Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS O termo doença inflamatória intestinal aplica-se à Doença de Crohn (DC) e à Retocolite Ulcerativa (RCU), caracterizadas pela inflamação crônica do intestino; diferem quanto à localização e ao comprometimento das camadas do intestino, mas também pela fisiopatogenia. A DC e a RCU são doenças crônicas de etiologia desconhecida que compartilham muitas características epidemiológicas, clínicas e terapêuticas, mas também possuem importantes diferenças. Etiopatogenia Diversos fatores, incluindo os fatores ambientais (expossoma), a microbiota intestinal (microbioma) e a imunidade do hospedeiro (imunoma), interagem para iniciar e perpetuar a inflamação da mucosa gastrointestinal em indivíduos predispostos geneticamente (genoma / epioenoma). - Genoma: doença poligênica (>163 genes identificados para RCU e DC); gene NOD2/CARD15 fortemente associado a DC; familiares portadores de DC e RCU (8- 10x mais chances de desenvolver a doença); gêmeos monozigóticos (correlação 30% para DC e 15% para RCU); o fator genético não é o único envolvido na doença; importância da interação genética com o meio ambiente (epigenética), como sendo uma das causas hereditárias não identificadas na doença; fatores genéticos relacionados à DII explicam uma pequena parcela da doença. - Expossoma: grande influência do meio ambiente na etiopatogenia; diferenças geográficas na epidemiologia, a prevalência é maior em países desenvolvidos e ocidentalizados e com aumento progressivo em países em desenvolvimento. Fatores protetores – aleitamento materno; apendicectomia; tabagismo para RCU (estudo em gêmeos) Fatores desencadeantes – estresse psíquico; uso de ACP; exposição a vacinas; dieta rica em gorduras; dieta industrializada; menor exposição a microrganismos patogênicos / melhoria das condições sanitárias = doença autoimune; maior facilidade de uso de antibióticos, sobretudo no 1° ano de vida; maior incidência em descendentes que migram para países de alta incidência - Microbioma: pacientes com DII têm uma redução na diversidade da microbiota ainda pouco compreendida (formação nos primeiros 1000 dias de vida); acredita-se que essa pobreza na flora intestinal torna o indivíduo mais suscetível a variações decorrentes de alterações do meio ambiente; a dieta influencia diretamente o microbioma. - Imunoma: termo relativamente recente para designar os componentes que constituem o sistema imunológico; atualmente, sabe-se que o sistema imune mantém íntima relação com antígenos da luz intestinal por meio de células M, células epiteliais e captação intencional de antígenos da luz intestinal por células dentríticas, sem ruptura da integridade da barreira intestinal; existe um distúrbio na regulação da imunidade da mucosa intestinal. Epidemiologia A RCU tem predominância discreta em homens e DC em mulheres Gradiente norte-sul = países do Norte têm maior incidência Maior na população branca, principalmente em judeus Bimodal para homens (pico entre 15-40 anos e 50-80 anos) Patologia Retocolite Ulcerativa Localização: doença exclusiva do reto e do cólon; quase a totalidade dos casos acomete o reto e a partir do reto pode ascender para o colo; doença superficial (mucosa e submucosa); formas clínicas = retite (acometimento restrito ao reto, 40-50% dos casos), reto-sigmoidite / procto-sigmoidite / proctite (acomete reto e sigmoide), colite esquerda (acomete reto, sigmoide e uma parte do colo descendente, até a flexura esplênica, 30-40% dos casos) ou pancolite (acomete reto, sigmoide e todo o colo, vai além da flexura esplênica, 20-30% dos casos). - Aspectos endoscópicos: desaparecimento do padrão vascular típico; hiperemia, edema, friabilidade, erosões, ulcerações e exsudação de muco, pus ou sangue; formação de pseudopólipos; mucosa pálida, atrófica, com aspecto tubular. Obs.: À esquerda processo inflamatório uniforme e exsudato inflamatório. À direita é visível o limite geográfico entre área sadia (translúcida, vasos visíveis, mucosa transparente) e área doente. Obs.: Raio-X – à esquerda colo tubular e à direita colo com microulcerações (imagem de borda de selo). Doença de Chron Patologia: a DC pode acometer qualquer parte do tubo digestivo; a DC não acomete o trato intestinal de forma homogênea, lesões descontinuas (úlceras salteadas); na DC as alterações inflamatórias são transmurais (pode acometer todas as camadas); potencialidade para formação de fístulas e estenoses; a porção distal do íleo e o cólon ascendente mais comprometidos (70-75% dos casos); 10--20% acometimento exclusivo do cólon; o reto é frequentemente poupado, 20% têm doença limitada ao ID (ileíte de Chron); 1/3 tem doença perianal (fístulas, fissuras, abcessos); processo inflamatório transmural, levando a ulcerações aftoides, puntiformes ou lineares, mais profundas do que na RCU; fissuras, fistulas