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A relação indivíduo X organização Adriana Duarte de Souza Carvalho da Silva Introdução Uma organização precisa ter um ambiente de união para funcionar adequadamente. A Teoria da Coesão Social, elaborada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, elaborou a respeito de con- ceitos sociais de solidariedade na busca de uma sociedade mais coesa. Aplicada ao mundo orga- nizacional para compreender os conflitos e o engajamento de indivíduos ao ambiente de trabalho, hoje, a Teoria da Coesão Social de Durkheim é considerada conservadora, mas fundamental para compreender os indivíduos e suas relações. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • conhecer os conceitos de solidariedade orgânica e solidariedade mecânica; • entender sobre o conceito de anomia dentro do contexto organizacional; • identificar estratégias para a criação de ambientes saudáveis; • compreender a importância de acordos tácitos e explícitos relativos a signos e símbo- los organizacionais. 1 A organização como um organismo vivo (solidariedade orgânica x solidariedade mecânica) Uma organização é formada por partes, que, conjuntamente, a fazem funcionar. Essa con- cepção foi desenvolvida por Émile Durkheim, que buscou a compreensão da sociedade como um todo, em “A Divisão do Trabalho Social”, para abordar a relação dos indivíduos com as organizações. Para Durkheim (2008), a sociedade pós-moderna, na qual vivemos, é fundamentada no individualismo. Como as organizações são reflexo da sociedade, então, esse individualismo tam- bém se manifesta nas organizações. Mas, após acompanhar os indígenas, Durkheim (2008) per- cebeu que há modelos de sociedade não baseadas no individualismo e sem uma noção do “eu”, na qual o coletivo é mais importante, a ponto da própria ideia de pessoa basear-se na existência do coletivo, nunca do privado. A esse modelo de sociedade mais integrada, fundamentada no coletivo, Durkheim cha- mou “sociedades de solidariedade mecânica” e aqueles modelos onde prevalece o individualismo (nossa sociedade ocidental pós-moderna destaca-se aqui como exemplo) Durkheim chamou “sociedades de solidariedade orgânica”. Veja na figura a seguir as diferenças entre elas. Figura 1 – Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica pré-capitalista e não individualista o “eu” só existe no contexto da coletividade solidariedade mecânica solidariedade orgânica capitalista e individualista exaltação do “eu” e da competitividade Fonte: elaborado pela autora, 2017. A nossa sociedade é uma sociedade de solidariedade orgânica. Empresas emersas nesta sociedade tendem a espelhar características semelhantes, dessa forma, podemos afirmar que organizações ocidentais pós-modernas são baseadas nesse modelo de solidariedade orgânica. FIQUE ATENTO! Durkheim (2008) utilizou esse conceito de solidariedade (orgânica/ mecânica) para compreender a forma pela qual as sociedades se organizam - e que não se dá pelo humanismo. Desta maneira Durkheim buscou aproximar-se mais do contexto da organização social. Durkheim (2007, p. 36) define as sociedades de solidariedade mecânica da seguinte forma: “solidariedade social decorrente de certo número de estados de consciência comuns a todos os membros da mesma sociedade”. Hoje, entretanto, é improvável pensar que os indivíduos compar- tilham dentro das organizações estados de consciências comuns a todos. O fato é que o sistema capitalista provoca duas situações que tornam essa realidade impos- sível: a competição profissional e a necessidade do consumo enquanto identidade. Veja, por exem- plo: as pessoas vivem em constante competição por um cargo melhor nas empresas, por uma promoção, um aumento, assim, cria-se um sistema de competição excludente e, portanto, incen- tiva-se o individualismo. Agora, veja como Durkheim (2007, p. 44) define as sociedades de solidariedade orgânica: (...) só é possível se cada um tiver uma esfera individual própria de ação e, consequente- mente, uma personalidade. É preciso, pois, que a consciência coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual, para que estabeleçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar. Para Durkheim (2007), as sociedades de solidariedade orgânica são sociedades baseadas na divisão do trabalho. EXEMPLO Podemos entender o conceito de divisão do trabalho pensando em uma linha de produção. Cada pessoa se especializa em apertar um botão, dedica-se a fazer uma atividade específica. Cada pequeno movimento feito na linha é fundamental e flui de forma a tornar outros movimentos possíveis, de forma que, ao final, formam-se mercadorias. Nas sociedades de solidariedade orgânica, se cada pessoa tem uma função específica, então, todas precisam uma das outras. Do ponto de vista empresarial, isto torna-se claro ao observarmos o organograma de uma empresa e as divisões departamentais expressas nele. Figura 2 – Organograma Empresarial Diretoria Administrativo Produção LogísticaDepartamento Financeiro Departamento de Recursos Humanos Fonte: elaborado pela autora, 2017. Note que, cada departamento e cada pessoa que faz parte de cada departamento, depende um do outro. Ainda que o individualismo permaneça estrategicamente no subjetivo de cada um, as pessoas precisam umas das outras nas organizações. Sobre isso, Durkheim (2007, p. 45) relata que “efetivamente, cada um depende, por um lado, mas estreitamente da sociedade em que o trabalho é mais dividido e, de outro, a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais especializada ela seja”. Agora, vamos refletir a respeito de uma sociedade pré-histórica nômade – ela é exemplo clássico de sociedade de solidariedade mecânica. A busca de alimento nela era baseada na caça, na pesca e na procura por vegetais comestíveis. O homem pré-histórico conhecia todo o processo. Sabia como construir uma arma, sabia procurar o animal e sabia como limpá-lo para se alimentar. Figura 3 – Homem pré-histórico caçando mamute Fonte: Macrovector/Shutterstock.com Agora, você, que se alimenta de carne e vive numa sociedade de solidariedade orgânica, difi- cilmente sabe como caçá-la ou como cortar corretamente o animal para tirar a carne mais macia. Dessa forma, para que você tenha acesso a essa carne, precisa de toda uma cadeia produtiva, desde o criador do animal até aquele que embala a carne e a venda no supermercado. Figura 4 – Produção de carne Fonte: Vipavlenkoff/Shutterstock.com Assim, podemos notar que sábio é o líder que hoje consegue fazer sua equipe perceber como cada indivíduo precisa um do outro. Embora esse individualismo esteja intrínseco na sociedade pós-moderna e o líder (por melhor que seja) seja ser incapaz de acabar com ele, ele pode atuar para que esse individualismo seja exercido com respeito dentro de sua equipe. FIQUE ATENTO! A sociedade pós-moderna é marcada por amplo narcisismo. Isso implica que os indivíduos esperam a exaltação do “eu”, especialmente em ambientes competitivos (como é o mercado de trabalho). O bom líder sabe elogiar e motivar, sem, contudo, fazer com que algumas pessoas se sintam diminuídas em relação a outras. 2 Anomia dentro do contexto organizacional e estratégias para criar ambientes sociais mais saudáveis Durkheim desenvolveu o conceito de anomia social em sua obra “O Suicídio”, na qual estuda as causas sociais do suicídio. Para o autor, o suicídio é uma demonstração de anomia social, ou seja, de que a sociedade não está sendo coesa. O conceito de coesão social é muito desejado pelas organizações, pois os líderes precisam descobrir como podem unir a equipe, como conse- guir aderência às suas regras e como obter consensos (lembrando que consenso não deve ser confundido com falta de espírito criativo ou crítico). SAIBA MAIS! Para conhecer mais sobre o pensamento de Durkheim, sugerimos a seguinte leitura do artigo “Socialismo e individualismo em Émile Durkheim”. Acesse: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792011000200013&lng=en&nrm=iso>. Vares (2011, p. 440) ao estudar a obra de Durkheim, reflete da seguinte forma sobre o pen- samento do autor: “em sociedades marcadas