade. © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 12 2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO Abordagem Geral A História torna-se apaixonante quando compreendemos seu significado e, principalmente, quando aprendemos a refletir, a pensar historicamente. Esse é o nosso maior desafio como pro- fessores dessa disciplina: motivar os alunos a aprender História, desenvolver a reflexão crítica sobre as ações de nossos antepassa- dos e, sobretudo, contribuir para a formação de uma consciência histórica que leve os alunos a reinterpretar o passado, a reavaliar as ações do presente e a projetar o futuro. Assim, o objetivo dessa conversa é analisar alguns elementos importantes da prática de ensino de História, como os métodos de ensino, a natureza do conhecimento histórico e as problemáticas e as tendências de suas atuais propostas curriculares. Você está pronto? Durante muito tempo, a disciplina História foi entendida como um conjunto de conteúdos a serem memorizados, sem mui- ta relação com a vida cotidiana e o presente, porém, nos últimos anos, o ensino dessa disciplina tem sido repensado, afinal, diante da complexidade do mundo contemporâneo, tornou-se necessário compreender a dinâmica das transformações e, principalmente, construir identidades, pois vivemos em sociedade e necessitamos de elos com o nosso passado que nos aproximem de nossos ances- trais, dando-nos um sentido de pertencimento, e que, também, nos possibilitem responder às indagações existenciais de nosso próprio tempo, como “quem somos”, “de onde viemos” e “para onde vamos”. Nessa perspectiva, percebemos que o estudo da História é importante para o conhecimento de si mesmo e do outro e, tam- bém, para ampliar o diálogo, a reflexão e o respeito à diversida- de, que são princípios indispensáveis ao exercício da cidadania e à 13 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo convivência pacífica e solidária entre os povos. Cabe a nós, profes- sores de História, inserir o educando nesse processo de reflexão e de construção de valores e saberes. Para isso, é necessário que o professor de História não ape- nas conheça os conteúdos a serem ensinados, mas que também reflita sobre os fundamentos e os métodos de ensino dessa disci- plina para que possa atuar de forma mais significativa, potenciali- zando o caráter transformador do estudo da História. Desse modo, o olhar de pesquisador é imprescindível, pois o professor deve estar atento às mudanças de seu tempo e às pro- blemáticas que envolvem seu trabalho, buscando ampliar seus co- nhecimentos, aproximar teoria e prática e dinamizar o processo de ensino-aprendizagem. Vamos continuar nosso estudo pela discussão do conceito de “História”. Para você, o que é História? Em muitos livros didáticos, encontramos a definição de “His- tória” como “o estudo da ação humana ao longo do tempo” ou como “a investigação do passado em função do presente”. Essas definições concebem a História como forma de conhecimento da realidade. Mas é preciso considerar que há uma história vivida e uma história estudada, uma história conhecimento. Essa história conhecimento, ou o conhecimento histórico, é produzida com base na pesquisa e na interpretação do historiador, que, seguin- do os parâmetros científicos, reconstitui a história vivida a partir de seus múltiplos vestígios e escreve-a recompondo suas peças, como um quebra-cabeça. Há, também, a dimensão pedagógica do conhecimento his- tórico, ou seja, a história ensinada, que objetiva inserir os educan- dos em um pensar historicamente. Assim, o termo “História” designa, ao mesmo tempo, a rea- lidade em que o homem está inserido e o conhecimento que se tem sobre ela, ou seja, o estudo sobre o vivido. E mais, esse termo, © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 14 apesar de ser amplamente utilizado, teve significados diferentes ao longo do tempo e, ainda hoje, é tema de debates e polêmicas, como você deve ter constatado no estudo de outras disciplinas deste curso. O conhecimento histórico é produzido de acordo com deter- minados princípios e conceitos, de modo que é necessário situar os referenciais teóricos que norteiam os programas curriculares e a própria prática docente, pois é com base em uma concepção de história que os historiadores reconstituem o passado, os autores produzem os materiais didáticos e os professores orientam a sua ação pedagógica. Atualmente, as concepções de História que norteiam as propostas curriculares são a de história como processo dinâmi- co, dialético, segundo a tendência marxista, e a de história como construção ou síntese interpretativa, escrita a partir da visão do historiador, que corresponde à tendência historiográfica iniciada com a Escola dos Annales. Entretanto, a trajetória da história ensinada não corresponde, necessariamente, à da história conhecimento, pois elas são entre- cortadas por debates historiográficos e, também, por questões polí- ticas, ou seja, as propostas curriculares são influenciadas pela forma de governo, pela ideologia partidária e pelas relações de poder de forma geral. Por exemplo, durante o regime militar, a disciplina His- tória foi substituída por Estudos Sociais. Você se lembra disso? A organização dos currículos de História, na atualidade, é orientada por dois documentos, a saber: as Diretrizes Curricula- res Nacionais (DCN), que são normas obrigatórias, e os Parâme- tros Curriculares Nacionais (PCN), que são referenciais que visam apoiar a elaboração das propostas curriculares dos estados e de suas escolas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental enfatizamos princípios da autonomia, dos direitos e dos deveres da cidadania e orientam as instituições de ensino a elaborar seus currículos, recortando, dentro das áreas de conheci- 15 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo mento, os conteúdos voltados para as relações com suas comuni- dades local e regional. Já as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio estabelecem como estruturadores dos currículos os princípios da diversidade, da interdisciplinaridade e da contex- tualização, rompendo com o caráter fragmentado das disciplinas escolares e propondo a organização dos currículos por áreas de co- nhecimento. Além disso, esse documento estabelece que os con- teúdos não são fins em si mesmos e, sim, meios para desenvolver competências e habilidades. Os PCNs para o Ensino Fundamental introduzem a concep- ção de história local, que articula a história vivida pelos educandos e a história nacional e mundial, inserindo, a partir da história do cotidiano, as ações de pessoas comuns na constituição histórica. Por sua vez, os PCNs para o Ensino Médio demonstram uma preo- cupação com a formação política, intelectual e humanística dos educandos e apresentam orientações didáticas voltadas à práti- ca da pesquisa e à seleção de conteúdos por meio da escolha de temas relacionados aos problemas da atualidade. Assim, os PCNs de História propõem uma organização dos conteúdos baseada em eixos temáticos, ou temas geradores, buscando uma maior flexibi- lidade curricular e reconhecendo a impossibilidade de se ensinar “toda a história da humanidade”. Vejamos um exemplo de seleção temática de conteúdos. Exemplo –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Se selecionarmos imagens de diversos acontecimentos históricos do Brasil, po- demos utilizá-las como recurso didático para o estudo da temática “A luta pela cidadania no Brasil”. Da resistência indígena e africana à escravidão, passando pela Balaiada, pela Cabanagem, por Canudos, pelas greves operárias, pelas manifestações contra o regime militar e pelas “Diretas Já”, até os movimentos a favor de ações afi rmativas, como as cotas para os negros nas universidades, visualizamos um pouco da trajetória da luta dos brasileiros pela cidadania. Com base nesse tema gerador, o professor poderá desenvolver com os alunos uma perspectiva temporal da conquista de direitos no Brasil e, também, de sua história política, evidenciando a importância dos movimentos sociais nas transformações do país. Além disso, essa seleção temática dos conteúdos possibilita ao aluno compreender os aspectos de continuidade e de ruptura da história brasileira, que é um dos objetivos do ensino de História. