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Diretrizes do Ensino de Geografia e História 1ª edição 2017 Diretrizes do Ensino de Geografia e História 3 Palavras do professor A disciplina Diretrizes do Ensino de Geografia e História visa a capacitar o/a discente para os desafios da prática docente voltada ao Ensino Infantil e Fundamental. Assim, os conteúdos e as reflexões que estruturam esta obra visam a fornecer importantes subsídios para a formação do/da docente nos campos disciplinares da História e da Geografia, tendo como base os seguintes questionamentos: quais são as particularidades do conheci- mento histórico e geográfico? Que estratégias podem ser utilizadas na transposição didática dos saberes dessas disciplinas para a sala de aula? A docência, nesses campos disciplinares, deve levar em conta quais dire- trizes curriculares? E, por fim, em que a História e a Geografia podem auxi- liar na compreensão do mundo contemporâneo? Partindo dos objetivos anteriormente apresentados, sugerimos aos leito- res desta obra que mobilizem os conhecimentos aqui contidos e fomen- tem a curiosidade de seus alunos e alunas. Nesse sentido, eles podem ser apresentados aos conceitos e problemáticas caros às disciplinas da His- tória e da Geografia, a fim de que possam elaborar questionamentos que levem em conta as relações entre as sociedades, as temporalidades e os espaços. Como docente, busque exercitar o conselho do historiador francês Jean-Pierre Rioux (2000, p. 137) quando este afirma a necessidade de “se retirar do presente o seu autismo histórico”. Instigue seus discentes a buscarem as raízes históricas para os problemas e dilemas do presente, afinal de contas, nem sempre as cidades foram divididas entre zonas espa- ciais centrais bem estruturadas e zonas periféricas precárias em recursos e serviços; nem sempre as sociedades se organizaram em Estados-Nação; e nem sempre os cidadãos e cidadãs puderam eleger seus governantes por meio do voto, pois nem sempre as classes populares, mulheres, pes- soas negras, analfabetas fizeram parte desse processo. Que este livro seja um instrumento para auxiliar a esses importantes exercícios de reflexão. Bons estudos! 1 4 Unidade 1 Uma introdução à História: as sociedades e o tempo Para iniciar seus estudos Busca-se, nesta unidade, conceituar e delimitar o campo disciplinar da História. Ao dedicarmos especial atenção às particularidades desta disci- plina, temos o intuito de apresentar a você um panorama das principais abordagens e preocupações teórico-metodológicas às quais os historia- dores ativeram-se ao longo dos anos. Tendo como o seu principal objeto a relação entre as sociedades e o tempo, a História visa a oferecer possibi- lidades de estudo para as mudanças e as permanências nas estruturas e práticas sociais, culturais, econômicas, políticas, entre outras, atribuindo especial atenção ao que se entende por processos históricos. Objetivos de Aprendizagem • Apresentar as definições básicas da História como campo disci- plinar. • Traçar um histórico da constituição da disciplina. 5 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo 1.1 O que é a História? Estudar o passado, nos tempos atuais, parece uma tarefa que requer uma justificativa prévia; por qual razão deveríamos voltar o nosso olhar para o passado? De que nos serve esse exercício? Em um mundo globalizado, com abundância de novas informações, novas tecnologias e uma expansão do desenvolvimento capitalista sem precedentes, estudar o que já ocorreu pode ser visto como um exercício pouco proveitoso, tal qual uma erudição sem uma evidente finalidade prática. Entretanto, essa retórica tem consequên- cias diretas no campo político, nas relações humanas e na forma como nos percebemos enquanto sociedade. Em outros termos, estaríamos caminhando ao encontro da realidade vislumbrada pelo poeta inglês T.S. Eliot (1888- 1965), quando este acusou a sociedade ocidental do século XX de estar rompendo os seus laços com o passado, ao afirmar que “o mundo constitui a propriedade exclusiva dos vivos, uma propriedade da qual os mortos não mais compartilham” (ELIOT, 1957, p. 69). Porém, a cada nova crise econômica, política ou diplomática, inevitavelmente os meios de comunicação, as lide- ranças políticas e as pessoas comuns acabam por inserir, em sua retórica, paralelos e comparações com eventos passados para compreenderem os dilemas do presente. Se o passado ainda tem um papel nas sociedades capi- talistas contemporâneas, como poderíamos defini-lo? Como interpretá-lo e compreendê-lo? 1.2 A História da Historiografia Esta primeira unidade do nosso material didático apresenta um panorama da trajetória do desenvolvimento da História enquanto disciplina, bem como destaca suas divisões em correntes internas. Esse passo é deveras importante para que possamos compreender o atual estágio do ensino de História no país, influenciado por abordagens historiográficas mais recentes, que buscam lançar um novo olhar para as possibilidades da disciplina em sala de aula. Como afirma-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em História: A história chamada “tradicional” sofreu diferentes contestações. Suas vertentes historiográficas de apoio, quer sejam o positivismo, o estruturalismo, o marxismo ortodoxo ou o historicismo, produtoras de grandes sínteses, constituidoras de macrobjetos, estruturas ou modos de produ- ção, foram colocadas sob suspeição. A apresentação do processo histórico como a seriação dos acontecimentos num eixo espaço-temporal europocêntrico, seguindo um processo evolutivo e sequência de etapas que cumpriam um trajetória obrigatória, foi denunciada como redutora da capacidade do aluno, como sujeito comum, de se sentir parte integrante e agente de uma his- tória que desconsiderava sua vivência, e era apresentada como um produto pronto e acabado. Introduziu-se a chamada História Crítica, pretendendo desenvolver com os alunos atitudes inte- lectuais de desmistificação das ideologias, possibilitando a análise das manipulações dos meios de comunicação de massas e da sociedade de consumo (BRASIL, 1997, p. 24). Sob esta perspectiva, também devemos levar em consideração o posicionamento da historiadora Circe Bitten- court quando destaca as diferenças entre o ensino de História no nível Médio e Fundamental e o ministrado nos cursos de Ensino Superior. De acordo com a autora, “estes últimos visam formar profissionais, no caso historia- dores ou professores de História, enquanto que para os outros níveis do ensino, a História deve contribuir para a formação do indivíduo comum” (BITTENCOURT, 2004, p. 20). Indo ao encontro da proposta dos PCNs em História, e levando em consideração o apontamento de Bittencourt, o primeiro passo para iniciarmos as nossas reflexões é compreender que, antes de constituir-se como um campo disciplinar, com seus aportes teórico-metodológicos e de ter um espaço institucional dentro das universidades - 6 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo o que ocorre de forma plena apenas no século XIX -, a História já tinha uma trajetória intelectual que nos remonta à Antiguidade Clássica da Grécia Antiga. Autores como Heródoto e Tucídides já demonstravam uma preocupação em descrever e registrar as característi- cas de povos estrangeiros que se relacionavam de alguma forma com os gregos, e também eventos considerados tão significativos que não deveriam cair no esquecimento (HERODOTO, 1985; TUCIDIDES, 1987). É nesse contexto que Tucídides, então um general ateniense, decide registrar os acontecimentos inerentes à Guerra do Peloponeso (431 a 404 a.C) sob a dupla justificativa de que este foi um confronto militar sem prece- dentes na história da península grega - valendo assim o seu registro em minúcias - e, por tal razão, ele deveria ser rememorado pelas futuras gerações para lhes servir como uma lição, um ensinamento. (TUCIDIDES,1987). Justamente por adotar tal perspectiva, Tucídides é usualmente referido como exemplo da noção de História defi- nida como História Magistra Vitae (“História mestra da vida”), a qual teve, como princípio central, compreender que os eventos do passado teriam uma finalidade pedagógica para as sociedades do presente, servindo, assim, como uma espécie de memória coletiva que viria a indicar diretrizes éticas e morais de conduta, estreitando assim os laços entre história e tradição (HARTOG, 2003). A ideia de que a História poderia vir a ser a mestra da vida se demonstrou bastante influente durante um largo período de tempo, embora tenha passado por certas alterações e adaptações. Uma das mais significativas des- tas foi realizada por meio da influência dos ideais escolásticos da Igreja Católica durante a Idade Média, que veio a inserir valores morais tipicamente católicos e eventos bíblicos no conjunto de elementos que formavam uma memória coletiva calcada em evidentes interesses institucionais do alto clero, mas que foram amplamente difundidos pela Europa durante o referido período. Mas foi somente no século XIX que a História conquistou sua posição própria dentro das disputas do campo acadêmico. Nesse processo, historiadores embasados na filosofia positivista e/ou no cientificismo, típico desse período, almejaram solidificar o estatuto dela como uma ciência com rigorosos métodos que visam à obtenção de um conhecimento imparcial, não subjetivo e isento de paixões ideológicas - posição esta que desencadearia inúmeros debates com o passar do tempo. Mesmo que a disciplina estivesse definindo importantes características próprias - como a crítica documental e o trabalho prioritário com fontes primárias -, ela ainda estava muito distante do que viria a se entender por História nos séculos XX, e mesmo nos tempos atuais. Definir precisamente o que é a História é uma tarefa difícil e que invariavelmente apresenta resultados frágeis, afinal, as correntes historiográficas divergem e disputam entre si o poder de atribuir a conceituação mais apro- priada para tal questionamento, o que será desenvolvido de modo pormenorizado na outra parte desta unidade. Mesmo assim, para a finalidade de expor uma definição mais próxima de um consenso e que sirva como marco inicial para apresentarmos as diversas ramificações da disciplina, podemos entender a História como a ciência “dos homens no tempo” (BLOCH, 2001, p. 55), de acordo com o historiador francês Marc Bloch (1886-1944) . Todavia, justamente porque ações dos indivíduos e das sociedades são tão diferentes e passíveis de variadas interpretações, até mesmo antagônicas, é que a História acaba por se dividir em correntes que divergem entre si. É de suma importância, para os fins desta unidade, conhecer as razões dessas divergências e de que forma essas disputas auxiliaram a própria disciplina a suprir demandas variadas ao longo do tempo. Logo, daremos segui- mento aos nossos estudos apresentando as características de tais correntes. 