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GABRIEL AZEVEDO DE OLIVEIRA (8127106) Bacharelado em Filosofia ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA E METAFÍSICA NO PENSAMENTO DE JOÃO PAULO II Orientador: Prof. Dr. Paulo Rogério da Silva Coorientador: Ms. Pe. Felipe Klafke Konzen Claretiano - Centro Universitário PORTO ALEGRE 2021 ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA E METAFÍSICA NO PENSAMENTO DE JOÃO PAULO II ANTROPOLOGÍA FILOSÓFICA Y METAFÍSICA EN EL PENSAMIENTO DE JUAN PABLO II Resumo: Neste trabalho investigamos as bases do pensamento de João Paulo II, o grande Papa do Século XX, no que se refere a sua antropologia filosófica e as suas ideias metafísicas. Busca- se, portanto, compreender o conceito de pessoa humana segundo Karol Wojtyla, através da utilização do personalismo, da fenomenologia e da metafisica como ferramentas utilizadas pelo filósofo. Para tal, o trabalho deu-se através de revisão bibliográfica em livros e artigos chaves para a compreensão da problemática elencada, dando destaque para o livro “Persona e Acción” de autoria de Wojtyla. Este trabalho, contudo, não visa encerrar as discussões sobre o assunto, mas colaborar para o conhecimento da obra deste que é um dos grandes filósofos e teólogos do século XX. Palvras-chave: Antropologia filosófica. Metafísica. João Paulo II. Fenomenologia. Personalismo. Resumen: En este trabajo investigamos los fundamentos del pensamiento de Juan Pablo II, el gran Papa del siglo XX, en lo que se refiere a su antropología filosófica y sus ideas metafísicas. Por ello, buscamos comprender el concepto de persona humana según Karol Wojtyla, mediante el uso del personalismo, la fenomenología y la metafísica como herramientas utilizadas por el filósofo. Para ello, el trabajo se realizó a través de una revisión bibliográfica en libros y artículos clave para la comprensión del problema enumerado, destacando el libro “Persona e Acción” de Wojtyla. Este trabajo, sin embargo, no pretende poner fin a las discusiones sobre el tema, sino contribuir al conocimiento de la obra de este uno de los grandes filósofos y teólogos del siglo XX. Palabras clave: Antropología filosófica. Metafísica. Juan Pablo II. Fenomenología. Personalismo. 1. INTRODUÇÃO Desde os princípios da humanidade, antes mesmo da origem do pensamento filosófico, o homem se questiona sobre o que ele é, donde ele veio, qual suas diferenças entre os demais seres e qual a sua finalidade no mundo. Com o advento filosófico diversos pensadores desde os mais clássicos como Platão e Aristóteles, versaram-se sobre tal problemática inserindo em suas dissertações as questões vigentes em seu tempo e em sua sociedade. O que é de suma importância é que a problemática do homem e os questionamentos sobre esta permeiam a própria história desde os primórdios do pensamento racionalizado. O século XX foi um período em que as ideias e concepções de homem e humanidade foram colocadas a prova. As grandes guerras trouxeram ao mundo uma corrente pessimista, explicável pela vivência dos terrores presenciados no mundo europeu e conhecíveis nos escritos filosóficos de diversos autores de linha filosófico-pessimista. João Paulo II, ainda Karol Wojtyla, vivenciou de forma intrínseca os horrores da segunda grande guerra, além de uma vida de grandes perdas desde sua tenra idade - perto de completar nove anos (LECOMTE, 2005) Karol enfrenta a morte de sua mãe, Emilia Kaczorowska. Seu irmão Edmund encontra-se com a morte no dia cinco de dezembro de 1932, segundo irmão de Karol a falecer – já que sua irmã Olga faleceu logo após nascer. Em 1939, Karol é convocado ao serviço militar, vê sua cidade invadida pelos Nazistas, as igrejas sendo fechadas e sua universidade trancada. O jovem Wojtyla, esportista, artista e literato percebe-se envolto em um ambiente de guerra, de supressão religiosa e pensamento. No ano de 1941 o pai de Lolek – forma pelo qual Karol era chamado – é encontrado morto em sua casa. Tal acontecimento traz à tona a reflexão sobre o futuro e sobre os