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 16 Entretanto, a seleção temática dos conteúdos é alvo de muitas críticas, pois, para alguns profissionais da área, essa proposta pode esvaziar os conteúdos e exige um trabalho intenso do professor, que precisará pesquisar e selecionar materiais didáticos apropriados para desenvolver essa proposta de forma adequada, o que nem sempre é possível, considerando as condições precárias de nossas escolas. Como os PCNs são referenciais para a organização curricular, a adoção da proposta de organização por eixos temáticos não foi feita integralmente, e muitas escolas continuam orientando seus currículos pelas balizas tradicionais da divisão da história, ou seja, da Antiguidade à época contemporânea. É importante ressaltar que, independentemente da forma de organização dos currículos, isto é, por eixos temáticos ou em ordem cronológica, a seleção de conteúdos é inevitável e é neces- sário que seus critérios de seleção sejam claros e coerentes. Assim, as atuais propostas curriculares de História para o En- sino Fundamental e para o Ensino Médio constituem orientações que auxiliam os docentes na elaboração dos currículos, conside- rando os perfis e as necessidades específicas de cada localidade, mas mantendo uma base nacional comum, que objetiva contribuir para a formação integral dos educandos. As atuais propostas curriculares de História para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio também reconhecem o plu- ralismo da sociedade brasileira e propõem que os currículos sejam organizados em uma perspectiva multicultural. Aliás, você sabe o que significa “multiculturalismo”? O multiculturalismo é uma tendência do mundo contemporâ- neo que se traduz no respeito e na valorização da diversidade cultural. No Brasil, a questão do multiculturalismo acompanhou as reformas educacionais da década de 1990 e está presente na LDB de 1996, que determina que o ensino da História do Brasil deve considerar as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. 17 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo Mais recentemente, essa perspectiva multicultural foi refor- çada pela Lei nº 10.639, de 2003, que altera a LDB, incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, e, também, pela Lei nº 11.645, de 2008, que torna obrigatório o estudo de “História e Cultura Afro-brasileira e Indígena”. Essa legislação estabelece que os conteúdos referentes à História e à Cultura Afro-brasileira e Indígena deverão ser traba- lhados no contexto de todo o currículo escolar e, em especial, nas áreas de Artes, Literatura e História do Brasil. A perspectiva multicultural dos currículos visa efetivar o princí- pio da igualdade e, principalmente, superar as omissões da História e do ensino de História em relação à diversidade de povos e culturas de nosso país, como aponta esse poema de Elisa Lucinda (1986): Hoje num esforço sobre humano lutamos pela integridade do Ser que a branca história covardemente esfacelou Nossa luta deixou de ser contra matas serradas vegetações turbulentas touceiras de espinhos flechas, açoites. Ela se dá bravamente no asfalto, a céus claros horizontes abertos. No entanto hoje Não é menos intensa, imperiosa Explode ela na garganta do bóia-fria nas veias da doméstica e em todas as dignas bocas negras que sobrevivem a dizimação da escravidão. © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 18 Assim, percebemos que as atuais propostas curriculares de História incorporaram novos temas e novos objetos de estudo e atribuíram à memória uma nova perspectiva: a de apreender a di- versidade das memórias sociais e culturais do país na tentativa de constituir uma identidade nacional mais plural. Mas, para você, qual é a relação entre a memória e o ensino de História? A memória constitui-se de múltiplas representações, senti- mentos, atitudes e valores, que, se utilizados como fio condutor da construção do conhecimento histórico, possibilitam um diálogo com o tempo presente e uma aproximação com a história de vida dos educandos e, principalmente, com as experiências cotidianas de outras épocas. A memória pode ser recuperada pela escrita e pela oralida- de, ou seja, por uma metodologia de pesquisa baseada em fontes orais, que registram a experiência vivida e que se constituem de depoimentos, entrevistas e relatos, os quais nos permitem resga- tar a forma como um indivíduo ou um grupo vivenciou os fatos históricos. Dessa forma, a história oral apresenta muitas possibilidades para o ensino de História, pois, por meio de entrevistas com pes- soas da comunidade, o aluno é estimulado a investigar, a utilizar um método de pesquisa e a adentrar no universo do imaginário, fortalecendo os vínculos afetivos com sua comunidade e com as tradições e os valores de seu meio. A história oral direciona o olhar do aluno para a diversidade das fontes históricas e para a pluralidade étnico-cultural de nosso país, contribuindo para o resgate da memória como objeto de estudo e, principalmente, como instrumento de luta e afirmação da identidade dos diversos grupos que compõema sociedade brasileira. Para colocar em prática essas propostas curriculares do ensino de História, é importante que o professor considere novas possibili- 19 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo dades de trabalho pedagógico, em que os alunos sejam motivados a construir e a reconstruir conceitos históricos, vivenciando situações em que possam compreender o processo de constituição do conhe- cimento histórico, como, por exemplo, a partir da pesquisa e da co- leta de informações em diferentes fontes. Para garantir uma leitura crítica do passado, é necessário que os alunos compreendam que tanto o historiador como o professor produzem e transmitem co- nhecimentos com base na escolha de métodos, conceitos e fontes, ou seja, ensinar História também é ensinar um método, um modo de olhar para o passado, problematizando a realidade e buscando na pesquisa um caminho para a construção do conhecimento. Assim, artigos de jornais, pinturas, charges, fotografias, fil- mes, músicas e literatura podem ser transformados