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A Importância do Negro na Formação da Sociedade Brasileira

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A Importância do 
Negro na Formação 
da Sociedade 
Brasileira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
A importância do negro na sociedade brasileira é incomensurável. Todavia, o racismo e a falta de 
consideração com a população afrodescendente podem ser retratados em duas historietas verídicas, 
que servem de uma introdução ao tema. 
Nos anos 1930, o principal músico brasileiro era o fl autista Pixinguinha, autor do sucesso “Carinhoso”. 
Certa noite, ele foi convidado como principal nome em uma luxuosa recepção no Hotel Copacabana 
Palace. Todavia, impediram-no de entrar, pois era negro. Informando ao porteiro que iria trabalhar no 
hotel naquela noite, o mesmo deixou que ele entrasse. Todavia, teve de entrar pela cozinha e se sujou 
com as comidas que estavam sendo preparadas. Quando o dono do hotel, Guilherme Guinle, soube do 
que se passou, iria demitir o funcionário. Contudo, Pixinguinha pediu para que isso não ocorresse. Sabia 
o músico que o porteiro apenas cumpria ordens. E do episódio compôs outro grande sucesso musical: a 
música Lamentos. (CABRAL, 2000). 
Outra historieta ocorreu com Pelé, o Rei do Futebol e Atleta do Século. Ocupando a pasta de Ministro 
dos Esportes do Governo Fernando Henrique Cardoso, teve de conviver com um ministro que explanou 
uma piada em tom racista. Segundo o mesmo, o Brasil possuía três reis negros que respeitava: O rei 
Pelé, o rei café e o rei asfalto. Porém, Pelé (assim como Pixinguinha) perdoou o colega ministro, que se 
retratou publicamente pelo impropério dito. 
Estas historietas retratam o quanto de racismo existe em nossa sociedade. Racismo que os dispositivos 
legais punem como crime. Através da Lei Afonso Arinos de Mello Franco, de 1951, atitudes 
preconceituosas em relação às etnias são consideradas crime inafi ançável. Esta lei existe e é aplicada, 
porque infelizmente a presença do racismo é um triste dado da sociedade brasileira. Dado que se 
alimenta do profundo desconhecimento que a maior parcela da população tem em relação ao destaque 
dos negros para a formação do Brasil contemporâneo. 
A importância do negro na formação da sociedade brasileira é fundamental. O Brasil é, segundo dados 
do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística, de população majoritariamente parda, conforme o 
Censo 2010. As representações sociais no imaginário nacional a respeito do negro são em geral 
vinculadas às expressões culturais e esportivas, nas quais muitos negros obtiveram grande destaque. A 
música popular, em especial o samba, e o desporto, com amplo destaque ao futebol, são exemplos 
cotidianos de expressão negra. A poesia brasileira, com o grande simbolista Cruz e Sousa, o direito, com 
juristas como Luis da Gama e atualmente Joaquim Barbosa, ou mesmo as expressões de comando 
político, como o ex-governador gaúcho Alceu Collares, exemplifi cam lideranças afro-descendentes. 
Apesar de tantos talentos negros serem presentes na sociedade brasileira, o racismo ainda é uma 
mancha a ser retirada das mentalidades. Temos um cotidiano de muito preconceito, além de uma 
história de discriminação com a população negra que continuamente oferta sua contribuição para a vida 
nacional. Estas questões discriminatórias são os alvos maiores de combate de todos os que sonhamos 
com uma sociedade mais justa e igualitária. 
2 A ESCRAVIDÃO 
A associação do negro à História do Brasil se deu perante a escravidão. A escravidão como forma de 
exploração do trabalho existiu nas mais distintas sociedades. Na Antiguidade Clássica Greco-Romana 
existiram muitos escravos. Na Península Ibérica no fi m da Idade Média, durante o processo de expulsão 
dos árabes dos territórios espanhóis e portugueses, existiu uma escravidão dos prisioneiros de guerra. 
O primeiro relato sobre escravos negros capturados por portugueses data de 1444, quando, em uma 
expedição comandada pelo Infante D. Henrique, foram trazidos para Portugal negros da Guiné. Este fato 
foi relatado por Eanes Zuraro, cronista ofi cial da expansão portuguesa no século XV, autor dos livros 
Crônica da Tomada de Ceuta e Crônica dos Feitos da Guiné. “Como os relatos históricos demonstram, já 
havia uma importante soma de escravos negros em Portugal antes mesmo da viagem de Pedro Álvares 
Cabral em 22 de abril de 1500, ao atingir as terras de Santa Cruz” (RODRIGUES, 1965, p. 10). 
