Buscar

Classificação e fisiopatologia da dor

Prévia do material em texto

Ana Isabel Sodré Lima| Fisiopatologia (P5)	8
Classificação e fisiopatologia da dor 
Definição
Dor é uma desagradável experiência sensorial e emocional associada a uma lesão tecidual já existente ou pontencial (pode surgir antes que ocorra a lesão, como quando se percebe um calor excessivo ou pressão de um objeto cortante), ou relatada como se uma lesão existisse (no caso da dor psicogênica).
É uma função complexa modulada por condições fisiológicas, emocionais, motivacionais e psicológicas, além de experiências prévias de vida.
Age como um mecanismo básico de defesa:
1. Imediato afastamento do objeto que provocou o estímulo ou alguma ação que impeça uma lesão posterior;
2. Base para aprender a evitar objetos ou situações nas quais uma lesão possa ocorrer posteriormente;
3. Limitação da atividade ou inatividade e o repouso, essenciais para a recuperação natural do organismo doente.
Sistema sensorial
Neurônios sensoriais:
· Aferentes somáticos gerais: ramificações com distribuição generalizada por todo o corpo e com muitos tipos de receptores – dor, toque e temperatura. 
· Aferentes somáticos especiais: têm receptores localizados principalmente nos músculos, tendões e articulações – detectam a posição e o movimento do corpo no espaço. Ex.: órgão tendinoso de Golgi e fusos musculares.
· Aferentes viscerais gerais: receptores em diversas estruturas viscerais que detectam plenitude e desconforto.
Quanto a localização:
· De primeira ordem: transmitem a informação da periferia -> SNC
· De segunda ordem: da medula -> tálamo
· De terceira ordem: tálamo -> córtex cerebral
Tipos de dor e qualidades
A dor é classificada em dois tipos principais:
· Dor rápida: sentida após 0,1 segundos, em geral é desencadeada por estímulos mecânicos e térmicos como quando a pele é cortada por faca ou é agudamente queimada. Essa dor não é sentida nos tecidos mais profundos do corpo. Além disso, são transmitidos pelas fibras Ad.
· Dor lenta: começa após 1 segundo ou mais, aumentando lentamente durante vários segundos ou minutos, geralmente é associada a destruição tecidual e desencadeada pelos três tipos de estímulos – mecânicos, térmicos e químicos. Ela pode ocorrer na pele e em quase todos os órgãos ou tecidos profundos. São transmitidos por fibras C.
Anatomia funcional da dor
A dor compreende três mecanismos básicos ilustrados na figura abaixo: transdução, transmissão e modulação.
1. Transdução
Refere-se à identificação do estímulo doloroso.
Estímulo doloroso -> reconhecido pelos nociceptores -> transformado em potencial de ação.
Nociceptores:
· Fibras A: são as mais grossas, subdividem-se em alfa, beta, gama e delta; seguindo uma ordem descrente de espessura e mielinização. As fibras delta provavelmente são as responsáveis pela percepção dolorosa rápida.
Fibras Aβ, de grande diâmetro, mielinizadas, compõem o sistema tátil e não participam do sistema de nocicepção, mas podem modificar a percepção da dor, atenuando-a. No caso de uma degeneração neuronal, este tipo de fibras pode sofrer modificação, passando a funcionar como fibras nociceptivas. Esta plasticidade é o mecanismo responsável pela alodinia (percepção de dor a estímulos que, em condições normais, não provocaria sensação dolorosa).
· Fibras B: são mielinizadas e pequenas, além de serem interoceptivas e também compõem os neurônios pré-sinápticos do sistema nervoso autônomo.
· Fibras C: são finas e amielínicas, conduzindo lentamente o impulso nervoso, elas são as responsáveis pela informação dolorosa tardia. 
Além dos estímulos mecânicos e térmicos, temos o estímulo químico. Algumas das substâncias que excitam esse tipo de estímulo doloroso são: bradicinina, serotonina, histamina, íons potássio, ácidos, acetilcolina e enzimas proteolíticas (ativação direta dos nociceptores). Além disso, as prostaglandinas e a substância P aumentam a sensibilidade das terminações nervosas, mas não excitam diretamente essas terminações (sensibilização; sendo responsáveis por hiperalgesia e pela continuidade do estímulo doloroso).
2. Transmissão 
Neurônios pseudo-unipolares (neurônios de primeira ordem) adentram o corno dorsal da medula espinhal (a maioria) ou o tronco cerebral -> Trato neo-espinotalâmico e paleoespinotalâmico.
Esse processo permite que os estímulos atinjam as estruturas nervosas centrais onde ocorre o reconhecimento da dor.
