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Competências socioemocionais E s p E c i a l Como trabalhar essas competências para favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento integral dos alunos Índice 1. por que investir em formação continuada em competências socioemocionais? ................................ 4 2. acolhimento: como fortalecer os vínculos e engajar os alunos ........... 20 3. adaptação: as competências socioemocionais como suporte para o ensino remoto ou misto .................. 33 4. Equidade: o papel das socioemocionais na redução das desigualdades .................................... 55 5. para se aprofundar no tema ....... 68 3 im ag em : a nd ré a sa hi da 4 1. Por que investir em formação continuada em competências socioemocionais? Quando se organiza programas voltados às socioemocionais, todos têm a ganhar – professores, alunos e a própria gestão. Saiba o que levar em consideração nesse momento, e o passo a passo para consolidar, na sua escola, iniciativas envolvendo essas competências Victor santos | 09 de junho de 2021 Im ag em : G et ty im ag es 5 De todas as transformações provocadas pela pandemia da covid-19, uma das maiores revoluções aconteceu na área da Educação. as escolas, baseadas em trocas presenciais entre os alunos e os educadores, eram bastante ‘analógicas’ e transferiram suas atividades para o contexto remoto e digital. Os professores precisaram se reinventar e gestores escolares se organizaram para não perder alunos que, por sua vez, enfrentaram dificuldades de acesso às tecnologias, em muitos casos precisando da entrega de materiais impressos. Esses e outros percalços ocorreram em meio a uma pandemia que, até junho de 2021, levou mais de 470 mil brasileiros à morte; muitos deles, certamente, pessoas próximas de educadores e estudantes. 6 “a vivência da pandemia e do ensino remoto ou híbrido são as questões do momento, e justamente por serem dificuldades, exigem de nós diferentes recursos emocionais para lidar com cada uma delas”, sintetiza Rosane Voltolini, psicóloga e especialista em saúde mental coletiva, que atua na coordenação e implementação de programas internacionais por meio da associação pela saúde Emocional de crianças (asEc). assim, nesse momento tão complexo, ganharam ainda mais evidência as tão faladas competências socioemocionais. Mas afinal, o que são essas competências? Quais são os maiores benefícios e pontos de atenção no trabalho com elas na 7 escola? E como a gestão pode implantar programas de formação em competências socioemocionais? NOVa EscOla conversou com quatro educadoras que ajudaram a ampliar a compreensão do conceito e detalharam como consolidar programas nessa área. Competências socioemocionais: definição e importância no ambiente educacional atuando há 13 anos no desenvolvimento de competência socioemocionais em diferentes faixas etárias, a psicóloga Rosane Voltolini as define como sendo “um conjunto de habilidades para lidar com nossas emoções durante os desafios 8 cotidianos, e que estão ligadas à nossa capacidade de conhecer, conviver e ser”. segundo ela, em situações desafiadoras, essas competências nos ajudam a encontrar soluções mais assertivas e eficazes”. a especialista Danila Di pietro, formadora de professores em escolas públicas e particulares, pesquisadora na área de psicologia Moral e suas relações com competências socioemocionais, integrante do Grupo de Estudos e pesquisas em Educação Moral (GEpEM) da Unesp/Unicamp, comenta que, ao longo dos seus estudos, constatou que “existem muitos conceitos, definições e propostas de conjuntos de competências socioemocionais, o que mostra que não se tratam 9 de propostas definitivas, e sim, construídas.” [leia sobre algumas propostas no box]. Ela explica que “competências socioemocionais são a manifestação de conhecimentos, habilidades e atitudes que envolvem as dimensões social, emocional e intelectual”, e enfatiza, baseada em sua experiência acadêmica e profissional, que “essas competências devem ser selecionadas a partir de uma análise ética, de uma reflexão moral, para então poderem responder a demandas do cotidiano”. segundo a pesquisadora, as socioemocionais são importantes mas não suficientes para dar conta das relações humanas na escola: enquanto elas auxiliam no como agir, a moral ajuda no por que agir, levando o sujeito a 10 escolher atitudes justas, solidárias ou respeitosas. “Apesar de serem muitas as definições e correntes, o fato do trabalho com socioemocionais nas escolas ter sido tão alardeado e popularizado nos últimos anos foi importante para reforçar que a escola não é local apenas de desenvolvimento intelectual, mas também de desenvolvimento humano, nos planos individual e coletivo”, ressalta Danila. com a pandemia, habilidades sociais e emocionais vem sendo cada vez mais requisitadas, deixando claro que a escola não pode abrir mão delas. competências socioemocionais, ambiente escolar e formação de professores 11 a presença das socioemocionais nas escolas públicas realmente agregou em muitos aspectos, de acordo com duas gestoras ouvidas por NOVa EscOla. “a gente já vêm trabalhando com questões socioemocionais há uns cinco anos”, comenta Denise Nery, diretora da Escola Municipal Vitalina Rossi, de Ensino Fundamental 2, em poços de caldas (MG). “para nós, sempre foi um ponto relevante. sem elas, a aprendizagem não flui”. se já era importante antes, no pós- pandemia será fundamental. “a escola terá muitas coisas a abordar: a questão do luto, porque muitos perderam pais ou pessoas queridas; o próprio medo dessa reabertura que se aproxima; e ainda, o que os estudantes esperam para o futuro. 12 Todos esses elementos passam pelas socioemocionais”, descreve Denise. “É essencial pensar em primeiro lugar nas formações dos professores. se eles não estiverem bem emocionalmente, como vão acolher os alunos? por isso, minha escola partiu do acolhimento ao professor”. a gestora procura fazer parcerias com universidades. assim, alunas de psicologia da pUc de poços de Caldas fizeram cinco encontros focados no estresse emocional dos professores, perpassando por questões como luto, solidão e ansiedade. “Era tudo o que estávamos sentindo durante a pandemia, então professores se sentiram amparados”. Nos encontros semanais de formação com a sua equipe de educadores, Denise 13 também enfatiza o trabalho com socioemocionais. “Busco incorporar nas reuniões temas trazidos pelos próprios educadores. Foram eles que sugeriram discutirmos a solidão, e construímos uma formação baseada no livro paisagens da solidão, do Yves de la Taille, que nos trouxe bons momentos de reflexão”. Reflexões envolvendo professores e gestão por meio das