Assim como entre os indígenas, existem distintas nações entre os afrodescendentes. Dois grupos 
principais se destacaram: os “negros Minas” e os “negros de Angola”. A palavra mina era originária da 
Fortaleza de Al-Mina, existente no norte da África e composta por populações sudanesas. Estes grupos, 
em grande parte, eram de negros que seguiam a religião islâmica. Outro grupo, os Bantos, em geral 
eram os provenientes de Angola. Estes possuíam uma religião animista e foram responsáveis por muitos 
vocábulos africanos no cotidiano brasileiro, como banana e bunda. 
Um assunto de grande polêmica é o do modo como os escravos eram capturados. O mais provável é que 
os mesmos fossem prisioneiros das guerras entre as tribos africanas, trocados pelos comerciantes 
portugueses nasfeitorias litorâneas. Em geral, o escambo era por produtos como o tabaco e a cachaça 
(ALENCASTRO, 2000). Estes eram produzidos em regiões periféricas às culturas de exportação, como a 
cana-de-açúcar. O Recôncavo Baiano e regiões em Pernambuco eram comprovadamente áreas 
produtoras de fumo para o comércio de escravos na África. 
A função social dos negros escravos na sociedade colonial e imperial brasileira foi múltipla. Existiam os 
chamados “escravos de ganho”. Estes eram cativos urbanos, em geral empregados no comércio 
ambulante e que ao fi nal da jornada de trabalho deveriam entregar o dinheiro arrecadado para os seus 
senhores. Alguns escravos islamizados sudaneses possuíam grandes habilidades; artífi ces nos ofícios 
como o de ferreiro. Alguns negros foram utilizados como soldados do exército luso-brasileiro colonial. 
Henrique Dias talvez tenha sido o mais destacado soldado negro a compor os terços (parte da tropa) de 
infantaria do exército português na expulsão dos holandeses do Nordeste. Sendo as tropas negras 
posteriormente denominadas de Terços Henriquinos (RODRIGUES, 1964, p. 19-23). 
Nas Minas Gerais, durante o período do ouro, existiram dois exemplos emblemáticos de subversão à 
ordem escravista: Xica da Silva e Chico Rei. Xica da Silva foi a principal mulher do povoado de Tijuco, ao 
se casar com o Contratador de Diamantes. Chico Rei foi um escravo que na África era um nobre. Ao ser 
reduzido no Brasil à condição de cativo, conseguiu, ao juntar o pó de ouro, comprar sua alforria e 
também a de outros que viviam nos cativeiros. 
Estes exemplos de negros que ascenderam socialmente são casos minoritários na ordem escravocrata 
brasileira. Nesta, quem realmente possuía poder eram os Homens Bons, denominação da elite 
escravocrata reunida em torno das Câmaras Municipais. As vilas coloniais possuíam uma arquitetura 
que privilegiava o rito do açoite aos escravos. “As vilas em geral possuíam na praça principal a paróquia, 
a Câmara Municipal e no centro o pelourinho, no qual os escravos eram açoitados como símbolo 
máximo da punição e da exploração à qual eram submetidos” (HOLANDA, 1995, p. 95-108). 
A resistência da população negra escravizada é uma das mais belas páginas da história brasileira. Dentro 
dos diversos modos de resistência, o símbolo máximo das lutas dos negros por liberdade são 
indubitavelmente os quilombos. Estes eram agremiações de negros que fugiam das fazendas, se 
embrenhando no interior dos sertões. Nestes interiores eles puderam constituir uma vida social na qual 
não precisavam mais seguir as ordens dos senhores. Obviamente que existiam hierarquias internas 
dentro dos quilombos, porém os quilombolas poderiam viver em uma forma de organização social na 
qual a produção era de subsistência, ao contrário das grandes propriedadesmonocultoras. Os 
quilombos foram muitos no Brasil Colonial e nos tempos do Império. Porém, o símbolo máximo foi o 
Quilombo dos Palmares. 
O Quilombo dos Palmares se localizava no interior do Estado das Alagoas, na Serra da Barriga. Ele existiu 
durante o período denominado União Ibérica, no qual, por aproximadamente 70 anos, os portugueses 
foram dominados pelo monarca espanhol. Durante este período, boa parte da região Nordeste 
brasileira, em especial o Estado de Pernambuco, fi cou sob o domínio holandês. Neste períodose 
destacou a liderança de Zumbi, importante comandante militar a desafi ar os soldados luso-brasileiros. 