em fontes de pesquisa e em materiais didáticos para o ensino de História a partir da análise das especificidades de cada uma dessas linguagens. Os jornais, por exemplo, precisam ser analisados como um meio de comunicação que influencia a opinião pública e que, desse modo, está sujeito a interesses diversos. A música possui uma linguagem específica que associa di- versos componentes e sujeitos, como compositores, intérpretes, gravadoras e consumidores, e sua utilização como recurso didático envolve indagações sobre o tema, o ritmo, a interpretação e as formas de ouvir música. E os filmes, você sabe como utilizá-los nas aulas de História? A utilização dos filmes como material didático para o ensino de História requer tanto uma análise interna sobre seu conteúdo, suas personagens, seus principais acontecimentos, seu cenário, seus lugares e sua época quanto uma análise externa sobre o ano, o local onde foi produzido, o diretor, o produtor, a música, dentre outros aspectos, de modo que o aluno deve ser levado a questio- nar aquilo a que está assistindo e a refletir sobre como os filmes são produzidos, que efeitos utilizam e como reconstroem uma de- terminada realidade. © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 20 Dessa forma, é importante que o professor selecione um fil- me adequado ao conteúdo que deseja trabalhar e à faixa etária da turma e que planeje as atividades a serem realizadas, definindo os objetivos, os temas para discussão e os critérios de avaliação. E mais, o professor deve decidir se irá exibir o filme na ínte- gra ou apenas um trecho, apresentar aos alunos a sinopse do filme e as informações sobre o diretor e, também, utilizar outras fontes para ampliar o debate. O professor pode, por exemplo, utilizar o filme 1492 – A con- quista do paraíso, de Ridley Scott, que você provavelmente conhe- ce, e observar suas imagens. Nesse filme, produzido em 1992, ano de comemoração dos 500 anos da descoberta da América, a história de Cristovão Co- lombo é narrada de forma clara, com imagens, efeitos especiais e interpretações que podem estimular os alunos, em especial os alunos do Ensino Médio, a questionar e a refletir sobre o período das Grandes Navegações e da chegada dos europeus à América. Para tornar esse filme um recurso didático significativo, o professor poderá apresentá-lo na íntegra ou, então, mostrar ape- nas alguns de seus trechos, de acordo com os objetivos que pre- tende alcançar ou com os conteúdos que irá desenvolver. É impor- tante, ainda, que o professor discuta com os alunos os aspectos relacionados à pesquisa histórica, à liberdade artística e à capaci- dade de criação do diretor, dos atores e dos roteiristas na tentativa de reconstituir um acontecimento histórico. O professor pode, também, problematizar e discutir com os alunos a questão de que o filme retrata uma versão europeia so- bre o período das Grandes Navegações e a questão de que, se ele fosse produzido na perspectiva dos povos nativos da América, pro- vavelmente, a visão seria outra. Dessa forma, percebemos que os filmes apresentam muitas possibilidades de estudo para o ensino de História, mas sua uti- 21 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo lização como recurso didático requer um trabalho de análise, de discussão e de reflexão. Estamos chegando ao final da Abordagem Geral, e, como você já percebeu, a temática dos Fundamentos e Métodos do Ensino de História é bastante ampla, pois poderíamos discutir muitas outras propostas de ensino, mas o ideal é que, a partir de nossas reflexões, você, futuro professor de História, pesquise e desenvolva metodologias adequadas à realidade dos alunos e das escolas em que irá atuar. Esse é um grande desafio, não é mesmo? O importante é que o professor tente utilizar várias lingua- gens em sala de aula, respeitando a diversidade de ritmos e de formas de aprender, buscando motivar os alunos e desenvolver competências e habilidades indispensáveis ao exercício da cidada- nia, como a leitura crítica de um documento histórico, a compara- ção, a seleção e a avaliação de informações, além da reflexão e da capacidade argumentativa. Assim, o trabalho pedagógico na área de História envolve o planejamento sistemático de situações de aprendizagem pautadas em diferentes linguagens, o que não significa abandonar as aulas expositivas ou a utilização de livros didáticos e apostilas e, sim, ampliar as possibilidades de ensino dessa disciplina, contribuindo para a construção de conhecimentos significativos e para a forma- ção da consciência histórica. Como professores de História, precisamos contribuir para a for- mação integral dos alunos, a fim de que estes encontrem suas raízes, compreendam sua realidade e reavaliem suas ações como sujeitos históricos em direção a uma sociedade mais justa e solidária. Glossário de Conceitos O Glossário permite a você uma consulta rápida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 22 dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no Caderno de Referência de Conteúdo Funda- mentos e Métodos do Ensino de História. Veja a seguir a definição dos principais conceitos: 1) Currículo escolar: projeto que define as intenções, os princípios e as orientações educativas e que proporcio- na informações concretas sobre o que ensinar, quando ensinar, como ensinar e como e quando avaliar. 2) Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN): [...] conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, funda- mentos e procedimento da educação básica, expressas pela Câ- mara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino na organi- zação, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas (RESOLUÇÃO CEB nº 2, 7 abr. 1998). 3) Escola dos Annales: movimento historiográfico iniciado com a publicação da revista francesa Annales d’histoire économique et sociale, fundada e editada por Marc Bloch e Lucien Febvre em 1929. 4) Historiografia: relacionada à escrita da História ou, en- tão, à metodologia e à prática da pesquisa e da produção do conhecimento histórico. 5) Interdisciplinaridade: processo de integração recíproca entre várias disciplinas e campos de conhecimento. 6) Nova história: movimento historiográfico surgido nos anos 1970 com a terceira geração da Escola dos Annales. 7) Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): referenciais elaborados pelas Secretarias de Educação Fundamental e Média do MEC que visam apoiar a revisão e/ou a ela- boração das propostas curriculares dos estados ou das escolas integrantes dos sistemas de ensino. 8) Patrimônio cultural: constituído de bens culturais, en- tendidos como toda produção humana que propicie o conhecimento do homem sobre si mesmo e sobre o mundo e que façareferência à identidade e à memória de uma localidade. 9) Positivismo: corrente filosófica iniciada por Auguste Comte no século 19 que influenciou a produção histo- 23 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo riográfica mediante o trabalho metódico com as fontes (documentos escritos), a objetividade, a neutralidade do pesquisador e a narração dos fatos históricos. 10) Marxismo: corrente filosófica iniciada por Karl Marx e Friedrich Engels que se fundamenta em uma concepção materialista e dialética da História. 