socioemocionais também fazem parte das dinâmicas da coordenadora pedagógica Maria Helena Ferreira lima, da rede do ceará, estado que possui parceria em formações em socioemocionais com o instituto ayrton senna. Em tempos presenciais, a coordenadora pedagógica da Escola de Ensino Médio (EEM) José cláudio de araújo, em Mucambo (cE) relembra 14 que desenvolveu, em cinco dias alternados, a chamada ‘maratona de socioemocionais’ com seus professores, em que cada uma das cinco macrocompetências foi explorada por eles em alguns desafios. Um exemplo: praticar a autogestão por meio da organização de um espaço doméstico ou do próprio armário na escola. “É necessário gastar algum tempo para que o professor tenha vivência e experiências e consiga, depois, levar isso aos seus alunos”. segundo Maria Helena, a gestão precisa estar afinada com essa capacitação. “precisamos demonstrar que temos fragilidades e estamos preocupadas com a nossa própria formação pessoal. assim estimulamos o desenvolvimento da equipe”, diz. a coordenadora cearense organizou 15 uma atividade remota que funcionou ao mesmo tempo com professorese alunos, sob o tema “O que nos move?”. além de provocar troca de ideias, sinalizou a todos que é preciso ir em frente, escolhendo um rumo, mesmo em situações de crise. Mesmo tendo organizado essas formações, as duas gestoras salientam uma dificuldade relacionada à própria bagagem acadêmica. “Nós, pedagogos, não somos formados para formar, é um desafio”, comenta a diretora Denise Nery. “acredito que trazemos lacunas da nossa formação inicial, e até uma certa fragilidade no autoconhecimento, que é ponto de partida para o trabalho com socioemocionais”, observa Maria Helena. 16 Como planejar uma formação continuada em competências socioemocionais? a seguir, elencamos tópicos considerados importantes pelas quatro profissionais entrevistadas no planejamento de uma formação – lembrando que não se trata de um passo a passo estruturado, e sim, de recomendações para auxiliar na construção do percurso. Olhar para o contexto – o planejamento de uma formação continuada parte sempre da necessidade de cada rede e instituição. “É preciso considerar o chão da escola, para então trabalharmos com o que temos 17 dentro da nossa realidade”, enfatiza a coordenadora Maria Helena; Acolhimento – a capacitação em socioemocionais precisa de um olhar inicial cuidadoso em relação aos professores. “É interessante se perguntar: como faço para que a equipe se sinta confortável para compartilhar experiências e construir vínculos entre si?”, destaca Maria Helena. a psicóloga e especialista Rosane Voltolini reforça que “é preciso, nesse momento, oferecer espaços de escuta aos seus profissionais”; Definir a finalidade das competências e as necessidades da escola – esse ponto, segundo a pesquisadora Danila Di pietro, 18 é crucial. “Questione-se: por que a escola está promovendo essa formação entre professores, e assumindo uma demanda como essa? O que a gente precisa aprender sobre isso? Trata-se de uma escolha política das escolas, e o cruzamento das respostas desses questionamentos ajuda a realmente estabelecer um plano de formação”, pontua; Proporcionar a base teórica – como já destacado anteriormente, são múltiplas as perspectivas e metodologias envolvendo socioemocionais. as quatro especialistas ressaltam que é preciso decidir o que será estudado e buscar referências, seja em leituras e estudos, ou mesmo com consultorias e treinamentos 19 externos, quando possível; Vincular à prática - feita a reflexão teórica, surge o momento de realizar o diálogo com a realidade da escola, que já foi devidamente analisada. “Uma boa pergunta norteadora é: quais as decisões coletivas nossa escola vai tomar com base nesses estudos?”. a coordenadora Maria Helena aponta que a socialização de experiências entre os pares é muito importante, de forma que ao longo dessas dinâmicas os professores se vejam como corresponsáveis do processo de formação; Fechamento - uma vez que os professores já aprenderam e aprimoraram as suas competências socioemocionais, é válido estabelecer combinados, como uma agenda de encontros, para que esse processo 20 continue em andamento, consolidando o desenvolvimento contínuo e o reconhecimento da equipe. Por fim, é importante ter em mente que só passando por processos formativos em que possam debater e vivenciar o trabalho com essas competências, os professores conseguirão oferecer aos alunos o suporte necessário. “se professores e alunos não estiverem bem, não vai ter como pensar na parte pedagógica na retomada presencial. Estamos voltando de um momento muito difícil, pelo qual ninguém tinha passado, então não dá para ser de qualquer maneira. É preciso escuta e acolhimento, e por isso as socioemocionais serão protagonistas”, conclui a diretora Denise. 21 As teorias que embasam as socioemocionais Entre as muitas linhas teóricas e perspectivas que existem, duas das mais difundidas no Brasil são a da organização americana collaborative for academic, social, and Emotional learning (casel), de chicago (EUa), e a corrente denominada Big Five Factors (cinco Grandes Fatores de personalidade). O casel trabalha com cinco competências principais. as duas primeiras, autoconsciência e autogestão, se situam no campo do ‘eu’ (tentando responder perguntas como quem eu sou? O que faz sentido para mim?); as competências seguintes, consciência social e habilidades de relacionamento, já 22 fazem um deslocamento de olhar para o coletivo; e a quinta competência, tomada de decisão responsável, propõe ao sujeito pensar de maneira crítica (veja a representação gráfica do casel aqui). O uso dessas cinco competências é balizado pela regulação dos valores morais. Já o Big Five leva em conta cinco grandes dimensões, consideradas características da personalidade dos indivíduos, as macrocompetências autogestão, abertura ao novo, amabilidade, engajamento com os outros e resiliência emocional. Essas cinco agrupam 17 competências. Elas englobam fatores como determinação e responsabilidade, assertividade, empatia e respeito, tolerância ao estresse, e outras características que você pode ver aqui. 23 im ag em : a nd ré a sa hi da 24 2. Acolhimento: como fortalecer os vínculos e engajar os alunos A escuta ativa e propostas focadas no desenvolvimento de competências socioemocionais são estratégias para estimular crianças e adolescentes a permanecer na escola paula salas | 16 de junho de 2021 Im ag em : G et ty im ag es 25 a professora Marcela saramela recebeu uma ligação com um pedido de ajuda da mãe de um dos seus alunos do 3º ano do Fundamental, da Escola Municipal Jael Da silva Barradas, em Boa Vista (RR). Ela e o marido estavam desempregados