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ELITES E PODER AULA 3 Prof. Luiz Domingos Costa 2 CONVERSA INICIAL A partir de agora, passaremos a abordar os desdobramentos da escola elitista sobre as pesquisas elaboradas no decorrer do século XX, especialmente dos anos 1950 em diante, nos Estados Unidos, país que tomou a dianteira da ciência política. Dois autores foram protagonistas desse movimento: o sociólogo C. Wright Mills, com a obra A elite do poder (1956), e o cientista político Robert Dahl, com Uma crítica ao modelo de elite dirigente (1958) e Quem governa? (1961). Devemos destacar pelo menos três desdobramentos importantes desses empreendimentos: 1. aqueles postulados gerais dos pais fundadores (Mosca, Pareto e Michels) foram tomados como hipóteses e puderam ser examinados por meio de métodos mais rigorosos de pesquisa (ainda ausentes no período dos autores clássicos); 2. um debate metodológico sobre como identificar e mapear o poder numa comunidade; 3. uma discussão sobre a extensão da democracia na sociedade norte-americana, que influenciou o estudo da democracia e das minorias em diversos países no mundo. Nesta aula, iremos conhecer a contribuição de Wright Mills na referida obra de 1956 e as suas observações sobre a democracia nos Estados Unidos. TEMA 1 – A ELITE DO PODER E A CRÍTICA À DEMOCRACIA NORTE- AMERICANA Entre os inúmeros estudos norte-americanos que se dedicam a desenvolver um olhar crítico sobre o sistema democrático dos Estados Unidos, destaca-se a obra A elite do poder, de Charles Wright Mills, publicada em 1956 em pleno desenvolvimento da Guerra Fria e da afirmação, por parte do governo e dos meios de comunicação americanos, de que o seu país seria a encarnação do ideal democrático, das liberdades e da soberania popular. Parte da motivação de Mills era exatamente confrontar essas ideias e apontar que se tratava de uma inverdade. Diferentemente dos autores fundadores da Teoria das Elites (Mosca, Pareto e Michels), que, em geral, viam com preocupação a participação das massas na política e tinham ressalvas quanto à ampliação da democracia, Mills não vê as massas de forma negativa, ou melhor, não se coloca numa posição contra a democracia. Pelo contrário: ele estabelece, nesse ponto, uma visão 3 crítica da sociedade americana. Por isso, o autor é reconhecido como um crítico ácido dos Estados Unidos na segunda metade do século XX. Para ele, essa situação de massificação e embotamento não se formou por razões de ordem psicológica – que seriam imutáveis e naturais –, mas surgiu como resultado de transformações pelas quais passaram a democracia e a sociedade americana durante o século XX. Assim, ao contrário de outros autores, Mills defende mais democracia para a solução do problema, com aumento do poder do homem médio e da participação política. TEMA 2 – A ELITE DO PODER DE WRIGHT MILLS, UMA DEFINIÇÃO POSICIONAL E INSTITUCIONAL O ponto de partida do procedimento metodológico seguido por Mills para mapear a sociedade americana é o entendimento de que esta é controlada por uma minoria poderosa em oposição a uma maioria que não tem poder. Nisso ele não se difere de outros autores. A diferença está em como ele toma esse posicionamento: ao contrário de outros, para ele, essa não é uma lei sociológica universal. Segundo Mills, elementos historicamente condicionados determinariam a existência ou não de uma elite do poder, sua natureza e as dimensões do seu poder. O poder da elite depende, então, da época e da estrutura social. No caso americano, o autor entende que a elite domina porque seus membros controlam os postos de comando da estrutura social. Esses postos concentram, por exemplo, a máquina do Estado, a organização militar, grandes companhias, ou seja, as “principais hierarquias e organizações da sociedade moderna”. São duas, portanto, as características básicas da elite de Wills: 1. a elite é definida pela posição de mando que seus membros ocupam (“definição posicional”); 2. as posições de mando assim o são porque se encontram nas instituições mais importantes da estrutura social (“definição institucional”). Esse é o procedimento metodológico inicial básico do autor. O primeiro passo metodológico é a identificação das ordens institucionais mais importantes da estrutura social. Diferentemente de outros autores, como se pôde ver anteriormente, a definição de elite de Mills nada tem a ver com 4 significado moral, isto é, a elite nada tem de “melhor”, apenas controla os recursos institucionais. Mills a chama de “altas rodas” americana, que domina os meios econômicos, político e militar do país. Para ele, as demais instituições modernas são subordinadas a estas e têm papel marginal, e “chave sociológica” seria o modo de explicar que tipos de pessoas compõem tal elite: