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DIREITO AO ESQUECIMENTO: UM CONFLITO ENTRE A DIGNIDADE DO INDÍVIDUO E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO DA COLETIVIDADE Caio Felipe Larry Barriga Uchôa 1 Cleude dos Santos Fonseca 2 Dayse das Dores Silva Ferreira Bogea 3 Keyson Luís dos Santos Galvão 4 Luís Ricardo Pires Lima 5 Raimundo Nonato Sousa Gomes 6 RESUMO Há uma grande discussão no tocante a entendimentos no que se refere a liberdade de expressão/informação e os atributos do indivíduo tais como: a intimidade, a privacidade e a honra. Nesse sentido, o presente artigo justifica-se na tentativa de compreender os diferentes entendimentos e/ou posicionamentos acerca dessa questão. Para tanto, surge a seguinte problemática: Até que ponto o direito ao esquecimento é um direito no que tange a preservação ou não dos atributos individuais da pessoa humana? A partir dessa indagação, traça-se como objetivos essenciais na tentativa de responder tal problemática, a saber: compreender que a Personalidade e Dignidade são atributos próprios do ser humano; entender até que ponto, conhecer fatos, notícias e acontecimentos da vida pessoal do indivíduo são realmente de interesse coletivo; e por fim, analisar dois casos concretos dessas nuances, de forma a construir uma opinião consistente, mas não conclusiva. Desta feita, a consolidação dessa proposta repousa em um trabalho de cunho bibliográfico, que logicamente não pretende analisar todos os aspectos do tema. Pretende-se portanto, pontuar aspectos principais das relações com esse direito. Assim sendo, o Supremo Tribunal Federal entende que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Palavras – chave: Dignidade da pessoa humana; Direito da Personalidade; Liberdade de expressão e informação. 1INTRODUÇÃO O direito ao esquecimento é um tipo de direito que o indivíduo possui de não permitir e/ou desejar que uma notícia, acontecimento, mesmo que verdadeiro e que se passou em um dado momento de sua vida pessoal ou profissional, venha a ser divulgado, tal qual, possa 1 Técnico em administração; Acadêmico do curso de Direito. E-mail: caiofelipe.larry@gmail.com 2 Pós-graduação em Docência do Ensino Superior – Faculdade Cândido Mendes. Licenciatura em Letras - UEMA; Acadêmica do Curso de Direito. E-mail: cleudefonseca@bol.com 3 Pós-graduação em Supervisão Escolar - IESF; Licenciatura em matemática – UEMA; Acadêmica do curso de Direito. E-mail: suedlorena17@gmail.com 4 Bacharel em Gestão Empresarial- Universidade Estadual do Vale do Acaraú - UVA; Acadêmico do Curso de Direito. E-mail: keyssongalvao@hotmail.com 5 Bacharel em Administração - CEERSEMA. Acadêmico do Curso de Direito. E-mail: asafericardo@gmail.com 6 Pós-graduação em Supervisão Escolar - IESF; Licenciatura em Letras – INSTITUTO APICE; Acadêmica do curso de Direito. E-mail: raimundononatogomes61@gmail.com mailto:caiofelipe.larry@gmail.com mailto:cleudefonseca@bol.com mailto:suedlorena17@gmail.com mailto:keyssongalvao@hotmail.com mailto:asafericardo@gmail.com mailto:raimundononatogomes61@gmail.com de alguma forma submeter-lhe a constrangimento, transtorno ou sofrimento tanto pessoal como familiar. O fundamento legal, no Brasil, repousa dentro da Constituição de forma legal, uma vez que, considera-se um direito à privacidade, a intimidade e a honra, em que os mesmos são assegurados na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, X) e pelo Código Civil/02, artigo 21. Ainda corroborando nesse sentido têm-se ainda que o mesmo decorre da dignidade da pessoa humana, conforme preceitua o artigo 1º, III, da Constituição Federal/1988. Notadamente, há uma grande discussão no tocante a entendimentos no que se refere a liberdade de expressão/informação e os atributos do indivíduo tais como: a intimidade, a privacidade e a honra. Nesse sentido, o presente artigo justifica-se na tentativa de compreender os diferentes entendimentos e/ou posicionamentos acerca dessa questão. Para tanto, surge a seguinte problemática: Até que ponto o direito ao esquecimento é um direito no que tange a preservação ou não dos atributos individuais da pessoa humana? A partir dessa indagação, traça-se como objetivos essenciais na tentativa de responder tal problemática, a saber: compreender que a Personalidade e Dignidade são atributos próprios do ser humano; entender até que ponto, conhecer fatos, notícias e acontecimentos da vida pessoal do indivíduo são realmente de interesse coletivo; e por fim, analisar dois casos concretos dessas nuances, de forma a construir uma opinião consistente, mas não conclusiva. Desta feita, a consolidação dessa proposta repousa em um trabalho de cunho bibliográfico, que logicamente não pretende analisar todos os aspectos do tema. Pretende-se portanto, pontuar aspectos principais das relações com esse direito. 