· Trato neo-espinotalâmico
Composto pelas fibras Ad do tipo rápido que terminam, em sua maioria, na lâmina I (lâmina marginal) dos cornos dorsais e excitam os neurônios de segunda ordem. Esses neurônios de segunda ordem dão origem às fibras longas que cruzam imediatamente para o lado oposto da medula espinal pela comissura anterior e depois ascendem para o encéfalo nas colunas anterolaterais.
Algumas dessas fibras terminam no tronco cerebral, mas a maioria segue até o tálamo. 
Acredita-se que o glutamato seja a substância neurotransmissora secretada nas terminações nervosas para a dor do tipo Ad da medula espinal.
· Trato paleoespinotalâmico
A via paleoespinotalâmica é um sistema muito mais antigo e transmite dor sobretudo por fibras periféricas crônicas lentas do tipo C. Nessa via, as fibras periféricas terminam na medula espinal quase inteiramente nas lâminas II e III dos cornos dorsais, que, em conjunto, são referidas como substância gelatinosa. Em seguida, a maior parte dos sinais passa por um ou mais neurônios de fibra curta, antes de entrar principalmente na lâmina V. Por fim, os últimos neurônios da série dão origem a axônios longos que se unem às fibras de dor rápida e vão em direção ao encéfalo, também pela via anterolateral.
Pesquisas sugerem que os terminais de fibras para dor do tipo C que entram na medula espinal liberam tanto o neurotransmissor glutamato quanto a substância P, que é liberada lentamente.
Diferente do trato neo-espinotalâmico, a maioria das fibras dessa via terminam, de modo difuso, no tronco cerebral.
A localização da dor transmitida pela via paleoespinotalâmica é imprecisa. Por exemplo, a dor crônica lenta em geral só pode ser localizada em uma parte principal do corpo, como no braço ou na perna, mas não em ponto específico do braço ou da perna. Isso se deve à conectividade multissináptica difusa dessa via. Esse fenômeno explica porque os pacientes, em geral, têm sérias dificuldades em localizar a fonte de alguns tipos de dor crônica.
3. Modulação
Além de vias e centros responsáveis pela transmissão da dor, há estruturas responsáveis por sua supressão, denominadas vias modulatórias, as quais são também ativadas pelas vias nociceptivas.
· Teoria do portão ou das comportas
As fibras amielínicas (C) e mielínicas finas (Aδ) conduzem a sensibilidade termoalgésica, enquanto as fibras mielínicas grossas (Aα e Aβ) conduzem as demais formas de sensibilidade (tato, pressão, posição, vibração). Segundo essa teoria, a ativação das fibras mielínicas grossas excitaria interneurônios inibitórios da substância gelatinosa de Rolando (lâmina II) para os aferentes nociceptivos, impedindo a passagem dos impulsos dolorosos, ou seja, haveria um fechamento do portão, ao passo que a ativação das fibras amielínicas e mielínicas finas (C e Aδ) inibiria os interneurônios inibitórios, tornando possível a passagem dos estímulos nociceptivos (abertura do portão). Esse mecanismo explica por que uma leve fricção ou massageamento de uma área dolorosa proporciona alívio da dor – pois o estímulo mecânico (tato e pressão) ativa as fibras mielínicas grossas que, por sua vez, excitam os interneurônios inibitórios reduzindo a passagem dos impulsos dolorosos e aliviando a percepção de dor.
· Sistema modulatório
Foi observado que a estimulação elétrica de algumas regiões, como a substância cinzenta periaquedutal e periventricular, produziria analgesia, que era acompanhada por aumento da concentração de opióides endógenos no liquor. 
Pode-se concluir, portanto, que a dor pode ser provocada tanto por ativação das vias nociceptivas como pela lesão das vias modulatórias (supressoras).Finalizando o “caminho”dos estímulos dolorosos temos:
A partir da sinapse no corno dorsal da medula espinal, o neurônio sensorial de segunda ordem ascende até o núcleo posterior ventral do tálamo, onde faz sinapse e se projeta como neurônio sensorial de terceira ordem, para:
· O córtex cerebral, onde a percepção da dor é interpretada com suas diferentes características (qualidade, intensidade, localização);
· O sistema límbico e amígdalas, que interpretam o componente afetivo da dor.
Classificação fisiopatológica
A dor pode ser classificada em:
· Dor nociceptiva
· Dor neuropática
· Dor mista
· Dor psicogênica
Dor nociceptiva
Considerando o seu sítio de origem, a dor pode ser classificada em:
· Dor somática (superficial e profunda)
· Dor irradiada
· Dor visceral 
A dor somática profunda e visceral podem, ainda, se manifestar em conjunto com a dor referida:
Dor referida
Sensação dolorosa superficial que está distante da estrutura profunda de origem (visceral ou somática), mas que é inervado pelo mesmo segmento da coluna vertebral, obedecendo à distribuição metamérica.