7 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo Para um debate pormenorizado a respeito dos diferentes modos da escrita da História ao longo dos séculos, indica-se como sugestão de leitura o artigo do historiador francês Fran- çois Hartog, intitulado “Tempo, história e a escrita da história: a ordem do tempo”, publi- cado na edição de número 148 da Revista de História da Universidade de São Paulo (USP). Neste artigo, o autor tem por objeto as distintas formas pelas quais as sociedades percebe- ram o próprio tempo em determinados contextos, ora guiando-se mais pelas referências do passado, ora pelas do presente, ora pelas do futuro. O texto é especialmente indicado para aqueles que querem aprofundar o seu conhecimento a respeito de como a escrita e o ensino da História passaram por várias etapas nas sociedades ocidentais, de tal modo que a forma como trabalhamos essa disciplina nos dias atuais é apenas um momento dentro de um processo histórico muito maior. 1.2.1 Escola Metódica Como a primeira escola que praticou uma História Moderna, e também denominada de História Positivista, a Escola Metódica destacou-se ao longo do século XIX e início do XX, em especial pela sua preocupação em con- ciliar a pesquisa histórica com as expectativas e critérios do boom cientificista do século XIX. Este, por sua vez, passou a definir como científicas as formas de conhecimento que buscassem se afastar de noções subjetivas e que prezassem pela imparcialidade na pesquisa por meio de rigorosos métodos de análise. Desse modo, a Escola Metódica caracterizou-se por inserir, de uma vez por todas, a pesquisa histórica dentro do espaço institucional das universidades europeias - distanciando-se consideravelmente de espaços e instituições religiosas - e por esboçar importantes critérios para ela, ganhando especial destaque a concepção de crítica documental. Os principais nomes dessa escola foram os franceses Charles-Victor Langlois (1863-1929) e Char- les Seignobos (1854-1942), e o prussiano Leopold Von Ranke (1795-1886). À medida que a Escola Metódica desejava atingir os critérios de objetividade das Ciências Naturais, foram sendo desenvolvidos métodos e critérios epistemológicos para isso. Os metódicos consideravam que o historiador deveria registrar as fontes históricas de forma imparcial, valendo-se de uma análise que levasse em conta certos critérios de confiabilidade da documentação. Os metódicos delimitavam o trabalho de pesquisa do historiador somente aos documentos escritos, sendo que, entre estes, ainda havia a preferência pelos que eram considerados de alta confiabilidade — critério usualmente definido pelo fato de o documento ter sido produzido e/ou registrado por alguma instituição burocrática ligada ao Estado. Portanto, a crítica documental dessa corrente caracterizou-se por: 1) promover a verificação da auten- ticidade da documentação, sendo característica de tal Escola identificar os falsos documentos, bem como registrar seu processo de produção (data, local, origem e autoria); 2) realizar análise hermenêutica, que auxiliava a crítica interna das fontes e se valia de elevadas instruções de filologia, paleografia e conhecimento de línguas antigas e/ ou populares; 3) fazer uma crítica da acuidade do saber exposto na documentação levando em conta se o emis- sor do discurso estaria correto ou não a respeito do que se propunha a afirmar no texto - neste último processo, demonstrou-se ser comum o cruzamento entre as fontes para fins avaliativos (LE GOFF, 2003). 8 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo Outra característica importante da Escola Metódica foi a predileção de muitos de seus autores por tecer narrativas em suas obras a respeito da formação dos Estados-Nação europeus. Nesse processo, diversos autores seleciona- ram eventos (a Revolução Francesa na França, a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a luta pela unificação na Ale- manha) e personagens (Maximilien de Robespierre, Napoleão Bonaparte, Otto von Bismarck) como responsáveis pela constituição e defesa de valores republicanos e democráticos em suas respectivas nações, atribuindo a eles a posição de marcos históricos de vital importância e heróis nacionais que deveriam ser lembrados pelas gera- ções futuras. Tal característica estava intimamente atrelada à proximidade que esses historiadores tinham com as elites políticas republicanas de seus países e seus próprios interesses políticos - o que se apresentava como uma grande contradição em relação aos critérios de objetividade e neutralidade pregados pelos metódicos. Figura 1.1 – “O grito do Ipiranga” (1888), de Pedro Américo. Legenda: No que tange à seleção de um conjunto delimitado e privilegiado de personagens e eventos históricos para constituírem a História de um Estado-Nação, a historiografia brasileira seguiu passos semelhantes das citadasanterior- mente. Até os dias atuais, podemos encontrar a obra “O grito do Ipiranga”, de Pedro Américo, em livros didáticos de Histó- ria, normalmente para fins de ilustração do processo da proclamação da Independência do Brasil, no ano de 1822. Todavia, seu autor jamais foi testemunha do evento, tendo este nascido apenas no ano de 1843. O quadro foi encomendado ao pintor pelo governo de Dom Pedro II no intuito de exaltar a figura de seu pai, Dom Pedro I, e o legado do Império Brasileiro, em um contexto no qual os ideais republicanos ganhavam cada vez mais força e ameaçavam a monarquia. Fonte: Martins (1994). Embora a produção intelectual desses historiadores tenha sido caracterizada por grandes coleções de livros, pes- quisas de longa duração e com vasta quantidade de informações - o que faz com que muitas dessas obras sejam referências até os dias atuais - ela também foi marcada por ser alvo de duras críticas da próxima geração de pes- quisadores em História. Como veremos doravante, na década de 1930, historiadores como Marc Bloch e Lucian Febvre - que foram alu- nos de Seignobos e Langlois - irão contra os métodos e preferências de seus mestres, questionando a pertinência de se tentar transpor a noção de objetividade das ciências naturais para a pesquisa histórica. Também vão criti- car o uso exclusivo de documentos escritos na constituição do corpus documental dos historiadores, ampliando consideravelmente as possibilidades de pesquisa. A ênfase nas estruturas para explicar as dinâmicas históricas e a preferência por trabalhar processos de maior duração em contraponto a uma história focada nos eventos tam- bém foram características destes novos historiadores que se contrapuseram aos metódicos. Em outro momento, um grupo de pesquisadores liderados por René Rémond irá propor, em contraponto às pesquisas de História Política feitas pelos metódicos, o que se convencionou denominar Nova História Política. (RÉMOND, 2003). Essa vertente questionou diretamente a seleção de personagens e eventos feitos por tais his- 9 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo toriadores, atribuindo especial ênfase a compreender não o papel dos indivíduos com ares de heróis nacionais nesses processos, mas o das massas, assim como se preferiu compreender os eventos políticos como parte de processos históricos complexos e não como uma síntese reveladora da mentalidade de um período. Assim, nessa acepção renovada dos processos históricos políticos, os diversos levantes camponeses no interior da França demonstraram-se mais influentes para o sucesso da Revolução Francesa do que as ações de líderes do Tribunal Revolucionário ou filósofos iluministas do século XVIII. O Positivismo foi uma doutrina filosófica, sociológica e política que nasceu na França do século XIX, sendo o seu principal autor o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857). As principais características do pensamento positivista é a crença nos valores humanos, na razão e na ciência em contraponto à teologia e a metafísica. Essa doutrina destacou- -se por sua crença na ciência como vetor preponderante do progresso, e no desenvolvi- mento industrial como sinônimo de desenvolvimento racional e tecnológico. Para Comte, os detentores de saberes científicos (engenheiros, químicos, economistas etc.) seriam os novos clérigos das sociedades modernas. 