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Iniciaremos o estudo sobre os Direitos da Personalidade. No Código Civil, estão disciplinados nos artigos 11 a 21. Para entendermos melhor os Direitos da Personalidade, neste momento, faremos alguns apontamentos relevantes a respeito do conceito de personalidade, do seu início e fim. O termo personalidade é definido como qualidade essencial de uma pessoa, a qual expressa a singularidade e a autonomia do ser. No sentido jurídico, personalidade é a aptidão que toda pessoa tem de exercer direitos e contrair deveres. A existência de direitos pressupõe, afinal, a existência da pessoa que seja titular desse direito. O Código Civil dispõe que: Três apontamentos iniciais podem ser feitos a partir desse dispositivo do Código Civil de 2002. O primeiro é que o artigo não faz mais menção a homem, como no código anterior, adaptando-se à Constituição Federal, que consagra a dignidade da pessoa humana. Assim, o termo pessoa tem sentido mais claro e objetivo de todo ser humano sem qualquer distinção de gênero. Da mesma maneira, o termo "pessoa" afasta os objetos do direito, sejam eles animais, seres inanimados ou entidades místicas e metafísicas. O segundo apontamento diz respeito à menção de deveres e não obrigações. A alteração do termo justifica- se pelo reconhecimento de que existem deveres que não são obrigacionais, em sentido patrimonial, como, por exemplo, os deveres que decorrem da boa-fé. O terceiro apontamento diz respeito ao sentido de sociabilidade trazido pelo dispositivo ao mencionar a pessoa na ordem civil. O ser humano é um ser social. Atenção: Não confunda personalidade civil com capacidade civil. A personalidade diz respeito à capacidade de direito, ou seja, à possibilidade de ter direitos e deveres. Toda pessoa é sujeito de direitos e, portanto, tem capacidade de direito. No entanto, essa capacidade não se confunde com a capacidade civil, de fato ou de exercício - aptidão para adquirir e exercer direitos - que nem todas as pessoas possuem. O Código Civil disciplina a capacidade de fato ou de exercícios em seus artigos 3º e 4º, ao dispor sobre a incapacidade absoluta e relativa. É que há determinadas classificações de pessoas que se consideram inaptas a tomar decisões por si mesmas e a determinar-se juridicamente. O artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro (LINDB) dispõe que é a lei do país em que a pessoa é domiciliada que determina as regras sobre o começo e o fim da sua personalidade jurídica. De acordo com o direito brasileiro, a personalidade inicia-se com a existência da pessoa. No Brasil, a personalidade jurídica começa no nascimento com vida, mesmo que essa vida dure apenas alguns minutos e mesmo que o cordão umbilical não seja cortado. Mas, o referido artigo fez surgir três correntes doutrinárias acerca do início da personalidade e dos direitos do nascituro (aquele que foi concebido e ainda não nasceu). A Teoria Natalista, a Teoria da Personalidade Condicional e a Teoria Concepcionista. De acordo com essa corrente, o início da personalidade se dá com o nascimento com vida. O nascituro existe apenas como “pessoa em potência”. A principal questão que se coloca para tal corrente é esta: se o nascituro não é pessoa, como são assegurados seus direitos de personalidade? Do ponto de vista prático, a teoria natalista nega ao nascituro seus direitos fundamentais, relacionados com a sua personalidade, caso do direito à vida, à imagem, ou perceber alimentos. Na tentativa de resposta doutrinária para a referida questão, surge a Teoria da Personalidade Condicionada. De acordo com essa corrente, a personalidade civil também se inicia com o nascimento com vida. No entanto, o nascituro teria Direitos da Personalidade Art. 1ºToda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. direitos, mas direitos eventuais, ou seja, estão sujeitos a uma condição suspensiva: o nascimento. A Teoria da Personalidade Condicional avançou em termos doutrinários ao garantir direitos patrimoniais ao nascituro. No entanto, os direitos da personalidade não podem estar sujeitos à condição, termo ou encargo. Assim, nesse entendimento, o nascituro teria apenas mera expectativa de direitos da personalidade. É bom recordar: Condição suspensiva é o elemento acidental do negócio ou jurídico que subordina a sua eficácia a evento futuro e incerto. A Teoria Concepcionista, tida como corrente majoritária, considera que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei desde sua concepção. Desse modo, o nascituro é tido com uma existência e vida orgânica que independem de sua mãe. Os Tribunais, ao reconhecerem o direito do nascituro à percepção ao seguro-obrigatório de acidente (DEPVAT), reconheceram também sua personalidade jurídica desde a concepção. A pessoa natural, assim como sua personalidade, tem fim com a morte. A morte tem como consequência a cessação de certos direitos e de deveres de que o de cujus era titular. Atenção: a morte pode ser real ou presumida O Código Civil admite a morte presumida com ou sem a decretação da ausência Agora que entendemos o conceito da personalidade, vamos buscar compreender o conceito de direitos da personalidade e quais as suas formas de expressão. Os direitos da personalidade são aqueles direitos subjetivos inerentes à pessoa. São direitos orientados pela noção de dignidade e essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana. Os direitos à personalidade são intransmissíveis, irrenunciáveis, extrapatrimoniais e vitalícios. Começam com a existência da pessoa humana e são defendidos pela lei contra ameaças de lesão. A Constituição Federal de 1988 colocou a pessoa no centro do ordenamento jurídico e a dignidade humana como norteadora de todo o ordenamento. Desse modo, todos os institutos jurídicos devem ser aplicados com a finalidade de promover a máxima proteção da dignidade humana. Assim, é preciso abordar o tema dos direitos da personalidade em uma perspectiva civil-constitucional. Nos termos de Juliana Borcat e Aline Alves (2013, p. 3): Os direitos de personalidade possuem caráter dúplice e estão entre os mais importantes direitos fundamentais, ao mesmo tempo, consolidam-se como direitos subjetivos privados, assentados no direito civil. Portanto, o ordenamento civil deve pautar-se nos valores constitucionais e considerar os direitos de personalidade como categoria especial de direitos que tutelam bens definidos como fundamentais ao ser humano. Nesse sentido, o Enunciado n.274 do CJF/STJ, IV Jornada de Direito Civil, 2006 compreende que: O STF, ao reconhecer a constitucionalidade da permissão do uso de células-tronco para pesquisa, também reconheceu a necessidade de resguardar os direitos dos embriões fertilizados in vitro (ADIN 3510). O STJ entende que o nascituro tem direito à indenização por danos morais pela morte de seu pai ocorrida antes do seu nascimento (Resp n. 931556/2008). Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos caso em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva. Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem a decretação de ausência: I - Se for extremamente provável a morte de que estava em perigo de vida; II - Se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após otérmino da guerra. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição Federal (...). Conceito de honra: dividido em honra objetiva (repercussão social da honra, como a sociedade entitula a pessoa) e honra subjetiva (autoestima, como a pessoa percebe a si mesmo) Há três grandes grupos da expressão dos direitos da Personalidade. Direito à integridade física: engloba o direito à vida e ao corpo (vivo ou morto). Direito à integridade intelectual: abrange a liberdade de pensamento e os direitos do autor; Direito à integridade moral: relativo à liberdade política e civil, à honra, ao segredo, à imagem e à identidade pessoal, familiar e social. Na concepção civil-constitucional, as três expressões dos direitos de personalidade relacionam-se com a proteção da dignidade da pessoa humana e com as dimensões (ou gerações) dos direitos fundamentais: Direitos de 1ª dimensão: direitos de liberdade; Direitos de 2ª dimensão: relacionados aos direitos sociais, de isonomia; Direitos de 3ª dimensão: os direitos da fraternidade ou solidariedade social, compreendem a pacificação social, os direitos do consumidor e do trabalhador e o direito ambiental, parte da ideia de comunidade fraterna; Direitos de 4º dimensão: decorrentes da evolução da engenharia genética, compreendem direitos relacionados ao patrimônio genético. Na Constituição, alguns princípios estão mais relacionados aos direitos da personalidade do que outros: 1. Princípio da proteção da dignidade humana 2. Princípio da solidariedade social 3. Princípio da igualdade lato sensu ou isonomia Quando os direitos da personalidade entrarem em conflito, a solução deve ser feita pela técnica da ponderação. Essa técnica consiste no sopesamento dos direitos