e iriam morar em uma fazenda, mas não queriam que o filho ficasse sem atividades por não ter acesso a internet. a educadora ouviu e disse que adiantaria seu planejamento para que na próxima sexta-feira a mãe pudesse retirar as atividades impressas. a cada semana, ela ia para um lugar próximo onde conseguia internet para enviar as fotos das atividades para a correção da professora e baixar as da semana seguinte. "Eu tenho feito assim com ela. isso é acolher. saber que você está lá para ouvir, apoiar, 26 ajudar da forma que for possível, incentivar", resume a educadora. Essa relação de troca e abertura com as famílias e os alunos é fundamental durante a pandemia. "Todo dia eu pergunto como todos estão, se não postam as atividades, eu ligo para perguntar [se está tudo bem, se aconteceu algo]. Foi um vínculo de confiança que criei com eles através do diálogo", conta Marcela. Não é de hoje que a educadora preocupa-se com o lado emocional dos pequenos. "as emoções são importantes para o aprendizado, para a vida [dos alunos] e para minha atuação como professora", conta. No presencial, ela usava a contação de histórias e fazia uma observação atenta da turma para perceber necessidades de intervenção. "as crianças ganham 27 confiança quando demonstramos que estamos abertos. Elas mesmo pedem para conversar comigo [sobre os problemas que enfrentam ou algo que estão sentindo]", relata a professora de Boa Vista. Essa abertura e contato com os sentimentos não acontece apenas com os mais novos. a escuta ativa foi uma estratégia importante que se tornou rotina no colégio Municipal Evência Brito, em Ribeira do pombal (Ba). "Trabalhamos não só os conteúdos, mas cuidamos deles como pessoas", afirma Kelly Souza de Oliveira, professora de língua portuguesa para o Fundamental 2 na instituição. A verificação de como estavam era contínua. Quem não se sentia confortável em compartilhar no grupo 28 do Whatsapp da turma, conversava em particular com a educadora. Esse trabalho fez parte de uma iniciativa de toda a rede municipal, em parceria com a Nossa Escola pesquisa sua Opinião (Nepso), de fortalecimento dos laços, de escuta e foco nas emoções durantea pandemia, no qual foram realizadas pesquisas, utilizando formulários do Google que eram divulgados pelos grupos do Whatsapp, para saber o acesso às atividades remotas, suas dificuldades e seu estado emocional. participaram 301 alunos da rede, dos quais 48% tinham entre 13 e 14 anos. Entre os tópicos apresentados, eles responderam do que mais sentem falta: 75% disse que é da explicação dos professores, 63% http://www.nepso.net/ http://www.nepso.net/ 29 que é do contato com os amigos; 66% concorda muito que a escola tem o compromisso com seus alunos e será capaz de superar os desafios do período. O vídeo com os resultados mostra relatos dos alunos sobre a experiência com o remoto, como se adaptaram e o que foi possível aprender durante a pandemia. a partir dos dados obtidos, novas estratégias para o ensino remoto foram pensadas. Os impactos da pandemia nos vínculos sem o contato presencial e a rotina escolar, os vínculos foram enfraquecidos ou, pelo menos, modificados ao serem mediados sempre pela tecnologia. por isso, entre os diferentes impactos que https://www.youtube.com/watch?v=M1CfrjwlZ44&ab_channel=semepombal https://www.youtube.com/watch?v=M1CfrjwlZ44&ab_channel=semepombal 30 a pandemia trouxe, um ponto fundamental é organizar ações para restabelecer e fortalecer essas relações. "a escola pode oferecer apoio para as crianças que enfrentam dificuldades", afirma Marcela almeida, diretora pedagógica do Vila Educação, instituto especializado em aprendizagem socioemocional com atuação na rede pública e particular com o programa compasso socioemocional. Neste trabalho, o acolhimento tem um papel fundamental. a equipe gestora e os professores podem buscar formas de estreitar os laços com os alunos e famílias para construir um senso de comunidade que será fundamental para superar os desafios impostos pela covid-19. "Às vezes, os educadores têm 31 medo de aparecer algo que não vão conseguir lidar. Mas o que precisa é só alguém para ouvir, acolher e não julgar. Uma pessoa que ofereça suporte", explica a especialista. além de uma escuta atenta, é necessário abrir espaços para compartilhar experiências. Dentro das turmas, por exemplo, ter momentos de trocas e fazer o reconhecimento dos colegas. "É um caminho para se fortalecer como grupo, estimular a resiliência e mostrar que, apesar das dificuldades, temos capacidade de aprender e superar", explica Marcela. segundo ela, isso não é negar os sentimentos, mas encontrar boas estratégias para lidar com eles. "Não basta sentir [a tristeza ou a frustração], é preciso identificar o sentimento, falar sobre ele, se acalmar 32 e buscar uma estratégia positiva, por exemplo, dedicar-se a um determinado objetivo”, diz a especialista. As socioemocionais e o desafio do engajamento O acolhimento e empatia são fundamentais não apenas por estarmos atravessando os desafios da pandemia. as competências socioemocionais têm um papel importante no desenvolvimento cognitivo das crianças. "Quem tem dificuldade de aprendizagem, quando é trabalhado o emocional, consegue aprender melhor", explica a professora Marcela. "passa a se enxergar de outra forma e consegue desenvolver confiança em si mesmo", finaliza. Com isso, o aluno se sente mais motivado a persistir nos 33 estudos, mesmo estando em casa. Esse incentivo acontece de diversas formas, inclusive nas devolutivas das atividades, porque as crianças sabem que a professora vai ver e sentem vontade de fazer bem feito. para manter o engajamento e o esforço e recuperar as aprendizagens que ficaram para trás, Marcela aponta a importância de desenvolver a autorregulação — que também pode ser chamada de autogerenciamento, a depender da tradução. O instituto Vila Educação, a partir dos referenciais da organização americana collaborative for academic, social, and Emotional learning (casel), define a competência como a "capacidade para gerenciar emoções, pensamentos e comportamentos de forma eficaz, em diferentes situações e para https://novaescola.org.br/conteudo/11731/criancas-precisam-aprender-habilidades-socioemocionais-na-escola https://novaescola.org.br/conteudo/11731/criancas-precisam-aprender-habilidades-socioemocionais-na-escola https://novaescola.org.br/conteudo/11731/criancas-precisam-aprender-habilidades-socioemocionais-na-escola 34 atingir objetivos e aspirações". isto é, relaciona-se com a habilidade de controlar as próprias emoções, lidar com o estresse, desenvolver automotivação e tomada de iniciativa para planejar e organizar as ações para atingir os objetivos — neste