1.2.2 Escola dos Annales Insatisfeitos com as abordagens propostas pelos metódicos, sendo estas ainda influentes na academia francesa da década de 1920, os historiadores Lucian Fevbre e Marc Bloch fundaram, no ano de 1929, a “Revista dos Anna- les”, cuja criação é usualmente referenciada como um evento de grande relevância para uma profunda renova- ção nas práticas de pesquisa em História. Para compreendermos essa nova movimentação no mercado historiográfico, devemos constatar a complexi- dade e influência dos historiadores dos Annales. Estes não somente foram bem-sucedidos em sua empreitada de modificar certos preceitos epistemológicos da disciplina histórica, mas vieram a conquistar posições de grande influência no mercado historiográfico de outros países, como Itália, Inglaterra e Brasil. Então, quais seriam as características dessa corrente? Em um primeiro momento, convém destacar que os historiadores dos Annales não foram os primeiros a tecerem críticas aos metódicos, pois desde o século XVIII e XIX muitos historiadores enraizados em correntes filosóficas iluministas viriam a se contrapor aos postulados positivistas da corrente metódica. Assim, torna-se mais pre- ciso afirmar que essa nova geração de historiadores franceses caracterizou-se não somente por criticar pontual- mente o que julgavam inapropriado ou insuficiente na abordagem dos metódicos, mas por montar um projeto muito bem sistematizado e articulado de renovação para a História, que foi além de uma mera disputa entre discípulos e mestres na academia francesa. Deste modo, obras como “O problema da incredulidade no século XVI” (1942), de Lucian Fevbre, e “Os reis tau- maturgos” (1924), de Marc Bloch, ganharam destaque por trazerem um conjunto de novos elementos, tais como: trabalho diferenciado com as fontes históricas (não privilegiando exclusivamente os documentos escritos); abor- dagens interdisciplinares até então pouco exploradas (diálogos com a economia, psicologia, sociologia etc.); ênfase da importância das estruturas socioeconômicas e/ou culturais para se explicar processos históricos de longa duração e que levavam em conta a agência das camadas populares das sociedades - como nos estudos de Bloch a respeito da crença partilhada entre os camponeses franceses da Idade Média, de que o toque real teria poderes místicos que poderiam curar escrófulas ; e a difusão da noção de História Problema, que contestaria 10 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo o princípio de que o objetivo sumário da História seria o de verificar ou descartar a veracidade de determinado fato ou acontecimento, e sim o de responder a problemas e perguntas que o presente lança ao passado. Como colocou Marc Bloch, o interesse maior da pesquisa histórica não estaria voltado em saber se Jesus Cristo foi cru- cificado e depois ressuscitado, mas compreender por qual razão tantas pessoas acreditam nesses fenômenos e quais seriam as implicações sociais dessas crenças (BLOCH, 2001). Não deixe de participar do Fórum Desafio e discutir com os seus colegas como resolver a situação-problema proposta pelo professor! Uma outra característica fundamental na compreensão da Escola dos Annales é a sua longevidade, sendo neces- sário dividi-la em três gerações, como veremos no quadro a seguir. Convém destacar, também, que a “Revista dos Annales” segue sendo publicada até os dias atuais. Quadro 1.1 – As três gerações da Escola dos Annales e seus principais autores. Geração Principais autores Principais contribuições 1ª Geração (1929-1945) Marc Bloch e Lucien Febvre Difusão da noção de História Problema; inserção das camadas populares na pesquisa histórica; estu- dos que privilegiaram as sociedades e as estruturas em detrimento dos indivíduos e dos eventos; críti- cas à Escola Metódica. 2ª Geração (1945-1968) Fernand Braudel e Ernest Labrousse Discussões em torno das temporalidades; enfoque nas longas durações; novas possibilidades de pes- quisa com documentos em série. 3ª geração (1968-1989) Jacques Le Goff, Jacques Revel, Pierre Nora Críticas à História Serial; multiplicação dos objetos de pesquisa; maiores diálogos com as propostas da História Cultural; retorno dos eventos como obje- tos de estudo. Legenda: Os principais autores da Escola dos Annales. Fonte: Elaborado pelo autor (2017). Como destacamos previamente, a primeira geração dos Annales foi marcada por importantes contribuições na renovação dos métodos e abordagens da disciplina histórica. No entanto, se o contextohistórico do período entre-guerras foi importante para o surgimento dessa nova proposta historiográfica, os eventos da Segunda Guerra Mundial não somente limitaram as produções das pesquisas desses historiadores como vieram a afetar diretamente a trajetória deles: Fernand Braudel foi feito prisioneiro em 1940 pelos alemães, condição esta tam- bém vivida por Marc Bloch que, além de detido, foi torturado e, finalmente, fuzilado pelo exército nazista em 16 de junho de 1944. Tais condições vieram a impedir os avanços desse grupo. Porém, com o final da Segunda Guerra, a realidade foi outra. Se a primeira geração dos Annales ainda se encontrava em posição marginal no mercado historiográfico francês, foi com a segunda geração que esse grupo de historiadores conquistou posição privilegiada na França e expan- diu sua influência para outros países. Marcada por se definir como uma “História com a política de fora” (History with politics out), essa geração aprofundou os diálogos interdisciplinares e privilegiou o estudo das estruturas de longa duração bem como uma proposta de uma História Total – que abarcasse todos os estratos sociais e as 11 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo movimentações mais profundas de uma sociedade (BRAUDEL, 2009). Para tal empreitada, uma nova realidade tecnológica apresentou-se como fundamental: a popularização dos computadores. Capaz de registrar, catalogar e facilitar o acesso a grandes quantidades de documentos, o computador foi o principal instrumento da História Serial ou Quantitativa, responsável por realizar levantamentos de fôlego, com destaque para as formas de economia e mercado no passado, suas tabelas de preços, trocas mercantis, registros de quantidade de produção, entre outros fatores (LE GOFF, 2003). Por fim, uma inovação que veio a consolidar o tempo como principal objeto para a pesquisa histórica foi a pro- posta da dialética da duração, de Fernand Braudel (1965). Embora em sua perspectiva exista uma ênfase para a longa duração como base para as rupturas e permanências em qualquer sociedade, foi na distinção entre diferentes camadas do tempo, suas particularidades e inter-relações que o autor ganhou notoriedade, sendo usualmente referenciado como o historiador mais influente de sua época. Em sua maior obra, intitulada “O Mediterrâneo”, o autor buscou articular sua proposta teórico-metodológica em um esforço de pesquisa extraordinário, buscando criar conexões entre os aspectos políticos e diplomáticos da coroa do Rei Felipe II na Espanha (acontecimentos de curta duração) e a conjuntura socioeconômica de expan- são do mercado europeu a partir das grandes navegações, do desenvolvimento do modo de produção capitalista e da burguesia mercantil (conjuntura de média duração) e as características geográficas, climáticas e, em menor medida, culturais da região do Mediterrâneo (estruturas de longa duração) (BRAUDEL, 2009). Em seus textos, Braudel utilizou-se, por diversas vezes, da metáfora de uma onda marítima como forma de explicar essas relações entre distintas temporalidades, como podemos ver na figura a seguir. Figura 1.2 – Dialética da duração: o tempo para Fernand Braudel. Legenda: de acordo com Fernand Braudel, as distintas temporalidades do tempo histórico podem ser representadas pela metáfora de uma onda no mar. A crista da onda representaria os eventos passageiros e com maior movimentação; o corpo da onda seriam as conjunturas de média duração que sustentam os acontecimentos; e as águas do oceano representariam as estruturas, que embora aparentemente imóveis, seriam o local em que ocorreriam as principais mudanças de ordem estrutural. Fonte: Imagem produzida e cedida pelo ilustrador e historiador Icles Rodrigues. 12 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo Por sua vez, a terceira geração dos Annales demonstrou uma grande diversidade de abordagens e novas proble- máticas, sendo difícil definir diretrizes e características amplamente coesas entre estes historiadores. Uma pos- sível interpretação para tal heterogeneidade pode ser atribuída à multiplicação dos objetos de pesquisa nessa geração. Diferenciando-se das demais gerações pelo seu grande diálogo com a História Cultural, a terceira geração dos Annales foi influenciada pelas inovações dessa corrente historiográfica, em especial ao se afastar das abordagens que centravam o seu foco nas explicações oriundas das estruturas sociais e econômicas. Esse grupo de historiadores também ficou marcado por suas críticas à História Serial, tão típicas da segunda geração dos Annales. Jacques Le Goff, por exemplo, destacou a importância de se discutir a intencionalidade da produção e a preservação de documentos, sua forma de organização e seu discurso interno, enfatizando, assim, a importância das análises qualitativas das fontes em detrimento das quantitativas, tão em voga no período (LE GOFF, 2003). 