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INTRODUÇÃO Possivelmente, a discussão sobre as mídias digitais e seus impactos nas práticas de marketing é um dos tópicos de maior frequência nas pautas dos gestores de empresas, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte. Principalmente em função do empoderamento gerado pelas plataformas digitais, o consumidor tem postura mais proativa, crítica e engajada nas situações de consumo ao longo de seu dia, não permitindo, em muitos casos, que marcas e proposições sem relevância tenham espaço. Desse modo, não seria prudente negligenciar as alterações nas dinâmicas de construção e comunicação de valor, de estruturação de posicionamento claro, coerente e, sobretudo, relevante para determinado público-alvo. As tradicionais práticas de planejamento de campanhas e compra de mídia perdem parte de sua relevância em um contexto de multilateralidade, descentralização e novas formas de estabelecer diálogos sem que ocorra o alinhamento e a integração dos meios de comunicação utilizados em projetos de marketing. Nesse sentido, esta apostila trata de abordar as dinâmicas do atual cenário da comunicação, os principais conceitos relacionados a esse ambiente e as boas práticas para o desenvolvimento de planos de comunicação integrada de marketing. É esperado que, ao final da disciplina, o aluno seja capaz de compreender o contexto em que está inserido e suas respectivas dinâmicas de consumo, tendo a comunicação como ferramenta de marketing para otimizar a relação entre marcas e consumidores. Nesse contexto, o objetivo da disciplina é apresentar o atual contexto da comunicação integrada de marketing sendo altamente influenciada pelas mídias digitais, bem como as boas práticas para o pleno gerenciamento das atividades de comunicação mercadológica da organização. Para isso, iremos: � analisar as mudanças na forma de as empresas de relacionarem com seus clientes (via comunicação); � analisar o impacto da comunicação na construção de marcas; � descrever as mudanças que a internet trouxe no comportamento das empresas; � reconhecer as características dos meios on-line e dos meios off-line; � descrever as características de cada ferramenta de comunicação e a forma de utilizá-la; � reconhecer como cada p influencia na percepção de valor de uma marca; � descrever a base da estratégia de uma campanha publicitária; � reconhecer a importância do posicionamento da marca no planejamento da comunicação; � explicar o critério de distribuição de verbas por público-alvo e � descrever as etapas do processo criativo. SUMÁRIO MÓDULO I – COMUNICAÇÃO NA ERA DIGITAL ................................................................................... 7 PANORAMA DA INTERNET ................................................................................................................ 7 MODELOS DE COMUNICAÇÃO ....................................................................................................... 13 MIX DE MARKETING E A COMUNICAÇÃO DE VALOR ................................................................... 17 COMUNICAÇÃO INTEGRADA DE MARKETING .............................................................................. 21 MÓDULO II – EXPERIÊNCIA DO CONSUMIDOR: MARCAS E CONSTRUÇÃO DE VALOR ................. 27 PÚBLICO-ALVO E PERSONA DO CONSUMIDOR ............................................................................ 27 EXPERIÊNCIA DO CONSUMIDOR E COMUNICAÇÃO .................................................................... 31 COMUNICAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE MARCAS ............................................................................. 41 COMUNICAÇÃO DO POSICIONAMENTO DA MARCA ................................................................... 47 MÓDULO III – COMUNICAÇÃO INTEGRADA DE MARKETING NA ERA DIGITAL.............................. 51 FERRAMENTAS DE COMUNICAÇÃO: OFF-LINE E ON-LINE ............................................................ 51 FORMATOS CROSSMÍDIA E TRANSMÍDIA ...................................................................................... 55 DESENVOLVIMENTO DO BRIEFING ................................................................................................. 58 O PLANEJAMENTO DA COMUNICAÇÃO ........................................................................................ 60 MÓDULO IV – IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA DE MARKETING . 67 EXECUÇÃO DE CAMPANHAS DE COMUNICAÇÃO ........................................................................ 67 DEFINIÇÃO DE VERBA DE COMUNICAÇÃO ................................................................................... 71 MÉTRICAS DE COMUNICAÇÃO ....................................................................................................... 74 EXEMPLO DO PLANO DE COMUNICAÇÃO PARA O BANCO XYZ ................................................ 77 Análise do cenário ................................................................................................................... 78 Posicionamento de marcas no mercado ........................................................................ 78 Sondagem com clientes ..................................................................................................... 78 Sondagem com o mercado (concorrentes e outras instituições) ................................ 79 Pesquisa pelo método do cliente oculto ......................................................................... 79 Problematização ...................................................................................................................... 79 Posicionamento do banco ................................................................................................. 80 Objetivo de comunicação ....................................................................................................... 80 Arquitetura estratégica ........................................................................................................... 81 Público-alvo ......................................................................................................................... 81 Estratégias ........................................................................................................................... 81 Plano de ações (tática) ....................................................................................................... 82 GLOSSÁRIO ........................................................................................................................................... 85 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 87 PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 89 Neste módulo, faremos uma introdução aos principais conceitos e dinâmicas da comunicação de marketing. Para tal, apresentaremos o panorama da internet, bem como do consumo de tecnologias da informação e comunicação como um dos responsáveis pelas mudanças nas práticas sociais e de negócios. Além disso, para complementar o raciocínio, iremos discutir pontos fundamentais para a gestão da comunicação integrada de marketing e respectivas implicações no processo de geração de valor por parte das organizações. Panorama da internet Hey, Google ou Ok, Google, possivelmente, sejam as frases mais repetidas por diversas pessoas ao redor do mundo. Dificilmente, encontramos um indivíduo em ambiente de marketing que não tenha interface com plataformas digitais e dispositivos inteligentes. Sem dúvida, a prática de interação com tecnologias de natureza variada aponta para uma realidade hiperconectada, na qual nossa existência não é mais passível de separação entre universos físicos e digitais, característica dos momentosiniciais da estruturação da internet, conhecida como web 1.0. De acordo com Tim Berners-Lee, criador de todo o sistema da rede, a primeira versão da internet, que aconteceu entre 1989 e 2005, basicamente, era pautada pela criação de conteúdos por poucos escritores para uma grande massa de leitores, de maneira que essas informações fossem disponibilizadas mais rapidamente e ao mesmo tempo pela rede, mas sem a possibilidade de interação entre as pessoas. Não era possível, por exemplo, o comentário e o compartilhamento de conteúdo pelas redes sociais na internet. MÓDULO I – COMUNICAÇÃO NA ERA DIGITAL 8 Atualmente, vivemos na era da web 2.0, em que a premissa é a da colaboração. Pelo atual arranjo e dinâmica da rede, é possível que tanto a escrita quanto a leitura aconteçam pelo mesmo usuário. Um dos grandes pilares desse cenário são as plataformas colaborativas, como a Wikipédia. Visto que a produção de conteúdo alcançou grandes proporções, a criação de mecanismos de busca, como o Google, foi fundamental para o pleno avanço e a popularização do uso da internet pelo mundo. De que outra forma seria possível encontrar uma informação em quase 1 trilhão de páginas na internet (Google, 2020)? A caminho do que se entende por web 3.0, o mundo avança para um consumo de conteúdo mais inteligente e relevante. Nesse modelo, a rede será estruturada e terá a dinâmica pautada por semântica, de forma que os usuários tenham acesso a informações mais alinhadas com suas preferências e hábitos de consumo, tendo a inteligência artificial como viabilizadora dessa relação. O quadro 1 apresenta as principais diferenças entre a web 1.0, 2.0 e 3.0. Quadro 1 – Evolução da web web 1.0 web 2.0 web 3.0 apenas leitura escrita e leitura web autônoma centralização nas organizações descentralização e participação do público personalização milhares de usuários bilhões de usuários ecossistema virtual – pessoas e objetos lista de amigos redes sociais na internet conhecimento conectado e compartilhado comunicação unilateral comunicação multilateral comunicação multilateral informação conectada pessoas conectadas experiência personalizada com pessoas, conteúdos e objetos sites institucionais blogs e mídias sociais busca semântica empresas comunidades virtuais sistema virtual – realidades mistas individual compartilhamento inteligência artificial viabilizando a distribuição de conteúdo conteúdo estático conteúdo orgânico conteúdo personalizado Fonte: Elaborado pelo autor. 