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Epidemiologia e Saúde Ambiental Hogla Cardozo Murai APRESENTAÇÃO É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de Epidemiologia e Saúde Ambiental, parte integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinâmico e autônomo que a educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apresentação do conteúdo básico da disciplina. A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis- ciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail. Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informação e documentação. Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suple- mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal. A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar! Unisa Digital SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 5 1 PROCESSO SAÚDE E DOENÇA ..................................................................................................... 7 1.1 Conceito e Evolução Histórica do Processo Saúde e Doença .........................................................................7 1.2 Os Modelos de Explicação do Processo Saúde e Doença ................................................................................9 1.3 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................13 1.4 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................13 2 EPIDEMIOLOGIA .................................................................................................................................. 15 2.1 Epidemiologia Descritiva ...........................................................................................................................................16 2.2 Epidemiologia Analítica .............................................................................................................................................17 2.3 Os Tipos de Estudo Epidemiológico ......................................................................................................................18 2.4 Risco, Fator de Risco e Marcador de Risco ...........................................................................................................19 2.5 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................21 2.6 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................21 3 O AMBIENTE ............................................................................................................................................ 23 3.1 O Ambiente Natural .....................................................................................................................................................23 3.2 O Ambiente sob a Ação do Homem ou Ambiente Antrópico.....................................................................23 3.3 Dinâmica de Populações e sua Influência sobre o Ambiente .....................................................................25 3.4 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................25 3.5 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................26 4 SAÚDE PÚBLICA ................................................................................................................................... 27 4.1 Conceito de Evolução .................................................................................................................................................27 4.2 Saúde Pública e o Ambiente ....................................................................................................................................28 4.3 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................30 4.4 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................30 5 SAÚDE AMBIENTAL ............................................................................................................................ 31 5.1 Conceito e Implicações ..............................................................................................................................................31 5.2 Alteração do Ambiente e Efeitos na Saúde Pública e Ambiental ...............................................................32 5.3 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................34 5.4 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................34 6 SISTEMA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, AMBIENTAL E EM SAÚDE ...................... 35 6.1 Vigilância em Saúde .....................................................................................................................................................35 6.2 Vigilância Sanitária .......................................................................................................................................................36 6.3 Vigilância Epidemiológica .........................................................................................................................................37 6.4 Vigilância Ambiental ....................................................................................................................................................37 6.5 Sistemas de Informações em Saúde Ambiental ...............................................................................................41 6.6 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................44 6.7 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................45 RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ..................................... 47 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 51 Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 5 INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), O objetivo geral da disciplina é o de lhe oferecer subsídios para a compreensão do processo saúde e doença como produto da interação permanentemente reinventada entre o homem e o ambiente. O domínio de conceitos básicos de Epidemiologia e de Vigilância em Saúde discutidos nesta dis- ciplina serão facilitadores para o desenvolvimento das competências que compõem o perfil dos futuros gestores ambientaisque atuarão no campo da Saúde Pública, da Saúde Ambiental, da Vigilância Am- biental ou em áreas correlatas. Dentro dessa perspectiva, o conteúdo está organizado em seis capítulos, que se completam e evoluem o pensamento acerca dos temas da Epidemiologia e da Saúde Ambiental. A compreensão da origem da saúde e do adoecimento como processo contínuo é apresentado no contexto histórico e me- diante modelos explicativos de seu desencadeamento. Do mesmo modo, o conceito de ambiente é dis- cutido em sua interface com o processo saúde e doença, permitindo a introdução contextualizada da Saúde Pública e Saúde Ambiental como áreas de intervenção multiprofissional sobre a saúde humana. Por fim, a Vigilância Ambiental e os Sistemas de Informação em Saúde Ambiental são discutidos como instrumentos para planejamento, intervenção, monitoramento e avaliação da Saúde Ambiental. Será um prazer acompanhá-lo(a) ao longo dessa jornada que, esperamos, contribua com seu cres- cimento profissional e humano em prol da preservação ambiental e da promoção da saúde das gerações presentes e futuras no planeta Terra. Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 7 Neste capítulo, vamos conceituar e contextualizar no tempo e na história da humanidade o proces- so saúde-doença, além de discutir os principais modelos explicativos utilizados para seu entendimento. PROCESSO SAÚDE E DOENÇA1 O que é saúde? Quando lançamos essa per- gunta a um estudante universitário da área da saúde, com alta frequência a resposta é a defini- ção que figura no preâmbulo da constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1948): é o “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças.” Essa definição tem sido amplamente critica- da por se constituir algo inatingível ou por retratar a saúde estática, composta por elementos disso- ciados de corpo, mente e espírito. Para entender tal definição, é preciso contextualizar o momento de sua formulação. Estamos falando do momen- to Pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), pe- ríodo em que a devastação causada pela guerra tornava real a preocupação com a alimentação, acesso a serviços de saúde e com a manutenção da paz. Nesse sentido, a explicitação do bem es- tar físico, mental e social era necessário, porque vinculava condições necessárias à retomada do desenvolvimento. Este, por sua vez, dependia de indivíduos saudáveis. O entendimento sobre o que é saúde e o que é doença está intimamente relacionado à forma como os indivíduos conduzem sua vida. Varia de acordo com a sua cultura e crenças. Tam- bém está relacionado à época em que se vive e ao conhecimento a que se tem acesso. O conceito de saúde e de doença tem evoluído junto à hu- 1.1 Conceito e Evolução Histórica do Processo Saúde e Doença manidade e as crenças em torno do adoecimento também determinam o modo de enfrentamento do problema. Se saúde não é apenas a ausência de doen- ça, o que é doença? Essa talvez seja uma pergunta ainda mais difícil de responder. Em sua origem no latim, o termo ‘doença’ deriva de ‘dolentia’ que significa padecimento. Assim, um indivíduo tem consciência da doença quando apresenta sinais ou sintomas da perda de seu funcionamento regular ou pleno. Significa a perda do equilíbrio de sua capacidade de fun- cionamento corpo-mente em harmonia com o ambiente. A origem desse padecimento tem sido percebida e descrita de diferentes modos no tem- po e nos espaços que os povos ocupam. Na Antiguidade, a doença era vista como castigo divino ao ser humano que se afastava da comunhão com Deus. Pela Teoria Divina, a doen- ça era imposta como castigo ou como forma de colocar à prova a fé de alguém. Essa convicção fazia com que o cuidado com a saúde e as ações preventivas se confundissem com as normas da igreja, que, por sua vez, sendo responsável pela “habilitação das pessoas perante Deus”, cuidava do batismo dos recém-nascidos e da unção dos enfermos, razão pela qual também detinha os re- gistros de nascimentos e óbitos. Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 8 A visão de processo saúde e doença de- terminado por divindades foi contestada por Hipócrates (460–377 a.C.), que via na doença de origem sagrada a ignorância da população. Tam- bém lhe é atribuído o texto denominado De ares, águas e lugares, que estabelece a relação entre o ambiente e o adoecimento das pessoas. Essa compreensão perdurou até meados do século XIX, incluindo o período da formação das cidades e da ocorrência das grandes epidemias, período em que se acreditava na saúde e doença relacio- nadas ao ambiente em que as pessoas viviam, co- nhecida como a Teoria Miasmática. No século XVII, um estudioso de nome Sydehan explicou o aparecimento de epidemias da seguinte forma: Elas [as epidemias] se originam, nem do calor nem do frio, nem da umidade nem da secura mas elas dependem de certas misteriosas e inexplicáveis alterações nas entranhas da Terra. Pelos seus eflúvios, a atmosfera torna-se contaminada e os or- ganismos dos homens são predispostos e determinados. Logo, as más condições sanitárias expu- nham as pessoas à inalação de maus ares, chama- dos miasmas. Segundo essa teoria, os miasmas penetravam pelos poros e outras aberturas do corpo humano causando males internos. Nes- se período, todos os tratamentos eram voltados para a adequação do ambiente (iluminação, ven- tilação, temperatura, silêncio, hidratação e dieta) em que o doente se encontrava. A Teoria Divina, entretanto, voltou a predo- minar sobre a teoria dos miasmas na Idade Média, por força do poder que a Igreja exercia sobre a po- pulação. No combate aos cultos pagãos, supostos bruxos foram perseguidos e queimados, entre eles, muitas pessoas que conheciam o poder de ervas e de chás que aliviavam sintomas dos doen- tes. As ideias em torno do envolvimento do am- biente no processo de adoecimento foram reto- madas em diferentes momentos e por diferentes cientistas, mas nem a Teoria Divina nem a Teoria dos Miasmas eram suficientes para explicar algu- mas epidemias que assolavam as cidades e, na metade do século XIX, surgiram importantes tra- balhos científicos, entre eles o de John Snow, que demonstrava a transmissão da cólera por meio da água. A Teoria do Contágio e o uso da esta- tística nos estudos do processo saúde e doença marcaram esse período. Nas décadas seguintes, a descoberta e isolamento de bactérias e fungos iniciada por Louis Pasteur deram início ao período bacteriológico e à Teoria Unicausal, segundo a qual para cada agravo haveria um microrganismo causador. A descoberta e uso de antibióticos não atendeu à expectativa de eliminação das doenças na época, impulsionando a formulação da Teoria Multicausal, que atribuía à influência concomi- tante de diferentes fatores físicos, químicos, bio- lógicos, socioeconômicos e culturais a determina- ção da doença. Somente na segunda metade do século XX é que a Teoria da Determinação Social da Doença foi amplamente aceita, após a divulga- ção dos estudos de Asa Cristina Laurell (1983), uma sanitarista mexicana que definiu o processo de saúde e doença como o modo específico pelo qual ocorre, nos grupos, o processo biológico de desgas- te e reprodução, destacando como mo- mentos particulares a presença de um funcionamento biológico diferente com consequências para o desenvolvimento Saiba maisSaiba mais As diferentes teorias sobre a origem do processo saú- de e doença não se sucederam de forma sequencial, mas persistiram de forma concomitante ao longo do tempo. Alguns resquícios da Teoria Divina persistem até os dias atuais: por exemplo, quando dizemos que a saúde de alguém se restabeleceu “graças a Deus” ou que alguém morreu porque “Deus quis”. Do mesmo modo, osestudos atuais sobre a influência do aqueci- mento global sobre a vida no planeta nos faz lembrar o que os pesquisadores do século XVII diziam sobre estranhas alterações nas entranhas da terra que con- taminavam a atmosfera fazendo as pessoas adoecer. Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 9 regular das atividades cotidianas, isto é, o surgimento da doença. Um exemplo da aplicação dessa teoria é dado por Martins et al. (1987), que demonstrou o vínculo entre as baixas condições sociais e eco- nômicas (que privam os indivíduos do acesso a bens fundamentais de consumo, como alimentos e moradia digna) e o maior risco de ocorrência de anemia ferropriva em gestantes. A condição bio- lógica da gestação isoladamente não determina a ocorrência desse tipo de anemia, cabendo ao desgaste social a condição favorecedora de seu desenvolvimento. O entendimento da determinação social do processo saúde e doença está expresso na defi- nição de saúde no art. 196 da Constituição Fede- ral do Brasil, que afirma: “A saúde é um direito de todos e um dever do estado garantido mediante políticas sociais que visem a redução do risco de doenças e agravos e ao acesso universal e iguali- tário às ações e serviços de proteção promoção e recuperação”. Além da convicção da razão pela qual as pessoas adoecem, a explicação desse processo passo a passo também ocupou e ainda ocupa os estudiosos. Desses estudos, emergem as estraté- gias para o enfrentamento das causas do adoeci- mento ou de intervenção sobre o processo pro- priamente dito. Para explicar a ocorrência da doença, são utilizados modelos que representam as relações e os fatores envolvidos na sua produção. A seguir, você conhecerá os principais modelos explicati- vos do processo saúde e doença. Modelo Biológico ou Biomédico é aque- le que está centrado no processo fisiopatológico estrito, portanto nas alterações das estruturas e funcionamento do corpo. No Modelo Biomédico, a doença é entendida como falha nos mecanis- mos de adaptação do organismo, então se aplica a todas as espécies e deve ser analisado exclusi- vamente em termos biológicos. Utilizando como exemplo a anemia ferropriva em gestantes citada no item anterior, o Modelo Biológico restringe a explicação de sua ocorrência nos passos da fisio- patologia da anemia, mostrando que o risco fica sobremaneira aumentado durante a gestação, porque ocorre a redução drástica das reservas de ferro da mulher devido não somente ao cresci- mento fetal e placentário, como também ao au- 1.2 Os Modelos de Explicação do Processo Saúde e Doença mento do volume sanguíneo corporal, próprio da gravidez. No Modelo Biológico, algumas definições e classificações são bastante importantes, como, por exemplo, a natureza do determinante da doença, o seu tempo de evolução, a manifestação de seus sinais e sintomas. Assim, se uma doença é causada pela pe- netração, instalação e reprodução de um agente etiológico vivo (bactéria, vírus ou fungo), ela re- sulta em uma infecção e, ao apresentar sinais e sintomas no organismo infectado, estamos dian- te de uma doença infecciosa. Em uma doença in- fecciosa, o agente vivo causador dela pode ser ou não transmitido a outra pessoa não infectada an- teriormente, a quem chamamos suscetível. Se o agente for transmitido a outra pessoa, a doença será classificada como infecciosa e transmissível. Se a transmissão for direta, pessoa-pessoa, por via respiratória, por fluidos corporais, como sangue, saliva ou outros, chamamos a doença infecciosa, transmissível e contagiosa. Quando a transmissão do agente etiológi- co vivo acontece com a mediação do ambiente, dizemos que a doença é infecciosa, transmissível e não contagiosa. Para ficar mais claro, vamos exemplificar: o sarampo, a caxumba e a rubéola são doenças Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 10 infecciosas, transmissíveis e contagiosas, porque em cada uma delas o vírus responsável passa de uma pessoa doente para outra suscetível pela res- piração ou por gotículas de saliva. Já na dengue, o vírus causador só é transmitido de um doente para um suscetível com a participação do mosqui- to Aedes aegypti, que recolhe o vírus de um doen- te ao sugar-lhe o sangue e o injeta no suscetível, na continuidade de sua prática alimentar. Nesse caso, a transmissão não ocorreu diretamente de um doente para um suscetível; eles nem precisam se conhecer ou ter estado juntos. O mosquito é o responsável pela intermediação. Nesse processo de transmissão, o mosquito tem a função de vetor do agente etiológico. Em outras situações, o agente infeccioso pode ser transmitido por um elemento inani- mado da natureza. Um exemplo é o tétano. A bactéria causadora está disponível no ambiente, principalmente em metais enferrujados ou na terra úmida. Quando colocado em contato com a pele rompida de um suscetível, o agente etio- lógico se