1.2.3 História Social As duas escolas previamente apresentadas foram movimentos historiográficos de origem francesa. Discutire- mos, agora, o desenvolvimento e as características de uma outra escola muito influente e originária da Inglaterra: a História Social. Na década de 1950, jovens historiadores ingleses, influenciados pelo marxismo, buscavam alternativas para inserir a história dos trabalhadores rurais e urbanos como importante objeto de estudo da his- toriografia inglesa do pós-guerra. Afastando-se de leituras ditas economicistas, que consideravam os comportamentos sociais, políticos e cul- turais como reflexos das condições e pressões econômicas (na linguagem tipicamente marxista: a estrutura condicionando a superestrutura) ou conceitos mecanicistas que atribuíam as ações das classes subordinadas como condicionadas ao domínio ideológico das classes dominantes - sendo as primeiras incapazes de produzir projetos políticos próprios sem antes romper a referida relação de dominação - a História Social desenvolveu problemas e conceitos próprios que influenciaram, em larga escala, a academia. Entre os principais nomes dessa corrente historiográfica, podemos destacar Eric J. Hobsbawm, Edward Palmer Thompson, Raymond Williams, Perry Anderson, Raphael Samuel, entre outros. Embora nem todos esses autores operacionalizem os mesmos conceitos ou adotem as mesmas perspectivas, há um consenso entre eles no que tange à mesma tradição intelectual (o marxismo), qual seja, a preocupação em colocar os trabalhadores e os atores sociais como parte central dos processos históricos, com a busca de novas alternativas para inserir esses atores sociais no centro das pesquisas históricas quando, até então, eram colocados à margem nelas. Entre os autores previamente citados, talvez o que se demonstrou mais influente foi E.P. Thompson, em especial com seus estudos a respeito da formação da classe operária inglesa e da importância dos costumes como um vetor de mobilização e integração social entre as classes populares. Assim, Thompson (1998) propôs, em diver- sas pesquisas, que no processo de formação de uma consciência de classe entre os trabalhadores os costumes desempenham um duplo papel fundamental: tanto conservador quanto rebelde. O papel conservador refere-se ao fato de que tais costumes foram mobilizados para manter tradições, práticas e direitos que os mais pobres julgavam estar sob ameaça; e rebelde porque foi pela defesa da manutenção de tais costumes que muitas lutas foram travadas durante a Revolução Industrial no século XVIII, mostrando que esses atos de rebeldia visavam não somente a melhores salários e condições de trabalho mais dignas. A perspectiva de Thompson influenciou muito a historiografia brasileira a respeito das relações de trabalho escravagistas no Brasil Colonial e Imperial. (CHALHOUB, 1990; LARA, 1988). Dentro dessa perspectiva, os costu- mes dos escravos e escravas são tidos como formas de resistênciaà influência cultural portuguesa e ao domínio senhorial. A luta pela manutenção das práticas religiosas de origem africana, suas danças, festividades e cantos evocados durante o trabalho de corte da cana ou da colheita do café formaram todo um vocabulário cultural próprio que foi, ao mesmo tempo, conservador e rebelde. 13 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo Figura 1.3 – “Capoeira” (1835), de Johann Mortiz Rugendas. Legenda: em “Capoeira”, tal como nas outras obras do pintor suíço Johann Mortiz Rugenas, podemos ver o interesse do autor no exótico e no diferente nas terras brasileiras. A particularidade da capoeira como um costume a ser conservado e ao mesmo tempo um instrumento de resistência para os escravos e forros, pode ser percebida em diversos momentos da história brasileira. Um exemplo foi a formação, nas décadas de 1880 e 1890, de milícias de capoeiristas que agiam com violência contra os membros do Partido Republicano e apoiavam a permanência da monarquia no Brasil. Fonte: Wikimedia Commons. Essa vertente conquistou grande espaço na historiografia brasileira a partir da década de 1980, pois passou a incorporar as histórias de grupos sociais ainda pouco privilegiados pela historiografia tradicional, como os traba- lhadores urbanos e rurais, escravos, movimentos sociais, bem como atentou para a história de algumas formas de economia popular que foram desestruturadas pelos processos de industrialização e expansão do mercado. Por meio das contribuições dessa vertente, os estudos a respeito dos primeiros governos de Getúlio Vargas (1930- 1945) passaram a relativizar a noção dos direitos trabalhistas como uma outorga do então presidente e do seu governo para compreendê-los como uma conquista social fruto da pressão popular. O conceito de populismo, muito empregado para definir as formas de governo durante o período 1945-1964, também foi criticado como insuficiente para dar conta das dinâmicas entre as elites políticas e classes populares ao longo do período, pois o uso desse termo implicaria em uma desqualificação da agência política das classes populares e suas demandas ao passo que atribuiria uma ênfase pouco precisa em relação ao poder e à influência que essas elites políticas exerciam no cotidiano popular. 1.2.4 História Cultural Nas últimas décadas, a História Cultural conquistou o seu espaço como a corrente historiográfica mais influente na Europa, nos EUA e no Brasil. Está intimamente ligada ao contexto de sua produção, o qual nos remete aos levantes de maio de 1968, às lutas pelos direitos civis de mulheres, negros e homossexuais nas décadas de 1960 e 1970, bem como à virada linguística ou virada cultural no campo das ciências humanas. 14 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo A História Cultural revisitou e renovou uma série de abordagens, metodologias, propostas teóricas e de pesquisa e multiplicou os possíveis objetos de estudo na historiografia. Mensurar e delimitar o seu alcance é uma tarefa difícil tamanho o grau de influência que suas novas propostas alcançaram. Podemos citar como historiadores(as) que partilham dessas premissas: Roger Chartier, Michel de Certeau, Joan Scott, Michelle Perrot e Lynn Hunt. Outra característica dessa vertente é ter elevado a interdisciplinaridade a um nível ainda maior - sendo os his- toriadores dessa corrente até mesmo acusados de estarem desvirtuando os métodos e as práticas de pesquisa propriamente históricas -, o que implicou em uma grande influência de intelectuais de outras áreas no campo da História, tais como o filósofo Michel Foucault, o antropólogo Clifford Geertz, o sociólogo Pierre Bourdieu e o linguista Mikhail Bakhtin. Faz parte do conjunto de contribuições da História Cultural a inserção de atores sociais ainda não devidamente privilegiados nas pesquisas históricas, como negros, LGBTs e mulheres. Embora as pesquisas em relação à cultura africana e afrodescendente estejam em franca ascensão, assim como estudos que debatem a posição social ao longo da história de grupos e indivíduos que fizeram parte da comunidade LGBT, se há um campo que indiscu- tivelmente se consagrou dentro da História Cultural e das ciências humanas como um todo é o que se dedica à história das mulheres. Desde a década de 1960, cada vez mais historiadoras passaram a questionar que a historiografia em voga até então era excessivamente masculinizada e não privilegiava a importância de figuras femininas históricas no decorrer dos processos históricos, atribuindo tal característica ao fato de que a maior parte dos historiadores era formada por homens. Ao colocarem como preocupação central, em suas pesquisas, a participação das mulheres na história das sociedades, essas historiadoras não estariam contribuindo somente com a inserção de novos ele- mentos e personagens em histórias já escritas, mas estariam reescrevendo a própria história. Os estudos de gênero ganharam especial destaque nessa corrente. Ao refletirem em torno da divisão de gêne- ros como uma construção sociocultural e histórica, não considerando suficiente entender as disparidades entre os sexos apenas como um dado biológico prévio, essas pesquisas trouxeram importantes contribuições para se pensar as distintas formas de sexualidade, dominação, conflitos e relações entre os gêneros ao longo do tempo. Obras como “A História da Sexualidade”, de Michel Foucault, geraram grande repercussão ao apresentar como as relações homoafetivas entre homens era algo ordinário nas sociedades gregas da Antiguidade, e como, ao longo da Idade Média, foi perpetrada, pela Igreja Católica, uma série de mecanismos que visaram à ampla repressão da sexualidade feminina (FOUCAULT, 1988). O que a filósofa Simone de Beauvoir quis expressar com a sua famosa frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”? A preferência pelas análises de caso e práticas culturais em detrimento das grandes narrativas e das estru- turas é uma das máximas da História Cultural. Desse modo, foram obtidos grandes resultados ao se estudar as práticas de leitura ao longo do tempo e perceber como elas foram mudando: da leitura pública em voz alta feita da Antiguidade à Idade Moderna, à leitura individual e silenciosa dos tempos atuais. A história das práticas reli- giosas acabou trilhando um caminho distinto da história das religiões, pois ao focar na religiosidade exercitada no cotidiano, por meio de ritos diversos, evidenciou o grande grau de sincretismo religioso nas mais distintas sociedades. No caso brasileiro, diversas são as pesquisas que demonstram o grau de hibridez entre catolicismo popular e práticas religiosas de matriz africana no meio social dos escravos e forros durante os anos de escravidão. 