11) Memória: construção psíquica e intelectual que resulta em uma representação seletiva do passado. 12) Multiculturalismo: tendência do mundo contemporâ- neo que se constituiu no campo dos embates políticos e das relações de classe, etnia e gênero, caracterizando-se pelo respeito e pela valorização da diversidade cultural. Esquema dos Conceitos-chave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais im- portantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Es- quema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteú- do. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignifican- do as informações a partir de suas próprias percepções. É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com- plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or- denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino. Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque- mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen- to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem. Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es- colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 24 na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es- tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem. Tem-se de destacar que “aprendizagem” não significa, ape- nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci- so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con- siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei- tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog- nitivas, outros serão também relembrados. Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento, por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações inter- nas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu co- nhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, esta- belecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adap- tado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/ mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010). 25 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo HISTÓRIA HISTÓRIA VIVIDA HISTÓRIA ACONTECIMENTO HISTÓRIA CONHECIMENTO CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA HISTORIOGRAFIA MEMÓRIA SABER HISTÓRICO ESCOLAR CONSCIÊNCIA HISTÓRICA ALUNO PROFESSOR COTIDIANO REPRESENTAÇÕES ENSINO DE HISTÓRIA SABER HISTÓRICO CIENTÍFICO PESQUISA METODOLOGIA MATERIAL DIDÁTICO FONTES CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo Fundamentos e Métodos do Ensino da História. Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im- portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre um e outro conceito e descobrir o caminho para construir o seu processo de ensino-aprendizagem. O Esquema dos Conceitos-cha- ve é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual, por meio de suas ferra- mentas interativas, bem como àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presencialmente no polo. Lem- © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 26 bre-se de que você, aluno EAD, deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento. Questões Autoavaliativas No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha ou abertas com respostas objetivas ou dis- sertativas. Vale ressaltar que se entendem as respostas objetivas como as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada, inalterada. Responder, discutir e comentar essas questões, bem como relacioná-las com a prática do ensino de História pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re- solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe- cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis- sional. Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari- to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões autoavaliativas (as de múltipla escolha e as abertas objetivas). As questões dissertativas obtêm por resposta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado. Por isso, não há nada relacionado a elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma. Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio- grafias complementares. 27 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo Figuras (ilustrações, quadros...) Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte- grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra- tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con- teúdos deste Caderno de Referência de Conteúdo, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual. Dicas (motivacionais) O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser humano. É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui- lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce- bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade. Você, como aluno do Curso de Graduação na modalidade EAD e futuro profissional da educação, necessita de uma forma- ção conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas. É importante, ainda,que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode- rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ- ções científicas. Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas. © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 28 No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure- cimento intelectual. Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores. Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você. 1 EA D A Construção do Conhecimento Histórico 1. OBJETIVOS • Historicizar o processo de ensino-aprendizagem da disci- plina História na sociedade brasileira. • Analisar os pressupostos teórico-metodológicos que nor- teiam o ensino de História. • Compreender o processo de construção do conhecimen- to científico e escolar na área de História. • Discutir as relações entre historiografia e ensino de História. 2. CONTEÚDOS • História e ensino de História: conceitos e metodologias. • Saberes científicos e escolares: perspectivas e desafios. • Abordagens historiográficas e ensino de História. • História do ensino de História no Brasil. © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 30 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli- citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades deste CRC. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho. 2) Leia os livros indicados nas Referências Bibliográficas para que você amplie seus horizontes teóricos. Compa- re-os com o material didático e discuta a unidade com seus colegas e com o tutor. 3) Antes de iniciar os estudos desta unidade, é importan- te conhecer um pouco da formação e da trajetória pro- fissional dos estudiosos, cujo pensamento é utilizado como referência para a aprendizagem dos conteúdos desta unidade. Circe M. F. Bittencourt Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (1993). Atualmente, é professora da Pós-graduação da Faculdade de Educação (USP) e da Pontifí- cia Universidade Católica (PUC-SP). Desenvolve pesquisas sobre a história dos livros didáticos, ensino de História e História da Educação. Selva Guimarães Fonseca Doutora em História pela Universidade de São Paulo (1996) e pós-doutora em Educação pela Unicamp (2007). Atualmente, é pesquisadora de produtividade do CNPq, professora associada do Programa de Pós-graduação (mestrado e dou- torado em Educação) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia e membro da ISHD (International Society for History Didactics). Pos- sui experiência na área de Educação com ênfase em publicações nos seguintes temas: ensino e aprendizagem de História, formação docente, metodologias e práticas de ensino. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE [...] os jovens de hoje, crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vi- vem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros es- quecem, tornam-se mais importantes que nunca [...] (ERIC HOSBAWN). 31 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Construção do Conhecimento Histórico A afirmação de Hobsbawn remete-nos à discussão sobre a importância da História e do ofício do historiador na socieda- de contemporânea, que, diante da supervalorização do presente, tenta resgatar o passado e preservar a memória, mantendo vivos a reflexão e o diálogo sobre a ação humana ao longo dos tempos. Essa importância se origina do fato de que todas as ações humanas têm um sentido histórico, pois nós somos os sujeitos da História, ou seja, nossas ações modificam-na, mas também somos seu objeto, pois somos transformados por ela. Além disso, vive- mos em sociedade e necessitamos de elos com nosso passado que nos aproximem de nossos ancestrais, dando-nos um sentido de pertencimento, e que nos possibilitem responder às indagações existenciais de nosso tempo, como quem somos, de onde viemos e para onde vamos, tornando nossas ações mais consequentes e dotadas de uma consciência histórica que: Relaciona ser (identidade) e dever (ação) em uma narrativa signifi- cativa que toma os acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade ao sujeito a partir de suas experiências individuais e coletivas e de tornar inteligível o seu presente, conferindo uma expectativa futura a essa atividade atual (RÜSEN, 1992 apud SCH- MIDT in MONTEIRO; GASPARELLO; MAGALHÃES, 2003 p. 195). Nesse sentido, há uma história vivida e uma história estu- dada, uma história conhecimento, que investiga o passado para melhor compreender o presente. A história conhecimento, ou o conhecimento histórico, é produzida com base na pesquisa e na interpretação do historiador, que, seguindo os parâmetros científi- cos, reconstitui a História fundamentado em seus múltiplos vestí- gios e escreve-a recompondo suas peças como um quebra-cabeça em uma perspectiva interpretativa. Há, também, a dimensão pedagógica do conhecimento his- tórico, ou seja, a história ensinada, que objetiva inserir os edu- candos em um pensar historicamente, mas que, em sua trajetória como disciplina escolar, ainda não demonstrou toda a sua amplitu- de, importância e significado, pois o ensino de História, por muito tempo, foi entendido como um conjunto de conteúdos a serem © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 32 memorizados. Entretanto, nos últimos anos, o ensino de História tem sido repensado, e as especificidades do saber histórico escolar e as suas interações com o saber científico tornaram-se objetos de estudo e pressupostos para a construção de novos conceitos e metodologias do ensino de História. Assim, nesta primeira unidade de estudo de Fundamentos e Métodos do Ensino de História, objetivamos analisar a trajetória da disciplina História na sociedade brasileira, compreender o proces- so de construção dos conhecimentos científico e escolar e discutir as relações entre historiografia e ensino de História. Com esse intuito, iniciamos nosso estudo pela discussão do conceito de História como forma de conhecimento da realidade. O termo “História”, apesar de ser amplamente utilizado, teve sig- nificados diferentes ao longo do tempo e, ainda hoje, é tema de debates e polêmicas. 5. HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA: CONCEITOS E METODOLOGIAS O termo “História” designa, ao mesmo tempo, a realidade em que o homem está inserido e o conhecimento que se tem so- bre ela, ou seja, o estudo sobre o vivido. Segundo Borges (2003), os dois sentidos dessa palavra estão ligados, pois a história aconte- cimento, a história vivida, é o objeto de análise da história conheci- mento, ou do conhecimento histórico. A função desse estudo, em um primeiro momento, é possibilitar aos homens uma explicação sobre a sociedade em que vivem e sobre suas transformações e permanências, ou seja, um estudo do passado em função do pre- sente, pois, como afirma Boschi (2007 p. 10), “o passado fornece elementos para compreendermos o presente”. Essa concepção de História como investigação, informação sobre o passado em função do presente, surgiu no século 5º a.C. com o grego Heródoto, que é considerado o pai da História. Ele 33 Claretiano - Centro Universitário © U1- Construção do Conhecimento Histórico e outros historiadores, como Tucídides, buscaram na explicação histórica, em oposição à explicação mítica, as causas das transfor- mações que estavam vivenciando e já demonstravam uma preocu- pação com a verdade histórica e com a utilização de um método de investigação. De acordo com Borges (2003), entre os romanos da Antigui- dade, herdeiros da cultura grega, a história adquiriu um caráter mais pragmático como um estudo que deveria exaltar o papel de Roma no mundo, o que servia aos propósitos de sua política expan- sionista. Entretanto, com a desestruturação do Império Romano e a difusão da religião judaico-cristã pela Europa, a história manteve uma visão de tempo linear, mas adquiriu uma perspectiva teológi- ca de interpretação, em que a intervenção divina tinha um papel preponderante no desenrolar dos acontecimentos. Nesse período, marcado pelo predomínio da fé, a escrita da história não tinha a mesma preocupação com os métodos de in- vestigação e explicação como os gregos da Antiguidade, e sua pro- dução voltou-se para as crônicas encomendadas pela nobreza e para os relatos sobre a vida dos santos, a maior parte deles escrita por membros do próprio clero. Com o Renascimento Cultural e as transformações dos sécu- los 16 e 17 a visão teológica da história passou a ser questionada. Inspirados pelo racionalismo, os estudiosos levantaram e reuniram farta documentação histórica, bem como elaboraram técnicas de pesquisa que, gradativamente, modificaram a concepção de histó- ria e as suas formas de interpretação e escrita. No século 18 essas transformações se consolidaram e, sob a influência do movimento iluminista, uma nova concepção de história formou-se, ou seja, a de história entendida como o "desenvolvimento linear, progressi- vo e ininterrupto da razão histórica" (BORGES, 2003 p. 29). Ao longo do século 19, as revoluções e o fortalecimento do nacionalismo fizeram aumentar o interesse pela história, e o termo adquiriu novas conotações. Na Alemanha, por exemplo, a © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 34 preocupação em tornar a história uma ciência fez com que os his- toriadores considerassem os fatos por si mesmos e creditassem às fontes históricas um estatuto de "verdade". Essa concepção, denominada de positivista, se fundamenta nos princípios de ob- jetividade