instala, se reproduz e passa a produzir toxinas responsáveis pelo desencadeamento da doença. Nesse caso, a in- termediação da infecção foi realizada pelo solo ou pelo metal oxidado, que representam o veículo na transmissão indireta. Só para lembrar: os vetores são intermediários vivos e os veículos são interme- diários inanimados. Em relação ao período de evolução da doença no Modelo Biológico ou Biomédico, é denominado período de incubação o tempo de- corrido entre a infecção e o aparecimento dos sintomas. Período de transmissibilidade é definido como o tempo em que o agente etiológico vivo é transmitido. Tanto o período de incubação quan- to o de transmissão são variáveis entre os diferen- tes agentes etiológicos. Outras características dos agentes etiológicos vivos e dos suscetíveis que podem influenciar e ou modificar a apresentação das doenças são descritas detalhadamente nos li- vros de Epidemiologia. Ainda de acordo com o Modelo Biomédi- co, as doenças podem variar dependendo das características do agente etiológico (agente vivo causador da doença). Os agentes podem ter: ca- pacidade maior ou menor de penetração e mul- tiplicação no organismo suscetível, denominada infectividade; diferentes capacidades de, uma vez instalados no organismo, produzir sintomas, denominadas patogenicidades; a capacidade de produzir casos graves ou fatais, chamada de vi- rulência; e a capacidade de induzir imunidade no indivíduo após o adoecimento, denominada imunogenicidade. Essas características do agente etiológico somadas às características dos indiví- duos, incluindo seu status de suscetibilidade ao agravo, determinam diferentes comportamentos das doenças e agravos no meio ambiente. Se a doença não tem a participação de um agente etiológico vivo, mas da ação de um ou mais fatores determinantes, individuais ou am- bientais, dizemos que se trata de uma doença não infecciosa. São exemplos de doenças não infeccio- sas as alergias, a artrose, o tabagismo, entre outras. No que diz respeito à duração, as doenças são classificadas em agudas, quando em curto espaço de tempo evoluem para um desfecho final (cura ou óbito), e crônicas, quando têm longa duração, podendo ou não ter cura. Modelo Processual é aquele que conside- ra as relações mais amplas com o meio ambiente, incluindo as relações sociais. O exemplo mais co- nhecido desse modelo é o da história natural das doenças, de Leavell e Clark (1950), definido como o “conjunto de processos interativos que cria o estímulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo, até às alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte.” AtençãoAtenção Os modelos explicativos do processo saúde e doença têm a virtude de apresentar os elemen- tos deuma dada visão do seu desenvolvimento e dentro dela indicar os aspectos relevantes para a elaboração de propostas de intervenção. Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 11 Figura 1 – Esquema da história natural das doenças. Fonte: Waldman e Rosa (1998). O início do processo de adoecimento an- tes que o homem seja afetado foi designado pe- los autores como pré-patogênico e outro, que se inicia com o aparecimento dos sintomas clínicos, denominado período patogênico. Esse modelo tem sido muito criticado porque, por um lado, re- força a ideia da unicausalidade e, por outro, induz a pensar que, uma vez desencadeado o processo de adoecimento, este não pode mais ser inter- rompido. Mesmo assim, esse modelo tem servido de referência para o estabelecimento de ações de prevenção e controle de doenças até os dias atuais. No período pré-patogênico, são indicadas medidas de redução do risco (gerais, de promo- ção da saúde e específicas de prevenção de cada doença), chamadas medidas de prevenção pri- mária. No período patogênico, estão situadas as medidas de prevenção secundária, que incluem diagnóstico precoce, tratamento, recuperação de incapacidades e prevenção da morte. Modelo Sistêmico é aquele baseado no conjunto formado por agente, suscetível e am- biente, dotado de uma organização interna que regula as interações entre os determinantes da produção da doença, juntamente aos fatores vin- culados a cada um dos elementos do sistema. Esse modelo utiliza a definição de sistema como “um conjunto de elementos de tal forma relacionados que uma mudança de qualquer elemento provo- ca mudança no estado dos demais elementos.” (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2006). Quando envolve seres vivos, costuma ser designado como ecossistema. O entendimento de agente nesse modelo explicativo do processo saúde e doença é mais amplo do que no Modelo Biomédico. O agente, aqui, pode ser um microrganismo vivo, um po- luente químico ou um gene. A ideia de multifatorialidade e da ação si- nérgica entre fatores determinantes de um dado processo de saúde e doença busca descrever os eventos da saúde humana de diversas naturezas. Um indivíduo suscetível é exposto ao vírus do sarampo e desenvolve a doença, sabe-se que a determinação da doença foi a infecção pelo vírus do sarampo; em um indivíduo exposto ao amian- to por determinado tempo diagnosticado com asbestose, considera-se a causa do adoecimento a deposição das fibras do amianto nos alvéolos pulmonares como determinante da doença; um indivíduo pertencente a uma família de hiperten- sos tem chances comprovadamente maiores de desenvolver a mesma doença de seus pais deter- minada pela carga genética familiar. Entretanto, há doenças cujo aparecimento resulta da con- fluência de diferentes fatores capazes de criar um sistema favorável ao seu desenvolvimento. Como exemplo pode-se citar a depressão. Voltando ao exemplo da anemia ferropriva em gestantes, o Modelo Sistêmico envolveria o subsistema social no qual estão inseridas as gestantes na descrição do ambiente, o subsistema biológico para descre- ver os processos fisiopatológicos de desencadea- Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 12 mento da anemia ferropriva e a gestação como o agente desencadeador do processo. Pelo Modelo Sistêmico, o homem é consi- derado suscetível a grande número de agentes presentes no meio ambiente com os quais inte- rage continuamente, desempenhando diferentes papéis nessa relação. O termo ‘suscetível’ é aplicado ao indivíduo no qual a doença tem oportunidade de se desen- volver e se manifestar. Esse conceito é diferente de ‘hospedeiro’, que se aplica ao ser vivo, humano ou outros animais, que oferece em condições na- turais subsistência ou alojamento a um agente infeccioso. Os seres vivos podem ser hospedeiros primários ou definitivos e hospedeiros secundá- rios ou intermediários. Os hospedeiros primários são aqueles nos quais o parasito alojado atinge sua maturidade ou passa sua fase sexuada, en- quanto, nos hospedeiros secundários, esses parasi- tos se encontram na fase larvária e assexuada. Al- guns parasitos passam alternadamente suas fases em diferentes espécies e o homem pode desem- penhar papéis tanto de hospedeiro primário ou definitivo quanto secundário ou intermediário. Um exemplo dessa relação agente-indivíduo-am- biente pode ser descrito quando um indivíduo é acometido por teníase (infecção pela forma adul- ta da Taenia, um parasito intestinal) e atua como hospedeiro primário. Entretanto, se for infectado pela forma larvária da mesma Taenia, poderá de- senvolver uma doença grave, chamada cisticerco- se. Nesse caso, o homem terá atuado como hos- pedeiro secundário ou intermediário. O terceiro componente descrito no Mo- delo Sistêmico é o ambiente, compreendendo o ambiente físico – que abriga os seres vivos –, o ambiente biológico – que abrange todos os seres vivos – e o ambiente social – que abrange fatores e processos que podem estar associados a doen- ças. Objetivamente, fazem parte do ambiente físico o solo, a água e o ar e suas variações, que podem ser de natureza geográfica, climática e de poluição. O ambiente biológico é constituído por to- dos os seres vivos que participam e influenciam a relação agente suscetível e ambiente, tendo maior importância os fatores do ambiente que interagem sobre os agentes e hospedeiros, favo- recendo o aparecimento de doenças, principal- mente aqueles que mantêm estoques de agentes patogênicos e os veiculam até o ser humano. Para descrever a interação entre ambiente biológico, suscetível e agente, foram formulados alguns conceitos, como: reservatório, designação dada ao ser humano, animal, artrópode, planta, solo ou matéria inanimada ou uma combinação desses elementos que albergam agentes infec- ciosos em condições de dependência primor- dial para a sobrevivência, no qual se reproduz de modo que possa ser transmitido a um hospedeiro suscetível. As doenças nas quais somente o homem é o único a desempenhar papéis de reservatório, hospedeiro e suscetível, sem a participação de ne- nhum outro elemento, são chamadas antropono- ses. É o caso da gripe, do sarampo e das doenças sexualmente transmissíveis. As infecções comuns ao homem e outros animais são denominadas zoonoses. As antropozoonoses são as doenças nas quais os animais são os reservatórios. As fitonoses são as doenças nas quais as espécies vegetais são reservatório e o homem o suscetível. Além desses, há uma multiplicidade de con- ceitos elaborados para descrever a interação dos elementos relativos ao agente, ambiente e sus- cetível e que podem ser encontrados nos bons livros de epidemiologia. O conceito de saúde e doença acompa- nhou as descobertas científicas, que, por sua vez, desencadearam a formulação de novos modelos explicativos para esse processo. A realização de estudos de observação, descritivos, de teste, de hipóteses e de relação causa e efeito, sobretudo a AtençãoAtenção A alteração de qualquer um desses subsistemas não restringe as modificações em si próprias, mas interfere nos demais, provocando uma mudança em todo o processo de produção de saúde ou de doença. Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 13 partir da segunda metade do século XVII, resulta- ram no nascimento de uma nova área de estudos – a Epidemiologia –, que será o tema discutido em nosso próximo capítulo. Complemente e revise seus conhecimentos: Localize na internet e leia o texto a seguir. SCLIAR, M. História do conceito de saúde. Phy- sis: Revista Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2007, v. 17, n. 1, p. 29-41. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/physis/v17n1/v17n1a03. pdf>. Acesso em:nov. 2012. MultimídiaMultimídia A compreensão do processo que dá origem à saúde e à doença historicamente evoluiu e resultou em formas correspondentes de enfrentamento dos riscos e problemas relacionados à saúde. Na Anti- guidade, acreditava-se na origem sagrada da saúde como dádiva divina e a doença, o castigo. A partir das ideias de Hipócrates, passou-se a acreditar na origem miasmática, seguida da ideia de contágio evi- denciado pelos estudos de Snow sobre a transmissão da cólera. Com o surgimento da bacteriologia, passou-se da Teoria Unicausal à Multicausal e, mais recentemente, à Teoria da Determinação Social. A explicação do processo de instalação da doença, da manutenção ou recuperação da saúde requereu modelos que paralelamente ofereceram uma grande quantidade de conceitos de cada elemento por ele envolvido. Os modelos Biomédico, Processual, Sistêmico e Sociocultural, discutidos neste capítulo, ajudam a compreensão e a distinção da visão atual e pregressa sobre a evolução do conceito de processo saúde e doença. 1.3 Resumo do Capítulo 1.4 Atividades Propostas Agora, teste seus conhecimentos e responda: 1. Qual é a importância de conceituar saúde e doença? 2. Como o conceito de saúde e doença interfere na vida da população? 3. Qual é a contribuição dos modelos explicativos do processo saúde e doença para a saúde das pessoas? Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 15 Neste capítulo, discutiremos o conceito e aplicação da Epidemiologia, sua metodologia e tipos de estudo. A Epidemiologia é definida como área de estudo da frequência e distribuição das doenças, agravos e eventos relacionados à saúde da popu- lação, bem como de seus determinantes e fato- res que influenciam essa distribuição. Ela difere da clínica porque o termo ‘agravo’ é empregado para designar qualquer evento externo que afete a saúde humana negativamente, como é o caso de acidentes e violência, e seus estudos sempre visam à população e não ao indivíduo. Como área de estudos, a Epidemiologia surgiu do acúmulo de conhecimentos e pesqui- sas que tinham como objetivo principal explicar o comportamento de doenças e agravos na co- letividade. Desde os primórdios da civilização, se buscava a explicação para a ocorrência de surtos e epidemias, chamadas então “pestes”. Nessa bus- ca, os conhecimentos da clínica foram aliados à estatística, evidenciando alguns quadros que, para serem compreendidos, precisaram buscar os conceitos da área social. Desse tripé – a clínica, a estatística e a sociologia –, surgiu uma metodolo- gia própria de investigação e raciocínio, que pas- sou a ser conhecida como método epidemiológi- co. Em 1850, jovens cientistas simpatizantes das ideias médico-sociais criaram a Sociedade Epide- miológica de Londres, com o objetivo de reunir e divulgar os estudos e ideias em torno da união do saber clínico, estatístico e social, que teve grande importância na história da Epidemiologia. França, Espanha, Alemanha e Estados Unidos (EUA) tam- bém participaram na construção dessa nova área do conhecimento, com participação de grandes cientistas e descobertas. EPIDEMIOLOGIA2 Atualmente, são objetivos da epidemiolo- gia: descrever o comportamento de doen- ças e agravos; identificar agentes etiológicos, fatores e grupos de risco; estudar a história natural das doenças; estudar os fatores que influenciam a distribuição dos agravos em uma popu- lação; propor e avaliar o impacto de medidas de prevenção; avaliar medidas de intervenção; avaliar o desempenho de testes diag- nósticos; produzir conhecimento e informações para a formulação de políticas públicas no setor saúde, entre outras (UENO; NA- TAL, 2008). Por sua amplitude, a epidemiologia passou a ser subdividida em áreas específicas de acordo com a metodologia predominantemente empre- gada ou o campo específico de seu estudo. Assim, é comum encontrarmos referencia à epidemiolo- gia descritiva e analítica, epidemiologia clínica, epidemiologia dos serviços, entre outras. Por ter sido o primeiro a publicar estudo sobre a transmissão da cólera contemplando todas as fa- ses do método científico aplicado à investigação de uma epidemia, John Snow é considerado o pai da Epidemiologia. CuriosidadeCuriosidade Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 16 Para Foratini (1996), a Epidemiologia descri- tiva se destina à resposta a três perguntas: quem, quando e onde é atingido por um agravo à saú- de; ou seja, é a fase de descrição de um quadro epidemiológico (de agravo à saúde) em termos das variáveis relativas às pessoas, ao tempo e ao espaço. Leser et al. (2002) detalha melhor o conceito de epidemiologia descritiva como sendo “a des- crição da distribuição, em termos de frequência, das condições de saúde e da ocorrência de doen- ças, em diferentes populações ou grupos de uma mesma população, ou em tempos diferentes para uma mesma população.” Para os autores, a comparação entre essas distribuições permite a realização de estudos estatísticos de eventuais associações entre as variáveis e as características das populações es- tudadas. Para tanto, ressaltam a importância da inclusão de dados: de observação individual ou das pessoas (sujeitos acometidos pela doença ou agravo); relativos ao tempo de ocorrência (ano, mês, semana, dia, estação); do local de ocorrência (país, estado, divisão político-administrativa, bair- ro, rua, zona rural ou urbana, condições da habi- tação, ambiente relativo ao saneamento, presen- ça de insetos e outros animais, vegetação etc.); e dos atributos pessoais (idade, sexo, raça ou grupo étnico, estado civil, ocupação, nível socioeconô- mico, hábitos alimentares, relacionamento com outros doentes etc.). Os atributos das pessoas também podem ser descritos como: características inerentes às pessoas: sexo, idade, etnia etc.; características adquiridas pelas pes- soas: situação conjugal, imunidade etc.; características derivadas das atividades, como lazer e profissão; características derivadas das condições 2.1 Epidemiologia Descritiva de vida: renda e acesso a serviços e bens de consumo. As respostas a essas perguntas servem para orientar a tomada de decisão na indicação das condutas para o enfrentamento daquele proble- ma estudado. Por exemplo, decidir vacinar contra um agravo primeiro os profissionais de saúde e índios, depois gestantes e, por fim, os outros gru- pos populacionais. Em relação ao tempo, a Epidemiologia des- critiva contribui para o entendimento da frequên- cia de uma doença ou agravo, contribuindo para o estabelecimento de padrões de normalidade e de alterações dela. Os conceitos relativos a variações cíclicas: doenças sazonais, que variam de forma coincidente com as estações do ano; endemia se refere à presença usual de uma doença dentro dos limites esperados para uma área geográfica por um período de tempo ilimitado. As endemias são observadas e descritas pela incidência média mensal ou anual. Uma epidemia é definida por Medronho et al. (2006) como sendo “a elevação brusca, temporária e significativamente acima do esperado para a incidência de uma determi- nada doença.” Os mesmos autores definem surto como “ocorrência epidêmica onde todos os casos são relacionados entre si, atingindo uma área pe- quena e delimitada como um bairro, uma creche, etc.” Os surtos frequentemente apresentam um número de casos com rápida progressão, atingin- do um pico de incidência que entra em declínio logo a seguir. Com essas características, também AtençãoAtenção À Epidemiologia descritiva cabe perguntar e responder: de que forma os agravos variam nas pessoas? Quem são as pessoas acometidas? O agravo é diferente em homens e mulheres? A ocorrênciadesse agravo se modifica de acordo com a idade ou com a condição individual? Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 17 são chamados epidemias explosivas ou de fonte comum. Na epidemiologia descritiva, o elemento es- paço foi o que recebeu mais atenção nas últimas décadas. Com o surgimento e disseminação dos computadores e as técnicas de geoprocessamen- to, o mapeamento da ocorrência dos agravos, a análise exploratória utilizada para descrever os padrões espaciais e estabelecer comparações e as modelagens capazes detestar hipóteses de re- lações entre determinada doença e as variáveis ambientais se tornaram possíveis e amplamente utilizadas. O estudo descritivo espacial das doenças com a tecnologia disponível permite, por exem- plo, o estudo de migrantes, cujo objetivo é deter- minar se o risco de uma doença se modifica quan- do migrantes vão de uma área onde a ocorrência de uma doença é alta para uma região onde é baixa. Esse tipo de estudo elucida a importância dos fatores individuais (como carga genética) e fatores ambientais (como radiação solar, poluição etc.) sobre a distribuição dos agravos. A distribuição espacial também contribuiu com o conceito de pandemia, definida como uma epidemia progressiva que atinge a popula- ção de diversas nações e continentes. Dois exem- plos recentes de pandemias são a AIDS e a Gripe por Influenza A H1N1. A chegada dos computadores permitiu, também, o avanço dos estudos epidemiológicos para além da descrição. A metodologia de análise estatística com amplo aperfeiçoamento da co- leta, tratamento e análise de dados passou a ser chamada epidemiologia analítica. A ampliação dos métodos empregados e de novos objetos de conhecimento também avançou na direção de novas abordagens, como a epidemiologia clinica, epidemiologia molecular, a fármaco-epidemiolo- gia, entre outras. De um modo bastante sintético e simplifi- cado, podemos dizer que os dados gerados pe- los estudos epidemiológicos precisam ser ana- lisados, ou seja, passam pelas etapas de coleta, processamento, apresentação e interpretação. A epidemiologia analítica utiliza basicamente três medidas sequenciais: medidas de ocorrência; medidas de associação; e medidas de significân- cia estatística. As medidas de ocorrência compreendem o cálculo de média, mediana e moda (medidas de tendência central), frequência absoluta e relativa (número e percentual), índices (taxas) e coeficien- tes (proporção na população) de incidência e pre- valência, que são tomados como indicadores. As medidas de associação avaliam se há associação entre um fator determinante e uma doença ou agravo. Para isso, empregam testes es- tatísticos que medem a intensidade dessa relação. São medidas de associação: a razão de médias ou correlação, a razão de prevalência, a diferença de 2.2 Epidemiologia Analítica prevalência, as medidas de Risco Relativo (RR), Risco Atribuível (RA), Risco Atribuível na Popula- ção (RAP) e a razão de produtos cruzados, mais conhecida pela denominação inglesa Odds Ratio (OR). Todas essas medidas são objeto de estudo da Bioestatística, motivo pelo qual não serão dis- cutidas aqui. O terceiro grupo, das medidas de signifi- cância estatística, tem como objetivo responder se a associação encontrada entre a doença estu- dada e o fator determinante ocorre por acaso ou realmente existe. Os testes estatísticos emprega- dos verificam se o grau de certeza de que a asso- ciação encontrada não é devida ao acaso. Os tes- tes mais utilizados são o teste qui-quadrado (X2), teste de diferenças de médias (teste Z e teste t) e Mantel-Haenszel (MH x2). A escolha dos testes estatísticos é orienta- da pelo tipo de estudo epidemiológico escolhido pelo pesquisador. Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 18 Os estudos epidemiológicos são distribuí- dos em: ecológicos: que abordam áreas geo- gráficas bem delimitadas, analisando comparativamente indicadores de saú- de e variáveis ambientais; seccionais ou transversais: nos quais o fator e o efeito são observados num mesmo momento histórico. Nesse gru- po, estão os inquéritos ou surveys, am- plamente utilizados em Saúde Coletiva; coorte prospectiva e coorte retros- pectiva: observa grupos populacionais expostos a determinado fator conside- rado como causa de uma doença para comprovar essa relação. Também são chamados estudos de seguimento ou follow-up. Podem partir de um grupo de pessoas saudáveis expostas a um risco, para medir quantos adoecem e estabelecer a associação causa-efeito (estudo prospectivo), ou de um gru- po homogêneo com um determinado diagnóstico, para o qual se verificará a exposição anterior ao risco estudado e considerado hipoteticamente a causa da doença (estudo retrospectivo); caso-controle: destinado à investi- gação de associação etiológica com doenças de baixa incidência. Esse tipo de estudo se inicia com a seleção dos doentes (casos) e estabelece controles (sujeitos comparáveis aos casos, porém sabidamente não doentes) e investiga nos dois grupos os níveis de exposição a fatores de risco retrospectivamente. 2.3 Os Tipos de Estudo Epidemiológico Uma vez concluídos os estudos epidemio- lógicos, os resultados dos testes analíticos devem ser interpretados e o julgamento da relação entre a suposta causa e o efeito (doença) deve obede- cer a critérios, como a intensidade da associa- ção (a doença é tantas vezes mais frequente na presença de tal fator do que na sua ausência); a sequência cronológica correta (a exposição ao fator de risco ocorre necessariamente antes do surgimento dos sinais e sintomas da doença); significância estatística (deve haver um alto grau de certeza de que a associação entre os fatores determinantes estudados e a doença não são devidas ao acaso); efeito dose-resposta (a intensi- dade do fator de risco deve guardar concomitân- cia com a intensidade de ocorrência da doença); consistência da associação (os resultados de um estudo devem ser reiterados ou confirmados por outros estudos similares em condições diferen- tes); especificidade da associação (quanto mais específico é um fator em relação à doença, maior a probabilidade de se tratar de um fator causal); e coerência científica (os novos conhecimentos devem ser coerentes com os estudos anteriores ou, havendo incoerência, necessita de evidência sobre a validade do mesmo). A interpretação dos resultados tanto na epi- demiologia analítica quanto na epidemiologia descritiva tem grande importância, porque apoia as medidas de intervenção para o controle ou eli- minação dos problemas de saúde. Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 19 Como vimos até aqui, a Epidemiologia in- vestiga os determinantes do processo saúde e doença, procura entender as relações causais entre determinantes e agravos e, ao fazê-lo, con- tribui na elaboração de medidas de redução dos riscos pela aplicação de medidas preventivas es- pecíficas e gerais, que constituirão medidas de vi- gilância em saúde aplicadas na forma de políticas públicas. O conceito de risco é central na Epidemio- logia em todas as suas vertentes. Almeida Filho e Rouquayrol (2006) definem risco como “a pro- babilidade de ocorrência de uma doença, um agravo, óbito ou condição relacionada à saúde (incluindo cura, recuperação ou melhora), em uma população ou grupo, durante um período de tempo determinado.” Para descrever o comportamento das doen- ças em uma população ou o risco de ela vir a ocor- rer, são utilizadas medidas de frequência de mor- bidade e de mortalidade. Morbidade: é o conjunto dos indiví- duos que adquiriram doenças num in- tervalo de tempo, ou comportamento das doenças edos agravos à saúde em uma população exposta. Mortalidade: é o conjunto dos indiví- duos que morreram num dado interva- lo de tempo. Essas medidas são tomadas como indicado- res para o acompanhamento da sua frequência. Qualquer que seja a medida de frequência utili- zada, ela deve ser necessariamente referida às di- mensões de tempo, espaço e da população. Para que se possa comparar o perfil epidemiológico dos agravos em diferentes populações e lugares, utilizam-se coeficientes, ou seja, a proporção dos casos descobertos de um agravo na população 2.4 Risco, Fator de Risco e Marcador de Risco exposta a ele. Os coeficientes indicam o risco de ocorrer determinado agravo em uma população. Principais Medidas de Agravos Incidência É o número absoluto de casos novos de um agravo em uma população e em um determinado espaço geográfico. Quando a medida é expressa proporcionalmente à população exposta, a cha- mamos coeficiente de incidência. Prevalência É a frequência de casos existentes (soma do número absoluto de casos novos e antigos) de um agravo em uma população em um determi- nado momento. A prevalência é uma medida uti- lizada preferencialmente para doenças crônicas e pode ser expressa proporcionalmente à popula- ção exposta. Nesse caso, a chamamos coeficiente de prevalência. Medidas de mortalidade São as medidas que expressam com maior precisão a severidade de determinado agravo. Na forma de coeficientes, permitem a comparação de um evento em populações, áreas geográficas e ou períodos diferentes. Letalidade É uma medida da gravidade de uma doen- ça. Representa o percentual de pessoas que mor- reram por determinada doença entre as pessoas que adoeceram pela mesma causa. Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 20 Coeficiente de mortalidade Mede o risco de morrer segundo a idade, faixa etária, sexo, ou qualquer outra característica atribuída à pessoa; o local físico e geográfico da ocorrência; a causa do óbito. Observa-se que essa formulação está inti- mamente relacionada ao conceito matemático de estimativa de uma proporção, envolvendo necessariamente três elementos: a ocorrência de casos de um determinado evento (óbitos, doen- ça ou saúde), compondo o numerador; uma base de referência populacional (na qual o evento do numerador incide), compondo o denominador; e uma base de referência temporal (período) co- mum ao numerador e ao denominador. Se você desejar saber qual foi o risco de con- trair Tuberculose (TB) no Município de São Paulo (MSP) em 2011, deverá conhecer: 1. a ocorrência do evento em 2011: foram notificados 5.990 casos novos no MSP; 2. a população sobre a qual incidiu o even- to: a população estimada para 2011 no MSP foi de 11.337.021 habitantes; 3. a referência temporal/período de ocor- rência: ano 2011. Algumas características ou circunstâncias acompanham o aumento da probabilidade de ocorrência de uma doença, um agravo, óbito ou condição relacionada à saúde, em uma popula- ção ou grupo, durante um período de tempo de- terminado. Essas características, ou fator de expo- sição supostamente ligado ao desenvolvimento do evento, chamamos fator de risco. Os fatores de risco podem ser retirados ou controlados. Quando isso acontece, a ocorrência do evento estudado se modifica ou reduz. Um exemplo de fator de risco é a umidade do ar em relação ao desencadeamento de crises de asma. A OMS considera como ideal a umidade do ar acima de 60%. É considerado estado de atenção quando a umidade cai abaixo dos 30%. Quando a umidade atinge níveis entre 19% e 12%, é decre- tado o estado de alerta, porque se eleva a chance de ocorrência de danos à saúde. Para contornar o fator de risco representado pela baixa umidade do ar, recomenda-se o uso de unificadores am- bientais. Elevando artificialmente a umidade do ar, o risco de adoecimento por essa causa diminui. Saiba maisSaiba mais O Coeficiente de Incidência de Tuberculose em 2011 é dado por: Nº de casos novos de TB no MSP em 2011 x 100.000 hab. População residente no MSP em 2011 Logo, Coef. Inc. TB = 5.990 x 100.000 hab. = 52,8/100.000 habitantes. 11.337.021 Ou seja, A probabilidade de adoecer com TB no MSP em 2011 foi de 52,8 em cada grupo de 100 mil habi- tantes. Alguns fatores são considerados de proteção por- que quando estão presentes reduzem a chance de adoecimento, morte ou outro dano à saúde. CuriosidadeCuriosidade Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 21 A Epidemiologia surgiu como ciência e área do conhecimento na metade do século XVIII, embora o objeto central de seu estudo já fosse discutido muito antes e o seu reconhecimento tenha sido muito posterior. Mesmo assim, a bibliografia tem como seu marco inicial a descrição da aplicação do método científico na investigação da ocorrência de uma doença em uma população realizada pelo londrino John Snow. Desde então, a Epidemiologia tem diversificado seu campo e ampliado seu campo e métodos de estudo. Inicialmente, se dedicava predominantemente à descrição dos eventos relacionados à saúde da população e, com o advento dos sistemas computacionais, avançou na aplicação da matemática como recurso para comprovação de suas hipóteses. Surge, então, a epidemiologia descritiva e analítica. Delas emerge uma nova terminologia, que conceitua e estabelece relações entre os elementos participantes de cada processo estudado, relativos ao agente, homem e ambiente. Em relação aos métodos epidemio- lógicos, os estudos são classificados como ecológicos, transversais, de coorte e caso-controle. 2.5 Resumo do Capítulo Agora que você já estudou sobre Epidemiologia, teste seus conhecimentos: 1. Como a Epidemiologia pode contribuir para a atuação do engenheiro e do gestor ambiental? 2. O monitoramento do desmatamento florestal realizado por autoridades governamentais com o uso de imagens de satélite tem características de que tipo de estudo epidemiológico? 3. Qual é a diferença entre fator e marcador de risco? 2.6 Atividades Propostas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 23 A vida e o ambiente são inseparáveis e o inter-relacionamento entre ambos é inti- mo e constante. Em decorrência, a evolu- ção dos seres vivos se dá à mercê de sua adaptação ao meio em que vivem, e que lhes determina as características estrutu- rais, funcionais e de comportamento (FO- RATTINI,1992). O que entendemos por ambiente? O AMBIENTE3 Podemos iniciar dizendo que o ambiente em que a espécie humana vive é o planeta Terra, que integra o sistema solar. Então, o ambiente em que vivemos inclui desde a energia solar ao solo e todos os organismos vivos e não vivos dispostos no planeta Terra, que pode ser denominado, ge- nericamente, ecossistema. O ecossistema sofre modificações conside- radas naturais, como parte de sua evolução his- tórica, e outras, resultantes da atividade humana, denominadas antrópicas. Sobre o primeiro grupo de modificações do ecossistema, sabe-se que os rios, as rochas e outros componentes abióticos (inanimados, não vivos) em conjunto com o com- ponente biótico (conjunto de seres vivos que par- tilham o ambiente com a espécie humana) po- dem sofrer e provocar alterações que repercutem na superfície terrestre. A essas alterações naturais, acrescentam-se as modificações produzidas pela 3.1 O Ambiente Natural atividade humana, resultando no conjunto deno- minado paisagem. A paisagem natural é aquela livre da ação humana e a paisagem artificial ou antrópica, aquela que resulta da interferência do ser huma- no em sua conformação. A bibliografia indica que o ser humano conviveu por um longo período com o ambiente natural, mantendo atividade de extração de ele-mentos necessários à sua alimentação e manu- tenção da vida, sem modificar a paisagem. A descoberta do fogo, que teria ocorrido há 700 mil anos, parece ter sido responsável pelo iní- cio das alterações da paisagem natural pela ação do homem. A partir do surgimento da agricultura, cerca de 10 mil anos atrás, o ser humano passou a interferir de forma intencional sobre o crescimen- 3.2 O Ambiente sob a Ação do Homem ou Ambiente Antrópico to e substituição de determinadas espécies vege- tais de seu interesse, contribuindo para a modifi- cação da paisagem e interferindo no equilíbrio do meio de forma muito mais intensa. Mais tarde, se perceberia que a alteração do solo pela ação das queimadas e a substituição das espécies vegetais Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 24 na cobertura deste implicariam a modificação da evaporação da água dos mananciais, do curso dos ventos, da reprodução de outras espécies vi- vas, entre outros impactos. A retirada dos elementos naturais de uma área geográfica destinada à introdução de novos elementos que modificam a topologia, a hidrolo- gia e a composição do solo constitui um distúrbio antrópico do ecossistema. A introdução da agro- pecuária, da indústria e a instalação das cidades que sucederam a agricultura produziram efeitos muito mais profundos e definitivos na paisagem. As alterações provocadas pelo desenvolvimento urbano-industrial segui- ram de forma acelerada e, muitas vezes, não plane- jada, retirando e modifi- cando fontes energéticas naturais, devastando a paisagem natural e, prin- cipalmente, devolvendo para a natureza os resí- duos dessa atividade. En- tre esses “resíduos”, está a produção de calor artificial liberado na atmosfera. Outro fenômeno modificador da paisagem natural foi a ocupação do território em conglome- rados humanos cada vez mais adensados (muitas pessoas em menos espaço físico), gerando uma concentração espacial da interferência sobre o ambiente. A comunidade antrópica resultante do inter-relacionamento dos seres vivos no am- biente modificado pela ação humana favorece o aparecimento de diferentes nichos e habitats e, consequentemente, o surgimento de riscos à saúde humana. No caso das doenças infecciosas, transmissíveis e contagiosas, estas encontraram em tais conglomerados as condições ideias para sua disseminação, constituindo as grandes epide- mias. Por outro lado, as alterações ambientais propiciadas pela atividade urbano-industrial per- mitiram a exposição a riscos de natureza física, química, radioativa, entre outras que passaram a desencadear doenças não infecciosas. O modo de produção e as condições de vida, incluindo o am- biente como um todo, passou a responder pelo potencial desenvolvimento do processo de adoe- cimento e morte humana. Além disso, o des- locamento de grupos po- pulacionais de uma área geográfica para outra se mostrou como forte ele- mento de disseminação dos determinantes do processo saúde e doença. Assim foi com as doenças infecciosas, como a peste bubônica espalhada pelo mundo por roedores transportados de um lugar para outro nos porões dos navios e a Influenza A H1N1 disseminada por pessoas viajando de um país para outro após te- rem sido infectadas. Ao implantar áreas de garim- po de ouro, os humanos atiraram mercúrio aos leitos de rios e pela água, atingiram os peixes e a população humana em contato com o alimento e com a água. A história tem mostrado que a intervenção humana sobre a natureza produz transformações capazes de comprometer não só a saúde, mas também o futuro da humanidade. AtençãoAtenção O desenvolvimento humano levou à formação das cidades que utilizam água, energia e mate- riais retirados do meio natural para a transforma- ção do meio. Em consequência desse processo, geram dejetos capazes de degradar o meio dire- tamente ou indiretamente, rompendo o equilí- brio do ecossistema. Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 25 Embora os seres humanos façam parte da biota (componentes vivos que habitam a Ter- ra) e estejam sujeitos às mesmas leis biológicas e ecológicas que regem as demais espécies, são dotados de grande capacidade de adaptação ao ambiente. Essa capacidade permite que ele migre continuamente e ocupe novos espaços territo- riais, impondo a esses novos espaços a sua ação de modificação. Os movimentos de dispersão humana acontecem por diferentes motivos, com destaque para a determinação sociocultural. Os movimentos migratórios podem modifi- car o tamanho de uma população. Entre os atributos da população, além da migração, estuda-se a densidade demográfi- ca, as taxas de natalidade e de mortalidade e o potencial biótico. Vamos iniciar a discussão pelo conceito de densidade demográfica. A densidade demográfica corresponde ao número de indivíduos em um determinado espa- ço físico. A densidade de seres humanos é expres- sa em indivíduos ou habitantes por quilometro quadrado (km2). Sua contagem ocorre a cada dez anos pelos censos demográficos. Seus resultados 3.3 Dinâmica de Populações e sua Influência sobre o Ambiente adquirem cada vez mais importância para o estu- do da saúde humana e mostram aspectos com- portamentais, socioculturais e econômicos das comunidades. Um exemplo disso foi a detecção da transição demográfica observada no Brasil, evidenciada pelo processo acelerado de envelhe- cimento da população, antecedido pelo êxodo rural e adensamento das metrópoles. As modificações internas da composição de uma população podem ser determinadas pela alteração do padrão de natalidade (número de nascimentos em um período de tempo e área de- limitada) e de mortalidade. A natalidade tende a aumentar o tamanho da população e a mortali- dade tende a diminuí-la. Sempre que um desses eventos cresce de forma acentuada, o outro tende a compensá-lo. Historicamente, após as grandes guerras ou epidemias que resultaram em perda significativa de vidas, se observou movimentos de explosão demográfica (repentina alta da na- talidade). Do mesmo modo, com o alargamento da expectativa de vida (as pessoas estão vivendo mais tempo), a natalidade tende a diminuir. O ambiente foi, aqui, definido como o espaço no qual a vida, a saúde e a doença acontecem. Sob a ação do homem, a paisagem natural se modifica num encadeamento de alterações correlatas. O ambien- te alterado pela atividade humana, também chamada antrópica, ocorre pela retirada dos elementos da natureza para sobrevivência e em nome dela evoluiu para o acúmulo de riquezas, pelo desenvolvimento e uso de tecnologias que passaram a interferir de modo voluntário e involuntário sobre o solo, ar e recur- sos hídricos, alterando a vegetação e as relações de manutenção da vida no ecossistema. Também par- ticipam desse processo de intervenção antrópica os movimentos migratórios. Em seu conjunto, a ação do homem sobre o ambiente o modifica, produzindo ao mesmo tempo ganhos (a expectativa de vida e o conforto aumentaram) e perdas, pelos riscos impostos à saúde e à sustentabilidade desse processo. 3.4 Resumo do Capítulo Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 26 Agora que você já estudou sobre o Ambiente, teste seus conhecimentos: 1. De que forma os dejetos produzidos pelo homem e lançados na natureza podem afetar a sua saúde? 2. Por que e quando a atividade extrativista influencia negativamente o equilíbrio ambiental? 3. Por que os movimentos migratórios podem modificar o ambiente natural e antrópico? 3.5 Atividades Propostas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 27 O surgimento da Saúde Pública como cam- po de intervenção sobre a saúde humana resul- tou da organização das comunidades e de sua es- trutura social.A transição do modo de produção feudal para mercantil trouxe muitas famílias do campo para as cidades, favorecendo a ocorrência de epidemias, porque as pessoas passaram a con- viver com maior proximidade e esse fenômeno permitiu a disseminação de microrganismos cau- sadores de doenças com maior velocidade. Estudiosos do assunto dão conta de que no final do século XVIII, quando a solidariedade dos vizinhos no atendimento às famílias acometidas principalmente por doenças infecciosas era in- suficiente, as autoridades intervinham de forma complementar. Um exemplo desse tipo de inter- venção foi a obrigatoriedade do sepultamento de mortos para evitar a contaminação da atmosfera pelas partículas provenientes da decomposição dos corpos. Do mesmo modo, eram prescritos cuidados de higiene pessoal e alimentar à popu- lação, para evitar o contágio. Após a Revolução Industrial, com o surgi- mento do capitalismo na segunda metade do século XIX, o Estado assumiu claramente a fun- ção de zelar pela saúde da população, atuando muitas vezes de forma autoritária, no modelo de Polícia Médica. A ideia de prevenção foi ampliada na medida em que a vacinação e o isolamento de germes fizeram crer que tanto o adoecimento in- dividual quanto o coletivo poderiam ser evitados. Para tanto, as políticas governamentais passaram a ser instituídas segundo o Modelo Processual da SAÚDE PÚBLICA4 4.1 Conceito de Evolução saúde e doença: prevenção primária, para remo- ver as causas das doenças, intervindo sobre o am- biente (tratamento da água para consumo huma- no, por exemplo) ou sobre o estilo de vida (dieta, exercícios, lazer); prevenção secundária, para im- pedir o aparecimento de doenças mediante me- didas específicas para cada agravo (como vaci- nação, por exemplo); e terciária, com objetivo de reduzir os danos, incapacidades físicas, e dissemi- nação das doenças (como serviços de reabilitação fisioterapêutica, laboral, entre outras). Considerados esses aspectos, fica evidente que o conhecimento que propicia o desenvolvi- mento das populações também resulta na gera- ção de riscos à sua saúde. A identificação, análise e monitoramento desses riscos produzido pela Epidemiologia subsidiam a tomada de decisão no planejamento, administração e avaliação de sistemas, programas, serviços e ações de saúde. Estes, por sua vez, constituem o campo de ação da Saúde Pública. As Políticas Públicas para o enfrentamento dos problemas e riscos à saúde da população são definidas a partir do diagnóstico das suas condi- ções de vida e saúde, estabelecido pela análise de indicadores epidemiológicos e aplicação de critérios para eleição de prioridades. As priorida- des eleitas pelos critérios de magnitude ou ex- pressão de maior frequência e de transcendência caracterizada pela gravidade do dano e seu po- tencial para produzir custos elevados, sequelas e mortes, e a vulnerabilidade dos agravos repre- sentada pela sua capacidade de responder às me- Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 28 didas de controle são apresentadas na forma de objetivos e metas a serem alcançadas mediante ações governamentais implementadas direta e indiretamente pelos serviços de saúde pública. A produção de saúde, entendida como o conjun- to de ações que visam à recuperação da saúde, a prevenção específica de agravos e a promoção da saúde são o objeto da Saúde Pública que atua em contextos políticos, econômicos, ambientais e socioculturais sobre os fatores e condições bioló- gicas, modificando-as e transformando continua- mente tais condições para torná-las favoráveis à saúde. A relação entre a Saúde Pública e o ambien- te está registrada num dos documentos mais an- tigos sobre a intervenção sobre a saúde: o tratado De Ares, Águas e Lugares, atribuído a Hipócrates, escrito cerca de 400 anos a.C. Em seu raciocínio, Hipócrates partiu da observação das funções e manifestações do organismo e suas relações com o meio natural, incluindo a exposição às variações de tempo e temperatura (chuva, seca, frio, calor) e exposição a variações sociais, como trabalho, mo- radia, relações sociais e estilo de vida, e definiu a saúde como resultado do equilíbrio entre o ho- mem e seu meio. A teoria hipocrática teve forte relevância no desenvolvimento da saúde pública e inspirou movimentos teóricos que marcaram o curso da história, não só como objeto de conhecimento, mas como campo da prá- tica sobre a saúde coleti- va. Exemplo disso é obser- vado na formulação dos modelos explicativos do processo saúde e doença onde o ambiente ocupa posição de destaque, seja albergando os agentes etiológicos responsáveis pela agressão do ser hu- mano (Modelo Biomédico), se constituindo espa- ço de interação entre o ser humano e os fatores determinantes da história natural da doença (Mo- delo Processual), ou como terceiro subsistema na tríade agente, suscetível e ambiente (Modelo Sis- têmico). 