objetivos de vida, que levam Karol até o seminário de Cracóvia em 1942. O período de seminário ocorre de forma clandestina, tendo em vista os bloqueios religiosos e intelectuais impostos pelos regimes totalitários vigentes na Polônia da época. O Arcebispo de Cracóvia envia Wojtyla para acompanhar o padre Josef Jamroz, na cidade de Raciborowice, nos trabalhos pastorais. É neste período que o jovem terá contato com a obra filosófica e teológica do Doutor Angélico, São Tomás de Aquino. É ordenado sacerdote em primeiro de novembro de 1946, sendo o Cardeal Sapieha o bispo ordenante. Logo após a ordenação, é enviado ao Instituto Angelicum, Roma, onde torna a estudar as linguagens, tendo contato com autores franceses que lhe darão grande suporte filosófico – Jacques Maritain, Étienne Gilson e Emmanuel Mounier. Posteriormente, o jovem sacerdote se dedica ao estudo de Max Scheler e sua ética. É sobre o pensamento deste autor que o sacerdote Wojtyla criará sua tese filosófica. Rapidamente Wojtyla é nomeado bispo-auxiliar de Cracóvia, com apenas trinta e oito anos. Com a abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, Karol mostrar-se-á um grande teólogo, contribuindo de forma importante para a construção da Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Em meio ao Vaticano II, Karol é nomeado Arcebispo de Cracóvia, em 1963, sendo nomeado Cardeal no ano de 1967 (LECOMTE, 2005). Após a morte de Paulo VI e de seu sucessor, João Paulo I – com 33 dias de pontificado, no dia vinte e dois de outubro de 1978 é eleito Wojtyla como o novo papa, João Paulo II. Seu pontificado é marcado por inúmeras lutas, principalmente contra os regimes comunistas e sua infiltração dentro da Igreja Católica através da herética teologia da libertação. Em quatorze de setembro de 1998, João Paulo II da a conhecer a Carta Encíclica Fides et Ratio, que faz um convite a uma filosofia e teologia tomista, abandonando as correntes relativistas, materialistas e cientificista, voltando-se para uma filosofia metafísica e para uma reta compreensão do homem segundo a visão original de Deus. É sobre este homem, intelectual e santo que nos versaremos neste artigo. Buscando, através da sua obra “Persona e Accíon” compreender o conceito de pessoa humana defendido por Wojtyla e a relação da metafísica tomista com o seu pensamento. Para que possamos compreender tais problemáticas utilizaremos, além das obras próprias de João Paulo II, trabalhos de outros autores para complementar a discussão e revisão sobre a temática proposta, como por exemplo a obra de Paulo César da Silva com o título “A antropologia personalista de Karol Wojtyla”, o trabalho de Jorge Bonfim orientado pelo professor Dr. Joel Gracioso, intitulado “O personalismo de Karol Wojtyla”, o artigo de Andrés Felipe López López – Karol Wojtyla y el concepto de persona humana, o artigo de Cláudio Manoel Luiz de Santana (et al) “O conceito de pessoa e a perspectiva educacional de Karol Wojtyla”, o trabalho de Francisco Agamenilton Damascena – “O personalismo de Karol Wojtyla”, e outras obras referenciais para o assunto. 2. O PERSONALISMO, A FENOMENOLOGIA E A METAFÍSICA COMO FERRAMENTAS Não podemos tratar do pensamento filosófico de Karol Wojtyla sem falarmos sobre personalismo e fenomenologia, além da influência tomista adquirida ao longo de sua formação sacerdotal (SANTANA, et al, 2021). Precisamos compreender o que são, então, esses dois sistemas chaves para a compreensão do pensamento wojtyliano. Segundo Santana (et al, 2021, p. 3) O “personalismo” constitui-se como uma escola de pensamento atrelado com o humanismo, sem nenhuma afiliação política, preconizado inicialmente por Emmanuel Mounier. Seus adeptos defendiam que a realidade social era afetada por desequilíbrios no âmbito moral e econômico, de tal modo que, essa querela poderia se dissolverpela ereção de uma “comunidade de pessoas”. O pensamento personalista foi robustecido pela Pensamento Cristão Católico e difundido por Karl Wojtyla. A escola personalista evidencia a ideia de pessoa não é apenas um