15 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 1 - Uma introdução à História: as sociedades e o tempo Com o fervor dos movimentos de independência de muitos países na África e Ásia no século XX, houve a preocu- pação de se questionar: quais foram as implicações no campo da cultura das relações entre colônia e metrópole durante esses anos de dominação? Partindo de tais questionamentos, um grupo de intelectuais denominados pós-colonialistas passaram a refletir a respeito das permanências de certos estereótipos e preconceitos que seguiram sendo difundidos mesmo após o fim da dominação colonial no campo político institucional. Cabe ressaltar que as visões depreciativas de uma cultura em relação à outra são construídas historicamente em um complexo processo que leva em conta diversas esferas sociais. A visão estereotipada que o Ocidente alimentou a respeito do Oriente Médio, por exemplo, foi construída ao longo dos anos, sendo possível encontrar referências de tais visões em obras de Shakespeare, Marx e em inúmeras pinturas que ressaltam a região sob um viés exótico, excessivamente sensualizado e de cultos religiosos estranhosao olhar ocidental. Figura 1.4 – “A grande odalisca” (1814) de Jean-Auguste Dominique Ingres. Legenda: Para além de “A grande odalisca”, podemos encontrar diversas outras obras de pintores europeus que retrataram o Oriente Médio sob um viés estereotipado, utilizando-se - entre outros recursos - da figura feminina quase sempre na forma sensualizada da odalisca e dos haréns, criando, assim, um retrato da região mediante ênfase da luxúria e da submissão. Fonte: Wikimedia Commons. Como colocado anteriormente, a História Cultural ainda permanece em seu auge na Europa, EUA e Brasil. A sua influência pode ser cada vez mais percebida no ensino de História, sendo exemplo disso a inserção obrigatória, no currículo escolar, de conteúdos que levem em consideração a história das culturas indígenas e africanas. Mais recentemente, diversos debates têm sido travados em torno das maneiras de se incorporar, em maior medida, temas referentes aos estudos de gênero que debatam, em sala de aula, a diversidade sexual a partir de várias perspectivas, entre elas a abordagem histórica. De forma concomitante, pode-se perceber, também, resistências à incorporação de tais medidas por parte de alguns setores da sociedade brasileira, o que nos leva a considerar que a atual realidade do ensino de história no país, tal como da História Cultural, é de constante disputa, logo, passível de mudança a qualquer momento. Você concluiu a Unidade 1, parabéns! Não deixe de incluir as suas considerações no Fórum Desafio. 16 Considerações finais Ao longo desta unidade, buscamos oferecer a você uma introdução ao campo disciplinar da História e às suas principais ramificações e verten- tes. Com o intuito de aproximar o ensino da pesquisa, objetivamos apre- sentar, de forma sistematizada e detalhada, quais foram e quais são os principais objetivos de pesquisa da historiografia. Assim, ao longo desta unidade, discorremos a respeito dos seguintes tópicos: • conceituação da História como a ciência das ações das sociedades no tempo, cabendo aos historiadores a necessidade de se aten- tarem para as mudanças e permanências dos comportamentos humanos ao longo dos processos históricos, sendo estes últimos passíveis de serem compreendidos em seus múltiplos desdobra- mentos no campo social, cultural, político e econômico; • identificação e debate da trajetória da História como disciplina, passando pelas suas principais vertentes e objetos de estudo. Nesse processo, apresentamos as múltiplas possibilidades de abordagem, ratificando o quão necessário é pensar a disciplina sempre em sua pluralidade. De modo mais sistematizado e resumido, pode-se observar, no quadro a seguir, uma apresentação das principais correntes historiográficas e das maiores preocupações delas no campo da pesquisa. Quadro 1.2 – Resumo das principais correntes historiográficas e seus objetos de estudo. Escola Metódica Escola dos Annales História Social História Cultural A constituição dos Estados- -Nação; bio- grafias de membros das elites políticas e militares; epis- temologia do conhecimento histórico; crítica documental. As relações entre a História e outras disci- plinas; a dia- lética entre as temporalidades; mentalidades e representações coletivas. Os/as trabalha- dores/as e suas formas de orga- nização; cultu- ras populares; movimentos sociais; levantes populares; for- mas de econo- mia popular. Gênero e o corpo como construções socioculturais; práticas cultu- rais; dominação e resistência cultural em sociedades pós- -coloniais. Referências bibliográficas 17 BITTENCOURT, Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curri- culares de História In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. Brasí- lia: MEC/SEF, 1997. BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais: a longa duração. Revista de História, São Paulo, v.30, n.62, p. 261-294, abr.-jun.1965. ______. Escritos sobre a história. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas déca- das da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1988. HARTOG, François. Tempo, história e a escrita da história: a ordem do tempo. Revista de História, USP, nº 148, p. 09-34, jan/jul 2003. HERODOTO. História. Brasília, DF: Ed. Universidade de Brasília, 1985. LARA, Silvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na Capi- tania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento In: História e memória. 5. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. Referências bibliográficas 18 MARTINS, Lincoln. Pedro Américo: pintor universal. Brasília, Federal Dis- trict: Fundação Banco do Brasil, 1994, ISBN 85-900092-1-1. RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. RIOUX, Jean-Pierre In: TÉTART, Philippe. Pequena história dos historia- dores. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2000. ELIOT, T. S. On Poetry and Poets, London: Cambridge, 1957. THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum: estudos sobre cul- tura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. TUCíDIDES; KURY, Mario da Gama. História da Guerra do Peloponeso. 3. ed. Brasília, DF: Ed. UnB, 1987. 20 2Unidade 2 Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço Para iniciar seus estudos Nesta unidade, desenvolveremos algumas conceituações e reflexões a respeito do campo disciplinar da Geografia. Com uma história particular que nos remete à uma trajetória que se inicia no século XIX e segue até os dias atuais, a Geografia consolidou o seu espaço dentro das ciências humanas assim como nos currículos escolares. Para um melhor entendi- mento de suas propostas como campo disciplinar, daremos seguimento aos nossos estudos para compreender o que é a Geografia e quais são as suas principais correntes e preocupações teórico-metodológicas. Objetivos de Aprendizagem • Apresentar as definições básicas da Geografia como campo disciplinar. • Traçar um histórico da constituição da Geografia como disciplina. 21 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço 2.1 O que é a Geografia? Tendo conquistado o seu espaço como disciplina no século XIX, inclusive com estatuto de disciplina que seria a síntese de todas as demais - por incorporar elementos das ciências naturais e humanas - a Geografia pas- sou por mudanças no decorrer de sua trajetória e incorporou influências dos mais diferenciados campos, como da Economia, Sociologia, Antropologia, Arqueologia, Física, Matemática, Química, Biologia e História. Mas, com tamanha interdisciplinaridade como característica básica da disciplina, teria a Geografia conseguido desenvolver métodos de pesquisa, referenciais teóricos e critérios de análise que fossem particularmente seus? Tal questio- namento perpassa a história da Geografia e os principais debates epistemológicos entre seus estudiosos. Con- tudo, a questão ainda fica pendente: o que a Geografia estuda? E como o faz? Por muito tempo, um grande número de autores definiu a Geografia como o estudo da superfície terrestre. Embora tal definição possa ser encontrada com certa frequência em materiais didáticos mais tradicionais, ela é inapropriada por ser deveras vaga - afinal de contas, quantas ciências não estudam, em alguma medida, os fenô- menos que ocorrem na superfície terrestre? - e por não abarcar, necessariamente, um elemento essencial para o pensar geográfico: a ação humana. Ao se excluir a ação humana do escopo da Geografia, atribuiu-se a esta um estatuto de ciência muito mais descritiva do que analítica. Caberia a ela, então, o papel de descreveros mais distintos fenômenos que ocorrem na superfície terrestre, entretanto, sem atentar devidamente para as relações entre natureza e ação humana. Outra definição para o campo da Geografia, que já foi difundida na academia, é a de que ela englobaria os estu- dos a respeito da paisagem. Em linhas gerais, a Geografia se atentaria a compreender os aspectos visíveis do real e estaria dividida em duas grandes correntes. A primeira manteria muitos dos aspectos descritivos da natu- reza previamente mencionados, porém com foco particular nos elementos estéticos que compõem a paisagem, sendo uma das suas preocupações estabelecer critérios para mensurar o quão prazerosa ou bela é essa paisa- gem. Já a outra corrente tende a identificar e classificar os elementos que compõem a paisagem, com especial ênfase nas inter-relações entre eles. Os resultados da primeira abordagem foram considerados superficiais, pois utilizavam critérios quase que exclu- sivamente subjetivos em suas análises. Já a segunda corrente acabou por gerar frutos mais substanciais, tendo sido considerada a base para a Ecologia. Todavia, os indivíduos e as sociedades não eram devidamente contem- plados como agentes importantes para os fenômenos de ordem geográfica. Entretanto, a definição mais largamente difundida e aceita até os dias atuais a respeito do que configura o conhecimento geográfico é a de que ele se preocupa com os estudos que buscam compreender a relação entre os grupos sociais e o seu espaço - este último sendo compreendido como sinônimo para meio ou natureza. Desse modo, de acordo com Castrogiovanni (2005, p. 7), [...] o objetivo principal de estudo em Geografia continua sendo o espaço geográfico, entendido como um produto histórico, como um conjunto de objetos e de ações, que revela as práticas sociais dos diferentes grupos que vivem num determinado lugar, interagem, sonham, produzem, lutam e o (re) constroem. É a partir dessa perspectiva que a maior parte dos campos de pesquisa e ensino em Geografia trabalham na atualidade. Embora, para fins didáticos, seja costume considerar que os objetos da Geografia pertencem ao presente e os da História ao passado, é indispensável que o geógrafo, em seu estudo a respeito de determinado meio, espaço, lugar ou paisagem, leve em consideração o fato de que estes são produtos históricos e sociais, ou seja, que a ação humana e o meio são facetas indissociáveis de uma mesma realidade. Portanto, embora o geógrafo tenha como fonte de pesquisa um objeto que está circunscrito no presente, cabe a ele sempre compre- endê-lo em sua historicidade, questionando-se a respeito da sua trajetória até o dado momento. 