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Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 1 PESQUISA CIENTÍFICA: DISCUTINDO A QUESTÃO DAS VARIÁVEIS Fábio José Rauen1 RESUMO: Por variáveis definem-se quaisquer eventos, situações, comportamentos ou características individuais que assumem pelo menos dois valores discriminativos sejam eles qualitativos ou quantitativos. A quantidade de variáveis e suas supostas relações são determinantes para classificar pesquisas quantitativas e adotar uma hipótese. Nesses tipos de pesquisa, pode-se estar interessado: na descrição de pelo menos uma variável quantitativa, o que configura uma pesquisa descritiva; na percepção de uma associação entre pelo menos duas variáveis quantitativas, o que configura uma pesquisa correlacional; ou na identificação de um nexo causal pós-factual ou pré-factual entre pelo menos duas variáveis, o que configura, respectivamente, as pesquisas ex-post-facto e experimentais. Neste ensaio, são apresentadas as principais variáveis que compõem uma pesquisa científica defendendo a proposição de que elas estratificam três contextos de pesquisa: o contexto experimental, o contexto causal e o contexto ampliado PALAVRAS-CHAVE: Metodologia Científica; Metodologia da Pesquisa; Pesquisa Quantitativa. Introdução Este ensaio consiste em versão preliminar de excertos do capítulo reservado à pesquisa quantitativa do livro Roteiros de Iniciação à Pesquisa: epistemologia, metodologia científica, produção acadêmica e técnica a ser publicado pela Editora da Unisul. O objetivo do texto é enfatizar a importância das variáveis quantitativas na elaboração de pesquisas empíricas descritivas, correlacionais, pós-factuais e experimentais. Na primeira seção, apresenta-se o conceito e a caracterização das variáveis quantitativas. Em seguida, correlaciona-se o conceito de variáveis com o conceito de hipótese. Com base nessa correlação, apresenta-se na terceira seção um conjunto de tipos de variáveis, defendendo-se a proposição da existência de três contextos de pesquisa: o contexto experimental, o contexto causal e o contexto ampliado de variáveis. 1 Sobre variáveis Por variáveis, em sentido lato, definem-se quaisquer eventos, situações, comportamentos ou características individuais que assumem pelo menos dois valores discriminativos. Isso permite opô-las às constantes, que se definem por possuir valores estáticos, naturais ou convencionados. Em essência, toda pesquisa quantitativa gira em torno da noção de variáveis quantificadas. Segundo Hegenberg (1976, p. 80-81), nesse tipo de pesquisa, a quantificação é relevante na proporção em que se supõe que a quantificação caracteriza mais adequadamente certos conceitos (por exemplo, ‘100 metros’ é expressão mais precisa do que ‘perto’); gera descrições precisas que seriam impraticáveis sem a atribuição de números; conduz a classificações mais acuradas; contribui decisivamente para a formulação de hipóteses, estabelecendo nexos mais precisos entre variáveis e fórmulas; e permite confrontar hipóteses e teorias rivais. 1 Coordenador e docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Doutor em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: fabio.rauen@unisul.br. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 2 Por variável quantitativa define-se qualquer aspecto, atributo, característica, magnitude, particularidade, predicado, propriedade ou traço de ordem quantitativa ou qualitativa dos fatos ou fenômenos investigados para o qual se atribui um valor numérico discreto ou contínuo classificável em uma escala nominal, ordinal, intervalar ou racional e passível de ser mensurado, contabilizado e tratado por técnicas estatísticas descritivas e/ou inferenciais. Em palavras mais simples, pode-se dizer que variável quantitativa é qualquer atributo passível de variação numérica e de alguma classificação. Quando se atribui um valor numérico a uma característica ou propriedade de um objeto de investigação, esta característica ou propriedade assume seu caráter de variável quantitativa. Trata-se, portanto, de alguma característica ou propriedade discriminável de certo objeto de investigação que pode ser mensurada ou operacionalizada. Tomando-se em consideração a estrutura numérica, as variáveis quantitativas podem ser classificadas em dois grandes grupos. As variáveis numéricas ou quantitativas stricto sensu são aquelas que decorrem de observações expressas exclusivamente por números, tais como a quantidade de bactérias numa cultura; a idade, a altura e o peso dos sujeitos de pesquisa. As variáveis quantitativas categóricas, atributivas (de atributos) ou qualitativas são aquelas que decorrem de observações expressas por meio de categorias de atributos qualitativos que são traduzíveis em ou convertíveis a números. Variáveis como sexo, escolaridade, estado civil, tipo sanguíneo não são numéricas, mas pode ser mensuradas, contabilizadas e tratadas como se fossem. As