caso, as aprendizagens a serem recuperadas. Dar ferramentas para as crianças falarem e refletirem sobre como estão se sentindo é o que faz a professora Marcela, que dá aulas para o 3º ano. Entre as atividades que estimulam essa abertura, destaca a contação de histórias como um caminho interessante — durante a pandemia, ela criou um canal no youtube para disponibilizar leituras que faria em sala. "a história do Monstro das cores [livro de anna llenas] é a que mais gosto para o https://www.youtube.com/watch?v=IPd_ULzZ3h0&ab_channel=TiaMarcelaSara https://www.youtube.com/watch?v=IPd_ULzZ3h0&ab_channel=TiaMarcelaSara 35 acolhimento, porque mostra que a criança tem vários sentimentos e ela precisa organizá-los de alguma forma, refletir sobre cada um deles e criar estratégias para se sentir melhor", compartilha a educadora. para a professora dos anos iniciais, o controle das emoções é um dos maiores desafios para os alunos, por isso vê que deve ser um dos enfoques das atividades propostas. Quando a volta à escola for possível, o acolhimento ganhará um papel ainda maior. "acolher não é só dar um abraço. É mostrar a escola como um lugar importante, para que a criança ou adolescente sinta vontade de ir", explica Marcela, do instituto Vila Educação. No processo de acolhimento, a especialista destaca a competência consciência social, 36 muito relacionada com a empatia e preocupação com o sentimento do outro. Uma sugestão é abrir espaços para fazer uma escuta ativa, rodas de conversa em que possam ser compartilhadas experiências, pensamentos e emoções vividas na pandemia. "É importante dar conforto para que o aluno tenha desejo de perseverar para prosperar", diz Marcela. “Não sabemos como vai ser a nova forma de educar, mas esse retorno vai ser marcante por conta de todas as dificuldades da pandemia. Teremos que lidar com as situações que aparecerem, ajudar com o que puder, seja na escola ou em casa”, complementa Kelly. 37 6 dicas para acolher alunos e família Estar presente no momento: pode parecer clichê, mas estar focado e fazer uma escuta atenta é fundamental. Dessa forma, o aluno ou o familiar se sentirá mais seguro e fortalecerá os laços. Não fazer julgamentos: o espaço da escola deve ser um lugar seguro. para que as pessoas se abram e compartilhem suas questões, precisam sentir que não estão sendo julgadas. para isso, é necessário estar de coração aberto nesta escuta, sem fazer julgamentos ou acusações, mas sempre procurando entender os contextos e as perspectivas de cada um. 38 Realizar um check-in emocional: sempre perguntar aos alunos no começo do dia como eles estão, como estão se sentindo. Esse trabalho pode ser feito, inclusive, durante o ensino remoto, nos grupos de Whatsapp ou nos encontros síncronos. Utilize esse momento para lembrá-los dos seus sonhos e objetivos como forma de motivação para superar os desafios. Cuidar de si mesma: "É um desafio acolher se o professor também está fragilizado", afirma Marcela. Por isso, há um trabalho fundamental da equipe: investigar as próprias emoções e adotar estratégias para cuidar de si. contar com uma rede de apoio e pessoas em quem confie para falar dos desafios faz toda diferença. 39 Trabalhar em conjunto: a preocupação pelo acolhimento deve ser detoda a escola. Os professores não podem fazer isso sozinhos, devem ter o apoio da equipe gestora — inclusive com encontros formativos sobre o assunto para prepará-los a como desenvolver as competências socioemocionais com a turma. https://novaescola.org.br/conteudo/20409/especial-competencias-socioemocionais-coordenacao-pedagogica-por-que-investir-em-formacao-continuada-em-competencias-socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/20409/especial-competencias-socioemocionais-coordenacao-pedagogica-por-que-investir-em-formacao-continuada-em-competencias-socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/20409/especial-competencias-socioemocionais-coordenacao-pedagogica-por-que-investir-em-formacao-continuada-em-competencias-socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/20409/especial-competencias-socioemocionais-coordenacao-pedagogica-por-que-investir-em-formacao-continuada-em-competencias-socioemocionais 40 Conheça 4 materiais sobre acolhimento Confira sugestões de atividades, roteiros, documentos e cursos sobre como fazer esse trabalho na escola 1. Protocolo acolhimento: ações híbridas e contínuas produzido pelo instituto Unibanco, o documento é direcionado para os gestores escolares. Nele, você encontrará informações e roteiros para acolher a equipe e a comunidade escolar. 2. De volta à escola: estratégias para a acolhida pós-isolamento social O instituto ayrton senna criou um plano de acolhida na volta às aulas. as atividades propostas focam no desenvolvimento de competências 41 socioemocionais tais como Foco, Respeito, Empatia, Tolerância ao Estresse e imaginação criativa. 3. Biblioteca de atividades para aulas à distância O programa compasso socioemocional, desenvolvido pelo instituto Vila Educação, disponibilizou um banco de 20 atividades com foco no desenvolvimento socioemocional para crianças da Educação infantil e anos iniciais do Fundamental que podem ser realizadas a distância. para baixar, basta cadastrar-se gratuitamente e colocar em prática. 4. Guia orientador do docente para acolhimento emocional em tempos de pandemia Diversas redes e institutos 42 criaram orientações para fazer o acolhimento na escola. Uma delas é o instituto Federal do pará, que preparou um guia com orientações sobre saúde mental e Educação socioemocional com foco no acolhimento durante a pandemia. 43 Im ag em :A nd ré A sa hi da 44 3. Adaptação: as competências socioemocionais como suporte para o ensino remoto ou misto Focadas no protagonismo do aluno, novas formas de ensinar e aprender mobilizam diversas competências e desafiam professores, crianças e adolescentes Victor santos | 23 de junho de 2021 Im ag em : G et ty im ag es 45 O professor de Educação Física Romulo Macedo Monteiro já realizava, em tempos de ensino presencial, um trabalho envolvendo competências socioemocionais – assim como faziam os seus colegas da Escola de Ensino Médio em Tempo integral professora Maria afonsina Diniz Macêdo, em Várzea alegre (cE). “Quando os alunos tinham contato o dia todo, a competência ‘engajamento com os outros’ era a que eu mais explorava. Afinal, eram muitas as situações de relacionamento envolvidas na convivência diária”, relembra. apesar disso, o educador relata que em meio a todos os desafios que se impuseram no mundo da educação desde o início da pandemia, o trabalho com socioemocionais continua essencial, funcionando