emaranhado de matéria, mas possui características próprias tais como a inviolabilidade, liberdade, criatividade e responsabilidade, bem como, uma alma em um corpo, que vive num hoje da história. Já Nicola Abbagnano (2012, p. 883) aponta que o personalismo [...] é uma doutrina ético-política que enfatiza o valor absoluto da pessoa e seus laços de solidariedade com as outras pessoas, em oposição ao coletivismo (que tende a ver na pessoa nada mais que uma unidade numérica), e ao individualismo (que tende enfraquecer os laços de solidariedade entre as pessoas). Foi com esse sentido que Dühring empregou esse termo em Geschichte der National Õkonomie (de 1999); com este mesmo sentido, voltou a ser usado depois da Segunda Guerra Mundial por E. Mounier (Le personnalisme, 1950) e, na sua esteira, por numerosos pensadores católicos, defensores do pensamento metafísico. Ou seja, o personalismo busca reavivar a compreensão do homem em sua totalidade, não como um objeto, mas como um ser complexo e transcendental, dando espaço para a compreensão da dignidade e valor da pessoa humano. É um movimento contrário ao marxismo pois este aniquila o ser humano em sua individualidade e complexidade, assim como é contrário ao individualismo existencialista, que entende o homem como um objeto sem transcendência. Já a fenomenologia é o estudo dos fenômenos através da sua própria observação e compreensão. Neste sentido, Wojtyla aponta que é possível conhecer o homem através de suas ações, que, de alguma forma, refletem no exterior a sua interioridade. Para nós, a ação revela à pessoa, e olharmos à pessoa através de sua ação. A mesma natureza da correlação inerente na experiência, na mesma natureza da atuação do homem, implica que a ação constitui o momento específico por meio do qual se penetra na essência intrínseca da pessoa e nos permite conseguir o maior grau possível de conhecimento da pessoa. Experimentamos ao homem enquanto pessoa, e estamos convencidos dele porque realiza ações (WOJTYLA, 1982, p. 12-13, tradução própria). A fenomenologia estuda, portanto, a essência buscando compreendê-la através das ações, da atuação, no caso de Wojtyla, da ação/atos do homem. Todavia, Karol Wojtyla compreende que a pessoa e sua essência não podem ser vistas somente através de suas ações, mas através das suas ações e sua vivência emocional (SILVA, 2005). Lê-se em Persona e atto: «O homem, descobridor de tantos segredos da natureza, deve ser incessantemente redescoberto. Permanecendo sempre de algum modo 'um ser desconhecido', ele exige continuamente uma expressão nova e cada vez mais madura da sua natureza [...]. O homem não pode perder o lugar que lhe é próprio naquele mundo que ele mesmo modelou». Wojtyla esclarece que como pensador depende, por um lado, dos sistemas da metafísica, da antropologia e da ética aristotélico-tomista, e por outro, da fenomenologia, sobretudo na interpretação de Scheler. O método fenomenológico com que Wojtyla estuda o homem em Persona e atto e nos ensaios seguintes - aplicado com agudeza, com análises minuciosas e descrições da experiência da consciência até aos mínimos pormenores - inverte o método da análise metafísica tradicional. Esta, de facto, centrava-se no estudo da estrutura ontológica da pessoa, deduzindo toda uma série de consequências relativas às suas acções; a análise fenomenológica que Wojtyla segue, não parte da pessoa, mas tem a pessoa como finalidade: estuda a acção humana e mostra como precisamente na acção e mediante a acção se revela a pessoa. A «pessoa» como tal, no pensamento helénico, não foi levada ao nível de absoluta superioridade axiológica no âmbito dos entes. (REALE, S.d)1 Dentro do pensamento wojtyliano há, sem dúvida alguma, um arcabouço metafísico tomista. São Tomás de Aquino carrega em sua filosofia conceitos Aristotélicos de suma importância. O Doutor Angélico desenvolve seu pensamento metafísico e antropológico baseado no sistema de ato e potência, matéria e forma, essência e existência, substâncias e acidentes, obviamente conceitos originários de Aristóteles. A grande diferença entre o filósofo medieval e o filósofo grego está na relação criada entre estes conceitos e a ideia de ser. Segundo Silveira (2005, p. 14) “para Aristóteles forma, essência e acidentes são atos, isto é, perfeição. Tomás, entretanto, descobriu que, embora esses conceitos exprimam perfeição, a perfeição fundamental é o ser (esse), sem o qual as outras não seriam.”