Palmares foi derrotada graças às ações militares dos Bandeirantes, que infl igiram uma fragorosa 
derrota aos quilombolas, após décadas nas quais os negros de Palmares foram invencíveis frente aos 
que desejavam novamente os transformar em escravos (CARNEIRO, 1966). 
A presença do negro na sociedade e a luta pelos direitos enquanto pessoa humana foram sempre 
pontos polêmicos desde o princípio do processo de formação da nação brasileira. A escravidão africana 
na América foi um tema polêmico no período colonial e do Império. Durante o período colonial o 
principal debate era teológico: seria cristã a atitude de ter escravos? Durante o Império o debate foi nos 
termos jurídicos: Seria justo um ser humano ser dono de outro? Durante a República, tivemos as lutas 
por direitos e cidadania das populações de afro-descendentes. 
3 O DEBATE TEOLÓGICO COLONIAL 
A Igreja Católica possuía, durante os anos do Brasil Colonial, uma importância social incomensurável. 
Isto porque as leis sociais mais importantes eram aquelas regidas pelos cânones de fé. As bases do 
poder eram ditadas pelos ritos católicos. Os direitos de cidadania eram apenas conferidos para os 
súditos católicos do rei português. Na América Portuguesa, o aceso à saúde era regido pelas Casas de 
Misericórdia (Hospital de Caridade). O acesso à educação era feito através dos conventos ou dos 
sacerdotes preceptores. O denominado Padroado Régio era o dispositivo legal responsável por 
transformar o rei lusitano como o representante do papa nas terras portuguesas. Pois a teologia 
auxiliava a legitimação da situação social de opressão que passavam os cativos. 
Esta relação de exploração era em grande parte corroborada pelos discursos dos padres nas igrejas. 
Existiam irmandades cristãs de negros escravos, sendo a mais importante a Irmandade do Rosário. O 
padre Antônio Vieira, em um de seus sermões, justifi ca a escravidão negra com as seguintes palavras de 
conforto para os cativos: 
De maneira, irmãos pretos, que o cativeiro que padeceis, por mais duro e áspero que seja ou vos pareça, 
não é cativeiro total ou de tudo o que sois, senão meio cativeiro. Sois cativos naquela metade exterior e 
mais vil de vós mesmos, que é o corpo; porém na outra metade interior e nobilíssima, que é a alma, 
principalmente no que a ela pertence, não sois cativos, mas livres (VIEIRA, 1959, p. 336) 
Também a Bíblia foi utilizada como argumento discursivo para os poucos padres que tiveram a coragem 
de se opor ao cativeiro negro. Lembravam estes sacerdotes o Livro de Jeremias no capítulo 34, no qual 
Deus teria afi rmado: “Que cada um despedisse forro o seu servo e cada um a sua serva, hebreu ou 
hebreia, de maneira que ninguém retivesse como escravos hebreus, seus irmãos” (Jeremias: 34:9). 
Assim, a escravidão de membros batizados do grêmio católico seria um pecado, passível de punição 
divina. Um padre que seguiu este raciocínio foi o sacerdote português Fernando Oliveira (1969, p. 64), 
que no livro A Arte da Guerra do Mar afi rmou: 
Tomar as terras, impedir a franqueza delas, cativar as pessoas daqueles que não blasfemaram Jesus 
Cristo, nem resistem à pregação de sua fé, quando com modéstia lha pregam, é manifesta tirania. [...] 
Nós fomos os inventores de tão mau trato, nunca usado entre humanos. Não se achará/ nem razão 
humana concite, que jamais houvesse no mundo trato público e livre de comprar e vender homens 
livres e pacífi cos, como quem compra e vende alimárias/ bois, cavalos e semelhantes. 
Mesmo com alguns sacerdotes se opondo à escravidão, a Igreja Católica durante o período colonial foi 
um dos principais sustentáculos ideológicos do sistema escravista. A teologia católica foi uma das bases 
para a manutenção da sociedade brasileira colonial. 
Somente no século XIX, com o avanço de ideias liberais e com as pressões do imperialismo inglês pelo fi 
m da escravidão, ideias antiescravagistas tomam corpo na sociedade brasileira. 
4 O DEBATE POLÍTICO EM TORNO DA ABOLIÇÃO 
No século XIX o Império brasileiro sofria pressões externas para abolir a escravidão. Os escravos formam 
o que a sociologia denomina estamento: grupo social garantido por convenções e leis. A escravidão 
existe por um estatuto legal. O principal país estrangeiro a pressionar o governo do Império para abolir a 
escravidão foi a Inglaterra. Todavia, existiu um debate interno em relação à escravidão e a importância 
de sua manutenção para a agricultura. Pois eram as atividades de produção das fazendas que garantiam 
o sustento da elite brasileira novecentista. 