Os neurônios aferentes viscerais e somáticos convergem para os mesmos neurônios de projeção do corno dorsal, o que ajuda a explicar a “confusão” que existe na interpretação do local de origem da dor. Os locais de dor referida são determinados embriologicamente com o desenvolvimento de estruturas viscerais e somáticas que compartilham o mesmo local de entrada de informações sensoriais para o sistema nervoso central e, em seguida, deslocam--se para locais mais distantes.
Para entender melhor: 
Mecanismo fisiopatológico da dor referida:
A Figura 49-5 mostra o provável mecanismo por meio do qual grande parte da dor é referida. Na figura, ramos das fibras para a dor visceral fazem sinapse na medula espinal, nos mesmos neurônios de segunda ordem (1 e 2) que recebem os sinais dolorosos da pele. Quando as fibras viscerais para a dor são estimuladas, os sinais dolorosos das vísceras são conduzidos pelo menos por alguns dos mesmos neurônios que conduzem os sinais dolorosos da pele, e a pessoa tem a impressão de que as sensações se originam na pele. 
Observe que, diferente dos neurônios somáticos superficiais, as fibras viscerais também fazem sinapse com os neurônios que se comunicam com as fibras da pele, ou seja, é como se ocorresse uma “troca de informações”, todas as informações chegam ao encéfalo e serão interpretadas. No entanto, como elas estão “misturadas”, o córtex não sabe distinguir com exatidão de onde cada informação é proveniente. Por isso, a percepção que fica é que tanto víscera quanto pele estão “doendo”.
Por exemplo: peritonite – dor no ombro
Internamente, existe uma inflamação no peritônio que reveste a parte central do diafragma. No embrião, o diafragma tem origem no pescoço, e sua porção central é inervada pelo nervo frênico, que entra na medula no nível do terceiro ao quinto segmento (C3 a C5).
À medida que o feto se desenvolve, o diafragma desce para sua posição usual nos indivíduos adultos, entre as cavidades torácica e abdominal, mantendo o padrão embrionário de inervação. Assim, as fibras que entram na medula espinal no nível de C3 a C5 transportam informação tanto da região do pescoço quanto do diafragma, e a dor diafragmática é interpretada pelo prosencéfalo como originária do ombro ou do pescoço.
Dor visceral
Qualquer estímulo que excite as terminações livres para a dor em áreas difusas das vísceras, esses estímulos são:
· Isquemia tecidual: quanto maior for a intensidade do metabolismo nesse tecido, mais rapidamente a dor aparece. Causas para a dor: acúmulo de grande quantidade de ácido lático nos tecidos e outros agentes, como bradicinina e as enzimas proteolíticas.
· Estímulos químicos: algumas vezes, substâncias nocivas podem escapar do TGI para a cavidade peritoneal. Ex.: Suco gástrico escapa por úlcera perfurada -> Digestão disseminada do peritônio visceral -> Estímulo de amplas áreas de fibras dolorosas.
· Espasmo de víscera oca: estimulação mecânica e/ou diminuição do fluxo sanguíneo devido ao espasmo.
Em geral, a dor de víscera espástica ocorre na forma de cólicas, com a dor chegando a alto grau de gravidade e depois diminuindo. Esse processo continua de modo intermitente, uma vez a cada poucos minutos. Os ciclos intermitentes resultam de períodos de contração da musculatura lisa.
· Distensão excessiva: pelos mesmos mecanismos do espasmo.
Dor parietal causada por doença visceral
Quando a doença afeta a víscera, o processo geralmente se dissemina para o peritôneo, pleura ou pericárdio e essas superfícies são supridas com extensa inervação dolorosa.
Ex.: Apendicite que em fase inicial tem localização abdominal difusa e após comprometimento do peritônio -> passa a se localizar na fossa ilíaca direita.
Localização da dor visceral
As sensações do abdome e do tórax são transmitidas por duas vias (dupla transmissão da dor):
· Via visceral verdadeira
· Via parietal
A dor visceral verdadeira é transmitida pelas fibras sensoriais para dor, nos feixes nervosos autônomos, e as sensações são referidas para as áreas da superfície do corpo, geralmente longe do órgão doloroso. 
Inversamente, as sensações parietais são conduzidas diretamente para os nervos espinais locais do peritônio parietal, da pleura ou do pericárdio, e essas sensações geralmente se localizam diretamente sobre a área dolorosa. 
Nesse sentido, quando a dor visceral é referida para a superfície do corpo, a pessoa, em geral, a localiza no segmento dermatômico de origem do órgão visceral no embrião, e não necessariamente no local atual do órgão visceral.

Continue navegando