9 O crescimento da internet pelo mundo se mantém em contínua evolução, como mostram os dados das consultorias We Are Social e Hootsuite. Em janeiro de 2020, 4,54 bilhões de usuários de internet em todo o mundo estavam conectados, ainda que lugares como Estados Unidos e alguns países da Europa já tenham alcançado a maturidade e o pico em termos de penetração, conforme mostra a figura 1. Figura 1 – Número de usuários de internet no mundo Fonte: We Are Social e Hootsuite, 2021. Considerando esse panorama, é possível dizer que o acesso à rede provoca mudanças em diversas esferas da sociedade, uma vez que contribui para a reconfiguração das relações entre os indivíduos e as organizações das mais variadas naturezas. À medida que o número de usuários de internet aumenta, novos tipos de relacionamentos, formas de consumo, possibilidades de geração de valor podem ser percebidas. No entanto, de acordo com a pesquisa da ONU (2021), grande parte das pessoas que está fora da internet possui algum tipo de viabilidade técnica para se conectar, mas não o fazem por desconhecer o potencial transformador dessa conexão. Essa informação pode soar estranha, mas imagine o dia a dia de determinados grupos de indivíduos, cuja vida seja pautada, basicamente, pela agricultura simplificada, de moradia no interior, sem muito acesso aos meios de comunicação. Possivelmente, o maior desafio para o avanço no uso e nas conexões esteja nos países em desenvolvimento, uma vez que, parte da população vive em cenários como o descrito. Locais na África, América Latina e leste europeu, por exemplo, realizaram, com uma maior frequência, algum tipo de 10 conexão na internet no ano de 2019 por meio de um smartphone. Sem dúvida, há muito espaço para crescer. Tendo como recorte geográfico apenas os países da América Latina, o Statista (2020) apresenta um ranking pelo número de usuários por localidade, conforme mostrado no quadro 2. Quadro 2 – Ranking de países na América Latina Fonte: Statista, 2021. Mesmo que o Brasil seja o país de maior número de usuários de internet no ano de 2020, o de maior penetração é Argentina, com quase 91% da população conectada contra, aproximadamente, 60% dos brasileiros. Esse dado aponta para uma grande oportunidade para as empresas em explorar os canais digitais de forma a gerar cada vez mais valor para seus públicos. Aqui, cabe um alerta: cada pesquisa possui um método de coleta e análise de dados, o que pode, eventualmente, gerar números de usuários diferentes. Ainda por um recorte global, como mostrado pelas consultorias We Are Social e Hootsuite (2021), a comparação da penetração dos acessos à internet por país, o Brasil está entre os maiores usuários do mundo, como apresentado na figura 2. usuários de internet (milhões) país 2018 2019 2020 Brasil 125.9 149.1 150.1 México 80.4 80.9 89.1 Argentina 31.1 41.5 36.1 Colômbia 31.3 30.2 35.1 Peru 20.1 20.1 24.0 Chile 13.2 15.1 15.7 Outros 76.2 80.7 77.2 América Latina 378.2 417.6 427.3 11 Figura 2 – Penetração da internet em países Fonte: We Are Social, 2021. Ainda de acordo com a We Are Social e Hootsuite, o brasileiro é um dos maiores usuários de internet do mundo, tendo, em média, um tempo de navegação em qualquer dispositivo de 9 horas todos os dias, conforme mostrado na figura 3. Figura 3 – Tempo gasto na internet Fonte: We Are Social, 2020. 12 Segundo a pesquisa TIC Domicílios – que observa e mede a posse, a utilização, o acesso e os hábitos do brasileiro em relação às tecnologias da informação e comunicação –, o Brasil possui, aproximadamente, 70% de sua população conectada. A pesquisa realizada pelo Comitê Gestor de Internet (CGI) e lançada no fim de 2019 mostrou que 92% dos entrevistados da classe A fizeram uso da internet menos de três meses antes da pesquisa; da classe B, 91%; da classe C, 76% e 48% das classes D e E. Ou seja, pessoas pertencentes às classes sociais mais altas tiveram mais acesso que as demais. Se levarmos em consideração a distribuição desses acessos pelo território nacional, a proporção de domicílios conectados, seja por desktop ou smartphone, houve uma considerável predominância pelo acesso mobile, 56%, contra 44% em desktop. Se avançarmos para a observação dos acessos por região, a Sudeste teve 22 milhões de domicílios conectados, a Nordeste 10,5 milhões, a Sul com 7,3 milhões, a Centro-Oeste com 3,5 milhões e a Norte ficou com 3,2 milhões. Conforme as pessoas passam por diversos momentos da vida, mudanças ocorrem em seus valores, interesses e hábitos de consumo. Para observar esse fenômeno, pode-se considerar os grupos sociais divididos por perfis de consumo que constituem importantes segmentos de mercado, sobretudo, sendo influenciados pelo universo digital. A pesquisa Estilos de Vida 2019 realizada pela consultoria Nielsen, aponta que o brasileiro está mais atento ao poder de negociação que tem em mãos, o que pode ser entendido como um reflexo do empoderamento dado pela hiperconectividade. No estudo, a alta conectividade pode ser relacionada, de alguma forma, com indicadores de consumo no varejo. Por exemplo, há, não só no Brasil como em todo o mundo, um apelo por sustentabilidade e prudência, o que é sustentado por aproximadamente 43% dos entrevistados quando apontarammudanças em seus hábitos para minimizar os impactos no meio ambiente. A relação entre consumo e o digital também pode ser exemplificada, ainda que por outra perspectiva, por Greta Thunberg como TIME's 2019 "pessoa do ano", ou seja, o meritório indivíduo que causou impacto social ao longo do ano. Em seu Instagram, com quase 11 milhões de seguidores, a jovem ativista vem atuando fortemente em prol de maior conscientização sobre práticas sociais e o futuro do mundo. Dentre os diversos achados, a pesquisa Estilos de Vida 2019 (Nielsen, 2019) aponta que jovens de até 25 anos são os maiores usuários de internet, não importando o dispositivo de acesso ou mesmo motivo. Essa faixa está inserida nas classes B e C sem predominância de sexo. Ainda que em constante conexão com a internet, a vida social em eventos públicos e amigos é uma realidade. Interessante notar a percepção de ausência de barreiras entre o universo on-line e off-line. Afinal, eventos são combinados no WhatsApp, confirmados no Facebook, e transmitidos via live no Instagram para a rede de seguidores. Boa parte dos entrevistados mostrou que toda comunicação, socialização, jogos, consumo de música e compras de alimentos são concentrados no smartphone. Sem dúvida, o tempo todo, tudo pode mudar em um ambiente tão dinâmico como o que vivemos. Nesse sentido, é mandatório que as empresas acompanhem a evolução do mercado, das preferências dos consumidores e das melhores práticas para relacionamento com seus públicos de interesse, tendo, principalmente, a internet e as tecnologias da comunicação como grandes influenciadores dessa dinâmica. 13 Modelos de comunicação Uma vez apresentado, ainda que de maneira breve, o panorama da internet e do consumo de dados no mundo, nesse ponto, cabe a pergunta: qual o impacto do ecossistema digital, com suas mídias e dispositivos, nas práticas de comunicação e marketing das organizações? Certamente, não há uma única resposta que contemple toda a pluralidade e complexidade da realidade de uma empresa. No entanto, com o objetivo de contribuir para um melhor delineamento da possível resposta, faz-se necessária a discussão sobre as mudanças de paradigmas na comunicação de marketing. Primeiramente, é importante observar o processo clássico de comunicação proposto de Lasswell (1948), ilustrado pela figura 5. Figura 5 – Processo de comunicação Fonte: Lasswell (1948). Pelo tradicional modelo, há sempre um emissor, um enunciatário – alguém que transmite uma mensagem por meio de um canal para um receptor –, outro sujeito que recebe a mensagem e a codifica de acordo com seu repertório cognitivo e cultural, de maneira que ocorra um efeito, uma resposta. Importante ressaltar que o fluxo aqui apresentado é relacionado a qualquer situação de comunicação, não sendo exclusivo da interação entre pessoas, o que pressupõe a necessidade de compreensão do fenômeno também do ponto de vista corporativo. Partindo dessa proposta, é possível explorar outros modelos, tendo em vista que a comunicação de marketing tem concentração nas respostas do público a cada situação comunicacional. Nesse sentido, a figura 6 apresenta quatro clássicos modelos de hierarquia de respostas. 14 Figura 6 – Modelos de hierarquia de respostas Fonte: Kotler e Keller (2015). Independentemente do modelo, encontram-se os estágios cognitivo, afetivo e comportamental, que podem ser sequenciados de acordo com a dinâmica de consumo de determinada oferta – de produto ou serviço. Em alguns casos, é possível trabalhar pela lógica do aprender-sentir-agir, quando a compra envolver um alto nível de envolvimento com a oferta, como um carro. Em outros, pode-se optar pela sequência agir-sentir-aprender para a compra de um computador e, por fim, a possibilidade do aprender-agir-sentir. Nesse caso, a indicação do modelo é para situações de compra nas quais há baixo envolvimento com a oferta, como na compra de arroz ou sal. Em todo processo de comunicação, há uma lógica que determina o resultado da enunciação, que, fundamentalmente, parte de duas naturezas: uma unilateral ou outra multilateral. Pela primeira natureza, a comunicação é tida de maneira unilateral, em que somente um emissor fala. Aqui, o fluxo de comunicação parte de uma parte centralizadora para uma audiência que recebe a informação, basicamente, ao mesmo tempo e sem a possibilidade de interação. A figura 7 ilustra o processo. 