Um dos defensores da moralidade da escravidão foi o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen. O 
intelectual possuía o título de Visconde de Porto Seguro e no livro História Geral do Brasil escreveu: 
O debate político em torno da escravidão foi antigamente admitido por todos os povos, ainda o 
reconhecem algumas 
nações da Europa, e até tolera o evangelho. A introdução, porém, da escravatura dos africanos foi em 
Portugal uma espécie de continuação da guerra aos mouriscos vencidos nas guerras de religião, em 
represália ao que eles faziam (VARNHAGEN, 1979, p. 72). 
Este posicionamento político em defesa da manutenção das relações escravistas mostrava afi nidade 
com o pensamento das elites brasileiras da primeira metade do século XIX. Esta se mostrava interessada 
em não somente manter as relações escravistas, como, se possível, ampliar o número de cativos em 
todo o território brasileiro. Porém, muitos outros intelectuais se mostravam contrários à escravidão. O 
movimento abolicionista contou com uma ampliação de seus quadros, além de uma maior amplitude e 
legitimidade social a partir da segunda metade do século XIX. O principal crítico da escravidão e líder 
abolicionista foi Joaquim Nabuco. No livro O Abolicionismo, publicado pela primeira vez em 1883, afi 
rmou: 
O que [a escravidão] fez foi esterilizar o solo pela sua cultura extenuativa, embrutecer os escravos, 
impedir o desenvolvimento dos municípios, e espalhar em torno dos feudos senhoriais o aspecto das 
regiões miasmáticas, ou devastadas pelas instituições que suportou aspecto que o homem livre 
instintivamente reconhece. Sobre a população toda do nosso interior, ou as orlas das capitais ou nos 
páramos do sertão, os seus efeitos foram: dependência, miséria, ignorância, sujeição ao arbítrio dos 
potentados [...] (NABUCO, 1983, p. 85). 
Este posicionamento de Joaquim Nabuco (1983) revela muito do quanto a manutenção das relações 
escravistas retardou o desenvolvimento econômico brasileiro. Pois uma das principais consequências da 
escravidão foi a repugnância das elites e camadas médias pelo trabalho, além de as escravarias se afi 
narem às grandes propriedades rurais latifundiárias, que exercem um domínio secular na vida das 
populações dos interiores brasileiros. 
As pressões inglesas pelo fi m do tráfi co, aliado à conscientização de partes da população livre, 
possibilitaram avanços legais para a extinção total da escravidão. Porém, o fi m da escravidão foi um 
processo demorado, que contou com uma série de dispositivos legais atenuantes, até a conquista da Lei 
Áurea. Uma série de acordos diplomáticos foi realizada com o intuito de extinguir a escravidão no Brasil 
já no processo de reconhecimento da Independência do Brasil com aInglaterra. Porém, o mais 
sintomático e revolucionário dispositivo legal foi a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, na qual se extinguiu 
o tráfi co negreiro. O ano de 1850 foi um ano de profundas alterações nas leis que regiam o Império. 
Foi-se estabelecido um Código Comercial, reformas na Guarda Nacional, além de ter sido criada a Lei de 
Terras, que estabelecia obrigatoriedade do título cartorial de propriedade. Estas alterações nas 
legislações mudaram profundamente a dinâmica da vida nacional (FAUSTO, 2000). 
A extinção do tráfi co negreiro foi uma verdadeira revolução no Brasil. Porém, o sistema escravista 
continuou existente. Uma das soluções para suprir a falta de mão de obra escrava foi a vinda de 
imigrantes das mais distintas nacionalidades (alemães, italianos, poloneses, etc.) para o trabalho nas 
lavouras de café do Sudeste. Outra medida, e de consequências culturais tão grandes quanto a 
imigração, foi o tráfi co interprovincial. Nesta modalidade, os escravos que se encontravam em regiões 
economicamente decadentes no Nordeste brasileiro migraram para as fazendas do interior do Rio de 
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Esta população negra trouxe muito de sua cultura para a região 
Centro-Sul. Obviamente já existiam escravos no interior paulista, mineiro e fl uminense. Todavia, um 
aumento signifi cativo desta população nas áreas do Brasil próximas à corte imperial demonstrou o 
quanto a presença escrava era importante para a manutenção das relações sociais. 