https://novaescola.org.br/conteudo/11736/para-entender-as-competencias-gerais-da-base-e-as-socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/11736/para-entender-as-competencias-gerais-da-base-e-as-socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/20217/colunas-pedagogicas-monica-zonta-do-limao-uma-limonada-a-reinvencao-da-pratica-pedagogica-durante-o-ensino-remoto 46 como um dos principais pontos de apoio na adaptação pela qual a sua escola – assim como as instituições de todo o país – está passando. Trata-se de um momento em que emergem inúmeras situações novas envolvendo os processos de ensino, ao mesmo tempo em que os professores precisam acolher e envolver os estudantes. “as socioemocionais têm contribuído para a permanência dos alunos nas escolas e para o bem-estar deles”, comenta o professor, citando exemplos do dia a dia. “além da mobilização que fizemos em 2021 para recepcionar de forma remota alunos que nunca tínhamos visto, eu particularmente destacaria a competência da ‘autogestão’. Desde o início da pandemia, os estudantes https://novaescola.org.br/conteudo/20410/especial-competencias-socioemocionais-acolhimento-vinculos-aprendizagem 47 precisaram descobrir como organizar as suas rotinas – como a hora de dormir e acordar – e aprender a separar momentos para acompanhar as aulas, em horários estabelecidos de acordo com as possibilidades deles, não se esquecendo de reservar um tempo para o lazer”. Consolidando a autonomia dos alunos atuar para que os seus estudantes desenvolvam mais autonomia não é uma exclusividade de docentes que dão aulas para adolescentes. a professora de Educação infantil sílvia anália Jericó conta que na sua turma de 4 anos na Escola Municipal Bento Freire de souza, em chorrochó (Ba), “foi visível o benefício de trabalhar as competências socioemocionais ao longo 48 da pandemia, porque estamos todos em processo de adaptação a uma nova rotina: professores, pais e crianças”. as competências estão inseridas na rotina, pois sua escola utiliza a cloe, uma plataforma digital de aprendizagem (que propõe projetos com metodologias ativas, alinhados às competências da BNCC). A pandemia acelerou o uso dessa e de outras tecnologias como Whatsapp, Google Meet e Google classroom, exigindo formações e uma verdadeira reinvenção profissional. “Cada vez mais descobrimos a importância da tecnologia no avanço da aprendizagem, e investimos em metodologias ativas que colocam os alunos no centro”, comenta a professora. “Essas atividades desenvolvem várias características, com destaque para https://novaescola.org.br/conteudo/20409/especial-competencias-socioemocionais-coordenacao-pedagogica-por-que-investir-em-formacao-continuada-em-competencias-socioemocionais 49 a criatividade e a autonomia. Tudo isso, claro, com o acompanhamento do professor, para que se dê de forma efetiva e significativa.” autonomia também foi destacada pela professora aline pereira Graciosa, que atua no Ensino Fundamental 1 e atualmente é supervisora pedagógica na Escola Municipal Dom Othon Motta, em campanha (MG). Há três anos a rede de ensino municipal adotou a solução do Programa Semente; o início das atividades aconteceu quando ela lecionava em uma escola rural. “primeiro tivemos formações nessas competências, trabalhando em nós mesmos questões como autocontrole e resiliência”, recorda, “em seguida, foi a vez das crianças, e o conceito de aluno protagonista foi https://novaescola.org.br/conteudo/20150/colunas-pedagogicas-21-selene-coletti-protagonismo-do-aluno-conheca-6-praticas-para-desenvolver-no-dia-a-dia 50 essencial: elas elaboraram uma carta compromisso, em que reconheciam seus sentimentos e emoções, e os pontos que gostariam de desenvolver, como ter boas amizades e ser respeitadas”. aline aponta que os resultados foram interessantes não só com a turma, mas repercutiram entre as próprias famílias. “No ensino remoto, tudo ficou mais complexo, porque as interações nas atividades são fundamentais, e temos poucos momentos síncronos”, lamenta a supervisora escolar. ainda assim, as duas educadoras reforçam a percepção de que recursos digitais serão uma constante mesmo com a retomada presencial. “Nunca mais vamos estar à frente dos alunos apenas com a lousa e com a voz”, comenta a professora 51 sílvia, algo que a supervisora aline também enfatiza, indicando que “uma mudança estrutural na sala de aula vai ter que acontecer, porque os próprios alunos vão pedir isso”.Novas formas de ensinar e aprender Os relatos dos três professores mostram como algumas questões já se inseriam na Educação mesmo antes da covid-19. “Quando a BNcc trouxe as competências gerais, ela justamente passou a colocar em foco a formação do indivíduo, vendo-o como um agente da cidadania, alguém que por meio de valores, atitudes e reflexões, vai ajudar a construir a sociedade”, explica Inês Kisil Miskalo, gerente- executiva de Educação do instituto 52 ayrton senna, “o que aconteceu foi que a pandemia deu uma chacoalhada nos processos e nas pessoas. a escola passou a ir até o aluno, descentralizou o processo educacional e expôs aos professores uma diversidade de contextos”. O cenário intensificou o olhar para sentimentos, emoções e vida em sociedade por parte de professores e estudantes. “as competências socioemocionais se tornaram fundamentais na área da Educação, especialmente empatia e resistência à frustração, que não eram tão visíveis anteriormente”, diz inês. a ênfase nesses dois elementos se dá, em primeiro lugar, porque crianças, adolescentes e educadores sofreram perdas nesse período, e é preciso saber se colocar no 53 lugar do outro no momento do acolhimento. além disso, os diversos contextos de ensino apresentados se tornaram um desafio e tanto para os professores. Eles se depararam com novas ferramentas de trabalho (e a dificuldade para usar recursos tecnológicos pode gerar frustração) e com novas formas de ensinar e aprender, que precisaram dominar e colocar em prática. “Não temos mais os tradicionais 50 minutos de aula; agora, é preciso garantir a chegada de atividades, informação e conhecimento em modalidades diversas, porque cada um terá acesso aos conteúdos escolares de uma forma diferente – por isso é válido rever metodologias”, destaca inês, que complementa: “isso obriga pensar no conhecimento 54 de forma individualizada e personalizada. para o professor, é um momento desafiador, porque ele é apenas um, e precisa se dividir em diferentes possibilidades”. Adaptação na prática: a aprendizagem no centro De acordo com letícia lyle, mestre em currículo e competências socioemocionais pela columbia University e co-fundadora da cloe, essas novas metodologias de trabalho fazem os estudantes olharem ao seu redor, interagirem e se questionarem. Entramos, então, no