15 Figura 7 – Fluxo de comunicação unilateral Se levarmos em conta que, até a metade da década de 2000, parte da população brasileira tinha acesso somente aos meios de comunicação de natureza unilateral – como TV, jornal e rádio –, pode-se dizer que o brasileiro, na relação com as empresas, acostumou-se a uma postura mais passiva, exercendo apenas a função de receptor. Nesse cenário, a comunicação estaria no modelo de um para muitos, sem a possibilidade de um diálogo. Como exemplo, em uma campanha publicitária veiculada na TV, uma hipotética empresa anuncia uma nova versão de produto que, em função da mensagem emitida, possui tom ofensivo. Nesse caso, os canais disponíveis para uma possível reclamação seriam o SAC, via telefone, carta para uma caixa postal ou pessoas próximas ao indivíduo interessado em se manifestar. Em uma situação como a descrita, o número de pessoas impactadas pelo descontentamento e consequente reclamação do consumidor é limitado aos canais de comunicação disponibilizados, restringindo a circulação da reclamação quase que totalmente às pessoas da própria empresa. Repare que, por essa perspectiva, há uma concentração de poder na organização, ocasionando uma relação desigual com a audiência que a consome. Levando em consideração o impacto das novas tecnologias da comunicação e mídias digitais, o cenário de produção e distribuição da mensagem fica alterado. Conforme apresentado, a internet e os dispositivos a ela conectados promoveram grandes mudanças nas formas de se relacionar e construir valor, seja para um indivíduo ou mesmo organização, o que pode ser percebido pela dinâmica encontrada em plataformas como o Facebook, por exemplo. Nesse caso, a comunicação não mais é pautada na existência de apenas um emissor, já que é tida de maneira multilateral, como mostrado pela figura 8. 16 Figura 8 – Comunicação multilateral A comunicação em rede proporciona que um emissor seja, ao mesmo tempo, receptor de uma informação, de forma que toda a dinâmica de construção da realidade seja pautada pela interferência e interação dos membros de determinada rede social na internet. Ou seja, a comunicação passa a ser de muitos para muitos, sem que a concentração de poder fique nas mãos de poucos e grandes anunciantes, por exemplo. Como mostrado por Kotler, Kartajaya e Setiawan (2017), o universo digital faz com que gestores de comunicação e marketing precisem observar o novo contexto de empresarial que passa a ser mais horizontal, inclusivo e social. As redes sociais na internet e o intenso uso de dispositivos móveis, como smartphones, derrubaram as barreiras que colocavam a organização como detentora da mensagem, dos fluxos de distribuição e, por vezes, da percepção de valor por parte do público. Toda essa nova configuração de relações, tendo o indivíduo como agente ativo no processo de criação de valor, é o que se chama de empowerment (ou empoderamento). Por essa perspectiva, a audiência possui força e poder tanto quanto uma empresa e, por isso, é capaz de posicionar-se e fazer valer a sua vontade. Como exemplo do empoderamento, em meio a pandemia de Covid-19 em 2020, usuários do TikTok utilizaram a mídia social como plataforma política. Com o objetivo de sabotar a campanha do presidente Donald Trump, milhares de adolescentes reservaram assentos em um dos seus comícios. Ao longo dos dias, a equipe presidencial acreditavaque o grande número de inscritos refletia o sucesso de Trump e os seus esforços de marketing. No entanto, o evento que esperava por 100 mil pessoas teve a presença de pouco mais de seis mil. Após o evento, diversos posts divulgaram a ação coletiva de sabotagem e o seu objetivo alcançado. Em um dos posts mais curtidos sobre o acontecido, um usuário mencionou: “E foi o que aconteceu hoje à noite. Estou falando sério quando digo isso. Os adolescentes da América deram um poderoso golpe no @realDonaldTrump. Em toda a América, os adolescentes reservaram ingressos para este evento. Os idiotas da campanha se gabavam de um milhão de ingressos. LoL.” 17 Mix de marketing e a comunicação de valor O termo ‘mix’ de marketing vem sendo usado desde a década de 1950 e, segundo Borden (1964), foi pensado a partir da ideia de Culliton (1948) quando menciona que o gestor é um mixer de ingredientes que faz escolhas para otimizar custos, receitas e lucros. Por essa lógica, se ele é um mixer, o que desenvolve é um mix de marketing. Inicialmente, a lista de elementos considerados à época para se trabalhar era longa e compreendia os seguintes itens: � produtos; � preço; � branding; � canais de distribuição; � vendas pessoais; � propaganda; � promoção; � embalagem; � display; � serviços; � armazenamento, e � monitoramento e análise. Somente na década de 1960, no livro Basic Marketing: a Managerial Approach, escrito por McCarthy (1960), é que as variáveis ou elementos do mix foram condensados no mnemônico 4Ps. A partir disso, o conceito se tornou base para as discussões sobre marketing em diversos setores e tipos de indústrias. Tradicionalmente, o mix é formado por: � produto; � preço; � praça e � promoção. Independentemente da natureza do negócio, deve-se estruturar os 4Ps de acordo com as variáveis observadas no processo de diagnóstico de cenários do macro e microambiente, uma vez que cada um dos Ps vai operar de maneira a fortalecer a posição da empresa no contexto em que está inserida. Para isso, as premissas dessas decisões são: � o desenvolvimento de produtos e serviços que atendam à uma demanda de mercado; � a correta precificação para que sejam passíveis de compra por quem os deseja; � a disponibilização no tempo, formato e local adequados, e � a comunicação da existência de uma oferta nos canais ideais para o público ideal. 18 Tendo em vista todo o impacto das tecnologias nas mais variadas esferas da sociedade e, sem dúvida, nos negócios, faz sentido observar as possíveis influências desse fenômeno no ambiente de marketing, mais especificamente nos 4Ps. É importante considerar que todas as atividades de uma organização são, por essência, atos de comunicação e de construção de valor, tanto para o público interno quanto para o externo. Tendo o produto como ponto de partida para uma proposta de enunciação, pode-se dizer que é a oferta capaz de satisfazer uma necessidade ou desejo por meio de uma troca. Um produto pode ser um bem tangível, um serviço, uma experiência, uma ideia. Grande parte dos produtos fabricados hoje é passível de ser comprada via internet, e outros apenas existem em formato digital, como o Google, o comparador de preços Buscapé e uma música no Spotify. Do ponto de vista estratégico, o produto é composto de três dimensões distintas e complementares – o produto em si, com seus atributos, a embalagem e a marca. Possivelmente, um dos melhores exemplos seja a Coca-Cola e o seu status de ícone cultural. Sua fórmula (atributos) é um dos segredos industriais mais discutidos e bem guardados na indústria de bebidas. Já a sua embalagem, a clássica e adorada garrafa, possui design de mais de 100 anos e é tida como objeto de decoração e de moda, reforçando ainda mais a ideia da comunicação de valor por todas as atividades de uma empresa. A marca, que está avaliada em aproximadamente US$ 57 bilhões (INTERBRAND, 2021), é sinônimo de tradição, de família, de felicidade e de celebração, conforme visto nas suas campanhas publicitárias. Atualmente, os consumidores querem participar ativamente da produção do bem que virá a adquirir, ou seja, da personalização de seus produtos, cocriando valor por meio de produtos e serviços com as empresas. Rogers (2012) aponta que uma das possibilidades para uma maior geração de valor é a adoção de estratégias que priorizem a customização, podendo passar pelas seguintes possibilidades: � Quantidade de ofertas – deve-se oferecer a quantidade ideal de ofertas para seus consumidores. � Customização de playlists – sejam músicas ou produtos físicos, é importante permitir que o consumidor monte o "cardápio" que achar melhor. � Modificação de produtos – a personalização de produtos e serviços é um dos pontos primordiais em estratégias de comunicação e criação de valor, como o site NIKEiD. � Escolhas pessoais – sempre que possível, as organizações precisam promover a humanização de seus negócios, tendo as mídias sociais, por exemplo, como base. � Criação de plataforma para escolhas – é mandatória a criação de uma plataforma digital para facilitar o processo de escolha e customização das ofertas, o que passa pelo desenvolvimento de um site ou aplicativo de smartphone, como o iFood. Avançando para o preço, sendo o que é estabelecido para que ocorra uma relação de consumo, pode-se dizer que, sem dúvida, há comunicação de valor fortemente associada a essa decisão. Um item que seja precificado abaixo da média de mercado terá sua percepção de qualidade e valor 19 diminuída pelo público. Por outro lado, tendo o mercado de luxo como base, quanto mais alto for o valor cobrado, em teoria, maior será o valor percebido. Como apresentado, uma das mudanças promovidas pela internet foi o empoderamento do consumidor e o consequente hábito de comparar ofertas para barganhar preços, o que mexe na dinâmica de percepção de valor. Um bom exemplo desse cenário são os processos