Com o aumento do movimento abolicionista em todo o Brasil, a família imperial e os escravocratas que 
compunham a mesa do Senado Imperial tiveram que ceder frente a pressões diversas, e foram 
realizadas leis atenuantes à condição dos escravos. A primeira foi a Lei do Ventre Livre. Esta 
determinava que as crianças nascidas de mãe escrava estivessem automaticamente libertas da condição 
de cativas. Após esta lei, foi decretada a Lei dos Sexagenários. Esta determinava que os escravos que 
atingissem a idade de 65 anos estariam libertos. Por fi m, no dia 13 de maio de 1888 foi assinada pela 
Princesa Isabel, regente do Brasil na ausência do pai D. Pedro II, que se encontrava em viagem 
internacional, a famosa Lei Áurea. Esta possuiu apenas dois artigos. 
1º Encontra-se abolida e escravidão no Brasil. 
2º Revogam-se os dispositivos contrários. 
Por muitos anos, a historiografi a conservadora afi rmava que a Princesa Isabel aboliu a escravidão por 
sentir compaixão da condição triste que os escravos viviam. Porém, hoje a intelectualidade aponta a 
abolição como um longo processo, no qual os agentes principais da conquista de liberdade foram os 
próprios negros, através de um secular processo de resistência e luta por liberdade. Uma luta que se 
iniciou nos quilombos e que permanece nas diferentes formas de atuação dos movimentos em luta 
pelos direitos desta camada da população. 
5 O NEGRO E A REPÚBLICA: OS DEBATES EM TORNO DA MISCIGENAÇÃO E DA LUTA POR DIREITOS 
SOCIAIS 
Com o advento da República dos Estados Unidos do Brasil, em 15 de novembro de 1889, a questão 
social em torno dos negros se tornou mais complexa, pois fazia pouco tempo que a Lei Áurea instituiu a 
libertação dos escravos. A abolição da escravidão não foi acompanhada por uma política de 
compensação ou de integração do negro à sociedade brasileira. Esta polêmica ocorre tanto do ponto de 
vista intelectual como político. Pois, até hoje, a população negra sofre com a discriminação, como se 
este estrato da população não fosse um dos responsáveis pela construção do Brasil. Nas sábias palavras 
de Darcy Ribeiro (1995, p. 221-222): 
As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de fi lhos e netos dos antigos senhores de escravos, 
guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. [...]. A nação brasileira, comandada por 
gente desta mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a constituíra. Negou-lhe a posse de 
qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas que pudessem educar seus fi lhos, e de 
qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte dos 
negros se dirigiu às cidades, onde encontraram um ambiente de convivência menos hostil. Constituíram 
originalmente os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm se 
multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo da 
permanente ameaça de serem erradicados e expulsos. 
A história do negro no período republicano é um retrato do que o antropólogo Darcy Ribeiro (1995) 
apontou. Pois a maior parte da população negra sofreu durante todo o período republicano com o 
preconceito e com as mais distintas formas de humilhação. Aos colonizadores brancos do Sul, como aos 
italianos e alemães, que imigraram para o Brasil durante o processo de decadência do tráfi co escravista, 
foram doadas pelo governo Imperial e Republicano terras para cultivo. Porém, as populações negras, 
ameríndias e mestiças das demais regiões, foram exploradas pelos “coronéis” do sertão. O latifúndio 
monocultor foi um dos principais entraves ao desenvolvimento nacional. Pode-se afi rmar que o 
principal problema em muitas regiões brasileiras nunca foi a seca, mas sim a cerca. Isto é, o acesso à 
propriedade sempre foi negado às populações que desejavam cultivar a terra. Nas cidades, a condição 
negra sempre foi muito difícil, pois as reformas urbanas empreendidas no início do século XX tiveram 
como principal alvo os bairros negros das cidades. Reformas que se iniciaram no Rio de Janeiro, onde foi 
criada a primeira favela, se espalharam pelo resto do Brasil (FAUSTO, 2002). 
O debate sobre a importância do negro na formação da sociedade brasileira foi presente em todo o 
século XX. Desde as teses racistas, até as teses que apontam o negro como um dos principais agentes, 
também colonizador das terras brasílicas ao lado dos portugueses. 