território das metodologias ativas. “O mais importante de tudo, pensando em metodologia ativa, é que a aprendizagem precisa estar no centro de todos os processos”, https://novaescola.org.br/conteudo/11897/como-as-metodologias-ativas-favorecem-o-aprendizado 55 sintetiza a especialista. “Então, o trabalho envolve fatores como analisar a prática didática e a própria sala de aula em tempos presenciais, desenvolver um olhar para o conteúdo de forma que, a partir dele, possam ser feitas perguntas; permitir um espaço de expressão dos indivíduos, e ao mesmo tempo promover interações entre os estudantes; e por fim, pensar em avaliação ou reflexões que acompanhem esses processos todos”. a lista é longa, mas não é preciso se desesperar para trazer todos esses fatores logo de cara para sua prática docente: letícia destaca que, depois de colocar a aprendizagem no centro, é importante levar em consideração as especificidades e o que é possível fazer dentro de cada contexto. “a 56 chave é pensar em estratégias para que o estudante permaneça ativo e que a aprendizagem esteja no centro, ao longo de todo o processo”, comenta a profissional, “a partir disso, podemos então pensar em aprendizagem baseada em projetos, sala de aula invertida, ou, no presencial, reorganizar a sala de aula por estações de trabalho ou grupos.” Pensando especificamente em ensino remoto ou híbrido, letícia enfatiza o apoio das socioemocionais no processo de readequação das práticas educacionais. “a gente tem que pensar que a interação mudou ‘de cara’, e como as socioemocionais lidam de forma efetiva com a nossa relação com nós mesmos e com o outro, acabam sendo importantes para ajudar a nos adaptarmos a https://novaescola.org.br/conteudo/20407/aprendizagem-baseada-em-projetos-entenda-o-que-e-e-como-funciona-na-pratica https://novaescola.org.br/conteudo/20407/aprendizagem-baseada-em-projetos-entenda-o-que-e-e-como-funciona-na-pratica https://novaescola.org.br/conteudo/3352/blog-aula-diferente-rotacao-estacoes-de-aprendizagem 57 essa nova realidade. Tínhamos uma autonomia que funcionava no presencial, e agora estamos tentando construir essa autonomia novamente”. ainda sobre esse processo de adaptação, inês, do instituto ayrton senna, reforça que o trabalho envolvendo novas metodologias e formatos, em meio a uma pandemia que praticamente fundiu os anos letivos de 2020 e 2021, exige que professores e gestores escolares fujam da visão de planos anuais, anteriormente comuns nas escolas. “precisamos sair um pouco do tempo escolar, e ampliar o tempo da aprendizagem”, indica a educadora, “podemos, por exemplo, pensar em planejamentos mais curtos, até para ver o que está dando certo, e rever o que não está funcionando”. 58 inês analisa que a Educação está diante de um cenário que envolve adaptação, aceleração de questões já trazidas pela BNcc, e transformações nas práticas e processos pedagógicos. segundo ela, a própria sociedade brasileira se vê diante de uma reflexão crucial. “A pandemia, com toda a tristeza, a tragédia e os riscos que ainda estamos vivendo, trouxe por outro lado uma oportunidade para nos repensarmos enquanto uma sociedade educadora. a pergunta que fica é: o quanto você oferece na escola, e o quanto o aluno está aberto para se envolver com o que é oferecido?”, conclui a educadora. 59 A adaptação na perspectiva dos estudantes se a pandemia, por um lado, fez com que educadores de todo o país precisassem acelerar as dinâmicas de repensar práticas e processos educacionais, é essencial que os questionamentos também sejam realizados na perspectiva dos alunos. como obter o engajamento deles nessas novas formas de ensinar e aprender? É preciso construir estratégias de convencimento e conteúdos que dialoguem com as suas vivências. “Engajamento é um encontro do que eu quero falar com aquilo que o meu estudante quer aprender”, resume 60 a educadora letícia lyle, “então, se a proposta não estiver conectada com o mundo real, se o aluno não se enxergar na pergunta e na resposta, ele não se sente engajado”. A também educadora Inês Kisil Miskalo avalia que a chave, especialmente no pós-pandemia, está em construir reflexões que perpassem tanto pelas competências socioemocionais, como a tão citada ‘autogestão’, quanto pela transdisciplinaridade entre os conteúdos programáticos. “É possível trabalhar língua portuguesa com um texto de teatro, colocando o aluno em uma peça, mesmo a distância, ou pensar em um experimento de ciências que ajude a alfabetização”, exemplifica a profissional, “já no Ensino 61 Fundamental 2 e Ensino Médio, uma boa sugestão é explorar as notícias de jornal para discutir temas que estamos vivendo. a pandemia exacerbou a necessidade de abordarmos situações concretas, e de forma transversal”. 62 im ag em : a nd ré a sa hi da 63 4. Equidade: o papel das socioemocionais na redução das desigualdades Escuta atenta, estratégias que geram autoconhecimento e incentivo ao projeto de vida dos alunos podem diminuir as diferenças nos impactos causados pela pandemia paula salas | 30 de junho de 2021 Im ag em : G et ty im ag es 64 “Ela vem de uma família desestruturada”, “essa daí não quer saber de estudar”, “ali onde mora não tinha como fugir do crime”. Essas e tantas outras frases são comuns para justificar a profecia que sentencia crianças e jovens ao fracasso escolar. Todos foram afetados pela pandemia, mas a parcela historicamente mais vulnerável é a mais impactada. Ela tem cor,classe social, endereço e gênero definidos. "São as meninas pretas e pardas, pobres, que moram na periferia ou em áreas rurais, e são filhas de pais menos escolarizados", explica simone andré, especialista em Educação integral e desenvolvimento socioemocional. Depois de anos de discriminação e marginalização, é comum que os estudantes reproduzam a falta de 65 crença que outros lhe atribuem. com isso, pouco reconhecem suas habilidades e têm baixa autoestima. "alunos me falavam que achavam que não tinham talento, mas que percebem que tem coisas que sabem fazer bem. O sonho não é algo distante. Traçar objetivos mais fáceis de alcançar também pode ser motivador", afirma Gabriel Guedes, professor de língua inglesa e de projeto de Vida para turmas dos anos Finais no colégio Municipal Álvaro lins, em caruaru (pE). para o educador, as competências socioemocionais são fundamentais para criar um futuro diferente para esses estudantes. Ele destaca a importância de desenvolver protagonismo, autoconhecimento, empatia e respeito. "projeto de vida 66 é um ambiente de vulnerabilidade, de se expor. Eles usam muito para se abrir", explica Gabriel. ao professor, cabe acolher o que estão sentindo. "Devemos entender como, dentro de cada disciplina, podemos