conhecidos como showrooming e webrooming. No primeiro, o consumidor visita uma loja física para olhar um produto, comparar opções, verificar preços para, em seguida, realizar a compra na internet; já o segundo processo parte do processo contrário. A verificação do produto ocorre on-line para a efetivação de compra no espaço físico. Em alguns casos, o consumidor usa os resultados de pesquisa para barganhar o preço final das ofertas com os vendedores, o que nem sempre é previsto pelos gestores no momento de precificação, ocasionando, em muitos casos, prejuízos para o lojista. O P de praça tem relação com as decisões sobre quais as melhores formas de disponibilizar as ofertas no formato, tempo e espaço adequados para suprir a necessidade do consumidor. Observando as premissas assumidas pelo conceito clássico do mix de marketing, percebe-se que há um grande foco em processos que tratem de ofertas como bens tangíveis. Naturalmente, esse olhar é influenciado pelo contexto industrial da época em que Borden começou a utilizá-lo, o que não atende, necessariamente, de forma plena às mudanças e características do ambiente digital. O impacto do digital nos canais de distribuição é intenso e pode ser percebido em diversos aspectos, como na capilaridade necessária para entregas com prazos razoáveis, uma vez que o consumidor tenha que esperar e não levar para casa o que acabou de comprar, por exemplo. Caso a demora seja grande, a percepção de valor da compra on-line corre o risco de ser negativa e, em alguns casos, ocasionar uma reclamação no Reclame Aqui para ser compartilhada via redes sociais no consumidor. De nada adianta ter uma oferta desenvolvida de maneira alinhada com as necessidades dos consumidores, um preço adequado e a disponibilização da forma correta sem que o público seja informado de sua existência e estimulado a realizar a compra. Nesse sentido, o P de promoção tem como premissas: � a definiçãodo orçamento de comunicação; � a determinação da imagem desejada para a oferta ou organização, e � a natureza da comunicação – para o trade, os consumidores, a mídia e outros públicos de interesse da marca. Como sugerido por Kotler e Armstrong (2017), a comunicação de marketing é a maneira pela qual as empresas objetivam informar, persuadir e lembrar seus consumidores sobre suas marcas, propostas de valor, ofertas, produtos e serviços. De certa forma, representa a voz da organização e, por isso, é tida como a viabilizadora do processo de diálogo e relacionamento entre partes interessadas nas atividades da empresa. Em princípio, é possível considerar um conjunto de ferramentas para o mix de comunicação ou promocional, como as apresentadas na sequência. 20 a) Publicidade e propaganda Segundo o Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp) – instituição brasileira que regulamenta as práticas do mercado publicitário –, publicidade e propaganda são apresentadas como sinônimos e definidas como a atividade de difusão remunerada de ideias, produtos e serviços de um anunciante identificado. Já para Kotler e Armstrong (2017), a propaganda seria um esforço pago de um anunciante identificado em uma mídia com o objetivo de emitir uma mensagem e, quando não ocorre o pagamento, mas uma menção espontânea na mídia de uma dada empresa, o que se tem é publicidade. b) Promoção de vendas Pode ser entendida como um conjunto de ações de incentivo que objetivam o estímulo para uma compra rápida por parte dos consumidores. Em alguns casos, algumas propostas são reguladas e necessitam de aprovação de entidades, como a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria - SECAP, quando há a decisão de estruturar concursos e outros processos que envolvam sorte. c) Eventos e experiências Atividades patrocinadas por uma ou mais empresas para promover experiências de consumo com suas marcas, produtos e serviços. Em geral, ações dessa natureza têm relação com shows, festivais de música, exposições de arte e outros formatos de entretenimento. d) Marketing direto Definido como o uso de ferramentas de comunicação para realizar uma transação mensurável ou estabelecer relacionamento junto a determinado público. A sua utilização baseia-se no uso de listas segmentadas – por nomes, endereços, e-mails ou telefones – para enviar mensagens e, consequentemente, registrar as interações em um banco de dados (Abemd, 2020). e) Relações públicas Compreendem uma série de esforços de comunicação para promoção e resguardo da imagem de determinada empresa, considerando a necessidade e a percepção de cada um dos seus públicos de interesse. Nesse caso, estaria alinhado com a ideia de publicidade proposta por Kotler e Armstrong (2017). f) Boca a boca Esse formato pressupõe o uso das redes sociais, digitais ou não, para a propagação de mensagens. Geralmente, o início das conversas parte de uma ação promocional realizada pela empresa, de maneira que cause impacto e, consequentemente, vire assunto. 21 g) Venda pessoal A venda pessoal tem por base a interação entre o vendedor e o cliente que ocorre, normalmente, em formato presencial. Nesse tipo de abordagem, há um risco grande de fracasso quando não há o devido treinamento de equipe e alinhamento das premissas que devem ser consideradas no processo de vendas. h) Marketing digital Pode ser compreendido como a aplicação da internet e tecnologias digitais relacionadas em conjunção com os tradicionais esforços de comunicação para atingir os objetivos de marketing. Em função de uma dinâmica acelerada, é importante ter em mente que os processos de comunicação de marketing devem ser integrados ao máximo, de forma que aproveitem o potencial virótico existente no ecossistema digital. Comunicação integrada de marketing O ambiente de marketing vem, constantemente, sofrendo alterações em sua dinâmica e, por isso, os gestores devem estar atentos para os ganhos e a manutenção de vantagem competitiva, o aumento de market share, a maior lucratividade e a relevância para suas marcas. Nesse cenário, os desafios vindos pelas crises econômica, as questões negativas de ordem política, o aumento de custos operacionais, além da ineficiência de algumas mídias tradicionalmente previstas nos planos de marketing vêm exigindo alternativas para o gerenciamento dos esforços de comunicação de valor. O profissional de marketing deve ter em mente que é importante utilizar abordagens que sejam diretas e muito bem-direcionadas para seu público-alvo, de maneira que a mensagem seja entregue ao menor custo possível, de maneira mais relevante para que ocorra a valorização da marca e, consequentemente, incremento de vendas. Como resposta a esses desafios, as empresas necessitam de estratégias de maior integração de suas práticas para, como uma única e consistente mensagem, ganhar força e alcançar seus objetivos de negócio. A comunicação de marketing tem por objetivo a disseminação de alguma mensagem para a organização, de maneira que resultado seja uma percepção positiva por parte do público impactado. Para isso, o gestor de comunicação e marketing deve ficar atento para a consistência da mensagem transmitida pelos canais de mídia selecionados para a campanha, o que significa dizer que é mandatório o alinhamento desde o desenho da estratégia até a veiculação das peças de comunicação. Aparentemente, a ideia soa como óbvia, no entanto, em muitos casos, há grande dissonância entre o que é veiculado ao longo das atividades de comunicação da organização. O motivo para esse formato de trabalho pode ter relação com a falta de estrutura interna e aderência ao modelo de uma comunicação mais integrada. 22 Para tratar especificamente da comunicação mercadológica, ou seja, a que é dirigida ao mercado consumidor, a empresa contrata, normalmente, uma agência de publicidade para a criação de propagandas, outra para o trabalho de marketing digital, um parceiro para a realização de eventos e outro para a produção de peças impressas. Sem dúvida, com a quantidade de parceiros contratados e a falta de alinhamento interno, a chance de ocorrer algum tipo de ruído na emissão e percepção de uma mensagem clara é considerável. Completando o cenário, há ainda as atividades de comunicação institucional, as quais pressupõem o estabelecimento de diálogo com outros públicos de interesse da organização, que não o mercado consumidor, para a construção de uma imagem positiva. Nesse caso, relatórios gerenciais distribuídos pela empresa, comunicados para os acionistas, notas para a imprensa e documentos para relacionamento com instituições governamentais, por exemplo, acabam sendo elaborados por gestores que não os responsáveis por outras frentes de comunicação. Note que, em uma situação de descentralização das práticas de comunicação como essa, dificilmente a organização conseguiria assegurar a devida comunicação de valor, gerando percepções diferentes de sua marca e propósito. Para que isso não ocorra, o gestor deve coordenar os elementos do mix promocional com os outros do composto de marketing para todos possuam uma única voz, significado e consequente imagem. Para isso, esse processo deve considerar uma série de premissas para que se obtenha uma maior chance de sucesso. São elas: a) Foco no consumidor Pode-se definir os públicos de interesse, ou stakeholders, como todos os agentes que afetam ou são afetados pelas atividades de uma empresa e que, nesse sentido, tem demandas diferentes para cada situação. O foco no consumidor, um dos públicos da empresa, tem relação com a sua necessidade de informação, o que deve ser a base para a criação da mensagem e seleção do canal de mídia para veiculação do conteúdo. Seria uma abordagem de "fora para dentro", partindo das necessidades consumidor, e não de "dentro para fora", coma mídia sendo decidida por questões comerciais. Como exemplo, a Nestlé, hipoteticamente, produz cobertura de chocolate em pó que usada para fazer bolos caseiros. Durante o processo de pesquisa e planejamento de comunicação, percebeu que seu público é muito influenciado por um influenciador digital e uma página no Facebook sobre gastronomia. Até pouco tempo, possivelmente, a escolha óbvia do gestor seria a compra de espaço publicitário no intervalo de programas de culinária na TV, seja aberta ou fechada, para veiculação de anúncios sobre o produto, dando menos importância para o canal digital. No entanto, pela premissa do foco no consumidor, o gestor deve considerar o crescente consumo de mídias digitais e aumento de sua importância na vida das pessoas para, dessa forma, decidir a mídia a ser utilizada que, nesse caso, seriam as digitais. 