entre alças intestinais e órgãos vizinhos, parede abdominal e região perianal; áreas lesadas entremeadas de áreas de mucosa normal; aspecto em “pedra de calçamento” ( cobblestone) combinação de ulceração mucosa profunda e espessamento submucoso nodular; granulomas de células, gigantes, característicos, encontrados em 25- 80% dos casos. Obs.: Lesão ulcerada no colo direito com parede contralateral normal. Quadro Clínico Retocolite ulcerativa: variável dependendo da extensão e intensidade das lesões; início insidioso ou abrupto; ritmicidade (75% dos sintomas intermitentes e completa remissão entre ataques, 5-15% sintomas contínuos e 5- 10% apenas um surto); diarreia disenteriforme (colônica) = inúmeras evacuações / dia, fezes líquidas com sangue e pus, cólica abdominal, tenesmo, urgência, febre, perda de peso e mal-estar (fase aguda). - Avaliação clínica da RCU: S0 ou remissão, S1 ou leve, S2 ou moderada, S3 ou grave; parâmetros (número de evacuações / dia; sangramento retal; FC; TC; HB; VHS). - Avaliação endoscópica da RCU: escore parcial de Mayo = Mayo 0 (remissão; exame normal); Mayo 1 (atividade leve; apenas enantema, redução do padrão vascular e minima friabilidade); Mayo 2 (atividade moderada; enantema mais intenso não é possível visualizar a trama vascular, friabilidade e erosões); Mayo 3 (atividade severa; sangramento espontâneo e ulcerações). Doença de Chron: diarreia crônica invasiva associada à dor abdominal; sintomas gerais como febre, anorexia e perda de peso; massa palpável no quadrante inferior direito (pode haver dor = diferencial de apendicite aguda); doença perianal; variável de acordo com a localização e a extensão da doença; semelhantes às da colite ulcerativa na colite de Chron; síndrome disabsortiva grave no acometimento extenso e crônico do delgado; DC gastroduodenal imita a DUP. Complicações Hemorragia digestiva (hematoquezia) Megacólon tóxico (DC e RCU mais grave) Estenoses e fístulas (mais associadas à DC) Câncer Obs.: Malignidade x RCU – fatores de risco (colite extensa; doentes > 8 anos; início na infância ou adolescência; antígeno sialosyl-Ta; história familiar; colangite esclerosante). Manifestações extraintestinais das DII Relacionadas à atividade da DII: artrite periférica; eritema nodoso; aftas orais, episclerite. Sem relação com atividade da DII: colangite esclerosante; espondilite anquilosante, sacroileíte; pioderma gangrenoso, uveítes. Imunomediadas: atropatias, lesões cutâneas. Não imunomediadas: colelitíase; nefrolitíase; anemia; tromboembolismo; TVP; osteoporose e osteomalácia; distúrbios nutricionais e metabólicos. Obs.: O acometimento articular é a manifestação frequente, em geral assimétrico, migratório, pode ser dividido em artropatia periférica tipo I (associada com atividade da doença, acomete grandes articulações < de 5, aguda, assimétrica), artropatiaperiférica tipo II (poliartrite de pequenas articulações ex.: mãos, independente da atividade da doença), artropatia axial (sacroileíte e espondilite anquilosante sem relação com atividade da doença). Diagnóstico Para um diagnóstico correto, a exclusão de causas secundárias, principalmente infecciosas, é bastante importante, uma vez que a doença é idiopática. Fundamentos: quadro clínico; imagem; marcadores sorológicos; histopatologia. Diagnóstico laboratorial: anemia ferropriva; leucocitose; plaquetose; hipoalbuminemia; aumento de VHS, PCR e mucoproteínas; calprotectina fecal (avaliar recidiva, melhor correlação com atividade endoscópica). - Marcadores sorológicos: p-ANCA (maior positividade para RCU) e ASCA (maior positividade para DC). Enema opaco na RCU: pouco usado (preferência por entero-TC e entero-RNM); granulosidade difusa em áreas contíguas – erosões e ulcerações superficiais da mucosa (aspecto em papel rasgado ou borda de selo); perda de haustrações, afilamento e encurtamento do cólon; pseduopólipos; cólon em aspecto tubular; ulcerações assimétricas; fístulas; preservação do reto; íleo terminal comprometido, com refluxo de contraste. Endoscopia: retossigmoidoscopia com biópsias (preparação retrógrada; não precisa de laxantes orais); colonoscopia com biópsias (preparo total do reto e colo; preparação anterógrada com laxantes orais; extensão da doença; diagnóstico diferencial; prevenção do câncer). Doença de Chron: colonoscopia; avaliação do ID = enteroscopia com duplo balão, cápsula endoscópica, enterotomografia, enterorresonância, trânsito intestinal, USG, exame anatomopatológico. Diagnóstico Diferencial Antes de qualquer diagnóstico diferencial com outras doenças, diferenciar a DII entre elas (RCU ou DC). SCI (síndrome do cólon irritável): não apresenta características inflamatórias; enema opaco e sigmoidoscopia normais. Infecção: gastrointerites virais (autolimitadas e pouco inflamatórias); gastroenterites bacterianas (lesões características, ex.: colite