fundamentais do caso concreto. O juiz deverá avaliar as hipóteses de solução e acatar aquela qe oferecer o melhor cenário sem descartar os direitos dos envolvidos. Em início, é importante observar que o rol dos direitos da personalidade é meramente exemplificativo (não taxativo). Desse modo, os direitos da personalidade não devem ser lidos de forma a excluir outras possibilidades não previstas. Os direitos da personalidade na sociedade da informação sofreram importantes transformações, principalmente em virtude das novas tecnologias de informação e comunicação. Os direitos da personalidade ganham diferentes conotações e abarcam o surgimento de outros, como o direito fundamental à privacidade na internet e o direito ao esquecimento. No campo doutrinário, o direito ao esquecimento foi reconhecido pelo Enunciado n. 531 do CJF/STJ, aprovado na VI Jornada de Direito Civil. A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento O direito ao esquecimento justifica-se pelo impacto que a divulgação de imagens e informações não permitidas pode causar na dimensão da personalidade dos sujeitos. Fique atento (a) à jurisprudência: Outro direito da personalidade ainda não escrito em qualquer norma é o direito à orientação sexual concretizado por decisões do STJ. No atual projeto de alteração do Código Civil, Projeto 699/2011, do deputado Ricardo Fiúza, há proposta de alteração do art. 11, que traria a seguinte redação: O STJ entendeu que a empresa jornalística, ao reproduzir na manchete do jornal o cognome – ‘apelido’ – do autor, com manifesto proveito econômico, feriu o direito dele ao segredo da vida privada, e atuou com abuso de direito, motivo pelo qual deve reparar os consequentes danos morais (STJ, REsp 613.374/MG). Entre as críticas a essa proposta de alteração, destaca-se o termo nato que, segundo o próprio deputado, deveria ser inato, ou seja, os direitos da personalidade não advém apenas do nascimento, mas surgem ao longo da vida dos sujeitos. Por exemplo, os direitos de autoria podem surgir ao longo da vida, ou ainda expropriados. Mas Miguel Reali também critica a ideia de direitos inatos pois diz que remete aos traços ultrapassados do Jusnaturalismo. Além disso, faltou clareza se a proposta teve ou não a intenção de tornar os direitos da personalidade um rol taxativo. Outra crítica que podemos fazer é em relação ao uso do termo opção sexual, que remete, de forma errônea, à noção de simples escolha, ao invés de orientação sexual, termo mais apropriado. Os direitos da personalidade constituem uma categoria autônoma de direitos que tutelam bens relacionados à personalidade humana. Assim, os direitos da personalidade também reúnem características próprias. Antes de entender cada uma dessas características, é preciso pontuar que a primeira característica dos direitos da personalidade é a pessoalidade. Os direitos da personalidade são inseparáveis do seu titular, na medida em que representam os elementos de individualização e autonomia características de toda pessoa humana. Diz-se que se tratam de direitos personalíssimos. Os direitos da personalidade são: 1. Inatos (que pertencem ao indivíduo desde o nascimento, mesmo que sejam adquiridos depois), ilimitados (remete à realidade complexa, sempre mudando e sempre implicando em novos direitos) e absolutos (com eficácia erga omnes, ou seja, imposta a todos); 2. Intransmissíveis (não podem ser transmitidos, mesmo que a herdeiros, pois são perssonalíssimos, estritos ao seu titular) e intransponíveis (não podem ser dispostos); 3. Irrenunciáveis (são outorgados, impostos, não se pode renunciá-los); 4. Imprescritíveis (não têm prazo de prescrição), e 5. Impenhoráveis (não podem garantir dívidas) e inexpropriáveis (não podem ser arrematados ou desapropriados). Vamos, aos poucos, compreender cada uma das características dos direitos da personalidade e de que maneira essas características relacionam-se com a pessoalidade de tais direitos nas próximas aulas. Neste momento, começaremos a entender cada uma das características dos direitos da personalidade. Em início, vamos explicar três delas: caráter inato, ilimitado e absoluto dos direitos da personalidade. Os direitos da personalidade são direitos subjetivos, inerentes a toda pessoa, simplesmente pelo fato de existirem, e extinguem-se, em regra, com sua morte. Porém, há direitos da personalidade que se projetam além da morte do sujeito, como, por exemplo, o direito à imagem e ao nome. O Código Civil dispõe