23 b) Uso de pontos de contato relevantes A premissa aqui é a da escolha do ponto de contato pela relevância e pertinência com a situação, e não por vantagens comerciais ou de outras naturezas. Em certos casos, ainda que algum tipo de mídia esteja na moda, como as digitais, a melhor forma de entrar em contato com o consumidor é por meio de um panfleto, jornal ou mesmo TV. Quanto melhor for a compreensão da realidade do consumidor e seus hábitos de consumo de mídia, melhor será a proposta para o desenvolvimento de uma plataforma 360º de comunicação de marketing. Nesse caso, é de extrema importância que os gestores tenham conhecimento da jornada do consumidor e, a partir disso, estabeleçam pontos de contato ao longo do percurso. Se é sabido que o consumidor, por exemplo, tem hábito de leitura do jornal pela manhã, escuta rádio no caminho para o trabalho e acessa as mídias sociais na parte da tarde, o ideal é ter anúncios e conteúdo relevante para cada momento mapeado. c) Falar uma única voz Um dos princípios da comunicação integrada de marketing é o de que a empresa deve falar uma única voz, transmitir uma mensagem coerente e alinhada. A coordenação da mensagem e mídias é crítica para o alcance do sucesso, uma vez que, visto que há um componente de ruído e decodificação no processo de comunicação, a contradição e incoerência podem ser uma realidade aos olhos e ouvidos de quem é impactado pelas mensagens. Aqui, a peça fundamental para a construção de robustez e coerência é o posicionamento, que, como mostrado por Ries e Trout (1989), pode ser conceituado como o espaço que uma marca ocupa na mente do seu público. Como exemplo, a Eletronuclear declara: "A Eletronuclear será o protagonista na expansão da gerac ̧ão nucleoelétrica no Brasil, atuando de forma independente ou em parceria com outras empresas, contribuindo para a conquista da liderança global em energia limpa e segura pelo sistema Eletrobras." (Eletronuclear, 2017). d) Construção de relacionamentos Projetos de comunicação de marketing de sucesso necessitam que sejam estabelecidos algum tipo de relacionamento entre consumidores e empresas, de forma que ocorra a repetição de compra, fidelização e consequente relação de advocacia da marca em questão. Diversas são as possibilidades de projetos que têm como natureza potencializar laços afetivos entre as partes, como programas de fidelidade de cartões de crédito. Outra forma de estabelecer vínculos com o consumidor é a criação de experiências de marca que sejam memoráveis, como a ação Real Test Ride para a Harley-Davison. Nela, um consumidor interessado na compra de uma das motos faz um test drive e, no meio do caminho, surgem harleyros que o acompanham, simulando o clássico estilo de andar em grupo do Harley Owner's Group (HOG). 24 e) Foco em influenciar o comportamento O objetivo da comunicação integrada de marketing é influenciar o comportamento de determinada audiência, o que significa dizer que deve ir além de gerar o simples reconhecimento de uma marca e potencializar atitudes favoráveis a ela. Em resumo, objetiva-se fazer com que as pessoas partam para a ação, como realizar uma experimentação ou compra. Como exemplo, é comum encontrar anúncios publicitários com expressões como o "compre já", "faça sua inscrição" ou mesmo, por uma via mais aspiracional, com o "seja". Um bom exemplo dessa prática pode ser encontrado nos anúncios do varejo. Nas campanhas veiculadas por empresas como Casas Bahia e Ricardo Eletro, é comum um texto apresentando os produtos em oferta, suas características, preço com desconto, condições de pagamento e entrega. Em geral, ao final do anúncio, há o estímulo para uma ação de compra. É mandatório ter em mente que cada projeto pressupõe um conjunto de ferramentas a ser definido – digitais ou não. Além disso, é fundamental que a decisão sobre o tipo de ferramenta e estratégia de veiculação leve em consideração as diferentes naturezas de mídia, como a proprietária (site institucional, jornal interno), a paga (mídia on-line, anúncios em revistas impressas e rádio, outdoor), a conquistada (um post sem pagamento feito por um influenciador digital, matéria espontânea no jornal, boca a boca entre amigos) e a compartilhada (as mídias sociais, como a página no Facebook e Instagram). A figura 9 ilustra a proposta. 25 Figura 9 – Naturezas de mídia Fonte: Adaptado de Dietrich (2015). A partir da integração dos canais de comunicação, a mensagem transmitida ganha mais força e o posicionamento objetivado tende a ser mais consistente na mente do público. Ou seja, uma vez que todo o modelo de integração esteja operando de forma plena, a empresa ganha autoridade e poder de influência no contexto em que está inserida. Neste módulo, serão apresentadas as relações do comportamento do consumidor com as práticas de comunicação de marketing, as premissas mais relevantes para a experiência do consumidor e os exemplos das respostas afetivas geradas pelos estímulos comunicacionais em campanhas publicitárias. Também serão abordados os impactos dessas atividades na percepção das marcas e respectiva construção de valor por parte do público, finalizando com as possíveis ferramentas off-line e on-line disponíveis no mercado. Público-alvo e persona do consumidor Independentemente do tipo de mercado, consumidores diferem em necessidades, desejos, localização, atitudes e práticas de consumo como um todo. Por meio da segmentação de marketing, é possível dividir grandes mercados em partes menores que podem ser alcançadas de maneira mais eficiente com ofertas alinhadas às suas questões. Não há uma única maneira de segmentar um mercado e, por isso, o gestor deve ter atenção para selecionar as variáveis mais adequadas a seu contexto para promover o valor criado. De maneira clássica, quatro são os tipos de segmentação utilizados para definição do mercado-alvo – geográfica, demográfica, comportamental e psicográfica. A geográfica trata da divisão em unidades localizadas em determinada região, como país, estado e cidades. Em casos como esse, é comum que a comunicação explore alguma característica do local, como um ponto turístico. Já na demográfica, o público é definido com base em idade, sexo, renda, geração, nível educacional e outros critérios dessa natureza. Fazendo um paralelo com a comunicação, podem ser mencionados anúncios que declaram a idade adequada para a utilização de um produto, como um creme antirrugas. MÓDULO II – EXPERIÊNCIA DO CONSUMIDOR: MARCAS E CONSTRUÇÃO DE VALOR 28 A comportamental tem relação com as atitudes e os comportamentos de um grupo de consumidores com as funções de uma oferta. Na comunicação de produtos que tenham esse perfil de segmentação, são encontradas mensagens que reforçam atributos e benefícios por sua utilização, como no caso de smartwatch para controle de atividades físicas. Por fim, a psicográfica possui relação com estilo de vida e personalidadedos indivíduos. Em um mesmo grupo segmentado de maneira demográfica, por exemplo, pessoas podem ter diferentes visões de mundo e hábitos de consumo, o que pressupõe a necessidade de tratamento específico. Em campanhas de comunicação da Harley-Davidson, por exemplo, claramente, o que se observa são valores como liberdade, rebeldia e tradição como base para o estilo de vida dos consumidores da marca. Quando se define o público-alvo de uma campanha de comunicação de marketing, por diversas vezes, surgem questões relacionadas às reais características desse público e seus desejos. Comumente, mas não de maneira ideal, alguns gestores assumem a segmentação demográfica como base para suas campanhas, o que pode acabar sendo limitador do ponto de vista criativo e, consequentemente, de resultados. Uma das diversas formas de chegar às respostas dos questionamentos nesse momento é a utilização de um recurso conhecido como Mapa de Empatia. Criada pela empresa Xplane, a ferramenta auxilia no desenho de públicos, tendo suas perspectivas de vida, visão de mundo e comportamentos como fundamentos para trabalhar a segmentação e comunicação de ofertas. A figura 10 ilustra a proposta. Figura 10 – Mapa de empatia Fonte: Adaptado de Xplane (2021). 