ajudá-los para que seus sonhos individuais se realizem", destaca. para pensar no futuro, o aluno precisa ter uma perspectiva otimista a respeito de si e de onde pode chegar. Na pandemia, é essencial que os educadores ajudem o estudante a não perder esse olhar. "Eles têm que acreditar que irão sair deste presente [no contexto pandêmico]. para isso, precisam de perseverança e resiliência", diz Thereza paes Barreto, diretora pedagógica do instituto corresponsabilidade pela Educação (icE), que desenvolve o 67 programa Escola da Escolha em parceria com redes estaduais e municipais para apoiar os jovens na construção do seu projeto de vida. O professor Gabriel nota que esse trabalho se reflete no desempenho dos alunos em todas as aulas. "se engajam mais, porque enxergam um mundo de possibilidades", afirma. O primeiro passo para construir seu projeto de vida é o autoconhecimento. "Desde cedo é preciso desenvolver a noção de si, se gostar e se aceitar. O aluno começa a entender o que precisa para realizar seus sonhos, planejar e definir metas para o futuro. Trabalhar as socioemocionais é criar esse ambiente", afirma Thereza. "Apesar das dificuldades, os professores são as pessoas de referência para 68 seus alunos, a escola deve ser um lugar de acolhimento", destaca a diretora pedagógica do icE. No dia a dia da sala de aula "as socioemocionais são o meio e não o fim", resume Thereza. O trabalho dos professores e gestores deve ser intencional e diário. O professor Gabriel gosta de estimular o diálogo. Ele cria estratégias de sensibilização e traz elementos para propor a discussão. Nem sempre as propostas dão certo e está tudo bem, o importante é analisar e buscar formas de fazer diferente. Ele lembra de uma atividade que planejou para que os alunos refletissem sobre quem eram. "Eu trouxe um poema de clarice lispector, mas não deu certo. Na aula seguinte, propus uma dinâmica para 69 eles desenharem, fizemos a vivência e funcionou", conta o educador. com suas turmas de 6º ano, há um trabalho importante para que os alunos saibam como ser menos impulsivos e reativos. "Devem saber discordar de forma respeitosa, falar suas opiniões, reconhecer o outro e perceber que o diálogo ajuda a resolver os problemas. E construir atitudes para um convívio social mais saudável”, explica o educador. a professora Jocastha cavalcante também conduz conversas diárias com os alunos dos anos iniciais no centro de Ensino integral ivany Rodrigues Bradley, em arcoverde (pE). "cada um tinha seu momento de falar sobre as experiências do dia anterior", explica a educadora. Em 70 uma dinâmica simples, como uma roda de conversa, eles exercitam competências importantes, como respeitar e escutar o outro. Na pandemia, os encontros foram transpostos para o Google Meet. "É uma comunidade sem assistência educacional e emocional, quando abrimos esse espaço percebemos o quanto precisam dele", complementa. Quem não consegue participar tem atendimento individual via Whatsapp - além de poder retirar atividades impressas. assim como a escola da professora Jocastha, o colégio Estadual profª. Hilda Kamal, em Umuarama (PR), é parceiro do icE. No programa constam aulas de protagonismo. "O protagonismo é trabalhado em todas as disciplinas, mas temos 71 mais tempo para isso. Dentro da aula abordamos a questão do diálogo, respeito e empatia", explica Héricles Fernando silveira, professor de língua inglesa, protagonismo e Estudo Orientado para o 6º e 7º ano. "O protagonismo mostra [ao aluno] suas possibilidades. Eles são estimulados a ter autonomia e responsabilidade", explica Jocastha, que também dá aula de protagonismo. Tanto Héricles quanto Jocastha relatam uma mudança na postura dos alunos. Eles desenvolveram uma sensibilidade pelos outros. as crianças criaram uma rede de apoio durante a pandemia. preocupam-se quando um não consegue participar, avisam quando sabem que o colega teve um problema, pedem para esperar pelo 72 outro quando a internet cai… Os educadores creditam a mudança ao trabalho com as socioemocionais. "a gente percebe que querem cuidar, ajudar. Quando aparecem situações difíceis levamos para a roda de conversa para pensar o que fazer", complementa a professora. As competências socioemocionais não são bala de prata apesar de resultados positivos no desenvolvimento de competências e dos esforços dos educadores, existe uma angústia comum por conta da situação atual. "Não estamos garantindo o direito de aprendizagem de todos, pois boa parte não consegue ter acesso", 73 compartilha Jocastha. Ela nota que essa desigualdade aparece no baixo número de crianças que conseguiram se alfabetizar durante o ensino remoto. Hoje, o professor Gabriel conta que tem entre 50 e 60% de participação nas atividades online. "Está melhor que o ano passado, mas a conectividade ainda é um problema que não conseguimos resolver", explica. a falta de acesso aumentou as lacunas de aprendizagem que já existiam. "a desigualdade não é novidade. as secretarias e educadores se reinventaram, tem muita coisa boa acontecendo, mas não são todos [que têm acesso]", afirma Thereza. simone aponta que, para superar os desafios impostos pela pandemia, 74 é fundamental desenvolver competências socioemocionais como empatia, abertura para o novo, resiliência, autogestão e colaboração. isso porque será preciso muito esforço, transformações na Educação e parceria para enfrentar as consequências. "seja qual for a escola após a pandemia, vai ter que ser mais colaborativa, acolhedora, equitativa. Vamos ter que olhar para todos, mas especialmente para quem mais precisa", diz a especialista em Educação integral. simone propõe um olhar para os fatores de desigualdade que geraram as defasagens desde antes da pandemia. "as socioemocionais são um grande propulsor para recuperar essas perdas." Ela explica que é válido identificar quem são 75 os mais prejudicados e quais são as competências que os ajudam a aprender melhor. O processo inclui a reconstrução dos vínculos e o acolhimento. "É preciso dar espaço de participação, ter empatia para o que estão vivendo e acolher as marcas que trazem da trajetória escolar", afirma. Uma Educação com mais equidade não depende só do professor. "É um projeto de escola. Muitas vezes as socioemocionais são deixadas para serem trabalhadas quando estoura um problema, não se cuida da prevenção", afirma Héricles. Em uma tragédia nunca antes vista, com o aumento das desigualdades já existentes e um futuro incerto, é preciso apoiar as crianças e jovens a permaneceremna escola e a acreditarem no projeto educacional https://novaescola.org.br/conteudo/20410/especial-competencias-socioemocionais-acolhimento-vinculos-aprendizagem https://novaescola.org.br/conteudo/20410/especial-competencias-socioemocionais-acolhimento-vinculos-aprendizagem 76 como algo importante para suas vidas. "Olhem seus alunos como seres cheios de sonhos. se temos alguma perspectiva de avanço socioeconômico nesse país, dependemos deles. Eles são nossa única chance de ter melhores profissionais no futuro", finaliza Thereza. 