que: Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária. De forma geral, os direitos da personalidade são ilimitados, ou seja, seu exercício não pode sofrer mitigação ou exceções. Outra característica dos direitos da personalidade diz respeito aos seus efeitos. Os direitos de personalidade são absolutos: oponíveis contra todos (erga omnes), indeterminadamente. Assim, os direitos da personalidade imputam a todos – pessoas físicas ou jurídicas – a obrigação de se absterem da prática de qualquer conduta que possa vir a lesar ou ameaçá-los. Embora o Código Civil determine que os direitos da personalidade não possam sofrer limitação voluntária, há exceções ao caráter ilimitado e absoluto desses direitos. Fique atento(a) à jurisprudência: Art. 11. O Direito à vida, à integridade físico-psíquica, à identidade, à honra, è imagem, à liberdade, à privacidade, à opção sexual e outros reconhecidos à pessoa são natos, absolutos, intransmissível, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis. O STJ entende que o exercício dos direitos da personalidade pode ser objeto de disposição voluntária, desde que não permanente nem geral, estando condicionada à prévia autorização do titular e devendo sua utilização estarde acordo com o contrato estabelecido entre as parte (Resp 1.630.851/SP 2017). Em complemento, foi aprovado outro enunciado, de n° 139, na III Jornada de Direito Civil: Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e os bons costumes. Flávio Tartuce (2018) traz como exemplo os casos relativos à cessão onerosa dos direitos patrimoniais decorrentes da imagem, que não pode ser permanente. Assim, um atleta pode celebrar um contrato com uma empresa de roupas esportivas para a exploração econômica de sua imagem, mas esse contrato não pode ser vitalício. O caráter ilimitado e absoluto dos direitos da personalidade também pode ser relativizado no âmbito da saúde. O Código Civil dispõe que A expressão risco de vida deve ser entendida como sendo relativa ao risco que será criado ou agravado pelo tratamento ou intervenção cirúrgica que se pretende realizar. Ou seja, o paciente não pode ser constrangido a se submeter a tratamento ou cirurgia arriscada. Nos termos do Enunciado n.533, VI Jornada de Direito Civil (2013): O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos Desse modo, cabe ao médico prestar informações detalhadas sobre o estado de saúde de seu paciente e sobre tratamentos mais adequados, para que o paciente tenha condições de aceitar, ou não, tratamento ou procedimento cirúrgico. Importante: o médico não pode depender de autorização de quem não tem como fornecê-la. Nesse sentido, o médico e a equipe de saúde têm que agir em caso de iminente perigo de morte do paciente, independente de consentimento. Art. 41 da Resolução 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina: Em caso de risco de vida, com intervenção de alto risco: médico deve intervir, sob pena de responsabilização do médico, nas esferas civil, penal e administrativa (art.951 CC). É dever do profissional da área médica, bem como aos demais profissionais da saúde, buscar fazer o que seja melhor para a saúde de seus pacientes. A Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina possibilita aos profissionais da saúde a ortotanásia: deixar de empregar técnicas médicas em casos de pacientes terminais, desde que os pacientes manifestam sua vontade nesse sentido (testamento vital ou biológico). No entanto, há o questionamento se a ortotanásia poderia ser permitida por meio de uma Resolução do Conselho Federal de Medicina. Na perspectiva da doutrina majoritária, há a necessidade de aprovação legal ou, ao menos, autorização legal para assim proceder. Outra questão que se mostra relevante é a negativa de pacientes sob risco de morte a tratamentos médicos por motivos religiosos. Há divergência doutrinária a respeito do tema. Parte da doutrina entende que prevaleceria o direito à vida e relativizar-se-ia o direito à liberdade de crença religiosa. Por sua vez, outra parte entende que prevaleceria a vontade do paciente. Enunciado da V Jornada de Direito Civil compreende que: O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º., VI da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante. Fique atento (a) à jurisprudência: Entendimento do TJSP é que se afasta a pretensão à indenização por transfusão de sangue efetuada contra a vontade do paciente. Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou à intervenção cirúrgica.