29 Composto de seis dimensões, o mapa pode ser preenchido com respostas curtas e objetivas para cada pergunta, conforme sugerido na sequência, assumindo o consumidor fictício João e a compra de um MBA como exemplo. O que ele vê: � os amigos avançando na vida, tendo sucesso em suas carreiras; � um mundo cada vez mais complexo e � um alto desenvolvimento tecnológico impulsionando a sociedade. O que ele pensa e sente: � sente necessidade de ter mais qualidade de vida do que a geração de seus pais; � tem interesse em fazer coaching e � sente que falta conhecimento para chegar onde deseja. O que ele fala e faz: � fala sempre sobre seus projetos de vida; � tenta equilibrar seu trabalho com a prática de um esporte e � faz economias mensais para viabilizar sua formação. O que ele escuta: � parentes mais velhos preocupados com a situação do País; � pessimismo de amigos que perderam o emprego e estão com medo de investir em algo, e � marcas que tenham propósito e que estejam alinhadas com os seus. Quais são suas dores: � tem medo de falhar e não ter sucesso; � acredita que seu salário não esteja compatível com o mercado e � arrepende-se de não ter feito a graduação com mais empenho. Quais são seus ganhos: � tem o grande sonho de virar CMO de uma multinacional; � almeja proporcionar qualidade de vida para sua família e � faz parte de um grupo de estudos sobre Marketing e Marketing Digital no Facebook. O preenchimento do mapa pode ser feito em texto corrido, como no exemplo dado, ou utilizando post-its em uma folha impressa grande. Com relação às respostas, é importante ressaltar que não há certo ou errado, mas aspectos relevantes. É necessário que as declarações façam sentido para os gestores e o público em questão, o que significa dizer que mais de uma proposta de mapa pode ser elaborada. 30 Após a seleção do Mapa de Empatia que mais se adequa ao caso, deve-se proceder para a criação de uma persona. Conceito popularizado por Cooper et al. (2014), uma das principais referências sobre o tema, a ferramenta deve funcionar como uma representação abstrata do público almejado, baseando-se em atitudes, comportamentos, desejos e questões dentro de um determinado contexto. Idealmente, a persona tem a função de contribuir para o processo criativo por meio de uma narrativa que envolve a situação de compra ou o uso da oferta em questão. Deve ser uma breve história, mas rica em características que contribuam com insights da equipe de planejamento e criação da comunicação. Dando sequência ao Mapa de Empatia desenvolvido para o João e sua busca por avançar na carreira, é apresentada sua possível persona. Vejamos: João tem 27 anos, está noivo e ainda não tem filhos. É formado em administração de empresas, ocupa o cargo de analista pleno em uma empresa de grande porte e sua noiva é fisioterapeuta. Morador do Rio de Janeiro, torce para o Fluminense, ainda que não acompanhe campeonatos de futebol. Sempre que pode, vai até a sede do clube para fazer musculação e natação. Preocupado com sua vida social, mesmo que trabalhe até um pouco além do horário, faz questão de estar com os amigos e tomar algumas cervejas enquanto bate um papo sobre a vida. Em casa, divide as atividades de limpeza, organização e pagamento de despesas com seus familiares, além de gostar de cozinhar com sua noiva. É do tipo que tenta se destacar para os amigos, e vice-versa, seja com o carro novo, com leituras e viagens. Gosta de uma comparação e leve competição. No trabalho, é responsável por atividades sensíveis do negócio, tendo sempre a supervisão de gerentes e diretores. Ainda que a empresa mantenha uma estrutura hierárquica tradicional, vem buscando atualizações e renovação de suas práticas, sendo muitas delas influenciadas pelas novas tecnologias, como as mídias sociais e a inteligência artificial. Sente que poderia ir além, mas faltam competências adequadas. Acredita que a única forma de conseguir a vida que deseja é trabalhando e se aperfeiçoando constantemente. Também sabe que a marca e tradição da instituição de ensino faz diferença na formação do profissional e, sem dúvida, em processos seletivos. Há algum tempo, vem escutando a crescente prática de coaching no mercado e tem interesse na proposta para alavancar ainda mais sua carreira e seus projetos de vida. A persona aqui exemplificada é repleta de aspectos simbólicos da vida do João, além de apontar algumas oportunidades para geração de valor na sua vida. Retomando os possíveis tipos de segmentação, essa ferramenta estaria próxima do que pretende pela psicográfica, estabelecendo valores, características subjetivas e estilo de vida. A partir desse processo, sem dúvida, o planejamento de comunicação de marketing se torna mais rico, criativo e com mais chances de sucesso. 31 Experiência do consumidor e comunicação O gestor de comunicação e marketing, em função do cenário mapeado e questão identificada, precisa estabelecer os meios mais relevantes para a veiculação das mensagens de suas marcas. Para isso, primeiramente, é importante que considere duas naturezas dos canais de comunicação: a pessoal e outra impessoal (Kotler & Armstrong, 2017). Nos de natureza pessoal, duas ou mais pessoas comunicam-se, diretamente, umas com as outras por meio de plataformas como telefone, e-mail, mala direta, aplicativos de mensagens de texto – SMS ou Whatsapp – e, claro, encontros presenciais. Esse tipo de canal é interessante pela possibilidade de uma resposta imediata de maneira pessoal e personalizada. Em alguns casos, uma organização pode ter o controle do canal, como em uma interação por telefone entre um profissional de vendas da indústria farmacêutica e o médico. Em outros casos, a empresa pode não ter controle ou mesmo influência direta no que é produzido por determinadas pessoas impactadas pelas atividades por suas atividades. De maneira muito frequente nos dias de hoje, é possível exemplificar essa situação pelo trabalho dos influenciadores digitais e suas plataformas de comunicação na internet. Diversos são os blogs, as páginas no Facebook e os perfis no Instagram que, pautados pelo boca a boca, possuem um considerável efeito na percepção da audiência que consome seus conteúdos, como o canal Coisas de Orlando. De acordo com o descritivo em suas páginas, o objetivo é a discussão e troca de experiências sobre viagens para, principalmente, os parques da Disney e Universal Studios em Orlando. Tanto no grupo do Facebook quanto na página, percebe-se o movimento de influência que permeia todaa comunidade, seja em posts sobre dúvidas de roteiro, estabelecimentos para comer ou carros para um grande grupo de viajantes. Claramente, ainda que estimulados pelos administradores da comunidade, são pares trocando informações sobre um objeto de consumo sem que as empresas estejam, diretamente, influenciando suas interações, mas que, como resultado, geram compras de ingressos e produtos. Levando em consideração a outra natureza dos canais de comunicação, o que se tem por impessoal relaciona-se com a distribuição de mensagens sem pessoalidade ou contato direto. Comumente, os canais que possuem essa característica são as mídias ditas tradicionais, considerando as impressas – como o jornal e as revistas –, as de comunicação de massa – como a TV e o rádio –, os painéis – como outdoor e front-light – e as on-line, como o site institucional. Ainda há a possibilidade de o gestor trabalhar com a ambientação para criar experiências que reforcem os atributos desejáveis para as marcas, como segurança, confiabilidade e transparência, no caso de um escritório de advocacia ou banco, por exemplo. O mesmo efeito pode ser desejado na criação de um evento para lançamento de um novo produto. 32 Como exemplo, considere, hipoteticamente, que a empresa Danone planejou lançar uma nova versão da água mineral Evian no mercado brasileiro e, para isso, selecionou canais de comunicação impessoal para um primeiro momento. Visto que a escolha contemplou inserções na TV, no rádio e nos painéis de LED espalhados pelas cidades para comunicar seus principais atributos pode-se dizer que a mensagem foi distribuída, ao mesmo tempo, para um grande número de pessoas, sem um direcionamento pessoal e mais personalizado. Muito mais do que criar uma tipologia de naturezas de canais de comunicação, é importante que seja compreendido o tipo de efeito gerado pela utilização de cada canal. É possível que, em alguns casos, uma mesma mídia possa ser utilizada de maneira mais ou menos pessoal, como anúncios baseados no histórico de buscas do indivíduo ou publicações genéricas em sites de notícias. Aqui, cabe apontar para o proposto por McLuhan (1964) quando sugeriu que o meio é a mensagem. Para o autor, os canais pelos quais a mensagem circula são determinantes, uma vez que os conteúdos são adaptados em função dos meios que os veiculam. O meio é a mensagem porque é o meio o responsável por modelar e controlar a escala, bem como o formato de associações e trabalho humanos. Avançando um pouco mais na discussão, a mensagem, em conjunto com a necessidade do público-alvo e os objetivos da empresa, deve ser pensada a partir de uma lógica que, de maneira clássica, pode ter uma relação inicial com uma jornada de consumo. Conforme apontado por Solomon (2017), tradicionalmente, os gestores de marketing partem de três possibilidades para tratar o comportamento de seus consumidores, sendo a tomada de decisão cognitiva a primeira delas. 33 Por essa perspectiva, as pessoas organizam o máximo de informações possíveis para que, cuidadosamente, analisem as vantagens e desvantagens de determinada oferta para que, de fato, ocorra a compra. Cada uma dessas etapas possui dinâmica própria e pode ser melhor compreendida a partir da figura 11. Nela, há um exemplo sobre a compra de um aparelho de TV. Figura 11 – Etapas da tomada de decisão do consumidor Fonte: Adaptado de Solomon (2017). 