2 DIREITO DA PERSONALIDADE Nesse interim, o direito surgiu como uma forma de organização dos seres humanos, buscando regular a conduta humana, tendo-os como centro do direito, e apesar da dignidade e da individualidade ser algo intrínseco dos indivíduos, o direito precisa ter em seu ordenamento jurídico algo que busca proteger esses direitos da pessoa humana como ser existente, e esses são os direitos da personalidade. “Portanto, é possível afirmar que o direito ao respeito da dignidade da pessoa humana concretiza de fato e de direito uma limitação à liberdade individual de dispor [plenamente] dos próprios direitos, incluindo os da personalidade (vida, liberdade, integridade etc.), tutelando o indivíduo contra si mesmo. Dessa forma, o Estado é obrigado a agir para garantir um conteúdo mínimo e igualitário à esfera jurídica de cada pessoa, abrangendo o direito à vida, à saúde, à integridade, à imagem e à honra, às liberdades, à reserva sobre a intimidade da vida privada, por exemplo.”. (MARIGHETTO, 2019) Os direitos da personalidade são definidos pelo Código Civil como o direito irrenunciável e intransmissível, não podendo sofrer limitação voluntária. Essa personalidade não é a personalidade humana, mas sim a personalidade jurídica que reflete esses direitos a partir do momento que o ordenamento jurídico os recolhe. Os direitos da personalidade foram introduzidos no Brasil com a Constituição Federal de 1988, tendo entre seus direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, o que fez a semente desse direito crescer no Código Civil de 2002. “O novo Código Civil começa proclamando a ideia de pessoa e os direitos da personalidade. Não define o que seja pessoa, que é o indivíduo na sua dimensão ética, enquanto é e enquanto deve ser. A pessoa, como costumo dizer, é o valor- fonte de todos os valores, sendo o principal fundamento do ordenamento jurídico; os direitos da personalidade correspondem às pessoas humanas em cada sistema básico de sua situação e atividades sociais.”. (REALE, 2004) Na lei, cada direito da personalidade é feito para tutelar um valor fundamental e exigem respeito à proteção da integridade física e psíquica, como por exemplo, o corpo, o risco de vida, o nome, a imagem, a honra e a vida privada. E por esse fato, entende-se que as pessoas e/ou qualquer forma de organização não podem usar esses direitos para menosprezar ou expor outras pessoas de forma que ameace sua condição de dignidade e individualidade. 3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: ATRIBUTOS INDIVIDUAIS COMO INTIMIDADE, PRIVACIDADE E A HONRA A dignidade da pessoa humana é um valor resultante dos grandes feitos de uma população que ao longo dos tempos, passou humilhações e perda de sua honra, que por meio da ditaduramilitar, sofreu torturas e desrespeitos, que levaram a inúmeras lutas e desejos que resultaram na Constituição Federal de 1988, em que a natureza da pessoa passa a ser dignificada, confutando arbitrariedades que eram cometidas; conquista esta, cujo valor é imensurável, e que é o norte da Constituição. “Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. (CF/1988, p.07). Houve em nosso país, épocas de abusos sofridos pelo indivíduo de forma severa, desumana pela ditadura militar, porém, com a Constituição Federal de 1988, o valor da dignidade da pessoa humana interveio como encabeçamento do ordenamento jurídico e do novo constitucionalismo representou uma forma de garantir a supremacia constitucional sobre todo ordenamento jurídico do país. 3.1 Princípios constitucionais e preservação da dignidade humana O ser humano possui sua individualidade e características que o diferencia uns dos outros e estabelece uma conexão entre valores morais e a sua dignidade. Nesse prisma, segundo Moraes, a dignidade da pessoa humana encaminhadora da valorização do indivíduo em seu ambiente coletivo. Alexandre de Moraes, (2003, p.129) a conceitua da seguinte forma: A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. Buscando garantir o direito à honra da pessoa, caso sofra um dano moral, é fundamental refletir sobre os valores intrínsecos do indivíduo, sendo valorizado como um ser social. Desta forma, os princípios gerais do direito condicionam e orientam o ordenamento jurídico em sua compreensão e precisam ser orientados de forma coercitiva na emissão do que está regulamentado. [...] o Direito brasileiro consagrou-os como último elo a que o juiz deverá recorrer, na busca da norma aplicável a um caso concreto. Os princípios gerais de direito garantem, em última instância, o critério do julgamento.’’ (NADER,2008, p.199) O princípio da dignidade da pessoa humana originou-se na concepção do cristianismo, em que o homem é visualizado como resultado da ação divina, digno da concepção e ação de ser trado com o devido respeito. Dessa forma, Moraes (2003, p.77) diz que: Foi o Cristianismo que, pela primeira vez, concebeu a ideia de uma dignidade pessoal, atribuída a cada indivíduo. O desenvolvimento do pensamento cristão sobre a dignidade humana deu-se sob um duplo fundamento: o homem é um ser originado por Deus para ser o centro da criação; como ser amado por Deus, foi salvo de sua natureza originária através da noção de liberdade de escolha, que o torna capaz de tomar decisões contra o seu desejo natural. É indispensável, um esquadrinhamento ao direito à honra do indivíduo que possa ser vítima de um dano moral, valorizando o mesmo, como ser social, deixando-o em par igualdade aos demais indivíduos não lhe dando ocasião de ser pensado somente como uma estatística quantitativa populacional. O valor do ser humano, a sua honra, a sua dignidade, independentemente de qualquer requisito, é algo individual, inabdicável e intransferível, algo que constitui a pessoa; é válido proferir que, é a constatação do seu ínsito princípio ético e moral, condizente aos princípios éticos dos outros seres da mesma espécie. Diante de tudo mencionado, entende-se que a Dignidade da Pessoa Humana é uma concepção carente de seguimento, uma vez que, no Brasil, esta, consta no auge dos princípios da Constituição Federal. Os princípios são segmentos que orientam a estruturação jurídica e possíveis conflitos de diretrizes, direcionando-as para melhores soluções estabelecidas na Constituição. 4 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO No que diz respeito à liberdade de expressão e informação, pode-se afirmar que a mesma tem uma nítida correlação entre os direitos fundamentais, mesmo com aqueles os quais ainda não foram explicitamente plantados no ordenamento jurídico. Não obstante a proteção da intimidade e da vida privada, almejados pelo direito ao esquecimento. Desse modo, surge o problema de entendimento: Qual o limite que separa o direito ao esquecimento da censura, vedada pela ordem jurídica brasileira? De fato, mesmo fazendo parte de um ordenamento dentro do direito positivo, tais direitos não são devidamente respeitados, isso é o que constatamos a cada vez que assistimos a um telejornal ou até mesmo na nossa comunidade, mais e mais exemplos de casos de uma violação sistemática dessa liberdade. A justificativa para o reconhecimento de limites ao direito de liberdade de expressão deve basear se, primeiramente, na coesão do sistema jurídico, no propósito de viabilizar a coexistência de direitos aparentemente incompatíveis. Em decorrência, presume se, que a proteção constitucional de um direito não pode estabelecer a impossibilidade de sua restrição quando o abuso em seu exercício implicar a violação de outros direitos fundamentais. (TORRES, 2013, p. 70 e 71) No âmbito internacional, a convenção americana sobre direitos humanos (art. 13, §2º a e b) e o pacto internacional sobre direitos civis e políticos (art. 19, §3º a e b) determinam que o exercício da liberdade de expressão poderá estar sujeito a certas restrições, desde que previstas em lei e que se façam necessárias para: assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública. A liberdade de expressão e informação são asseguradas pela constituição, dessa forma, por outro lado, os casos de violação da privacidade e da intimidade são puníveis e passíveis de indenização por danos morais e materiais. É um valor da democracia, por isso, quanto mais democrática é uma nação, mais livre é o seu povo, tendo a liberdade de expressão um importante papel na legitimação do processo democrático. Mas isso não significa que se revista de caráter absoluto: um direito fundamental encontra limites nos demais direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico de cada Estado. A seguir, passamos a apresentar dois casos concretos com divergentes entendimentos. 5 CASOS CONCRETOS Os casos a seguir foram extraídos de achados em websites7 que apresentam entendimentos contrários sobre o direito ao esquecimento, como se vê a seguir. Chacina da Candelária (REsp 1.334.097) 7 Texto extraído de: https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao- esquecimento https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento Determinado homem foi denunciado por ter, supostamente, participado da conhecida “chacina da Candelária” (ocorrida em 1993 no Rio de Janeiro). Ao finaldo processo, ele foi absolvido. Anos após a absolvição, a rede Globo de televisão realizou um programa chamado “Linha Direta”, no qual contou como ocorreu a “chacina da Candelária” e apontou o nome desse homem como uma das pessoas envolvidas nos crimes e que foi absolvido. O indivíduo ingressou, então, com ação de indenização, argumentando que sua exposição no programa, para milhões de telespectadores, em rede nacional, reacendeu na comunidade onde reside a imagem de que ele seria um assassino, violando seu direito à paz, anonimato e privacidade pessoal. Alegou, inclusive, que foi obrigado a abandonar a