pseudomembranosa). Amebíase: aspecto endoscópico semelhante; se já partimos de um exame de fezes antes da endoscopia, torna-se mais fácil diferenciar. Hemorroidas: sangramento retal. Carcinoma de cólon: devido à presença de sintomas crônicos e sangramentos retais intermitentes = importância da colonoscopia. Outras: enterite por radiação; tratamento com AINES, quimioterapia; gastroenterite eosinofílica; doença celíaca; colite isquêmica. RCU DC Envolvimento retal Sempre Comum Lesões descontínuas Incomum Comum Envolvimento transmural Raro Comum Granulomas Ocasional Comum Doença perianal Ausente Comum Mucosa em ladrilhos Rara Comum Úlceras botão de camisa Comum Ocasional Envolvimento ID Raro Comum Envolvimento descontínuo Incomum Comum Fístulas Ausente Comum Constrições Ocasional Comum Úlceras aftosas Ausente Comum Preservação do reto Incomum Comum Úlceras lineares Ausente Comum Úlceras de IT Ausente Comum Tratamento Medicamentos: aminosalicilatos (1ª linha); corticoides (controle nas formas mais graves); antibióticos (acometimento infeccioso); imunossupressores (casos mais graves em que há dificuldade no desmame do corticoide); agentes biológicos (casos selecionados). - Aminosalicilatos: com sulfa (sulfassalazina) e sem sulfa = derivados do 5-ASA (mesalazina), menos efeitos colaterais; mecanismos de ação do 5-ASA (inibição da cascata do ácido araquidônico; inibe produção de radicais livres; inibe função linfo-monocitária e produção de imunoglobulina; inibe IL-1); não devem ser usados nas formas graves; efeitos colaterais (náuseas, mal- estar, cefaleia, mialgias, hemólise, agranulocitose, febre exantema, hepatite, pancreatite, piora da colite, pneumonia, diminui absorção de folato e alteração de espermatozoides). - Corticoides: controle das formas agudas moderadas ou graves; não devem ser usados para manutenção (suspender assim que houver controle da doença); formas = VO (prednisona 40mg/dia), EV (hidrocortisona ou metiltprednisolona) e tópico (clister de hidrocortisona ou budesonida nas formas mais localizadas no reto). - Antibióticos: pouca atuação na RCU; restrita ao tratamento de colites graves ou tóxicas e no momento da bolsite; não é útil para casos menos graves e muito menos para manutenção - Imunosupressores: usados em doses não imunossupressoras, mas sim em doses menores, com atividade anti-inflamatória; medicamentos = azatioprina 2-2,5mg/kg/dia e mercaptopurina 1,5mg/ka/dia; indicações = pacientes com altas doses de corticoide, pacientes refratários ao tratamento padrão, fechamento de fistulas intestinal e perianais, manutenção em casos de intolerância à mesalamina; efeitos colaterais = pancreatite alérgica e neutropenia; ciclosporina EV = RICU grave ou fulminante refratário a corticoterapia. - Agentes biológicos: infliximab e adalimumabe SC – anticorpo anti-fator de necrose tumoral (anti-TNF); usado em casos graves; eficaz na indução e manutenção de remissa clínica; uso sob supervisão médica; agentes anti-integrina = vedolizumabe (entyvio) humanizado. Obs.: Manutenção: aminosalicilatos, nunca corticoides; tempo indefinido (mínimo de 2 anos); menor dose capaz de impedir recidivas; qualquer sintoma de recidiva = dose plena; dieta = pacientes com constipação (rica em fibras); pacientes com cólicas ou diarreias (menos frutas e vegetais frescos); pacientes com perda de sangue (reposição de ferro); pacientes com sulfassalazina (reposição de ácido fólico). Tratamento cirúrgico da RCU Indicações de colectomia: megacólon tóxico ou colite fulminante; perfuração; hemorragia incontrolável; complicações graves dos medicamentos; displasia de alto grau ou câncer; refratariedade ao tratamento clínico. Obs.: A colectomia total tem proposta curativa; a retirada de apenas uma parte do colo favorece recidivas. Doença de Chron Fatores de risco DC agressiva: idade jovem; doença perianal; presença de doença estenosante; necessidade de corticoterapia. Tratamento DC leve/moderada: recomenda-se a estratégia conhecida como step up = iniciar o tratamento com drogas menos potentes (aminosalicilatos). Tratamento DC moderada/grave: estratégia step down; a droga de 1ª escolha para induzir remissão são os biológicos; agentes anti-TNF; terapia dupla = agentes anti-TNF + imunomodulador = mais eficaz e menor sensibilização. Obs.: Cirúrgico DC: ser o mais conservador possível (diferente da RCU); deve ser restrita às complicações locais = obstrução intestinal (estricturoplastia), abcessos, fístulas refratárias, hemorragias maciças, refratariedade ao tratamento clínico, displasia de alto grau, câncer. Obs.: As manifestações extra-intestinais são controladas com o próprio anti-inflamatório. A doença não tem nada a ver com alergia alimentar, portanto a dieta é livre, a não ser que haja ele esteja na fase aguda diarreica (produção de lactose comprometida) ou possua alergia ou intolerância,
Compartilhar