a resposta está na observação da alta cúpula das instituições. O segundo passo metodológico é descrever as três ordens institucionais principais que constituem a base da elite americana. Trata-se, então, de descrever as ordens institucionais encontradas por ele anteriormente. Assim, Estado, Forças Armadas e grandes companhias teriam duas grandes semelhanças: 1. expansão alta, ao longo do século XX, em recursos e capacidade de ação; 2. alto processo de centralização organizacional, com concentração de decisões em suas cúpulas. Isso gerou efeitos nas estruturas econômica, política e militar do país. Antes, havia várias empresas competindo, agora, apenas poucas corporações gigantescas. Na política, os estados autônomos deram lugar a um poder centralizado, que interfere em toda a vida social. Já a ordem militar se expandiu, ganhou importância e passou a consumir mais recursos públicos. Com mais recursos de poder, essas ordens institucionais ganham mais capacidade de interferir na vida de todas as pessoas. O terceiro passo metodológico é descrever a inter-relação entre as diferentes ordens institucionais. Trata-se de mostrar como essas ordens institucionais, identificadas e descritas anteriormente, se relacionam. Depois disso, o autor delimita seu objeto, tornando a elite de poder americano um conceito mais claro e definido. Há, segundo ele, total inter-relação entre elas e, por consequência, entre os indivíduos que compõem suas cúpulas. No topo da ordem econômica, estão os executivos de grandes corporações e os mais ricos, na política, os mais poderosos e as principais autoridades estatais, e, na ordem militar, está à frente a elite dos soldados-estadistas. Esses três representantes das cúpulas de cada instituição passam a formar, então, a elite do poder da América. É, segundo Mills, um pequeno e coeso grupo capaz de tomar as principais decisões políticas. 5 O quarto passo metodológico é a delimitação do grupo, sua extensão e unidade. Nesse momento, Mills passa a se preocupar em apontar quais são os cargos que compõem a cúpula das instituições acima mencionadas. Além disso, passa a definir a linha divisória entre os postos considerados de elite e de não elite. Assim, ele define que os membros que tomam decisões de consequência nacional nos âmbitos político, econômico e militar fazem parte da elite. Ou seja, justamente por ocupar o topo das instituições de poder são capazes de tomar decisões dessa magnitude, que afetam toda a nação. Como analista da elite nacional, essa definição de Mills é importante para seu estudo. Já a coesão dos grupos teria três principais pontos como base: 1. compartilhamento de valores e visão de mundo (unidade psicológica); 2. cada vez maisproximidade entre as instituições políticas, econômicas e militares (unidade de interesses); 3. proximidade entre os integrantes das cúpulas das três instituições, formando uma ação coordenada (unidade institucional). TEMA 3 – ANÁLISE DA ELITE, SUA FORMAÇÃO E SUAS RELAÇÕES INTERNAS Após o procedimento metodológico feito por Mills para delimitar o grupo chamado por ele de elite de poder, o autor passa a analisá-lo a partir de seus diferentes aspectos, como educação e os laços pessoais que mantêm entre si. Para o autor, a sistema educacional cumpre um importante papel para a formação da elite do poder, cujas funções principais são unificar a classe e socializar seus membros nos valores e crenças comuns. O sistema educacional, representado essencialmente por escolas particulares preparatórias – algumas dezenas espalhadas pelas principais cidades dos Estados Unidos –, era responsável por produzir unidade de classe em nível nacional. Há, nele, a propagação da distinção entre classes superior e inferior. Ao mesmo tempo, passa-se uma borracha na linha que separa a velha da nova classe, como se ambas pertencessem ao mesmo grupo. Além do nível preparatório, a socialização ocorre nas universidades das elites, que integram a Liga da Hera (Ivy League, composta por Harvard, Princeton, Yale, Dartmouth, Columbia, Brown, Cornell e Universidade da Pensilvânia), e nos clubes exclusivos para alunos de classes superiores. 6 Ocorreria, nessas instituições, a manutenção e a reprodução das amizades já constituídas anteriormente. Os laços familiares e de amizade também servem para unificar e influenciar os próximos pessoalmente. Todos, juntos, cumprem uma função essencial: manter indivíduos com relações muito próximas e que, por isso, que trabalham de forma bastante coordenada no topo das principais instituições dos fundamentais meios nacionais de poder. Nesse momento, Mills dá um passo adiante, mostrando como os membros das classes superiores se garantem na permanência na cúpula das instituições. Depois, ele descreve essas classes em cada uma das ordens institucionais que controlam a sociedade americana, como veremos. 