34 No primeiro estágio, o de reconhecimento do problema, o consumidor experimenta uma diferença significativa entre o estado atual e o desejado. Por essa perspectiva, o problema pode surgir pela identificação de uma oportunidade, ou seja, mesmo que o estado real não seja um problema, há uma possibilidade de melhora significativa. Ou, ainda, pela identificação da necessidade que é fundamentada pelo estado real abaixo do aceitável do que se espera do ideal, como no caso da compra do João. Visto que a imagem para jogar estava abaixo do aceitável, emergiu a questão de uma nova TV para seu videogame. Na segunda etapa, a da busca por informações, o indivíduo pesquisa pelo maior número de informações possíveis para uma melhor decisão. Esse processo pode ser realizado a partir de uma pesquisa interna, tendo a memória como fonte de informações, e, principalmente, por pesquisas externas, mesmo que o consumidor tenha conhecimento sobre o mercado. Nesse caso, recorre-se a amigos próximos, parentes, sites, blogs e outras fontes. Grande parte do esforço de escolha do que será comprado depende do processo de avaliação das alternativas disponíveis, sendo essa a terceira fase. Nesse ponto, é de extrema importância considerar os critérios de avaliação que podem ser definidos como dimensões utilizadas para estabelecer juízo de valor dada uma determinada quantidade de possibilidades de ofertas concorrentes. Ao comparar alternativas, o consumidor pode considerar atributos mais funcionais, como reconhecimento de voz da TV, ou mesmo mais experienciais, como a quantidade de pixels presentes na tela para melhorar a resolução da imagem. Após a seleção e avaliação de opções relevantes para a solução do problema, o consumidor acaba escolhendo comprar uma oferta. Nesse momento, é importante ter em mente que a decisão já foi tomada e que o nível de expectativa para a solução do desiquilíbrio entre o estado real e ideal é alta. Ou seja, o sucesso desse processo depende, diretamente, da satisfação do consumidor. Estimulado pela comunicação e experiência de consumo, o consumidor entende ter sua questão resolvida de alguma forma. Aqui, cabe um ponto de atenção: a mensagem publicitária presente nas peças de comunicação não deve, exclusivamente ou obrigatoriamente, ter relação com "qualidade do produto", já que é um conceito relativo. Nem todas as pessoas têm as mesmas preferências, hábitos de consumo ou níveis de exigência para que se estabeleça, de maneira geral, que todos consomem pelas mesmas bases. Além disso, os consumidores não compram, necessariamente, determinadas ofertas pelo que de qualidade possuem, mas por significados evocados ao longo do processo de consumo. Dessa forma, tendo em vista a última etapa desse processo, a avaliação pós-compra, é possível afirmar que a comunicação do valor proposto será um determinante para a experiência e satisfação do consumidor, fazendo com que o desiquilíbrio entre o estado real e ideal seja cada vez menor. Avançando, tendo o fluxo de decisão de compra proposto, deve-se levar em consideração que as ações de comunicação têm a função de promover a passagem de um estágio para o seguinte. Elas precisam comunicar as informações corretas e alinhadas com o momento do indivíduo na busca por uma solução. Retomando o exemplo da compra de uma TV, a fabricante Sony poderia ter estruturado seus pontos de contato pela jornada do consumidor, conforme mostrado pela figura 12. 35 Figura 12 – Etapas da tomada de decisão do consumidor Fonte: Adaptado de Solomon (2017). Como segunda possibilidade para trabalhar com o comportamento do consumidor e as práticas de comunicação de marketing, devem ser consideradas as tomadas de decisão habitual. Em alguns casos, compras são realizadas de maneira automática, sem grande esforço de planejamento ou mesmo questionamentos. A tomada de decisão habitual tem diversas possibilidades para ser estudada, mas grande parte dos executivos de marketing tem interesse nas pesquisas que tratam de preativação (priming). Como mostrado por Fitzsimons, Chartrand e Fitzsimons (2008), o conceito pode ser entendido como um 36 estímulo, uma sugestão no ambiente em que acontecerá a disponibilização de uma oferta ou mesmo seu consumo, sem que sua influência seja perceptível. Para testar as hipóteses de elementos influenciando no comportamento das pessoas, foram realizados experimentos nos quais grupos foramexpostos, ou preativados, de maneira breve e sutil por meio da exibição do logotipo da Apple e da IBM. A exposição à primeira marca fez com que os participantes agissem de maneira mais criativa e inovadora nas atividades propostas, sendo essas características evocadas pelas comunicações da marca. Já os impactados pelo da IBM, agiram de maneira mais conservadora, conformada e responsável. Os resultados da pesquisa mostram que, ainda que brevemente estimulados, as pessoas podem mudar de atitude e comportamento, assumindo, em muitos casos, os valores da marca que realizou o estímulo. Levando-se em consideração a resposta dos indivíduos aos estímulos realizados, como a simples exposição de um logotipo, é possível prever que a inserção e distribuição de elementos do universo semântico da marca em questão promova reações favoráveis ao consumo. Há de se considerar, nesse sentido, a utilização de lojas próprias não somente como um ponto de comercialização de ofertas. Assumindo um melhor desenho de experiências de consumo, as empresas recorrem a modelos de lojas conceito, ou flagship stores, nas quais é possível promover a ativação de significados relevantes para a marca de maneira intensa e minimamente controlada. Em geral, o projeto é elaborado prevendo iluminação, música, cheiro, texturas, organização espacial e atendimento personalizados, de forma que a sensação de bem-estar e conexão com a marca seja uma constante. No Brasil, empresas de moda como Farm, Cantão e Reserva possuem alguns pontos de vendas especialmente construídos para promover esse tipo de experiência e comunicar sua proposta de valor. A loja física como ferramenta de comunicação de marketing, ainda que inicialmente associada ao P de praça, é de extrema importância para a positiva experiência de consumo e, consequentemente, maior lucratividade das organizações. Note que, pela simples exposição de um elemento gráfico pertencente a uma marca, já foi possível alterar o comportamento dos indivíduos participantes do estudo. Sem dúvida, em um ambiente planejado, pautado pela ativação de sensações positivas e pertinentes para a empresa e consumidores, as chances de sucesso são ainda maiores. Ainda pela perspectiva das compras por hábito, há o que chamamos de heurística ou atalhos mentais, que pode ser concebido como um conjunto de regras mentais que reduzem o esforço cognitivo e emocional, em certo ponto, no momento da compra. Em alguns casos, por exemplo, tem-se que produtos de maior preço possuem melhor qualidade, sendo essa uma situação construída, basicamente, por um contexto comunicacional, já que a percepção de valor é relativa. Outro exemplo seria a compra repetida de um mesmo produto sem qualquer questionamento, já que foi o adquirido da última vez, ou a decisão de deixar de comprar 37 determinada marca por conta de uma experiência negativa pontual relatada por um amigo, desconsiderando todo um possível histórico positivo da mesma marca no mercado. Com o objetivo de ilustrar algumas crenças no mercado e respectivo impacto nas práticas de comunicação de marketing e comportamento do consumidor, de maneira não exaustiva, seguem heurísticas predominantes: a) Covariação A covariação tem relação com a associação feita que entre eventos que podem ou não influenciar diretamente outros, como na compra de um carro, por exemplo. Ao anunciar um modelo seminovo, o vendedor produz fotos após a limpeza, polimento e eventuais reparos, de maneira que o consumidor relacione, positivamente, a figura visualizada com a performance do carro. Ainda que não possuam relação direta, ou seja, a imagem de um carro perfeito por fora, mas não necessariamente por dentro, comunica de certa forma segurança na compra. Aqui, por esse conceito, pode-se apontar para a importância da imagem utilizada na comunicação, seja um modelo fotográfico ou mesmo embalagem, como forma de assegurar maior sensação de segurança e satisfação do consumidor. b) País de origem Em muitos casos, determinados produtos são reconhecidos pela origem da fabricação, por exemplo, sapatos italianos, vodkas russas e carros japoneses. O Vale do Silício – região da Califórnia considerada o polo de tecnologia mais inovador e importante do mundo – é constantemente explorado nas comunicações de empresas sediadas no local, como a Apple. Nos produtos fabricados pela marca, encontra-se a assinatura "Designed by Apple in California" na parte traseira, criando uma conexão simbólica entre o produto e o lugar em que foi concebido. Desde a década de 1980, estudos mostram que a utilização do local de origem como elemento da comunicação de marketing possui impacto na percepção, na atitude e no comportamento dos consumidores, conforme reforçado na pesquisa de Kim e Park (2017) quando analisam a influência da inserção do país de origem no processo decisório dos consumidores. c) Nomes de marcas familiares Comumente, o consumidor tende a optar por marcas que já façam parte do seu repertório de compra no momento em que estão, por exemplo, no supermercado. No entanto, ao se deparar com a ausência de uma marca no ponto de venda, acaba optando por uma outra de maior lembrança ou de nome mais familiar, o que pressupõe a necessidade de investimentos em comunicação em veículos de massa associados com ações de merchandising para reforçar o conhecimento de um produto. Em geral, quando a compra não é do produto de maior participação no mercado, acaba sendo pelo segundo ou terceiro lugar, desde que haja o correto estímulo de comunicação no momento da escolha pela oferta. 