22 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço Figura 2.1 – Stonehenge, no Reino Unido. Legenda: Pesquisas recentes do campo da arqueologia indicam que a estrutura de pedras de Stonehenge passou por diversas fases de construção, sendo a primeira datada de 3.100 a.C. Embora muitos pesquisadores divirjam a respeito da origem e finalidade da referida construção, ela é compreendida como um dos registros mais antigos desse tipo de cons- trução arquitetônica (com pedras). Hipóteses são levantadas a respeito do uso de tal espaço para colheita, celebração de rituais fúnebres ou fins religiosos diversos. Independentemente da perspectiva, a ação humana e o uso do meio são indissociáveis na construção. Fonte: Wikimedia Commons. É nessa perspectiva que podemos atribuir novos significados para conceitos como o de paisagem, por exemplo. Se abordagens mais tradicionais atribuíam a este uma conotação intimamente associada à uma leitura descri- tiva do real, novas contribuições ao campo da Geografia mobilizaram a área para estudos analíticos e críticos. De acordo com Callai (2005, p. 110-111), [...] [a]ceitando-se a ideia de que a Geografia estuda a realidade, o mundo, através da leitura da paisagem, deve-se reconhecer que a paisagem é a imagem, a representação do espaço em um determinado momento. Não é o espaço em si, é a fotografia do espaço, e como tal expressa tudo o que existe por detrás dela, quer dizer, sua história, seu movimento, que é resultado do jogo de forças dos homens entre si e desses com a natureza. Dependendo do modo que é olhada, percebe-se tudo o que existe por detrás dela. A paisagem é tudo aquilo que se vê, que a nossa visão alcança, e a nossa visão depende da localização em que se está. Daí decorre que ela pode ser observada de escalas diferentes e que se apreende o que ela expressa de formas diferen- ciadas, dependendo da perspectiva do olhar. É fundamental que se ultrapasse a visualização da paisagem para encontrar o seu significado, as suas histórias. É preciso entender que a paisagem não se cria por acaso, mas que é resultado da vida dos homens, dos processos de produção, dos movimentos da natureza. Doravante, é sob essa perspectiva renovada dos estudos geográficos que basearemos as nossas reflexões, tanto no que tange ao campo da pesquisa quanto ao do ensino. Ao situar a agência dos atores sociais como ponto central dos estudos em Geografia, esse campo disciplinar conseguiu ganhar maior definição, afastando-se das abordagens com enfoques meramente descritivos. Toda- via, existem diversas correntes que propõem abordagens e métodos particulares para os estudos a respeito dos espaços e sobre a apropriação e significação destes pelos grupos sociais. Sem a pretensão de dar conta de todas as ramificações da Geografia, seguiremos essa unidade apresentando alguns desses movimentos. 23 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço 2.2 A história da Geografia Compreender os desafios e dilemas que a Geografia vivenciou ao longo de sua trajetória como disciplina nos permite ter uma visão mais abrangente das suas preocupações atuais. Embora determinados conceitos ainda permaneçam como centrais na disciplina, não podemos afirmar que sempre houve um consenso a respeito de seus aportes teóricos e metodológicos, nem mesmo em relação à finalidade da produção do conhecimento geo- gráfico - para quem e para o que serve a Geografia? Portanto, conhecer melhor os caminhos e as escolhas tomadas pelas diferentes gerações de geógrafos ao longo do processo de constituição desse campo disciplinar é um passo importante para se conhecer também como o ensino em Geografia se desenvolveu. Se atualmente os livros didáticos de Geografia são fortemente influencia- dos pela Geografia Crítica, esse processo deu-se em contraposição à hegemonia que a Geografia Tradicional desfrutava em um passado recente. Logo, conhecer as motivações inerentes a tal disputa é um dos objetivos básicos tanto desta unidade quanto da disciplina como um todo. Para atingirmos tais objetivos, adotamos, para o início de nossa trajetória, os primeiros anos de consolidação e sistematização da disciplina sob o estatuto de ciência, na Prússia do século XIX. Então passaremos pelas novas leituras propostas pela Geografia Francesa já no início do século XX, finalmente chegando ao grande movi- mento de renovação da disciplina com a Geografia Crítica na década de 1950. Por fim, encerraremos nossas reflexões com a análise de um dos campos mais influentes a partir da década de 1980: a Geografia Cultural. Tal como proposto na unidade anterior em relação à História (Unidade 1), esse exercício de reflexão objetiva forne- cer subsídios para que você possa conceber a Geografia em sua pluralidade e dinamismo, não como um objeto singular e bem acabado. 2.2.1 A Geografia Tradicional A Geografia Tradicional, ou Geografia Positivista, tem suas raízes no início do século XIX, em especial nas obras de dois autores de origem prussiana ligados à aristocracia rural: Alexandre von Humboldt (1769-1859), então conselheiro do rei da Prússia, e Karl Ritter (1779-1859), tutor de uma família de banqueiros. As contribuições de ambos em prol da sistematização doconhecimento geográfico foram responsáveis por afastá-lo de um conjunto de práticas e estudos que até então definiam o que era Geografia, porém de modo muito pouco criterioso. Esse conjunto compreendia: relatos de viagem, escritos em tom literário; compêndios de curiosidades sobre lugares exóticos; áridos relatórios estatísticos de órgãos de administração; obras sintéticas, agrupando os conhecimentos existentes a respeito dos fenômenos naturais; catálogos sistemáticos sobre os continentes e os países do globo etc. 24 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço Figura 2.2 – “Dança dos Tapuias” (em torno do século XVII), de Albert Eckhout Legenda: Muitos dos relatos literários ou pictóricos de viajantes eram considerados contribuições para a Geografia devido ao pouco critério que se tinha antes do século XIX para a definição do seu conceito. Viajantes, como o holandês Albert Eckhout (1610-1666), que veio para o Brasil no século XVII, registraram informações a respeito dos costumes e hábitos partilhados pelos nativos das terras que estavam sendo, então, “descobertas”. Fonte: Wikimedia Commons. As abordagens de Humboldt e Ritter apresentavam diferenças que devem ser destacadas. O primeiro teve por objetivo avançar nas definições gerais do que se deveria entender por Geografia, mas sem aplicar normas ou diretrizes a serem seguidas por demais pesquisadores/as. Em seu entendimento, a Geografia deveria se cons- tituir como uma ciência capaz de sintetizar todos os conhecimentos relativos à superfície terrestre, atribuindo especial atenção à provisão de explicações, por meio de constatação empírica, para as causalidades dos fenô- menos naturais, que embora diversos, deveriam ser agrupados em uma grande unidade comum: a natureza. Se Humboldt tinha intenções de abarcar o todo, Ritter teve como principal objetivo estudar as particularidades. Com base em uma metodologia sistematizada e normativa, Ritter dedicou-se ao estudo do que definiu como sistema natural. Em seus termos, esta seria uma área delimitada passível de ser dotada de uma individualidade, a qual deveria ser estudada em sua particularidade e comparada com outros sistemas. Convém destacar que a abordagem de Ritter era influenciada por seus fortes preceitos religiosos, que serviam de base para a noção de que a Geografia seria a ciência que revelaria a individualidade desses sistemas naturais, sendo esta capaz de nos fornecer elementos para compreender a vontade divina em criar aquele determinado espaço. 2.2.2 A Geografia Humana Esta vertente - também definida como Geografia Francesa - teve como o seu principal expoente Vidal La Blan- che (1845-1918). Ao desenvolver suas propostas para o campo da Geografia, La Blanche colocou-se em contra- ponto às contribuições do geógrafo prussiano Friedrich Retzel (1844-1904). A grande característica dos estudos de Retzel foi a sua interpretação de que as condições naturais e o meio exerciam influência preponderante nos comportamentos dos indivíduos de determinada região, na sua organização social e nos seus aspectos econô- micos. Em contraponto, La Blanche relativizou vários desses postulados, compreendendo a mútua relação entre sociedade e meio, em que um estaria constantemente sob a influência do outro. 