3.1 A alta hierarquia da ordem institucional econômica Para Mills, a estrutura objetiva institucional, que permite aos ricos exercerem esse papel, tem um peso maior que seus traços morais e psicológicos, ou seja, de vontade, caráter ou inteligência, mas estes também têm sua função. É preciso, então, compreender a estrutura objetiva das oportunidades, mas também esses “traços pessoais que levam e estimulam determinados homens a explorar essas oportunidades objetivas que a história econômica lhes proporciona”. A acumulação de vantagens é uma dessas características. Ela é entendida como o acúmulo de posições estratégicas em um só indivíduo, que fica, então, com cada vez mais influência e, por consequência, concentra mais riqueza. “Os que têm grande riqueza ocupam uma série de posições estratégicas para fazê-la render ainda mais”, diz Mills. O capitalismo moderno fez com que esses seres muito ricos se juntassem aos altos executivos. Essa junção deu origem ao controle sobre grandes empresas, unidade que fez com que empresas familiares dessem lugar a grandes corporações. O autor observa, nesse ponto, que a economia americana é cada vez mais oligopolizada. Como exemplo ele cita o mercado de ações, que, ao invés de se expandir entre as pessoas comuns, só favoreceu a associação de grandes empresas e reforçou a unidade entre os muito ricos e os altos executivos, por meio da justaposição dos membros de suas diretorias. 7 Os altos executivos são descritos pelo autor como seres oriundos do meio urbano, altamente qualificados, brancos, protestantes, advindos da classe comercial ou profissional, com título superior e não imigrantes. Seus pais são brancos, anglo-saxões e protestantes. São, além disso, integrantes de grandes sociedades anônimas, ocupando dentro delas cargos burocráticos e agindo, às vezes, como empreendedores, com estilo social idêntico ao de seus superiores. A associação desses executivos com os muito ricos forma os “ricos associados”. Essa união transforma em interesses amplos e de classe os que eram antes restritos, ou seja, as associações da indústria, do comércio e dos bancos, em geral, passam a controlar grandes privilégios, como altas rendas, isenção de impostos, influência social e política. Assim, seus membros começam a influenciar as decisões que afetam as pessoas de forma geral. 3.2 A alta hierarquia da ordem institucional militar Wright Mills faz uma análise do surpreendente desenvolvimento da ordem militar nos Estados Unidos. Ele explica que a sociedade daquele país teve verdadeira aversão pela atuação dessa instituição durante muito tempo, mas que, em meados do século XX, muito em função da Guerra Fria, houve um crescimento enorme da influência e da centralização dos militares. Ocorreu a concentração militar nos cargos de estados-maiores, que passaram a lutar pela distância do controle dos civis. O autor observa que, apesar da aparência de democracia civil, os Estados Unidos são cercados de alta influência política e ideológica de seus grupos militares. Em geral, a cúpula da hierarquia militar é oriunda da classe média alta e adepta do protestantismo. Segundo o autor, são várias as razões que explicam a ascensão política dos militares americanos. A principal seria a expansão de sua ordem institucional. Eles passaram a controlar crescentes meios de violência, o que fez com que o grupo tivesse sua importância aumentada e, por consequência, fez crescer sua influência política nas decisões. No campo econômico, também houve crescimento do poderio militar. Os grandes nomes do mundo industrial e financeiro estão em contato direto com os militares, afinal, essa é a área em que o governo americano mais investe e despende seus recursos, seja em tempos de guerra ou de paz. 8 Conclui o autor que há uma relação cada vez mais íntima entre os poderosos da política, da economia e dos militares, todos fazendo parte de uma “elite do poder” unificada. 3.3 A alta hierarquia da ordem institucional política Como parte de sua metodologia, Mills define o que chama de diretório político – elite propriamente política – da seguinte forma: a. A partir de uma definição posicional, escolhendo cargos-chave do governo americano, como presidente, vice-presidente, presidente da Câmara dos Deputados, membros dos ministérios e juízes da Suprema Corte. b. Identificando a origem social e econômica dos indivíduos que ocupam esses cargos, pontuando que, em geral, eles são oriundos de famílias economicamente privilegiadas, o que os dá um passo à frente na disputa política. c. Observando a ocupação desses indivíduos, quando se chega à conclusão de que a maioria deles é de famílias de profissionais liberais e de negociantes, sem ligação política anterior, ou