. É esta “descoberta” da filosofia tomista que João Paulo II utilizará para dialogar com um mundo antimetafísico, materialista. Karol Wojtyla escolhe recorrer a filosofia primeira – metafísica – por perceber uma má compreensão ontológica do ser humano nos filósofos modernos e contemporâneos, como por exemplo em Descartes que apontava o cogito como a única forma do homem se perceber enquanto homem e um ser complexo. É necessário entender que o homem é essencialmente um ser de relações, pensamento abandonado nas correntes individualistas e materialistas. Para encontrar quem o homem realmente é, o próprio homem terá que voltar-se ao metafísico, correspondendo a sua própria transcendência e percebendo que não é o homem que sustenta o ser homem, mas que há algo além da racionalidade terrena, um ser absoluto de quem o homem é originário e para qual o homem voltará. 2.1 A experiência do homem como ponto inicial A experiência é o ponto de partida para compreensão da pessoa humana no pensamento wojtyliano. Wojtyla (1982) aponta que toda experiência que o homem realiza com algo que lhe é exterior, é, na verdade uma experiência com o próprio eu – com o próprio homem. Não há, portanto, experiência exterior sem uma experiência interior do eu com o próprio eu, pois o homem se dá exterior e interiormente. La experiência de cualquier cosa que se encuentre fuera del homebre simpre conlleva a uma certa experiência de próprio homebre. Pues el hombre nunca experimenta nada externo a él sin que, de alguna manera, se experimente simultáneamente a si mismo. Pero, cuando hablamos de la experiência del homebre, nos referimos ante todo al hecho de que el hombre se dirige cognoscitivamente hacia sí mismo; es decir, estabelece um 1 REALE, Giovanni. Disponível em:http://www.cliturgica.org/portal/artigo.php?id=4 . contacto cognoscitivo consigo. Ese contacto tiene um carácter experimental que de algún modo es continuo, y se actúa cada vez que se retoma. Porque ese contacto no permanece de manera ininterrompida ni siquiera cuando se trata del proprio <<yo>> : así, a nível consciente, a interrumpe al menos durante el sueño, Y, sin embargo, el homebre está de continuo em contacto consigo mismo; de modo que la experiência de si mismo perdura de algún modo. (WOJTYLA, 1982, p. 31-32) A experiência do homem, escreve Wojtyla, é algo individual, única e impassível de repetição. Além disso, o pensador aponta que “El objeto de tal experiencia no es solo um fenómeno sensible transitori, sino también el próprio hombre que se revela a partir de todas las experiências y que, a la vez, está em cada uma de ellas [...] (WOJTYLA, 1982, p. 32). Essa experiência do homem, nada mais é que a experiência do eu, onde o homem se reconhece como objeto e sujeito em um uma relação cognitiva. O homem jamais será capaz de conhecer, de interagir, se ficar alojado em si mesmo. Assim, percebe-se que o autor [Wojtyla] já apresenta a experiência como uma ação a ser desenvolvida em comunidade – do homem que sou eu para o homem que é o outro. Essa experiência do outro não coloca o próprio homem em contato com todos os objetos, mas a quantidade desse relacionamento será capaz de agregar no próprio homem,mais ou menos experiências, do coletivo. Logo, a experiência é a base do conhecimento do homem. (BONFIM, 2017, p. 33-34) Quando o homem realiza uma experiência com o outro, ele realiza uma experiência exterior e que se manifesta de diferentes formas em cada um destes sujeitos. O homem que conhece o outro conhecerá este de uma forma diferente de que ele próprio se conhece frente suas próprias experiências (WOJTYLA, 1982, p.33-34). 