Francisco José de Oliveira Vianna, professor da antiga Faculdade de Direito de Niterói, foi um dos 
principais entusiastas da colonização europeia e, por vezes, é apontado como um dos principais ícones 
do pensamento conservador brasileiro. Seus dois principais livros foram Populações do Brasil Meridional 
e Formação Política do Brasil. Especialmente quando analisou as populações do Sul brasileiro, Oliveira 
Vianna foi acusado de defender posturas racistas. Sendo o principal crítico do seu pensamento o 
antropólogo Gilberto Freyre. O autoritarismo de Oliveira Vianna (1982, p. 733) pode ser expresso no seu 
desapego à ideia de democracia: 
O problema da organização política do Brasil não está nesta democracia de sufrágio universal, em que 
obstinadamente insistimos há mais de um século. Em boa verdade, nestes 120 anos de regime 
democrático, o povo brasileiro não chegou a formar uma tradição democrática: para ele a democracia – 
com suas eleições periódicas, as suas agitações, os seus comícios e propagandas – só lhe dá 
incomodidades. Esta aspiração pela democracia, aliás, não vem do povo massa; pura criação do 
“marginalismo” de nossas elites políticas. O nosso povomassa não se inquieta de democracia - de que 
nunca teve mesmo uma noção clara. O que o nosso povo-massa pede aos governos - eleitos ou não 
eleitos, pouco importa - é que eles não o inquietem no seu viver particular. 
Gilberto Freyre, antropólogo pernambucano que trabalhou na Fundação Joaquim Nabuco, atacou tal 
ideal autoritário com a ideia de democracia racial, isto é, o ponto mais importante do Brasil enquanto 
nação não está na segregação racial, como ocorria nos Estados Unidos da América, mas sim na 
miscigenação como característica do povo brasileiro. Em relação ao negro, afi rmou no livro Casa-
Grande e Senzala: 
O negro no Brasil, nas suas relações com a cultura e com o tipo de sociedade que aqui vem se 
desenvolvendo, deve ser considerado principalmente sob o critério da história social e econômica.Da 
antropologia cultural. [...]. Por inferioridade da raça gritam então os sociólogos arianistas. Mas contra os 
seus gritos levantam-se evidências históricas - as circunstâncias da cultura e principalmente econômicas 
- dentro das quais se deu o contato do negro com o branco no Brasil. (FREYRE, 1983, p. 321). 
A ideia de compreender a contribuição do negro através do olhar das ciências humanas e sociais foi uma 
inovação importante, pois até mesmo recursos da criminologia foram usados por intelectuais, entre os 
quais Nina Rodrigues, da Faculdade de Medicina da Bahia, para compreender o negro brasileiro. 
Gilberto Freyre (1983) afi rmava que o negro foi também um colonizador do Brasil, ao lado dos 
portugueses. Este posicionamento em defesa da ideia de democracia racial foi muito importante para a 
época (anos 1930). Isto porque o mundo assistiu, na primeira metade do século XX, ao surgimento de 
governos extremamente autoritários e baseados em ideais racistas, como no nazismo. 
A ideia de democracia racial posteriormente foi combatida. No dizer do historiador Sérgio Buarque de 
Holanda (1995, p. 38), “a democracia no Brasil sempre foi um mal-entendido”. Para Holanda (1995), 
uma das características da miscigenação seria a da formação de um homem cordial. Com este termo, o 
autor indica que o brasileiro seria um tipo humano marcado pela passionalidade, pelos sentimentos. Afi 
rmou também a importância da miscigenação para o desenvolvimento do Brasil (HOLANDA, 1995). 
 O estudo sobre as questões negras foi revolucionado no Brasil a partir dos anos 1950. Isto porque 
muitos intelectuais militantes nos movimentos negros começaram a participar do debate universitário 
na segunda metade do século XX. Esta geração foi profundamente infl uenciada pelos movimentos pelos 
direitos civis nos Estados Unidos, nos quais se destacaram os líderes Malcon X e Martin Luther King. 
Entre os principais estudiosos podemos citar os intelectuais Clóvis Moura e Abadias do Nascimento. 
Ambos afrodescendentes, escreveram obras importantes sobre a importância negra para a formação da 
sociedade brasileira. Edson Carneiro foi um intelectual importante não por ser um militante da causa, 
mas pelos seus estudos a respeito do Quilombo dos Palmares. Assim como Alberto Guerreiro Ramos, 
sociólogo que apoiou o Teatro Experimental do Negro, um grupo de artistas do Rio de Janeiro que 
buscava espaço para atores e atrizes negras no teatro da então Capital Federal. Um dos estudos 
interessantes sobre a presença negra nos esportes foi realizada pelo jornalista Mário Filho no livro O 
Negro no Futebol Brasileiro. Lançado em 1946, a tese central da obra foi considerada falsa após a 
derrota brasileira na Copa do Mundo de 1950. A presença de Pelé no time campeão em 1958 contra a 
seleção sueca foi a comprovação empírica de que a tese de Mário Filho sobre a importância do negro 
estava certa. 