seja, há um predomínio do político não profissional, como delimitado acima, advindo da ordem econômica – em geral, advogados ou homens de negócios. Assim, identifica-se uma unidade entre o domínio político e econômico. d. Identificando origens educacionais (liga de Hera) e geográficas (costa leste) predominantes no grupo analisado, com baixíssima participação de imigrantes, ou seja, formando um grupo bem coeso. Em resumo, Mills utiliza dois procedimentos: 1. o primeiro, critério “posicional”, para explicar quem governa ou quem faz parte da elite política; 2. o segundo para traçar a origem social de tais indivíduos, entendendo de onde vieram e como chegaram ao poder, ou seja, percorrendoseu “itinerário” até lá. TEMA 4 – A ANÁLISE DAS MASSAS Cabe ainda um comentário sobre como Wright Mills avalia as massas. O sociólogo se aproxima dos demais autores clássicos nesse sentido, pois acredita que há influência de fatores psicológicos na massa, como a incapacidade de pensar criticamente, de agir racionalmente, e a alta capacidade de manipulação 9 dos meios, fazendo com que os indivíduos sejam estimulados a agir de forma impulsiva e irracional. Porém, ao contrário de outros autores, Mills entende que esses traços psicológicos não são inatos dos indivíduos, mas construídos socialmente por um processo histórico de expropriação e centralização do direito de formular e emitir opiniões. Seria algo parecido com o processo de concentração econômica, que também se mostra no próprio campo das opiniões. Distanciando-se ainda mais dos outros autores, para quem “a maioria é sempre massa”, Mills acredita numa reversão dessa ordem. Ou seja, como, para ele, a falta da massa na política é uma situação social – não uma lei sociológica e geral –, ela pode ser revertida, com a volta da participação ativa e autônoma da maioria da população na política. Assim, haveria o combate a essa situação e sua reversão em favor da democracia efetiva, que reside na participação não apenas formal, mas efetiva do homem comum. Mills explica que a concentração dos meios de comunicação de massa é ótima para manter o poder da elite, uma vez que não há visão crítica do poder, inviabilizando a ascensão e a resistência dos membros da massa. Para ele, a manutenção desse caminho leva ao autoritarismo, no qual uma elite coesa social e psicologicamente concentra em suas mãos, cada vez mais, a capacidade de definir o destino de milhões de pessoas, sem qualquer controle de baixo. Com essas observações, Mills finaliza sua reflexão afirmando que, ao contrário do que pensam os pluralistas, a democracia americana não é uma realidade, mas um mito. NA PRÁTICA O método de Mills, também conhecido como método posicional, prioriza as posições do topo das principais instituições de uma comunidade, tais como governadores, secretários estaduais, chefes de política e de empresas públicas, além dos deputados estaduais e principais executivos privados. Procure aplicar esse método para uma unidade política (município, estado ou país) e identifique as ordens institucionais de comando, os ocupantes dos seus cargos do topo e, por último, as suas características sociais básicas. Procure responder à seguinte questão: a elite dessa comunidade é pequena e coesa? 10 FINALIZANDO Nesta aula, pudemos conhecer a importante abordagem de Charles Wright Mills sobre a elite política norte-americana. Segundo o autor, o caminho mais indicado para a análise da elite é a identificação de instituições centrais da política nacional americana, membros que ocupam os cargos-chave dessas instituições, origem desses membros e suas conexões internas. Mills conclui que a sociedade norte-americana é dominada por um grupo que concentra as decisões nacionais de impacto na vida de todos, e que a democracia na América tem sido prejudicada pela monopolização crescente do poder nas mãos dessa elite do poder. 11 REFERÊNCIAS DAHL, R. Uma crítica ao modelo de elite dirigente. In: AMORIM, M. S. (Org.). Sociologia Política II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970 [1958]. p. 90-100. _____. Who Governs? New Haven: Yale University Press, 1989 [1961]. FERNANDES, H. R. Mills. O sociólogo artesão. In: _____. Wright Mills: Sociologia. São Paulo: Ática, 1985. p. 7-35. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). GERTH, H.; WRIGHT MILLS, C. Caráter e estrutura social. In: AMORIM, M. S. (Org.). Sociologia Política II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970. p. 73-89. WRIGHT MILLS, C. A elite do poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981 [1956]. _____. Em defesa de A elite do poder. In: _____. Wright Mills: Sociologia. São Paulo: Ática, 1985. p. 147-163. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
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