por uma acentuada divisão do trabalho, o indivíduo dispõe de uma crescente autonomia que colide com a rigidez dos valores tradicionais”. Levando essa reflexão para área empresarial, podemos perceber que os líderes vão lidar com pessoas autônomas, capazes de pensar, criticamente, com ampla formação acadêmica e que tal- vez tenham dificuldade em aceitar a liderança tradicional. Dessa forma, é fundamental que o líder perceba que as pessoas são autônomas e, portanto, querem participar dos processos decisórios. Assim, o bom líder sabe delegar e possibilita que sua equipe decida junto com ele. EXEMPLO Hoje, cada vez mais, as pessoas têm acesso à educação e se sentem capazes de pensar por si mesmas. Pessoas com alta formação profissional podem se sentir coagidas ao terem que obedecer. O bom líder sabe trabalhar com essas pessoas de forma a envolvê-las nos processos decisórios. Durkheim utilizou o conceito de suicídio para compreender a anomia na sociedade moderna. Podemos levar isso para área empresarial não pensando no suicídio propriamente dito, mas pen- sando que a ação pode ser uma metáfora para entender a falta de engajamento, de motivação, de estímulo ao trabalho. O líder deve saber criar um ambiente motivador, não opressor, para que o funcionário não se desligue emocionalmente do que faz, para que o funcionário permaneça enga- jado e atuante. 3 Signos e símbolos organizacionais para um ambiente mais orgânico. Muitas empresas utilizam signos e símbolos para tornar suas equipes engajadas. Esses sig- nos e símbolos não precisam apenas ter um caráter visual (como uma logomarca ou um uni- forme). Fleury (1987), por exemplo, estudou como algumas empresas trabalham com a constru- ção de estórias sobre o surgimento da empresa que ganham o caráter de mito. Essas narrativas surgem e criam um passado heroico, tendencialmente motivador. Sobre isso, Fleury (1987, p. 15) afirma “das estórias sobre os atos de coragem, nascem os heróis, que personificam os valores e provêm modelos de comportamento para os demais”. SAIBA MAIS! Fleury (1987) mostra que um importante mito empresarial é o da “grande família”. Esse mito apela para a metáfora familiar para simbolizar a ideia de união. Os signos e símbolos organizacionais fazem parte da cultura organizacional de uma empresa. Porém, não são necessariamente apresentadas formalmente aos trabalhadores e podem não apa- recer nos documentos oficiais. O fato é que, ao utilizar signos e símbolos, as organizações tentam provocar mais coesão social. Evidentemente, isso nem sempre é conquistado, especialmente, se a empresa tem um his- tórico de explorar sua mão de obra. Contudo, se a empresa foi ética, socialmente responsável, talvez o uso de signos e símbolos possam efetivamente motivar o trabalhador. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer a Teoria da Coesão Social, aplicada ao mundo organizacional; • entender que as empresas são sistemas regrados, repletos de normas, de padrões de comportamento, de cultura organizacional; • reconhecer o desafio enfrentado pelos líderes diariamente ao buscar a adesão dos tra- balhadores a esses sistemas regrados; • compreender os efeitos do individualismo na sociedade pós-moderna; • aprender sobre o conceito de anomia social. Referências DURKHEIM. Émile. Sociologia. São Paulo: Ática, 2008. ___________. Fato social e divisão do trabalho: apresentação e comentários de Ricardo Musse. São Paulo: Ática, 2007. FLEURY, Maria Tereza Leme. Estórias, mitos, heróis: cultura organizacional e relações do traba- lho. Rev. adm. empres., São Paulo, v. 27, n. 4, p. 7-18, 1987. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901987000400003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 fev. 2017. VARES, Sidnei Ferreira de. Sociologismo e individualismo em Émile Durkheim. Cad. CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 435-446, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-49792011000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 fev. 2017.
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