variáveis quantitativas ainda podem ser classificadas em quatro escalas básicas. A escala nominal diz respeito a categorias, nomes ou rótulos descritores de atributos ou qualidades com as quais não se podem fazer operações aritméticas, tais como o estado civil e o sexo de um sujeito de pesquisa. A escala ordinal diz respeito a categorias que qualificam e estabelecem uma ordenação de atributos ou qualidades, de modo que se podem efetuar operações de contagem e de ordenação, tais como o nível de escolaridade de um sujeito de pesquisa ou a ordem de preferência de um conjunto de serviços ofertados por uma empresa. A escala intervalar diz respeito a números que correspondem a intervalos iguais configurados numa gradação precisa em relação a um zero arbitrário e com as quais se podem fazer múltiplas operações matemáticas. A escala racional diz respeito a uma escala intervalar onde o zero representa à ausência da característica medida e as diferentes atribuições de números equivalem a múltiplos em relação a esse ponto de comparação. A rigor, a escala racional engloba a escala intervalar, que engloba a escala ordinal, que engloba a escala nominal. As variáveis categóricas são medidas nas escalas nominal e ordinal, e as variáveis numéricas são medidas nas escalas intervalar e racional Conforme a discrição das variáveis, elas podem ser classificadas em dois grupos. As variáveis discretas são aquelas que assumem valores pertencentes a um conjunto finito e enumerável de números inteiros não-negativos, tais como o número de sujeitos de uma pesquisa ou o número de peças defeituosas numa amostra de peças. As variáveis contínuas, resultado normalmente de mensurações, são aquelas que podem assumir qualquer valor pertencente a um determinado intervalo do conjunto dos números reais, tais como o peso e a estatura dos sujeitos de pesquisa, a temperatura máxima e mínima em determinado período de tempo ou a vida útil de um produto. A quantidade de variáveis e suas supostas relações são relevantes para classificar as pesquisas quantitativas e para adotar uma hipótese. Nesses estudos, o pesquisador pode estar interessado: na descrição de pelo menos uma variável quantitativa, o que configura uma pesquisa descritiva; na percepção de uma associação entre pelo menos duas variáveis quantitativas, o que configura uma pesquisa correlacional; ou na identificação de um nexo causal pós-factual ou pré-factual entre pelo menos duas variáveis quantitativas, o que configura as pesquisas ex-post-facto ou experimentais, respectivamente. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de TubarãoTubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 3 Numa pesquisa descritiva, o problema consiste em saber o valor de pelo menos uma variável. Como o conhecimento desse valor depende da consecução de uma pesquisa, chama-se essa variável de dependente. Tome-se o caso de um pesquisador que se interessa por fazer um levantamento da flora de determinado sítio. Nessa pesquisa, não faz sentido ou é pouco produtivo elaborar hipóteses de quantas espécies ali se encontram, pois haveria de serem pensadas tantas hipóteses quantas expectativas de espécies julgadas plausíveis nesse sítio. Todavia, imagine-se que a mesma pesquisa visa verificar se a flora desse sítio se enquadra dentro do ecossistema da floresta atlântica. Nesse caso, pode-se levantar a hipótese de o levantamento de espécies da flora desse sítio revelar espécies que se enquadram nesse ecossistema, e o esforço da pesquisa consiste em corroborar ou não essa hipótese. Perceba-se que há uma diferença significativa nesses casos. Numa pergunta aberta do tipo “Quantas espécies existem neste sítio?”, a pesquisa é organizada em torno de um problema para o qual não se levantam possíveis soluções. Numa pergunta fechada do tipo “A flora deste sítio pertence ao ecossistema da floresta atlântica?”, a pesquisa foi organizada em torno de uma hipótese. Não há sentido em perguntar se as espécies se enquadram em algum ecossistema determinado se não há uma suspeição de que se enquadram. Assim, definir uma hipótese em pesquisas descritivas é função das expectativas de solução ao problema, e a pesquisa gira em torno dessas expectativas. Todavia, no caso das pesquisas correlacionais, pós-factuais e experimentais, o pesquisador pergunta pelo nexo de correlação ou de causalidade entre pelo menos duas variáveis, razão pela qual a elaboração de uma hipótese é compulsória. 