4.2 Saúde Pública e o Ambiente Ao estudar a distribuição dos eventos rela- cionados ao processo saúde e doença em uma população e seus determinantes, a Epidemiolo- gia evidencia que a ação humana sobre a nature- za modifica e degrada o ambiente, favorecendo a influência de fatores determinantes físicos, quí- micos, biológicos e sociais de doenças e outros agravos, reduzindo a qualidade de vida. Os determinantes físico-químicos são des- critos por Philippi Jr. (2005) como fenômenos naturais que podem ser agravados pela ação an- trópica. O desmatamento, a alteração do curso de rios e a emissão de gases na atmosfera modificam o clima, a incidência de chuvas, o aquecimento do solo, entre outros fenômenos. A disponibilidade de água potável está di- retamente relacionada à qualidade de vida e saúde humana. Contraditoria- mente, as regiões de alta densidade demográfica (habitantes/km2) alta- mente industrializadas e urbanizadas consomem um volume maior de re- cursos hídricos e, ao mes- mo tempo, poluem os mananciais. Esse tipo de ocupação do território e estilo de vida também resulta na emissão de resíduos na forma de par- tículas lançados na atmosfera ou de resíduos só- lidos lançados no solo ou nas águas (rios mares e outras fontes hídricas). AtençãoAtenção Os seres humanos impõem uma pressão cada vez maior sobre o ambiente, tanto pelo uso excessivo dos recursos naturais em um ritmo incompatível com a renovação natural quanto pela geração de resíduos em velocidade e quantidades superio- res à capacidade de processamento. Epidemiologia e Saúde Ambiental Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 29 As partículas lançadas na atmosfera, a que chamamos poluição atmosférica, constituem im- portante determinante de doenças respiratórias e consequente elevação de seus índices de mortali- dade. Do ponto de vista da saúde pública, soma- -se ao custo representado pelas perdas sociais e econômicas (causam faltas ao trabalho, perdas no processo produtivo), da qualidade de vida e/ ou da própria vida um aumento significativo no custo de medidas de controle e tratamento des- ses agravos. Os determinantes biológicos abrangem atributos individuais endógenos, como a carga genética, e os exógenos, pertinentes ao ambien- te. A oferta de água, abrigo e alimento favorece o aparecimento e aumento da fauna sinantró- pica, representada por espécies animais que se adaptam a viver junto ao homem a despeito de sua vontade. São espécies que se adaptaram ao modo de viver do homem em áreas antrópicas para sobreviver e que, no contato com os seres humanos, podem causar prejuízos à saúde de or- dem física, econômica ou ambiental. O manejo inadequado do ambiente na- tural altera o equilíbrio ecológico, extinguindo algumas espécies da biota e favorecendo o cres- cimento desordenado de outras,requerendo in- tervenções quase sempre muito agressivas para o controle de pragas urbanas e agrícolas. O uso de biocidas (venenos) tem sido objeto de estudos e preocupação não só de pesquisadores dos recur- sos ambientais, mas também da saúde humana. Os determinantes sociais, relegados a um segundo plano durante muito tempo nas conside- rações sobre o processo saúde e doença, ocupam lugar de destaque desde as últimas décadas do século XX. A dinâmica populacional, já discutida no capítulo anterior, e o adensamento das áreas mais urbanizadas, onde se concentram as opor- tunidades de trabalho, fizeram surgir formas de ocupação do território classificadas como mora- dias subanormais, também denominadas favelas e, mais recentemente, “comunidades”. A implan- tação desses conglomerados humanos ocorre em áreas de infraestrutura insuficiente, saneamento básico deficitário ou inexistente, frequentemente na beira de córregos urbanos ou morros de decli- ve acentuado e áreas de grande erosão, áreas de mananciais, margens de rodovias ou no entorno de aterros sanitários. As condições de vida dessas populações são precárias e, ao mesmo tempo, favorecem sua ação de degradação do ambiente em que vivem, desencadeando um ciclo vicioso, que torna ainda mais comprometida sua qualida- de de vida e saúde. Nesse cenário, compete à Saúde Pública a proposições de ações de alcance coletivo, sua im- plementação, monitoramento e avaliação do im- pacto dos riscos, agravos e doenças identificados. Essas ações são dirigidas à população e/ou ao am- biente, entendido como o espaço que reúne os determinantes do processo saúde e doença, con- forme é explicitado na definição de saúde conti- da no texto da Constituição Federal (1988), no art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômi- cas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Da mesma forma, as ações de saneamento básico e saúde ambiental integram as diretrizes do Plano Nacional de Saúde e as metas do Pac- to pela Saúde, dois documentos que pautam as ações de Saúde Pública e respectivo financiamen- to público. Nesse âmbito, o objetivo é a promo- ção da saúde e redução das desigualdades sociais de forma sustentável. Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 30 A Saúde Pública é discutida, neste capítulo, como campo de intervenção sobre a saúde humana, inicialmente subordinada às demandas apresentadas pela área econômica voltada à manutenção da for- ça de trabalho, produtividade e relações internacionais. O controle de epidemias e endemias, foco inicial, foi ampliado na medida do alcance dos conhecimentos científicos e da concepção do processo saúde e doença. A relação entre a Saúde Pública e o ambiente, estabelecida por Hipócrates em cerca de 400 anos a.C., recomendava a consideração de aspectos geográficos, climáticos e sociais antes de intervir sobre a saúde humana. A Saúde Pública utiliza as ferramentas oferecidas pela Epidemiologia e intervém sobre os determinantes por ela evidenciados: os físico-químicos, os biológicos e os sociais. 4.3 Resumo do Capítulo Agora que você já estudou sobre Saúde Pública, teste seus conhecimentos: 1. Quais são os critérios utilizados para caracterizar um evento relacionado à saúde como proble- ma de Saúde Pública? 2. Qual é a relação entre recursos hídricos e Saúde Pública? 3. De que forma o manejo inadequado do ambiente natural pode afetar a biota? 4.4 Atividades Propostas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 31 Assim como a saúde é um direito de todos os brasileiros, o meio ambiente equilibrado tam- bém o é. O caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988 diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.” A saúde ambiental é definida pelo Ministé- rio da Saúde como a área da saúde pública afeta ao conhe- cimento científico e a formulação de po- líticas públicas relacionadas à interação entre a saúde humana e os fatores do meio ambiente natural e antrópico que a determinam, condicionam e influenciam, com vistas a melhorar a qualidade de vida do ser humano, sob o ponto de vista da sustentabilidade. (BRASIL, 2005a). SAÚDE AMBIENTAL5 5.1 Conceito e Implicações Sendo uma área da saúde pública, a saúde ambiental nasceu da necessidade de interromper ou mudar o processo de adoecimento da popula- ção por meio do manejo das condições ambien- tais em que ele se desenvolve. Para isso, é neces- sário conhecer os fatores e os contextos em que se rompe o equilíbrio saúde/doença para propor intervenções eficazes. Na saúde ambiental, como na saúde públi- ca, as ferramentas para o diagnóstico situacional, monitoramento e avaliação das intervenções pro- vêm da epidemiologia. A história natural da doen- ça proposta no Modelo Processual do processo saúde e doença, ou a tríade agente suscetível e ambiente do Modelo Sistêmico, ou os elementos presentes na determinação social da doença apli- cados à saúde ambiental levaram à descrição de novos termos e medidas capazes de estimar os riscos da interação homem-ambiente. Após a Segunda Guerra Mundial, houve a aceleração da produção industrial com vistas à recomposição econômica dos países, contexto em que as estimativas de risco ganharam evidên- cia. Também a preocupação com a qualidade do ambiente e com o risco de acidente industrial e de exposição a poluentes e produtos perigosos levaram a Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais a incorporar em suas agendas as questões relativas aos riscos ambientais. Nardocci et al. (2008) afirmam que, para ca- racterizar a existência de risco, é necessária a exis- Saiba maisSaiba mais A defesa do meio ambiente e o reconhecimento de sua importância para as gerações presentes e futuras representaram um fato novo na Constituição brasilei- ra. Do período Pré-Colonial até o Republicano, o extra- tivismo e a ocupação desordenada do território aten- dendo a interesses econômicos e de acomodação política, incluindo submissão a pressões internacio- nais, resultaram em um modelo de desenvolvimento que se voltou contra o meio ambiente e a saúde da população. Hogla Cardozo Murai Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 32 tência simultânea de dois elementos: um perigo e um sujeito. Sendo assim, os riscos ambientais não são exclusivamente relacionados à ação antró- pica, mas podem ocorrer também no ambiente natural. Tendo como finalidade melhorar a quali- dade de vida do ser humano, sob o ponto de vista da sustentabilidade, a saúde ambiental considera tanto os riscos para a saúde humana quanto para o ecossistema. Os riscos para a saúde humana, por sua vez, são caracterizados como de efeito imediato (aci- dentes naturais ou tecnológicos) e de efeito em longo prazo (contaminação ambiental, poluição do ar, da água do solo etc.). A avaliação dos riscos ambientais inclui a identificação do perigo, a avaliação da relação entre dose de exposição e a incidência de efeitos sobre a saúde humana, a avaliação do tipo de ex- posição e a caracterização do risco. A identificação do perigo corresponde à análise da substância envolvida, para saber se apresenta algum efeito adverso sobre a saúde hu- mana. A avaliação dose-resposta determina qual potencial a substância envolvida tem de causar efeito sobre a saúde humana e em que nível de exposição. A avaliação da exposição estima o grau provável de exposição humana à substância en- volvida
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