e neutralidade do historiador e centra seus estudos nas ações individuais e no Estado como "motor das transformações e do progresso da história" (FONSECA, 2003, p. 141). Em outra perspectiva, o conceito de “dialética” rejeitou a no- ção de progresso contínuo e afirmou que o conhecimento não era algo absoluto, assim como a história não era estática, pois ela se transformava a partir de suas próprias contradições. Dentro dessa concepção marxista da História, as mudanças não ocorrem pela ação dos indivíduos isoladamente, mas pela luta de classes. Essa concepção de história como processo dinâmico, dialético, influen- ciou várias gerações de historiadores, pois introduziu um novo mé- todo de análise da realidade (BORGES, 2003). A discussão sobre os métodos e a natureza do conhecimen- to histórico fortaleceu-se no século 20 com a Escola dos Annales, inaugurada por Marc Bloch e Lucien Febvre, e os estudos ganharam novos sujeitos, objetos de análise, problemas, técnicas de pesqui- sa e, principalmente, novas abordagens, o que ampliou o diálogo da história com outras áreas do conhecimento e deu origem a uma concepção de história como construção ou síntese interpretativa, escrita com base na visão do historiador (história como produto do trabalho do historiador) ou, como afirma Borges (2003, p. 46): O conhecimento histórico mergulha cada vez mais nas formas de sua produção, em como foi e em como pode e deve ser escrito, isto é, sua própria história e nas formas de procedimento que lhe são próprias como forma de conhecimento. Essa concepção de história, aliada ao debate atual sobre a narrativa histórica, a relação entre o sujeito e o objetivo de pesqui- sa, a questão da verdade histórica e da cientificidade da História, dentre outras questões, evidencia o caráter dinâmico das releitu- ras do passado e coloca-nos diante da complexidade dos conceitos 35 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Construção do Conhecimento Histórico e de sua historicidade. Nessa perspectiva, não pretendemos com esse breve relato sobre os diferentes conceitos de história apro- fundar a discussão sobre essa problemática, mas relacioná-la a outra questão igualmente complexa, a da História e o ensino de História, pois, conforme afirma Gasparello: Do professor de História espera-se hoje que seja capaz de refletir sobre a história da história ensinada e de sentir os desafios do tem- po presente, com uma interrogação permanente sobre os sentidos do trabalho pedagógico, para que participe de uma maneira crítica da construção de um ensino que tenha como eixo as questões hu- manas e sociais de nosso país. (NÓVOA, 1997 in MONTEIRO; GAS- PARELLO; MAGALHÃES, 2007, p. 82). A trajetória da história ensinada não corresponde, neces- sariamente, à da história conhecimento, porém, elas se cruzam à medida que são entrecortadas por debates políticos e historiográ- ficos, ou seja, as propostas curriculares de História, as metodolo- gias de ensino utilizadas e os materiais didáticos produzidos são orientados por determinadas tendências historiográficas, o pro- fessor é formado e atua de acordo com uma concepção de Histó- ria e o ensino dessa disciplina é influenciado, ainda, por questões políticas que envolvem a forma de governo, a ideologia partidária e as relações de poder de forma geral. Assim, para compreender os fundamentos da história ensi- nada, é preciso investigar a sua trajetória histórica e as concepções de História e de Educação que orientam seus saberes e suas práti- cas, já que os objetos de estudo, os temas, os problemas, as fontes de pesquisa, as perspectivas interpretativas e, principalmente, as metodologias de ensino variam de acordo com as teorias pedagó- gicas e as linhas historiográficas que os constituem. E mais, é preciso analisar as relações entre os conhecimen- tos históricos científico e escolar, buscando suas confluências e suas particularidades, pois, se, ao longo do século 19, quando a História se constituiu como disciplina escolar, o saber científico de- veria ser "adaptado", transmitido e incorporado pela escola, hoje, o saber escolar é compreendido como um conhecimento de outra © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 36 natureza que mantém especificidades no processo de constituição de saberes e tem estrutura, características e funções próprias. 6. SABERES CIENTÍFICOS E ESCOLARES: PERSPECTI VAS E DESAFIOS A temática História e ensino de história compõe um campo de pesquisa relativamente novo no Brasil, pois se configurou no início na década de 1980, mas já conta com inúmeros trabalhos publicados, que tratam de várias questões dessa intrincada rela- ção entre a produção do conhecimento histórico e o processo de ensino desse conhecimento, como os interesses políticos do Esta- do na organização dos currículos, os mecanismos de divulgação do saber, os conteúdos ensinados e as suas formas de apropriação e até mesmo as influências do cotidiano e da cultura da própria ins- tituição escolar sobre a constituição dos saberes. Esses estudos demonstram o intenso debate que envolve a história das disciplinas escolares, em especial, da disciplina Histó- ria, dos currículos e da própria história da educação e do ensino e a tendência das pesquisas de forma geral de ampliar e diversificar seus objetos de análise, fontes e perspectivas interpretativas na tentativa de preencher as lacunas desse campo do conhecimen- to e adentrar espaços antes negligenciados pelos pesquisadores, como o das dimensões internas e externas do espaço escolar, que, segundo Gasparello, buscam compreender: O lugar da disciplina no currículo,suas inter-relações com as exi- gências e demandas sociais a que atendeu em diferentes momen- tos históricos, e seus diferentes atores na constituição desse conhe- cimento em seus aspectos cognitivos e simbólicos (GASPARELLO in MONTEIRO; GASPARRELLO; MAGALHÃES, 2007, p. 81). No caso do ensino de História, os estudos têm buscado com- preender suas múltiplas relações com o conhecimento científico e as várias dimensões da sociedade, enfocando questões como os currículos e programas, a produção de livros didáticos e as práticas 37 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Construção do Conhecimento Histórico escolares no ensino de História. As pesquisas sobre as práticas es- colares e a cultura escolar, por exemplo, adentram o universo das disciplinas escolares, entendidas como o: Conjunto de conhecimentos identificado por um título e dotado de organização própria para o estudo escolar com finalidades especí- ficas ao conteúdo de que trata e formas próprias para sua apresen- tação (FONSECA, 2003, p. 15). Adentram, consequentemente, o universo do conhecimento escolar, que é um conceito polêmico, que provoca acirrados de- bates entre os defensores da disciplina escolar como adaptação do conhecimento científico e aqueles que defendem a disciplina como um campo de conhecimento autônomo. Para os defensores da disciplina escolar como subsidiária do conhecimento científico, há uma hierarquia entre os saberes, e o saber científico legitima o saber escolar, que é compreendido como inferior, ou seja, uma reprodução ou adaptação da produção cien- tífica que, para se tornar