2.2 Pessoa: consciência, liberdade, subjetividade A consciência se manifesta pelos atos, assim como o homem manifesta a si mesmo, no pensamento wojtyliano, pelas suas ações. É a ação, segundo Wojtyla, que proporciona o penetrar na essência da pessoa, possibilitando-nos o seu maior conhecimento. A consciência é, portanto, um elemento essencial na constituição da pessoa humana. Segundo Bonfim (2017, p.36) A consciência é um elemento constitutivo na pessoa humana. É ela quem auxilia toda a operatividade diante das ações realizadas pela pessoa. A ação humana, proveniente da experiência, precisa ser interpretada, e é aí que entra o dinamismo da consciência. Na medida em que a ação do homem é realizada, ela precisa ser alocada em um ambiente; surge então a compreensão bruta da consciência. É a consciência que, mediante a operatvidade da pessoa, tornará esse saber frente ao objeto experienciado um saber compreendido. A consciência, então, ocorre simultaneamente à ação do homem. Sobre o que seria a consciência na visão wojtyliana aponta Francisco A. Damasceno (2016, p. 42-43) “Consciência” é um ato da faculdade intelectiva humana por meio do qual tudo aquilo com que a pessoa entra em contato objetivo mediante uma sua atividade (inclusive a cognoscitiva) é refletido e interiorizado dando um lugar no seu “eu”; em outras palavras, a consciência é um ato que acompanha o conhecimento sensitivo e intelectivo produzindo um saber concomitante, é um saber do que já se é sabido, uma compreensão do que já foi compreendido. Com esse ato a pessoa coloca diante de si mesmo suas ações, o mundo que o circunda, faz experiência de si como sujeito e dialoga com seu próprio “eu”. O homem atua, então, conscientemente – sendo a ação da pessoa humana sempre vinculada a consciência – todavia, o ser e a ação do homem não contêm sua origem na consciência. Através da consciência do homem é que se dá a reflexão sobre as ações e vivências por ele experimentadas. A consciência atua de forma a permitir que a pessoa humana vivencie suas experiências de forma objetiva, através da experiência do homem com o objeto, e de forma subjetiva, através da experiência do “eu” que brota através da experiência do homem com o objeto. “La consciência es también reflejo, más todavia, imagen especular, de todo aquello com lo que el hombre entre em contacto objetivo mediante cualquier actividad [...], y también, cuando es el caso, de aquello que <<sucede>> em él.” (WOJTYLA, 1982, p. 39). Karol utilizará do suppositum metafísico para introduzir o conceito de subjetividade dentro de sua antropologia, como nos aponta Damasceno (2016, p.44) Por suppositum Wojtyła tem a mesma compreensão da ontologia tradicional, isto é, sujeito do ato de ser (actus) ou sujeito do ser, fonte de toda e qualquer perfeição. Uma delas é a ação, como bem expressa o princípio agere sequitur esse. Resulta, pois, que suppositum é o sujeito da existência e da ação. Trazendo este conceito metafísico para a antropologia, dizemos que o ser e as ações humanas subsistem em um sujeito ou suppositum (cf. WOJTYŁA, 2005, p. 888 e 926). Tomando por base esta noção e aquela de consciência, Wojtyła introduziu em sua antropologia o que chamou de subjetividade ôntica ou subjetividade metafísica (suppositum) e subjetividade pessoal (consciência). Ambas foram reunidas na noção “eu” como termo mais apropriado para a pessoa humana, que simplesmente suppositum, assim como era considerado na antropologia tomista. Isso representou um ousado avanço. É a consciência que dará ao homem a possiblidade do conhecimento de sua subjetividade, ou seja, daquilo que só a ele pertence do seu próprio eu – sua interioridade. O autoconhecimento, ou seja, o processo de conhecimento de sua própria subjetividade, é, segundo Wojtyla (1982, p.76) “[...] la compresión de uno mismo, del tipo de captación cognoscitiva de esse objeto que soy yo para mí mismo.” Sobre este processo de conhecimento de si mesmo e a relação com a consciência. Wojtyla (1982, p. 77) aponta que No es extraño que el conocimiento de sí mismo deba estar vinculado a la consciência más que ningún outro tipo de conocimiento, puesto que su objeto es el propio <<yo>>, com el que la consciencia se encuentra em estrecha unión subjetiva [...]