25 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço La Blanche tinha duas grandes críticas à proposta de Retzel: 1) denunciava o fato de serem abertamente políti- cas, condição que não caberia aos pesquisadores, que deveriam ser neutros - embora La Blanche demonstrasse ser extremamente inclinado ao republicanismo em seus textos; 2) ia de encontro ao naturalismo de Retzel, que enfatizava o poder da natureza sobre o ser humano, o que destacava o caráter criativo deste último e a capaci- dade de se apropriar e fazer uso dos espaços por meio da técnica, o que possibilitaria superar condições desfa- voráveis oriundas do meio. Cabe destacar que, embora La Blanche tenha dado lugar à ação humana em seus estudos, este permaneceu enfatizando que a Geografia deve ser a ciência dos lugares, não dos homens. Portanto, podemos compreender que tal perspectiva esteve interessada no produto da ação de grupos e indivíduos e não em realizar reflexões a respeito da relação entre os comportamentos desses grupos e os processos sociais que os constituem. As teorias e os métodos de La Blanche foram a base para toda uma escola de geógrafos franceses que o suce- deriam, em especial para os que passaram a se ater ao estudo da Geografia Regional. Por meio desses estudos, desenvolveram descrições profundamente detalhadas a respeito dos espaços então delimitados e denomina- dos de regiões, cujas informações incluíam: descrições naturais do local (relevo, clima, vegetação); detalhes a respeito do processo de povoamento ou da chegada dos primeiros exploradores; descrições sobre a estrutura agrária, as relações de trabalho, a estrutura fundiária e as tecnologias empregadas na lavoura; a estrutura urbana da região, as redes de ligações destas com outras cidades, a população e organização social destas; e, por fim, caso existisse uma indústria local, seriam objeto de descrição os trabalhadores, a tecnologia empregada, os pro- dutos fabricados, as matérias-primas utilizadas e os dados a respeito da produção em geral. Como podemos perceber, avanços significativos ocorreram entre os séculos XIX e XX por meio da consolidação de pesquisas empíricas utilizando fontes primárias. Embora esses avanços tenham influenciado as pesquisas geográficas a respeito das zonas rurais, zonas urbanas e a Geografia Econômica como um todo, a Geografia ainda mantinha métodos rigorosamente descritivos de estudo. 2.2.3 A Geografia Crítica Com o intuito de promover duras críticas às duas formas de estudo geográfico previamente apresentadas - con- sideradas como símbolos de uma Geografia Tradicional -, a partir da década de 1950, diversos geógrafos pas- saram a promover debates a respeito da validade dos métodos até então empregados na pesquisa geográfica. Estes colocaram em discussão a disciplina em termos políticos, que podem ser resumidos pelo questionamento: a quem serve a Geografia? Obras como “A Geografia - isso serve, antes de mais nada, para fazer a guerra” (1988, editado pela primeira vez em 1976, na França), de Ives Lacoste, causaram grande impacto na academia ao propor que as pesquisas em Geografia poderiam ser divididas em duas grandes correntes com finalidades políticas explícitas: a Geografia dos Estados-Maiores e a Geografia dos professores. A primeira seria praticada por oficiais do exército, técnicos e funcionários do Estado, bem como pelas grandes empresas que têm, em seu poder, amplas informações a respeito dos espaços e as utilizam como forma de refor- çar o domínio militar, a ordem capitalista e as desigualdades sociais. A segunda, de acordo com Lacoste, seria praticada por docentes de universidades, que têm a dupla função de mobilizar os saberes da disciplina para realizar pesquisas supostamente inúteis, obtendo de meros dados técni- cos, os quais serviriam exclusivamente para levantar dados para institutos militares e grandes empresas - agen- tes da Geografia dos Estados-Maiores - e mascarar os conflitos sociais. Embora nem todos os autores e autoras dessa corrente adotem tamanha agressividade nas críticas à Geografia Tradicional, a profunda ruptura entre as duas gerações de geógrafos implicou em impactos profundos na disciplina até os dias atuais. 26 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço Diversos estudiosos apontam que o surgimento da Geografia Crítica esteve relacionado a dois fatores inter- -relacionados: 1) um novo estágio do modo de produção capitalista no pós-Segunda Guerra Mundial, com pre- ponderância da intervenção estatal no desenvolvimento social e econômico; 2)e as novas dinâmicas e configu- rações de um mundo globalizado, com intensificação do processo de industrialização e urbanização, relações comerciais cada vez mais transnacionais e sociedades com maiores índices de mobilidade social. Esses fatores acabavam por se distanciar dos estudos de caso da Geografia Tradicional que se destinavam a estudar realidades bastante delimitadas e sociedades organizadas de forma pouco complexa. O referido contexto abriu uma brecha para novos paradigmas nos estudos do campo da Geografia, os quais propiciariam respostas distintas para os dilemas da disciplina e a inserção de novas tecnologias nos métodos de pesquisa - imagens de satélite e armazenamento de dados em série em computadores. Ao se depararem com esse novo momento das relações capitalistas, geógrafos passaram a adotar uma postura mais crítica a respeito das contradições sociais em meados do século XX. Partindo de um questionamento central em torno da própria produção intelectual do campo da Geografia, seus objetos de estudo incorporaram novos temas como: a distribuição desigual dos espaços; o êxodo rural como consequência do processo de urbanização; o crescimento das zonas industriais e suas implicações sociais; os conflitos entre o direito à moradia e a especu- lação imobiliária no mundo contemporâneo. Figura 2.3 – A distribuição do espaço nas cidades contemporâneas Legenda: O estudo das cidades e a distribuição desigual dos espaços urbanos é uma das marcas da Geografia Crítica. Um vez que a fotografia pode ser entendida como o argumento do fotógrafo, pelo fato de o seu enquadramento ser uma seleção da paisagem a ser registrada, o que essa fotografia tem a nos dizer a respeito da distribuição do espaço nas cidades contemporâneas? Fonte: <https://cdn.pixabay.com/photo/2015/06/28/08/26/xiamen-824233_960_720.jpg>. Entretanto, ao mesmo tempo em que refletimos a respeito dessa corrente e seus principais representantes, como Yves Lacoste, David Harvey e Milton Santos, devemos também citar um outro grupo de geógrafos que propôs uma renovação na disciplina, mas por um viés diferente, formando, assim, uma corrente usualmente denomi- nada de Geografia Pragmática. 27 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço Contemporâneos dos críticos, os geógrafos pragmáticos realizaram uma crítica à Geografia Tradicional ape- nas no campo formal, ressaltando o que julgavam ser algumas de suas insuficiências metodológicas. Por exemplo, um dos principais argumentos contra a Geografia Tradicional era de que as pesquisas até então desenvolvidas nesse campo estariam voltadas para o conhecimento do passado, mas não elaboravam proposições para a inter- venção nesses espaços no presente. Partindo dessa premissa, os pragmáticos objetivavam elaborar ferramentas e instrumentos para que a Geografia pudesse intervir no planejamento social e econômico. Embora tenham se desenvolvido sob o mesmo contexto, é importante frisar as diferenças entre a escola pragmática e a crítica. A primeira caracterizou-se por geógrafos que passaram a trabalhar dentro do funciona- lismo público, atuando nas burocracias estatais ou tendo os seus serviços contratados por elas, com a finalidade principal de promover análises e levantamentos de dados a respeito de uma determinada região a fim de averi- guar as possibilidades de desenvolvimento econômico nela; em outros termos, à medida que o Estado passou a desempenhar o papel de principal agente promotor do planejamento econômico, muitos geógrafos foram incorporados àquele para auxiliarem nesse planejamento. Por sua vez, a escola crítica percebia com desconfiança esse movimento, levantando questionamentos a respeito de muitos geógrafos estarem atuando a serviço do Estado para o desenvolvimento do modo de produção capi- talista e da reprodução de desigualdades, colocando de lado o viés crítico e analítico que julgavam ser indispen- sáveis para a pesquisa em Geografia. Deve-se ressaltar que tal divisão parte de fins exclusivamente didáticos e não visa a ser uma representação fiel das referidas escolas, pois existem exemplos de encontros entre ambas. Por exemplo, Milton Santos foi um dos maiores expoentes internacionais da Geografia Crítica, mas trabalhou como presidente da Comissão de Plane- jamento Econômico (CPE) do Estado da Bahia entre 1963 e 1964. As tensões entre a escola pragmática e a crítica geraram debates de grande relevância para a Geografia. Se a primeira defendia a proposta de uma Geografia Aplicada, que pudesse identificar as carências e possibilidades de desenvolvimento econômico em determinado espaço, a segunda propôs, em contraponto, uma Geografia Ativa, que teria como principal característica promover uma análise das regiões com destaque para as contradi- ções e desigualdades relativas à distribuição espacial. Se muitas das pesquisas pragmáticas tinham como objetos de estudo espaços rurais que poderiam incorporar zonas industriais e maior urbanização, a escola crítica foi a responsável por promover as primeiras pesquisas “de fôlego” a respeito das condições de vida em locais ainda pouco privilegiados pela Geografia, como as favelas, o sertão e as regiões onde a miséria e a subnutrição prevaleciam. Devido à preocupação com questões políticas e sociais, os estudos da escola crítica muitas vezes foram citados como influentes para determinados movimentos sociais. No caso brasileiro, tanto grupos que têm como pauta temas relacionados à reforma agrária (como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST) quanto movimentos que visam discutir a redistribuição do espaço nas grandes cidades (por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto - MTST) citam, como influência de suas propostas políticas, autores oriundos desse movimento de renovação na Geografia. Uma série de manifestações políticas na cidade de Nova Iorque, no ano de 2011, cujo conjunto foi intitulado Occupy Wall Street, teve como principal foco retomar o espaço público ocupado pelo