acessível ao ambiente escolar, precisa da didática como instrumento metodológico que realiza essa "transpo- sição". Assim, o processo de ensino é compreendido com base no conceito de “transposição didática”, que foi proposto por Chevallard na década de 1990 e que designa o conjunto de transformações que um saber erudito recebe para se tornar um saber escolar (GASPA- RELLO in MONTEIRO; GASPARELLO; MAGALHÃES, 2007) ou, como afirma Fonseca (2003, p. 18), transposição didática é: O trabalho de reorganização e de reestruturação do conhecimento, por meio de dispositivos mediadores, a fim de tornar assimilável, pelo público escolar, o conhecimento produzido em outras instân- cias, tais como a universidade e os centros de pesquisa científica. Esse conceito foi muito difundido entre pesquisadores e his- toriadores e trouxe novos elementos ao debate sobre a constitui- ção do saber escolar e, em especial, do saber histórico escolar. Na perspectiva de uma transposição didática, o professor é um intermediário do processo de reprodução, "cujo grau de efi- ciência é medido pela capacidade de gerenciamento das condi- ções de adaptação do conhecimento científico ao meio escolar" © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 38 (BITTENCOURT, 2004, p.37) e cujo papel reforça a noção de hie- rarquização de saberes e de um processo educativo mecânico e linear. Esses dois aspectos são pontos importantes da crítica ao conceito de transposição didática, que, segundo alguns teóricos, se apoia em uma noção equivocada que reduz o saber escolar a uma versão simplificada de saber científico e negligencia o cará- ter social e histórico da produção de conhecimentos, ignorando a complexidade de suas interações. Para os críticos desse conceito, o processo de constituição de saberes deve ser compreendido no interior de uma cultura es- colar que emerge dentro da própria escola "através de práticas e relações cotidianas de docentes e discentes" (CHERVEL, 1998 in MONTEIRO; GASPARELLO; MAGALHÃES, 2007 p. 77) e que obe- dece a uma lógica particular, produzindo, por consequência, um saber específico. “Cultura escolar compreende o conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos selecionados, organizados, normalizados e rotinizados na instituição escolar” (JULIA, 2001, FORQUIN, 1993 in MONTEI- RO; GASPARRELLO; MAGALHÃES, 2007, p. 77). O francês André Chervel é um dos principais críticos do con- ceito de transposição didática e defensor das disciplinas escolares como parte integrante da cultura escolar. Segundo esse autor, a escola é um espaço de produção e reconstrução de saberes, e a disciplina escolar, uma entidade epistemológica autônoma, como afirma Bittencourt (2004). Sua posição, entretanto, tem gerado polêmicas e debates entre os pesquisadores da área, pois alguns afirmam que, para compreender a especificidade da disciplina escolar, é necessário considerar tanto as relações de poder intrínsecas à escola, quanto as estabelecidas com o exterior, com a cultura geral da sociedade, ou seja, a autonomia da disciplina escolar é relativa e não pode ser 39 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Construção do Conhecimento Histórico entendida como um processo linear e mecânico, mas como um processo complexo em que participam vários agentes. Enfim, con- forme afirma Bittencourt (2004), o conhecimento escolar resulta de um intercâmbio de legitimações entre as disciplinas acadêmi- cas, eruditas, e as disciplinas escolares. Assim, o conhecimento histórico escolar tem um perfil pró- prio, mas, para compreendê-lo, é necessário dialogar com diferen- tes saberes, dentre eles, os saberes científicos, oriundos da produ- ção acadêmica, pois, segundo Bittencourt (2004), na trajetória da história ensinada, há aproximações e separações constantes entre o saber histórico escolar e o dos historiadores. 7. ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS E ENSINO DE HISTÓRIA O conhecimento histórico é produzido de acordo com deter- minados princípios e conceitos, de modo que é necessário situar os referenciais teóricos que norteiam os programas curriculares e a prática docente, pois é com base em uma concepção de história que os historiadores reconstituem o passado, os autores produ- zem materiais didáticos e os professores orientam sua ação peda- gógica. No século 19, quando se constituiu a história escolar, a con- cepção de história que norteava o ensino era a de uma história como narrativa de fatos do passado. Essa concepção de história, ou tendência historiográfica, ficou conhecida como positivista e fundamentava-se nos estudos de Auguste Comte (1798-1857), que concebia a história como ciência e afirmava a singularidade dos fatos históricos e a necessidade de reconstruir o passado com base na neutralidade do historiador, na objetividade e na fidelida- de aos documentos (BITTENCOURT, 2003). © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 40 De acordo com o referencial positivista, o historiador deve buscar a verdade, mas não se deverá se envolver com o objeto investigado, pois sua função consiste em relacionar, observar e ex- plicar uma dada realidade com base na aplicação de um método científico. Nessa perspectiva, as fontes documentais escritas são de suma importância, pois, fundamentado nelas, o historiador pode investigar e reconstituir os fatos históricos, ordenando-os cronologicamente e recompondo-os em uma narrativa. Os estudiosos dessa tendência historiográfica "dedicavam--se ao estudo da individualidade irreproduzível e única dos atos huma- nos, destacando figuras das elites e suas biografias, sejam persona- lidades, sejam Estados, reis, militares [...]" (BITTENCOURT, 2003, p. 141), ou seja, concebiam o Estado e a ação de seus chefes políticos como agentes das transformações e do progresso da História. As premissas teóricas dessa tendência historiográfica foram questionadas no decorrer dos séculos 19 e 20, embora fosse pre- dominante na História escolar e seja recorrente até os dias atuais, como afirma Thais Fonseca (2003, p. 68): Os alicerces construídos desde o final do século XIX, sustentados numa concepção tradicional de História, foram fortes o suficiente para manter um edifício que, apesar das reformas e das propostas de alteração na sua concepção, não se abala tão fortemente. Os programas curriculares de História orientados por essa tendência historiográfica privilegiam o estudodas ações políticas, militares e das guerras e as narrativas sobre a origem das nações e os feitos dos grandes estadistas, sendo os fatos mais relevantes os eventos políticos, administrativos, diplomáticos e religiosos e a concepção de tempo linear, pautada no progresso contínuo e na superposição dos acontecimentos. Seguindo as orientações dessa História positivista, dita tradicio- nal, esses conteúdos deveriam ser trabalhados tendo como procedi- mentos didáticos principais a exposição, a leitura e a memorização, de modo que os alunos mantivessem a memória dos acontecimentos do 41 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Construção do Conhecimento Histórico passado e valorizassem os heróis da pátria e as tradições nacionais. Em suma, aprender história, nessa perspectiva, significava