. [...] el conocimiento de sí mismo se identifica con la consciencia y, a la vez, se diferencia de ella de algún modo, puesto que la unión subjetiva de la consciencia com el próprio <<yo>> no la orienta cognoscitivamente hacia este como hacia su objeto. [...] La consciencia refleja las acciones y sus relaciones com el próprio <<yo>> gracias al autoconocimiento. Todavia, este processo do conhecimento de sua subjetividade ou o processo de autoconhecimento só é possível quando o homem se encontra em um estado de liberdade. O homem pode ser considerado autor de uma ação ou receptor de uma ação, mas para ambas as opções ele deve estar livre para realizar a sua movimentação. Em sua liberdade de movimentação é que a pessoa humana manifestará a percepção de suas ações de forma consciente. A liberdade da pessoa humana carrega consigo a necessidade da vontade para a ação, como nos aponta Karol (1982, p. 180) La libertad se identifica com la autoderteminación, com esa autodeterminación em la que descubrimos la voluntad como propiedad de la persona. Por tanto, la libertad se manifesta como uni propriedad de la persona unida com la voluntad, com el concreto <<yo quiero>>, que encierra – como advertimos previamente – la vivencia <<puedo, pero tengo que>>. [...] La libertad própria del homebre, la libertad de la persona mediante la voluntad, se identifica com la autodeterminación como realidade experimental, que es, a la vez, la más completa y la más essencial. O homem, a pessoa humana, tem em si o que podemos chamar de vontade livre. Em outra obra de sua autoria, Amor e Responsabilidade, o Papa João Paulo II aponta no que consiste realmente a liberdade do homem - “a faculdade de conhecer a verdade torna possível ao homem a autodeterminação, ou seja, consente-lhe de decidir de modo independente do caráter e da orientação dos próprios atos. Precisamente nisto consiste a liberdade” (WOJTYLA, 1982a, S.p.). Esta autodeterminação da qual trata Karol nada mais é que a capacidade da pessoa humana de decidir sobre si mesma, sobre a sua vontade e sobra o seu dever, tendo em vista que a pessoa humana tem domínio sobre o “eu”. O ser humano tem posse de si mesmo, por tanto tem a capacidade de dominar-se e, então, de controlar ou determinar suas inclinações e vontades. O ato de decidir se quer ou não a vivência de uma experiência, para Wojtyla, é um ato de domínio sobre si mesmo e, portanto, um ato de liberdade. Diferentemente de Aquino que percebia a liberdade como uma faculdade da vontade ou como ausência da contrição, o que daria a capacidade da escolha de um objeto ou não (AQUINO, 2018), em Wojtyla essa ausência de contrição dar-se-á de forma mais profunda, fazendo referência a capacidade que a pessoa humana tem de decidir sobre seu próprio eu. Junto a capacidade da liberdade, da autodeterminação e da escolha, é necessária a existência da verdade. O homem só é realmente livre para realizar sua escolha quando conhece verdadeiramente o objeto que será por ele escolhido ou não (WOJTYLA, 1982). Damasceno nos recorda que (2016, p. 53-54) Para tomar posse do bem é necessário conhecê-lo, apreender sua verdade. Isso é obra humana e dependeem última instância exclusivamente da própria pessoa. Não se pode pensar pelo outro. Por isso dizemos que o ato de intelecção é um ato solitário. Nessa esteira, se a pessoa se submeter à verdade do bem, por ela mesma apreendida, e permitir que esta verdade conduza suas ações, a pessoa se torna sempre mais livre, isto é, se realiza em maior grau. Assim, conforme Wojtyła, “vê-se claramente que a realização de si não coincide com a realização do ato, mas depende do valo moral do mesmo. Eu me faço, eu me realizo, não pelo fato que realizo uma ação, mas pelo fato que eu me torno bom quando este ato é moralmente bom” (WOJTYŁA, 2005, 1353, tradução nossa). Compreendemos, então, que a liberdade só existe em plenitude através da capacidade inteligível de conhecer a verdade dos objetos possuída pela pessoa humana, do contrário as escolhas do homem não seriam plenamente livres pois estariam aprisionadas nas incertezas do objeto a ser escolhido. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diferente de grande parte de seus contemporâneos do século XX, Karol Wojtyla – posteriormente João Paulo II – não compreende o mundo de forma pessimista, mesmo tendo vivenciado os horrores realizados pelos homens durante a Segunda Guerra Mundial. Ao contrário, Wojtyla mostra-se como um apaixonado pelo homem e por aquilo que o compõe. Busca compreender a construção do homem enquanto pessoa, recorrendo desde os autores mais antigos, aprimorando a suas ideias, e estabelecendo diálogos com autores como Max Scheler. Utiliza-se da fenomenologia, do personalismo e da metafisica como ferramentas para uma compreensão profunda da pessoa humana, de suas potencialidades, essência e finalidade. Como o próprio autor aponta e como vimos neste trabalho, o homem faz experiências de forma constante. Em busca de conhecer a pessoa humana, Wojtyla adentrou no campo da experiência, fazendo uma experiência pessoal com o objeto de seu estudo, o que resultou em um complexo trabalho. Através de sua experiência percebemos o homem como possuidor de características intrínsecas, sendo elas a liberdade, a consciência e a sua individualidade ou subjetividade. A consciência é o cerne da experiência da pessoa humana, é ela quem possibilita a compreensão do objeto apresentado e, por consequência, a compreensão de si mesmo – já que não há experiência com um objeto externo que não leve a uma experiência interna do homem com ele mesmo. A subjetividade ou a individualidade humana é o que torna os indivíduos particulares. Não significa a compreensão do homem como um ser individualista, mas compreender a pessoa humana como um ser composto por particularidades que surgem através das suas experiências com os objetos externos e com o seu próprio “eu”. Por fim, a liberdade é a chave da compreensão da pessoa humana, tendo em vista que esta lhe da a capacidade de escolha, possibilita a sua vontade, uma vontade livre que se torna realmente livre a partir do conhecimento da verdade dos objetos. Este trabalho não é nada mais que um breve resumo da compreensão wojtyliana do que é a pessoa humana. Para mergulharmos realmente na complexidade dos escritos de João Paulo II necessitaríamos de maior tempo e maior espaço reflexivo. Contudo, mesmo que de forma breve, demonstramos as respostas de Wojtyla a uma das maiores inquietações do homem desde os princípios do pensamento filosófico, o “quem sou eu?. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. AQUINO, Tomas de. Suma Teológica. São Paulo: Ecclesiae, 2018. Vol. 1-5. BONFIM, Jorge L. G. O PERSONALISMO DE KAROL WOJTYLA. Trabalho de Conclusão de Curso. Orientador Prof. Dr. Joel Gracioso. São Paulo: Faculdade de São Bento, 2017. DAMASCENO, Francisco A. O PERSONALISMO DE KAROL WOJTYLA. In Revista Trilhas Filosóficas, Caicó, ano 9, n.1, Jan-Jul. 2016, p.37-60. LECOMTE, Bernard. João Paulo II. Rio de Janeiro: Record, 2005. LÓPEZ LÓPEZ, Andrés Felipe. Karol Wojtyla y el concepto de persona humana. Revista de Filosofía, v. 12, n. 2, p. 27-46, jun. 2018. REALE, Giovanni. Teologia e magistério: o pensamento filosófico de Karol Wojtyla. Disponível em: < www.cliturgica.org/portal/artigo.php?id=4 >. Acesso em: 20 out. 2021. SANTANA, Cláudio Manoel; et al. O CONCEITO DE PESSOA E A PERSPECTIVA EDUCACIONAL EM KAROL WOJTYLA. In Revista Científica Multidisciplinar, v.2, n.6, 2021, p. 1-16. SILVA, Paulo César da. A antropologia personalista de Karol Wojtyla. São Paulo: Ideias e Letras, 2005. SILVEIRA, Carlos Frederico Gurgel Calvet da. Introdução ao Tomismo. Rio de Janeiro: IFJPII, 2005. WOJTYLA, Karol. Amor e Responsabilidade. São Paulo: Loyola, 1982a. (PDF sem número de páginas) WOJTYLA, Karol. Persona y Acción. Madrid: BAC, 1982.
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