2 Sobre variáveis e hipóteses Por hipótese, conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 139), define-se um enunciado geral de relação entre variáveis (fatos, fenômenos) que é elaborado como solução provisória para um determinado problema, apresentando caráter explicativo ou preditivo, consistência lógica (coerência interna), compatibilidade com o conhecimento científico (coerência externa) e verificabilidade empírica. Diante de um problema qualquer o pesquisador supõe uma resposta que, em princípio, ainda não é a sua solução. O processo de investigação consiste justamente em verificar se a suposta solução, de fato, resolve o problema. Dito de modo informal e anedótico, uma hipótese é “uma resposta que não é, mas que o pesquisador supõe que seja para ver o que seria se de fato fosse”. Conforme Jolivet (1979, p. 85-6), a posição que a hipótese ocupa em relação à pesquisa faz com que ela cumpra duas tarefas. No caso de uma hipótese preditiva ou ante-factum sua função é a de dirigir o trabalho do cientista. Além de dar explicações provisórias e de servir de guia na busca de informações para verificar a validade dessas explicações, é por meio da hipótese que o pesquisador escolhe que meios e métodos aplica no trabalho. No caso de uma hipótese explicativa ou post-factum sua função é a de coordenar os fatos já conhecidos. Nesse caso, a hipótese ordena o que se já acumulou na observação. Sem uma hipótese explicativa ou post-factum, o pesquisador vê seus resultados sem qualquer sentido, isto é, um conjunto de dados ao acaso. Schrader (1978, p. 56), por sua vez, considera que a hipótese pode funcionar de três modos distintos, a saber: a) como análise ex-ante-factum, quando a hipótese antecede ou cria o fenômeno a ser investigado, a investigação e a interpretação; b) como análise ex-post-factum, quando a hipótese decorre do surgimento de um fenômeno e, em seguida, guia a investigação e a interpretação; e c) como explicação, quando a hipótese sucede o surgimento do fenômeno e a investigação e guia somente a interpretação. Uma pesquisa experimental correlaciona, pelo menos, dois fatores ou variáveis, dos quais um dos fatores ou variáveis configura-se como causa e o outro o efeito. Essa relação de causalidade indica Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 4 que, se o fator causa aparece, então o fator efeito aparece, modifica-se ou desaparece. Em função disso, a forma clássica de se enunciar uma hipótese é a de uma proposição causal do tipo “Se x, então y”. Nesse construto lógico, ‘x’ e ‘y’ devem ser substituídos por variáveis, de tal sorte que ‘x’ representa o fator ou variável de causa e ‘y’ representa o fator ou variável de efeito. Tome-se o caso de um pesquisador que pretende verificar o efeito da desnutrição na primeira infância no desempenho na alfabetização. Nesse caso, ele pode levantar a seguinte hipótese a partir da fórmula “se x, então y”: “Se houve subnutrição na primeira infância, então (?) desempenho na alfabetização”. O que falta nessa proposição é justamente a previsão do valor que se espera da variável efeito. Nesse exemplo, o pesquisador pode supor que a subnutrição, causando déficit na consolidação das atividades cerebrais, é fator impeditivo para um desempenho adequado dessas crianças durante a fase de alfabetização. Assim, é plausível aceitar que o desempenho será baixo, no sentido que ficará aquém das expectativas médias para essa fase. Posto isso, a hipótese poderia ser reformulada, como se segue: “Se houve subnutrição na primeira infância, então haverá um desempenho aquém das expectativas médias na alfabetização”. Vale mencionar que o padrão demonstrado pode sofrer várias modificações, conforme as condições da pesquisa. Por exemplo, quando há duas causas para um mesmo efeito, a fórmula seria “se x1, x2, então y”; quando há três efeitos para uma causa, “se x, então y1, y2 e y3”; ou, ainda, podem-se acrescentar circunstâncias às variáveis causa/efeito, obtendo-se a seguinte formulação: “se x, então y, nas condições a, b, c,..., n”. A redação da hipótese pode também ocorrer de forma assertiva, que consiste na construção de uma afirmação, na qual a estrutura “se x, então y” não é utilizada, embora possa ser inferida. No exemplo anterior, a hipótese poderia ser assim formulada: “A subnutrição na primeira infância causa desempenho aquém das expectativas médias na alfabetização”. Observe-se que enunciados categóricos simples como “A água congela a 0oC” podem igualmente ser transformados na forma “se x, então y”: “Se a temperatura atinge 0oC, então a água congela”. 3. Sobre a classificação das variáveis Esta seção discorre sobre os vários tipos de variáveis presentes em pesquisas empíricas quantitativas, a saber: independente, dependente, moderadora, espúria, de controle, de teste, antecedente, componente, interveniente, extrínseca, de supressão e de distorção. A última seção dedica-se à apresentação do contexto de variáveis. Numa primeira aproximação, podem-se classificar as variáveis em duas espécies, conforme sejam ou não conhecidos os seus valores no início da pesquisa. Por variáveis determinadas definem-se as variáveis cujos valores são conhecidos e, em geral, mantidos sob controle pelo pesquisador. Por variáveis indeterminadas definem-se as variáveis cujos valores não são conhecidos ou controlados pelo pesquisador, embora, em alguma medida, possam ser divisadas e até manipuladas. Precisamente é em torno da relação entre variáveis determinadas e indeterminadas que se configuram as pesquisas de causalidade. 