Também a partir dos anos 1950, a Universidade de São Paulo começou a estudar as questões raciais. 
Alguns livros importantes foram publicados. Em geral, resultados de teses universitárias defendidas sob 
a orientação do sociólogo Florestan Fernandes. Um exemplo destas publicações foi A Cor e a Mobilidade 
Social em Florianópolis, de Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni. 
Após as comemorações do Centenário da Abolição, os estudos acadêmicos sobre a presença negra na 
sociedade aumentaram. Em especial, a Universidade Estadual de Campinas se destacou no estudo 
temático da escravidão, com os livros do brasilianista Robert Slenes sobre a família escrava (Na senzala, 
uma fl or) e de Sílvia Lara sobre a escravidão no século XVIII, além dos estudos de Sidnei Chaulobb sobre 
a abolição e cotidiano dos libertos (Visões da Liberdade e Trabalho, Lar e Botequim). Entre os recentes 
estudos do tráfi co negreiro, ainda se destacam intelectuais que trabalharam em outras instituições, 
como Luis Felipe de Alencastro, que em O Trato dos Viventes possibilitou uma nova abordagem sobre as 
questões do tráfi co negreiro. 
Com as Comemorações do Centenário da Abolição, em 1988, o Movimento Negro Brasileiro ganhou 
visibilidade. Em especial, começou a discussão sobre a pouca representação do negro na mídia 
(televisão, jornais impressos e revistas semanais), além de se começar a debater formas de inclusão das 
populações afro-descendentes nas universidades. A solução que se conquistou foram as cotas para 
negros nas universidades públicas. Uma solução possível em um país de grande presença negra, mas 
pouca representatividade negra nas profi ssões liberais (médicos, advogados, professores, etc.). 
Importante salientar que as cotas não são apenas para negros, pois muitas universidades também 
adotaram cotas para indígenas e estudantes oriundos das redes públicas de ensino. 
6 O FIM DO PRECONCEITO: UMA UTOPIA REALIZÁVEL 
O preconceito é uma das principais características das sociedades que passaram pelo antigo sistema 
colonial. Isto é, por sociedades como a brasileira, na qual as relações econômicas foram pautadas pelas 
grandes propriedades de exportação e com elites colonizadas por ideias estrangeiras. A constatação do 
preconceito em relação ao negro e ao indígena é inquestionável. Um exemplo está entre os agentes do 
Estado que consideram o negro como suspeito dos mais diversos crimes, sempre considerado um 
marginal em potencial, vistas as constantes abordagens da polícia nas blitze. Outro sinal da 
discriminação é a pouca presença de negros na televisão como protagonistas nas novelas ou seriados. 
Assim como também os indígenas não são retratados em nossas redes de televisão comercial. Outro 
triste exemplo ocorreu há alguns anos em Brasília. Na capital federal, jovens de classe média atearam 
fogo em um índio que dormia em uma rua, e fi caram impunes. 
Ao mesmo tempo em que não temos um retrato mais fi dedigno dos negros e indígenas na mídia, a 
importância do indígena e do negro na formação da sociedade brasileira é fundamental. Todavia, se 
temos hoje este debate, sobre a importância do negro e do índio para a sociedade brasileira, podemos 
afi rmar que são temas tratados graças aos avanços democráticos que nas últimas décadas a sociedade 
brasileira alcançou. Podemos discordar das teses conservadoras que afi rmavam o povo não ligar para 
democracia. Pois os movimentos sociais negros e indígenas são exemplos dos povos que lutam por 
direitos na sociedade brasileira. 
Já tivemos o primeiro operário presidente. Estamos sendo comandados pela primeira mulher 
presidente. Ainda esperamos o dia em que seremos liderados pelo primeiro presidente negro ou 
indígena. Ou melhor, temos todos alguns resquícios destes sangues... Neste sentido, o do projetar o 
Brasil futuro, as palavras de Darcy Ribeiro (2005, p. 454) são prestimosas, argutas e esperançosas: 
Estamos nos construindo na luta para fl orescer amanhã como uma nova civilização mestiça e tropical, 
orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora mais humanidades. 
Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada 
na mais bela e luminosa província da terra. 
Podemos afi rmar que poderemos ser esta bela e generosa nação tropical, a partir do momento em que 
todos puderem reconhecer a importância do negro e do indígena na construção de nossa sociedade. 