77 Desigualdade aumentou durante a pandemia ainda é difícil mensurar os impactos que a pandemia terá na aprendizagem dos alunos. O que já podemos imaginar é que a diferença será gritante entre quem teve acesso à atividades remotas e quem não. Os mais afetados serão aqueles que pertencem a camadas sociais mais vulneráveis. ao investigar o perfil do público atendido pela redes municipais, identificamos que 83% dos alunos das redes públicas do Brasil vivem em famílias com até um salário mínimo, segundo pesquisa Desafios das Secretarias Municipais de Educação na oferta de atividades educacionais não presenciais, realizada pela União dos https://undime.org.br/uploads/documentos/php7UsIEg_5ee8efcba8c7e.pdf https://undime.org.br/uploads/documentos/php7UsIEg_5ee8efcba8c7e.pdf https://undime.org.br/uploads/documentos/php7UsIEg_5ee8efcba8c7e.pdf https://undime.org.br/uploads/documentos/php7UsIEg_5ee8efcba8c7e.pdf 78 Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e conselho Nacional de secretários de Educação (consed). além de vulnerabilidade econômica, também são um público com uma conectividade restrita, o que compromete o acesso ao ensino remoto. O levantamento mostrou que a maioria tem acesso à internet pelo celular, no entanto, 54% dos alunos da classe C, D e E não têm acesso à internet de qualidade. pesquisa realizada pelo instituto península entre julho e agosto de 2020 investigou a percepção dos professores em relação à aprendizagem dos alunos. Enquanto 17% dos professores que atuam na rede municipal — e só 13% da rede estadual — acreditam que os alunos aprenderam o esperado, na rede https://institutopeninsula.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Sentimentos_-fase-3.pdf https://institutopeninsula.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Sentimentos_-fase-3.pdf https://institutopeninsula.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Sentimentos_-fase-3.pdf 79 particular esse número dobra (36%). O estudo pandemia de covid-19: o que sabemos sobre os efeitos da interrupção das aulas sobre os resultados educacionais?, conduzido pela Fundação Getúlio Vargas clear em parceria com a Fundação lemann, mantenedor de NOVa EscOla, evidencia que os mais prejudicados são os alunos dos anos iniciais do Fundamental e os do sexo masculino, pardos, negros e indígenas, com mães que não finalizaram o Ensino Fundamental e moradores das regiões Norte e Nordeste. Em um cenário mais pessimista, calcula- se que há um retrocesso de até quatro anos na aprendizagem. http://fgvclear.org/pt/projetos/desigualdadeeducacionalcovid/#more-2560 http://fgvclear.org/pt/projetos/desigualdadeeducacionalcovid/#more-2560 http://fgvclear.org/pt/projetos/desigualdadeeducacionalcovid/#more-2560 http://fgvclear.org/pt/projetos/desigualdadeeducacionalcovid/#more-2560 80 Para pensar uma escola mais equitativa A especialista Simone André dá três dicas para refletir e construir uma Educação com menos desigualdade Reconheça seus preconceitos. Faça uma revisão constante se, inconscientemente, questões raciais, de gênero ou socioeconômica não estão afetando a forma como você vê e trata o aluno. "Está considerando que todos os alunos têm potencial de aprender ou está pressupondo que não vão aprender?", questiona. Escute as crianças e os jovens. a especialista sugere que o professor se dispa de julgamentos e realmente perceba e entenda cada indivíduo. "É difícil silenciar o preconceito, 81 mas dê espaço para os alunos. Não induza conclusões, realmente ouça". Conecte-se com os alunos. Faça com que eles se sintam confortáveis em se abrir. "Mesmo que não saiba o que fazer, demonstre que se interessa pelo que têm a dizer. se colocar nesse papel mais vulnerável faz toda a diferença." 82 Im ag em :A nd ré A sa hi da 83 5. Para se aprofundar no tema Reportagens » Socioemocionais na volta às aulas: como pensar atividades e na acolhida dos alunos » como as habilidades socioemocionais podem melhorar a convivência? » como aplicar na prática as competências socioemocionais » livros sobre competências socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/20050/colunas-pedagogicas-21-mara-mansani-socioemocionais-na-volta-as-aulas https://novaescola.org.br/conteudo/20050/colunas-pedagogicas-21-mara-mansani-socioemocionais-na-volta-as-aulas https://novaescola.org.br/conteudo/20050/colunas-pedagogicas-21-mara-mansani-socioemocionais-na-volta-as-aulas https://novaescola.org.br/conteudo/17041/como-as-habilidades-socioemocionais-podem-melhorar-a-convivencia https://novaescola.org.br/conteudo/17041/como-as-habilidades-socioemocionais-podem-melhorar-a-convivencia https://novaescola.org.br/conteudo/17041/como-as-habilidades-socioemocionais-podem-melhorar-a-convivencia https://novaescola.org.br/conteudo/11736/para-entender-as-competencias-gerais-da-base-e-as-socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/11736/para-entender-as-competencias-gerais-da-base-e-as-socioemocionais https://novaescola.org.br/conteudo/18057/livros-podem-ajudar-a-trabalhar-competencias-socioemocionais-na-escola https://novaescola.org.br/conteudo/18057/livros-podem-ajudar-a-trabalhar-competencias-socioemocionais-na-escola 84 » competências gerais e socioemocionais: como fazer o melhor uso delas? » Quando as emoções entram no currículo » competências socioemocionais de a a Z » Habilidades socioemocionais e desenvolvimento pleno https://novaescola.org.br/conteudo/19679/competencias-gerais-e-socioemocionais-como-fazer-o-melhor-uso-delas https://novaescola.org.br/conteudo/19679/competencias-gerais-e-socioemocionais-como-fazer-o-melhor-uso-delas https://novaescola.org.br/conteudo/19679/competencias-gerais-e-socioemocionais-como-fazer-o-melhor-uso-delas https://novaescola.org.br/conteudo/8811/quando-as-emocoes-entram-no-curriculo https://novaescola.org.br/conteudo/8811/quando-as-emocoes-entram-no-curriculo https://novaescola.org.br/conteudo/12178/competencias-socioemocionais-de-a-a-z https://novaescola.org.br/conteudo/12178/competencias-socioemocionais-de-a-a-z https://novaescola.org.br/conteudo/19601/o-valor-das-socioemocionais-para-o-desenvolvimento-pleno https://novaescola.org.br/conteudo/19601/o-valor-das-socioemocionais-para-o-desenvolvimento-pleno 85 Edição Maggi Krause Texto Victor Santos e Paula Salas Diagramação Tiago Araujo ilustrações André Asahida N O Va E s c O l a • 2 0 2 1