comunidade em que morava para preservar sua segurança e a de seus familiares. A 4ª Turma do STJ reconheceu que esse indivíduo possuía o direito ao esquecimento e que o programa poderia muito bem ser exibido sem que fossem mostrados o nome e a fotografia desse indivíduo que foi absolvido. Se assim fosse feito, não haveria ofensa à liberdade de expressão nem à honra do homem em questão. O STJ entendeu que o réu condenado ou absolvido pela prática de um crime tem o direito de ser esquecido, pois se a legislação garante aos condenados que já cumpriram a pena o direito ao sigilo da folha de antecedentes e a exclusão dos registros da condenação no instituto de identificação (art. 748 do CPP), logo, com maior razão, aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, devendo ser assegurado a eles o direito de serem esquecidos. Como o programa já havia sido exibido, a 4ª Turma do STJ condenou a rede Globo ao pagamento de indenização por danos morais em virtude da violação ao direito ao esquecimento. Caso Aída Curi (REsp 1.335.153) O segundo caso analisado foi o dos familiares de Aída Curi, abusada sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história desse crime, um dos mais famosos do noticiário policial brasileiro, foi apresentada pela rede Globo, também no programa “Linha Direta”, tendo sido feita a divulgação do nome da vítima e de fotos reais, o que, segundo seus familiares, trouxe a lembrança do crime e todo sofrimento que o envolve. Em razão da veiculação do programa, os irmãos da vítima moveram ação contra a emissora, com o objetivo de receber indenização por danos morais, materiais e à imagem. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10602347/artigo-748-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1028351/c%C3%B3digo-processo-penal-decreto-lei-3689-41 https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/865642274/recurso-especial-resp-1335153-rj-2011-0057428-0 A 4ª Turma do STJ entendeu que não seria devida a indenização, considerando que, nesse caso, o crime em questão foi um fato histórico, de interesse público e que seria impossível contar esse crime sem mencionar o nome da vítima, a exemplo do que ocorre com os crimes históricos, como os casos “Dorothy Stang” e “Vladimir Herzog”. Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a Turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares. Na ementa, restou consignado: “(...) o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aída Curi, sem Aída Curi.” Assim sendo, já em Fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre tal questão como veremos a seguir. O texto apresentado a seguir foi retirado de website8: Por decisão majoritária, nesta quinta-feira (11), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil. O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscavam reparação pela reconstituição do caso, em 2004, no programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem a sua autorização. Após quatro sessões de debates, o julgamento foi concluído hoje, com a apresentação de mais cinco votos (ministra Cármen Lúcia e ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Luiz Fux). São destacados alguns pontos durante a votação, conforme o entendimento dos magistrados. 1 Solidariedade entre gerações 8 Texto extraído de: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460414&ori=1 http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460414&ori=1 Ao votar pelo desprovimento do recurso, a ministra Cármen Lúcia afirmou que não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão “e, portanto, “como forma de coatar outros direitos à memória coletiva”. Cármen Lúcia fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história. “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”, refletiu. 2 Ponderação de valores No voto em que acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli, pelo desprovimento do RE, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a liberdade de expressão é um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas. No seu entendimento, enquanto categoria, o direito ao esquecimento só pode ser apurado caso a caso, em uma ponderação de valores, de maneira a sopesar qual dos dois direitos fundamentais (a liberdade de expressão ou os direitos de personalidade) deve ter prevalência. “A humanidade, ainda que queira suprimir o passado, ainda é obrigada a revivê-lo”, concluiu. 3 Exposição vexatória Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes votou pelo parcial provimento do RE, acompanhando a divergência apresentada pelo ministro Nunes Marques. Com fundamento nos direitos à intimidade e à vida privada, Mendes entendeu que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas (autor e vítima) é indenizável, ainda que haja interesse público, histórico e social, devendo o tribunal de origem apreciar o pedido de indenização. O ministro concluiu que, na hipótese de conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso, é necessário examinar de forma pontual qual deles deve prevalecer para fins de direito de resposta e indenização, sem prejuízo de outros instrumentos a serem aprovados pelo Legislativo. 