Uma utopia, porém realizável com o aumento geral da instrução e do conhecimento que os cidadãos 
brasileiros estão possuindo sobre o seu passado. 
 
AUTOATIVIDADE 
1 Leia o trecho do livro História Concisa do Brasil, de Bóris Fausto (2001, p. 106), e responda: 
“Para ministro da Justiça foi indicado Eusébio de Queiróz. Filho de um juiz lusoangolano, Eusébio de 
Queiróz nasceu em Angola e se casara com uma moça proveniente de uma família ligada aos negócios 
urbanos do Rio de Janeiro”. 
Qual a relação entre a Lei Eusébio de Queiróz e o tráfi co interprovincial? 
2 Leiao trecho do livro História Concisa do Brasil, de Bóris Fausto (2001, p. 106), e responda: 
“Poucos temas da história brasileira têm sido tão discutidos e investigados como a escravidão. Há 
apaixonadas controvérsias sobre o índice de mortalidade de escravos na travessia do Atlântico, sobre as 
possibilidades de estabelecimento da família escrava, sobre o signifi cado das alforrias, ou seja, da 
libertação de cativos antes de 1888,[...], etc.” 
Qual a principal diferença no debate intelectual sobre a escravidão durante os períodos do Brasil 
Colonial e do Brasil Imperial? 
3 Leia o trecho da letra do samba da Mangueira do Carnaval de 1988 e responda: 
Pergunte ao criador Quem pintou esta aquarela Livre do açoite da senzala Preso na miséria da favela 
Qual a relação que podemos fazer entre este verso da escola de samba Mangueira com a atual situação 
do negro brasileiro? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GABARITO 
1 Leia o trecho do livro História Concisa do Brasil, de Bóris Fausto (2001, p. 106), e responda: 
“Para ministro da Justiça foi indicado Eusébio de Queiróz. Filho de um juiz lusoangolano, Eusébio de 
Queiróz nasceu em Angola e se casara com uma moça proveniente de uma família ligada aos negócios 
urbanos do Rio de Janeiro”. 
Qual a relação entre a Lei Eusébio de Queiróz e o tráfi co interprovincial? 
R.: A Lei Eusébio de Queiróz foi promulgada em 1850 e proibiu o tráfico de escravos entre a África e o 
Brasil. A sua criação foi uma das consequências das constantes pressões políticas que a Inglaterra fez ao 
Império brasileiro visando o fim do tráfico de escravos. A relação desta lei com o tráfico interprovincial é 
que o mesmo foi uma das alternativas para os cafeicultores do Sudeste, que, ávidos por este tipo de 
mão de obra, compravam escravos das decadentes lavouras nordestinas. 
2 Leia o trecho do livro História Concisa do Brasil, de Bóris Fausto (2001, p. 106), e responda: 
“Poucos temas da história brasileira têm sido tão discutidos e investigados como a escravidão. Há 
apaixonadas controvérsias sobre o índice de mortalidade de escravos na travessia do Atlântico, sobre as 
possibilidades de estabelecimento da família escrava, sobre o signifi cado das alforrias, ou seja, da 
libertação de cativos antes de 1888,[...], etc.” 
Qual a principal diferença no debate intelectual sobre a escravidão durante os períodos do Brasil 
Colonial e do Brasil Imperial? 
R.: Durante o Brasil Colonial o debate sobre a escravidão girava nos ditames da teologia católica 
apostólica romana. Isto é, os intelectuais favoráveis ou contrários à escravidão em geral eram teólogos 
que observaram se possuir escravos era uma atitude digna de um cristão. Durante o Império a discussão 
se transformou em um debate jurídico, sendo considerado injusto o cativeiro negro por uma grande 
gama de juristas e políticos, entre os quais se destacou Joaquim Nabuco. 
3 Leia o trecho da letra do samba da Mangueira do Carnaval de 1988 e responda: 
Pergunte ao criador Quem pintou esta aquarela Livre do açoite da senzala Preso na miséria da favela 
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17A Importância do Negro na Formação da Sociedade Brasileira 
Qual a relação que podemos fazer entre este verso da escola de samba Mangueira com a atual situação 
do negro brasileiro? 
R.: O samba fez uma reflexão pertinente sobre a ausência de políticas que incluíam os negros na 
sociedade republicana. A maior parte dos membros da elite republicana brasileira, descendentes diretos 
de antigos senhores de escravos, demonstrou um profundo desprezo pelos afro-descendentes. 
Desprezo este que impossibilitou a inserção dos mesmos no mercado de trabalho, em ocupações dignas 
e justamente remuneradas

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