memorizar conteúdos e cultuar personalidades, instituições, datas e lugares. No decorrer do século 20, apesar do predomínio da história tradicional positivista, outras tendências historiográficas ganha- ram espaço, como a concepção marxista, que, com base no ma- terialismo histórico proposto por Marx e Engels no final do século 19, defendia que o motor da história era a luta de classes, ou seja, na análise marxista, as massas populares são percebidas como in- tegrantes ativos na construção da história, e os diferentes tempos e espaços relacionam-se de forma ativa e dialética. A tendência marxista ampliou-se na historiografia brasilei- ra nas décadas de 1940 e 1950 e expandiu-se para os con- teúdos escolares nas décadas de 1960 e 1970, quando as obras di- dáticas passaram a ser organizadas "pela formação econômica das sociedades, situando os indivíduos de acordo com o lugar ocupado por eles no processo produtivo." (BITTENCOURT, 2003 p. 147). Assim, os conteúdos de história voltaram-se para o estudo dos modos de produção e dos ciclos econômicos e para as lutas e movimentos sociais provenientes de diversos grupos sociais, in- corporando, desse modo, novos sujeitos históricos e novas abor- dagens interpretativas. Paralelamente à corrente marxista, a Escola dos Annales, ou a história nova, que surgiu na França no início do século 20, pro- moveu uma renovação da produção historiográfica no Brasil no decorrer dos anos 1980, ampliando as fontes de estudo, as fontes de pesquisa, os problemas, os sujeitos e as abordagens. A história nova ocupa-se de tudo aquilo que homens e mulheres fizeram no passado e também fazem no tempo presente. Ela reco- nhece que há várias formas de marcar e viver o tempo. Os vários tempos convivem e o homem e usa vários calendários. Portanto, a história noiva não estuda apenas os fatos passados apresentados de forma linear, mas a história nos diversos ritmos, tempos e espa- ços (FONSECA, 2003, p. 42). © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 42 Essa renovação da historiografia também foi incorporada pelo ensino de História, pois, no início da década de 1990, as ten- dências historiográficas contemporâneas, como, por exemplo, a história das mentalidades e a história do cotidiano, ganharam es- paço nos programas curriculares e nos livros didáticos, bem como outros sujeitos históricos, como indígenas, mulheres, negros, den- tre outros (FONSECA, 2003). Além disso, a incorporação dessa tendência historiográfica no ensino provocou a ampliação das fontes históricas e do diálogo da História com outras áreas do conhecimento, bem como a revi- são dos métodos de ensino e a defesa de um ensino problematiza- dor que instigue a reflexão e que possibilite a construção de uma consciência histórica. Entretanto, esse processo de renovação do ensino de His- tória ainda não conseguiu romper totalmente com o caráter fac- tual, memorativo e cívico do conhecimento histórico escolar, pois a disciplina História se constituiu com base nesses princípios e superá-los significa modificar nossa postura diante do mundo, do conhecimento e da própria educação. E, para que isso aconteça, precisamos adentrar o universo da disciplina e compreender seus fundamentos, sua trajetória, seus desafios e suas perspectivas. 8. HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL A história da história ensinada no Brasil tem sua trajetória marcada pela influência europeia e é difícil precisá-la antes das primeiras décadas do século 19, quando se constituiu o Estado Nacional, e a construção da cidadania e da identidade nacional tornou-se mais premente. Antes disso, a História não se constituía como disciplina es- colar e tinha uma função eminentemente instrumental, ou seja, no período jesuítico, confundia-se com a catequese, com o estudo da história sagrada, que era entremeada com a leitura de textos clássicos, como Tucídides e Xenofonte, o que atendia aos interes- ses da colonização portuguesa e da Companhia de Jesus. E, mesmo 43 Claretiano - Centro Universitário © U1 - Construção do Conhecimento Histórico no período pombalino, na segunda metade do século 18, quando se implantou no país uma educação mais pragmática que visava à formação de quadros políticos e administrativos da burocracia estatal, como afirma Thais Fonseca (2003), o ensino de história continuou voltado para o estudo da religião e da Antiguidade gre- ga e romana, atendendo aos interesses do Estado português, que, dentro de uma perspectiva nacionalista, se preocupava em formar o homem cristão e o súdito-cidadão. Nesse período, houve uma tentativa de padronização dos cur- rículos e de ampliação do uso de materiais didáticos nas escolas, porém, o ensino de História manteve-se sem objetivos definidos e métodos pedagógicos próprios até a independência do Brasil. Dessa forma, a disciplina escolar História constituiu-se no Brasil após a independência, durante o processo de estruturação de um sistema de ensino para o Império que objetivava formar cidadãos produtivos e obedientes às leis. A partir da lei educacio- nal de 1827, recomendava-se a leitura da Constituição do Impé- rio e a História do Brasil nas escolas elementares, pois "à História atribuía-se a função de formação moral de crianças e jovens, fosse pelos princípios cristãos, ou pelo conhecimento dos fatos notáveis da História do Império" (FONSECA, 2003, p. 47). Nessa perspectiva, divulgava-se uma História política nacio- nalista que conciliava os interesses do Estado e da Igreja, exaltan- do a colonização portuguesa e a sua ação missionária. E, apesar de os conteúdos ainda não estarem claramente definidos, havia propostas para o ensino da história do império, da história sagrada e, também, da história profana, como afirma Thais Fonseca (2003). Em 1837, com a criação do Colégio Pedro II e a instituição de programas curriculares, o ensino de História ganhou contornos mais definidos, mas ainda necessitava de metodologia e material didático específicos. Assim, em 1838, foi criado o Instituto Histórico e Geo- gráfico Brasileiro (IHGB), que visava elaborar uma história nacional e veiculá-la por intermédio da educação, ou seja, do ensino de História. © Fundamentos e Métodos do Ensino de História 44 O Colégio Pedro II foi uma escola secundária criada em 1837 no Rio de Janeiro pelo governo imperial para servir como modelo para as demais escolas desse nível de ensino no país. O IHGB originou-se da preocupação das elites políticas e in- telectuais do país com a questão da construção da identidade na- cional e da mestiçagem e com o sentido da civilização; alguns de seus sócios dedicaram-se à elaboração de livros didáticos, como Joaquim Manoel de Macedo, que contribuiu decisivamente para a constituição da História como disciplina escolar, definindo suas diretrizes, seus métodos e seus procedimentos (FONSECA, 2003). Joaquim Manoel de Macedo nasceu em Itaboraí (RJ). Diplomou- -se em medicina, mas nunca exerceu a profissão. Foi professor do Colégio Pedro II, poeta, jornalista, além de escritor de livros didáticos. Morreu no Rio de Janeiro, em 1882. Conforme afirma Fernandes (2005, p. 126) sobre o Instituto Histórico e Geográfico
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