4 Ares democráticos O ministro Marco Aurélio também seguiu o relator. A seu ver, o artigo 220 da Constituição Federal, que assegura a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, está inserido em um capítulo que sinaliza a proteção de direitos. “Não cabe passar a borracha e partir para um verdadeiro obscurantismo e um retrocesso em termos de ares democráticos”, avaliou. Segundo o ministro, os veículos de comunicação têm o dever de retratar o ocorrido.Por essa razão, ele entendeu que decisões do juízo de origem e do órgão revisor não merecem censura, uma vez que a emissora não cometeu ato ilícito. 5 Fato notório e de domínio público Para o presidente do STF, ministro Luiz Fux, é inegável que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, e, quando há confronto entre valores constitucionais, é preciso eleger a prevalência de um deles. Para o ministro, o direito ao esquecimento pode ser aplicado. Mas, no caso dos autos, ele observou que os fatos são notórios e assumiram domínio público, tendo sido retratados não apenas no programa televisivo, mas em livros, revistas e jornais. Por esse motivo, ele acompanhou o relator pelo desprovimento do recurso. Não participou do julgamento o ministro Luís Roberto Barroso, que declarou sua suspeição, por já ter atuado, quando era advogado, em outro processo da ré em situação parecida com a deste julgamento. Tese A tese de repercussão geral firmada no julgamento foi a seguinte: “É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”. CONCLUSÃO Os direitos da personalidade são definidos pelo Código Civil como o direito irrenunciável e intransmissível, não podendo sofrer limitação voluntária. Essa personalidade não é a personalidade humana, mas sim a personalidade jurídica que reflete esses direitos a partir do momento que o ordenamento jurídico os recolhe. Na lei, cada direito da personalidade é feito para tutelar um valor fundamental e exigem respeito à proteção da integridade física e psíquica, como por exemplo, o corpo, o risco de vida, o nome, a imagem, a honra e a vida privada. O ser humano possui sua individualidade e características que o diferencia uns dos outros e estabelece uma conexão entre valores morais e a sua dignidade. Buscando garantir o direito à honra da pessoa, caso sofra um dano moral, é fundamental refletir sobre os valores intrínsecos do indivíduo, sendo valorizado como um ser social. No que diz respeito à liberdade de expressão e informação, pode-se afirmar que a mesma tem uma nítida correlação entre os direitos fundamentais, mesmo com aqueles os quais ainda não foram explicitamente plantados no ordenamento jurídico. Dessa forma, as normas de proteção aos direitos fundamentais garantem a tutela da liberdade de expressão sem, no entanto, esquecer -se do princípio da dignidade da pessoa humana e proteção aos demais direitos fundamentais que possam, porventura, colidir com o direito à liberdade de expressão. Portanto, o Supremo Tribunal Federal conclui que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. MARIGHETTO, Andrea. A dignidade humana e o limite dos direitos da personalidade. Consultor Jurídico (ConJur), 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago- 21/marighetto-dignidade-humana-limite-direitos-personalidade#_ftn1. Acesso em: 15 mar. 2021. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 129. https://www.conjur.com.br/2019-ago-21/marighetto-dignidade-humana-limite-direitos-personalidade#_ftn1 https://www.conjur.com.br/2019-ago-21/marighetto-dignidade-humana-limite-direitos-personalidade#_ftn1 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 30ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. REALE, Miguel. Os Direitos da Personalidade. Site Miguel Reale, 2004. Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm. Acesso em: 15 mar. 2021. SUPREMO TRIBUBAL FEDERAL. Informativo n. 345, 12 de Fevereiro de 2021. Disponível:http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460414&ori=1 Acesso em: 10.04.2021 TORRES, Fernanda Carolina. O direito fundamental à liberdade de expressão e sua extensão, 2013. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/ Acesso em: 24 de março de 2021. Website: https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito- ao-esquecimento http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460414&ori=1 http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460414&ori=1 https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/ https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento
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