setor privado. Para isso, ao invés de realizarem uma passeata que viesse a passar por um determinado local, os manifestantes acamparam por diversos dias em Wall Street - a rua onde estão localizadas as principais corporações do mercado financeiro mundial - com cartazes que faziam referência à concentração de riquezas dessas empresas. Figura 2.4 – O movimento Occupy Wall Street (2011) 28 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço Legenda: Reunindo milhares de pessoas acampadas em plena Wall Street, o movimento destacou-se pelas suas novas estratégias de ação. Ao longo dos protestos, a frase “Nós somos os 99%” foi exposta em diversos cartazes, com o intuito de distinguir manifestantes de empresários/as e acionistas de Wall Street, que representam o 1% da sociedade que detém 50% das riquezas que são produzidas no mundo. Fonte: Wikimedia Commons. Ainda deveras influente nas áreas de pesquisa e ensino da Geografia, as proposições desse grupo de geógrafos passaram a sofrer algumas críticas nos últimos anos. Embora tenham proposto novas contribuições para o campo disciplinar, auxiliado pela inserção de novos espaços como objetos de estudo para a Geografia e dando ênfase à ação humana como preponderante para se pensar o meio e a natureza, muitos geógrafos e intelectuais de outras áreas acusaram os críticos de enfatizarem os aspectos sociais e econômicos em detrimento dos culturais. Mas qual seria o papel da cultura nos estudos que têm como seu objeto os espaços? Buscando responder a tal questionamento e suscitando novas possibilidades de pesquisa, a Geografia Cultural passou a se destacar na década de 1980. 29 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço Um dos geógrafos mais influentes da Geografia Crítica foi o brasileiro Milton Santos (1926-2001). Graduado em Direito pelaUniversidade Federal da Bahia (1948) e Doutor em Geografia pela Universidade de Strasbourg, na França (1958), Santos lecionou em diversas universidades pelo mundo (Brasil, França, EUA, Canadá, Tanzânia e Venezuela), o que fez sua obra ser reconhecida internacionalmente e traduzida em diversas línguas. Uma carac- terística de sua carreira foi o ativismo social. Atuou como jornalista na Bahia da década de 1960 e foi ativista contra a ditadura militar nas décadas de 1970 e 1980, destacando- -se como um dos maiores críticos do fenômeno de globalização do mercado financeiro na década de 1990, considerando esse processo pernicioso em muitas de suas instâncias para os países mais pobres. A obra de Milton Santos é vasta. Para conhecê-la, sugere-se a leitura de “Por uma Geografia Nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica” (1978) e de sua pesquisa de maior fôlego, “A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção” (1996). Outra referência de estudo do seu pensamento é o documentário “Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá” (2006), do cineasta brasileiro Sílvio Tendler. O filme apresenta, como fio narrativo, uma longa entrevista com Milton Santos, realizada no ano de 2001, na qual o autor expõe reflexões a respeito das consequências da globalização em países na periferia do capitalismo. 2.2.4 – A Geografia Cultural Tal como os estudos do campo da História Cultural, a Geografia Cultural caracterizou-se pela interdisciplina- ridade. Promovendo diálogos com a Filosofia, Antropologia e História, e pautada em um interesse mais apurado em discutir as formas e os mecanismos pelos quais os grupos sociais atribuem significados e projetam sentimen- tos e valores a determinados espaços, essa nova corrente vem conquistando cada vez mais espaço no campo da Geografia desde a década de 1980. É amplamente considerada uma tentativa de certos geógrafos de incorpora- rem, à área, novos paradigmas advindos da virada cultural do final da década de 1960. A Geografia Cultural passou a incorporar novos temas para a pesquisa em Geografia, tais como: a relação entre territórios e identidade; práticas culturais e usos dos espaços; lugares e memória; o meio como uma construção sociocultural. Possivelmente, o intelectual que mais influenciou essa vertente de geógrafos foi o filósofo francês Michel Fou- cault. Ele propôs uma nova leitura das relações de dominação e poder a partir do conceito de disciplina. Foucault atribui grande importância à distribuição estratégica dos indivíduos nos espaços, cujos fins seriam os de, cons- tantemente, registrar, controlar, vigiar e obter a maior eficácia dos espaços. De acordo com o pensamento de Foucault, há uma grande similaridade entre os mecanismos empregados pelas escolas e prisões no tocante à vigilância e ao controle dos corpos de alunos e presidiários, sendo a distribuição destes, nesses espaços, um elemento fundamental para efetivar essas ações. Ao analisar a arquitetura de escolas e prisões construídas no século XVIII e XIX, o filósofo destaca como esses prédios eram muitíssimo semelhantes, em especial porque o desenho deles privilegiava a possibilidade de nutrir, 30 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço no indivíduo vigiado, o sentimento de estar sendo constantemente observado por alguém - mesmo quando não está - por conta das antigas torres de vigília e dos grandes pátios de circulação. Desse modo, alunos e presidiá- rios tenderiam a se domesticar às normas e atender às expectativas das instituições influenciados pelo medo de infringirem as regras e serem descobertos. Essa lógica de controle foi reconfigurada, nos dias atuais, pelo uso de câmeras de vigilância, dispensando, assim, a necessidade de se utilizar o mesmo tipo de arquitetura das antigas escolas e presídios. Figura 2.5 – A arquitetura pan-óptica em Michel Foucault Legenda: A imagem visa demonstrar a estrutura de vigilância de uma escola no século XIX. Podemos observar que o princi- pal objetivo desse tipo de arquitetura é o de possibilitar a visualização, de todos os locais do prédio, das torres de vigilância. Tal característica estava intimamente ligada à ideia de que o sentimento de estar sendo vigiado a todo momento torna-se mais efetivo como instrumento de controle do que a vigilância em si. Fonte: Wikimedia Commons. Outra contribuição de Michel Foucault partiu da sua crítica à noção de território. Foucault o considera uma cons- trução social com restritas finalidades políticas e não um reflexo de traços em comum entre grupos sociais ou entre as condições naturais de certas regiões; em última instância, os territórios são apenas definições arbitrárias que delimitam os espaços. Desse modo, muitos geógrafos passaram a se questionar a respeito do processo de territorialização como uma tentativa de desarticular as diversidades de uma determinada região em prol de uma artificial identidade em comum. Tomemos, como exemplo desse processo, a unificação da Alemanha no século XIX, liderada por Otto von Bis- marck, que culminou no fim da Confederação Alemã, a qual era formada por 39 estados independentes que tinham línguas e costumes próprios. Após a declaração da Alemanha como um Império unificado e indepen- dente, em 1871, passou-se a ensinar apenas o alemão nas escolas e, paulatinamente, as demais línguas foram se extinguindo, e os costumes dessas populações foram se tornando parte do folclore local, pois eram despresti- giados pelos ideais e objetivos da recém-formada nação. Outro fenômeno que faz parte do conjunto de interesses da Geografia Cultural é a relação entre território e identidade. Estudos que promovem um diálogo entre História e Geografia atentam para a construção de certas identidades, valores e práticas que, ao longo do tempo, passam a ser associados intimamente com determinado 31 Diretrizes do Ensino de Geografia e História | Unidade 2 - Uma introdução à Geografia: as sociedades e o espaço espaço, seja este caracterizado por um clima (o sertão nordestino e a resistência às dificuldades naturais e sociais de toda ordem), uma cidade (o Rio de Janeiro e a malandragem, São Paulo e o trabalho), um estado (a Bahia e a religiosidade, o Texas e o estilo cowboy de vida), um país (o Brasil e o samba, a Argentina e o tango, os Estados Unidos e os valores democráticos, a Rússia e os valores comunistas) e até mesmo um continente (a Europa e os bons costumes, a África e a fome). Muitas vezes, essas conexões podem ser apresentadas como muito antigas ou como uma condição quase natural de determinada região, todavia, pouco ou quase nada se mencionava a respeito da malandragem carioca antes da década de 1930, ou a respeito da fome como um problema para os países mais pobres da África antes da década de 1950. Outro intercâmbio profícuo entre História e Geografia deu-se por meio das contribuições do historiador fran- cês Pierre Nora, na década de 1980, e o conceito de lugares de memória. Para Nora, estes seriam locais onde espaço, história e memória se entrecruzam, e onde esta última seria cristalizada para ser constantemente reme- morada. Portanto, para se constituírem enquanto tal, os lugares de memória devem ter um sentido material (são de uma realidade física e tangível), simbólico (valores são projetados neles) e funcional (têm uma função social, usualmente a de lembrar algum evento ou acontecimento). Logo, ao observarmos a distribuição do espaço nos grandes centros urbanos contemporâneos, usualmente encontramos - muitas vezes nas praças centrais -, um lugar reservado para estátuas e monumentos que formam o patrimônio histórico local. Esse patrimônio é a representação das memórias selecionadas de um determinado contexto, cuja função é a de representar e relembrar um passado a ser valorizado no presente e pelas futuras gerações. Figura 2.6 – Parque da Paz em Nagasaki, Japão Legenda: Construído em 1955, próximo ao hipocentro da explosão
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