38 No quadro 3 a seguir, são apresentadas algumas crenças, suas relações com a comunicação de marketing e o comportamento do consumidor. Quadro 3 – Crenças do mercado origem crença implicações na comunicação de marketing marca Todas as marcas são a mesma coisa. As empresas buscam comunicar posicionamentos únicos e diferenciais competitivos em suas campanhas. Os produtos genéricos ou de marca própria são os mesmos, mas com rótulos diferentes e com preços mais baixos. Há um esforço do gestor de marketing para delimitar e comunicar, claramente, os atributos e benefícios de cada oferta trabalhada, de modo a evitar confusões no processo decisório. As melhores marcas são as mais compradas. A noção de melhor ou pior é relativa, já que está associada com a percepção de qualidade dos consumidores e pode ser influenciada pela comunicação. loja A qualidade dos produtos é reflexo da vitrine. Eventualmente, o gestor pode investir uma grande quantidade de verba na construção de vitrines, mas não atentar para a qualidade do produto (covariação). Lojas maiores oferecem preços mais competitivos do que menores. A comunicação de preços na TV, por exemplo, possui restrições e diretrizes legais para assegurar os direitos do consumidor, de maneira que não seja enganado. Em alguns casos, grandes varejistas podem ter preços menores, mas nem sempre é a regra. Lojas locais oferecem um melhor atendimento. É comum encontrar o atributo "atendimento personalizado" em mensagens publicitárias para atrair o público. No entanto, uma loja maior não terá, necessariamente, uma prestação de serviço ruim. 39 origem crença implicações na comunicação de marketing preços e descontos preços e descontos Normalmente, as liquidações são feitas para mercadorias de baixa rotatividade. Em geral, é comum encontrar itens de maior rotatividade sendo anunciados como forma de atrair o consumidor para a loja e, uma vez iniciado o processo de compra, estimulado a levar outra oferta de menor saída. A Black Friday é uma ótima oportunidade de comprar produtos com grandes descontos. Como mostrado pelo Buscapé e sua ferramenta de acompanhamento de preços, alguns produtos sofremaumentos ao longo do ano para, no evento da Black Friday, serem vendidos pelo valor original. Esse é um ótimo exemplo da comunicação atuando como modeladora da percepção do consumidor. produtos e embalagem Produtos em embalagem maior são proporcionalmente mais baratos em unidade do que menores. É comum encontrar etiquetas e materiais de ponto de venda comunicando a vantagem da compra de uma embalagem maior. Lançamentos são mais caros e, depois, diminuem de valor com o passar do tempo. A alteração de preços está relacionada à política de precificação da oferta e é constantemente explorada pela comunicação. No entanto, alguns itens, como os de luxo, quando têm o preço reduzido, perdem a percepção de valor. Produtos novos são mais suscetíveis a defeitos. Na comunicação de carros, por exemplo, podem ser encontradas informações que reforçam a ideia de segurança e intenso teste para o pleno desenvolvimento do produto e colocação no mercado. Fonte: Adaptado de Solomon (2017). Como terceira e última abordagem que os gestores de marketing consideram para tratar do comportamento de seus consumidores, há a tomada de decisão afetiva. Por essa perspectiva, toma- se decisões tendo por base reações emocionais, e não pelo resultado de um processo de pensamento 40 racional e coerente. Em estudos de marketing, os pesquisadores denominam essas reações não processadas de afeto. Em campanhas publicitárias, constantemente, encontram-se mensagens de estímulo de mudança de ânimo ou para alguma outra resposta afetiva, como um riso após assistir ao filme veiculado na TV ou o pre-roll no Youtube. No Festival Internacional de Cannes 2019, uma das campanhas mais premiada, Do Black: The Carbon Limit Credit Card, foi a criada para a fintech sueca Doconomy, cujo objetivo era ajudar os consumidores a limitarem a sua emissão de dióxido de carbono por meio do consumo de produtos. Conforme noticiado, “usando um app, o cartão rastreia a pegada de carbono dos usuários em cada compra. Se o cliente exceder o limite (calculado de acordo com a quantia necessária para cada pessoa reduzir suas emissões de carbono em 50% até 2030), a compra é bloqueada e a transação não ocorre.” (ALVES, 2019). Em meio à narração de um profissional da área de segurança e transportes, é apresentado o Graham, um indivíduo com um corpo desforme capaz de sobreviver à uma tragédia automobilística, conduzindo a audiência para um estado de preocupação, espanto e desconforto com o que é exibido. Os sentimentos podem contribuir no processo de consumo tendo função de facilitar a ponderação entre escolhas pelos prós e contras de cada situação. Ou seja, caso uma determinada marca promova sensação de bem-estar no indivíduo, ela tende a ser escolhida, ainda que a oferta, do ponto de vista funcional, seja igual a um concorrente. Em partes, isso explica o motivo pelo qual se paga um preço mais elevado por um produto. Em outras palavras, o afeto positivo para com uma marca é fundamental para a manutenção da relevância na vida dos consumidores e, consequentemente, em seu repertório de compra. No estudo realizado por Molginer, Aaker e Kamvar (2012), foram observadas as consequências do estado de felicidade nos processos de seleção de ofertas. Os autores realizaram uma série de pesquisas para mostrar como a percepção e o estado de felicidade possuem influência no consumo, o que estaria em alinhamento com os esforços dos gestores de marketing quando utilizam esse mote em suas campanhas publicitárias. Um dos exemplos mais emblemáticos do uso da felicidade como tema foi o posicionamento global da Coca-Cola de 2009 até 2016, com o slogan “Abra a felicidade”. De acordo com Ricardo Fort, diretor de marketing da empresa no Brasil à época, a intenção da campanha foi reforçar a capacidade do ser humano de ser feliz independente do contexto, uma vez que o produto seja associado com nostalgia, lembranças positivas, infância e situações alegres. Já o afeto negativo, pautado pela aversão, pode ser uma herança para não consumir alimentos estragados, por exemplo. Ao longo do tempo, a simples imaginação ou cheiro gera uma reação automática no indivíduo, como franzir a testa, fechar o nariz com as mãos, tapar a boca e, eventualmente, colocar a língua para fora. Do ponto de vista cultural, o estimulo ao afeto negativo pode ser encontrado em campanhas contra o consumo de cigarros, por exemplo. O frequente esforço do governo vai desde a determinação de que os fabricantes devem exibir, na embalagem, 41 imagens das consequências dos usos do cigarro até a proibição de propagandas que incentivem seu consumo, conforme Lei Antifumo. Objetivando, de alguma forma, escapar da forte regulação imposta pelos governos, diversas marcas produtoras de cigarro vêm buscando a estruturação de campanhas de comunicação e divulgação de seus produtos de maneira alternativa. Visto que as mídias digitais são um novo território e em constante evolução, há pouca regulação ou mesmo controle sobre o que é publicado pela rede. Nesse sentido, é possível encontrar perfis de influenciadores digitais no Instagram, por exemplo, tentando estabelecer associações positivas com determinados produtos que já possuem, minimamente, do ponto de vista cultural, afeto negativo estabelecido. Comunicação e construção de marcas Ao longo do tempo, a marca assumiu perspectivas e funções diferentes nas práticas de gestão das empresas e na vida dos consumidores, podendo ser pensada a partir de três momentos de maior relevância: no primeiro, a marca atuando apenas como elemento de identificação do proprietário em transações comerciais e, para o consumidor, como origem de fabricação. No segundo momento, passou a ser recurso para proteção do valor patrimonial, ganhando, dessa forma, competência jurídica. E, por último, quando se torna item de diferenciação de ofertas presentes no mercado pela comunicação de significados e valores associados. À medida que a sociedade avança, a marca acompanha o contexto influenciado por questões políticas, econômicas e culturais, representando, em muitos casos, algo subjetivo e de extrema importância nas relações sociais. Desse modo, no atual contexto contemporâneo, a marca representa um conjunto de experiências carregadas de significados, o que, consequentemente, pressupõe atenção em seu gerenciamento. Avançando com a ideia de um viés mais subjetivo, a uma marca pode ser concebida como o resultado das atividades de marketing de uma empresa associada à reação dos consumidores a esses estímulos. Pela perspectiva do profissional responsável por seu gerenciamento, a marca faz parte de uma promessa, um pacto carregado de significados que deve permear todas as ações de marketing. Já pelo ponto de vista do público, é uma série de associações existentes em sua mente, sendo criadas, mantidas e potencializadas a cada encontro que se tem com ela. A exemplo, os comerciais de TV, as lojas próprias, a embalagem, o site institucional, o Facebook e outros pontos de contato são contextos de afirmação de significados e valores perpetuados pelas marcas. Conforme o tempo passa, experiências vão formatando associações, influenciando percepções e gerando uma rede associativa de significados em torno da marca, similares à dinâmica de um engrama. Conforme Schachter (1996) mostra, engramas são alterações transitórias ou permanentes no cérebro, sendo a consequência das codificações de uma experiência. Uma viagem para a Disney compreende um conjunto de estímulos sensoriais, como visual, sonoro ou olfativo, que, a partir 42 disso, ativam diferentes regiões do cérebro para analisar os vários aspectos de um mesmo evento. Consequentemente, os neurônios de diferentes áreas se conectam de maneira mais forte e esse novo arranjo de conexões estrutura a gravação que o cérebro faz do acontecimento,