3.1 Variável independente e dependente Em estudos experimentais, o pesquisador assume hipoteticamente a possibilidade de uma variável ter uma relação assimétrica com outra variável. Isso quer dizer que um fato ou fenômeno é fator de causa para outro fenômeno. Nesses casos, chama-se variável independente a variável considerada causa de um efeito e variável dependente a variável considerada efeito de uma causa. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores– SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 5 Por variável independente (‘X’ ou ‘VI’), conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 189), define- se a variável que “influencia, determina ou afeta outra variável; é o fator determinante, condição ou causa para determinado resultado, efeito ou conseqüência; é o fator manipulado (geralmente) pelo investigador, na sua tentativa de assegurar a relação do fator com um fenômeno observado ou a ser descoberto, para ver que influência exerce sobre um possível resultado”. Conforme Jung (2009), as variáveis independentes correspondem “àquilo em função do qual se deseja conseguir realizar previsões e/ou obter resultados”. Por variável dependente (‘Y’ ou ‘VD”), conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 189), define-se a variável a ser explicada ou descoberta, em virtude de ser influenciada, determinada ou afetada pela variável independente; “é o fator que aparece, desaparece ou varia à medida que o investigador introduz, tira ou modifica a variável independente; a propriedade ou fator que é efeito resultado, conseqüência ou resposta a algo que foi manipulado (variável independente)”. Conforme Jung (2009) as variáveis dependentes “são aquelas cujo comportamento se quer verificar em função das oscilações das variáveis independentes, ou seja, correspondem àquilo que se deseja prever e/ou obter como resultado”. Tome-se, por exemplo, o exame clássico de dar uma pequena pancada no joelho para testar o reflexo de esticar as pernas. Nesse caso, a hipótese a ser testada é a que segue: “Se for dada uma pequena pancada no tendão patelar do joelho dobrado de um indivíduo, então a perna desse indivíduo será esticada por reflexo automático”. No exemplo, podem ser consideradas duas variáveis assimétricas: a pancada no tendão patelar, variável de causa ou independente e o reflexo de esticar a perna, variável de efeito ou dependente. 3.2 Variáveis moderadoras Por variável moderadora, conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 197), define-se o “fator, fenômeno ou propriedade, que também é condição ou fator determinante para que ocorra determinado resultado, efeito ou conseqüência, situando-se, porém, em nível secundário, no que diz respeito à variável independente, apresentando importância menor do que ela”. Como as variáveis de controle, variáveis moderadoras são selecionadas, medidas e manipuladas pelo pesquisador. A função da variável moderadora é verificar se ela exerce influência na relação da variável independente “x” com a variável dependente “y”, esta última, o fator ou fenômeno a ser observado. Tome-se, por exemplo, o caso de um estudo que quer investigar a influência da consulta ao texto de base na elaboração de textos de resumo por 40 estudantes. Suponha-se que o pesquisador pretende verificar se, destacando partes dos textos de base por sublinhado, haveria uma interferência na produção dos resumos. Observe-se que o grupo de 40 alunos tem de ser dividido em quatro subgrupos. Dois deles podem recorrer ao texto de base para elaborar o resumo; os dois restantes, não. Em cada par, um será marcado por sublinhado e o outro não. O que se quer observar? Se o acréscimo de sublinhas é um fator moderador na elaboração dos resumos. O indivíduo que acessa o texto na elaboração do resumo teria melhor desempenho, se algumas informações fossem sublinhadas? Para verificar isso, o pesquisador insere uma variável moderadora entre as variáveis independente e dependente. 3.3 Variáveis espúrias Um investigador que está interessado em verificar a relação entre duas variáveis, deve sempre se questionar se a suposta relação é real ou acidental. Quando a relação é acidental, diz-se que houve uma relação espúria. Na maioria dos casos, numa relação espúria, em vez de assimetria entre as Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 6 variáveis, o que ocorre é uma relação simétrica. Em outras palavras, em vez de uma variável exercer influência sobre outra, conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 205), elas são “indicadores alternativos do mesmo conceito, efeitos de uma causa comum, elementos de uma unidade funcional, partes ou manifestações de um sistema ou complexo comum, ou estão fortuitamente associadas”. Todavia, há casos em que a variável espúria provoca um efeito de simetria entre variáveis assimétricas, anulando ou pelo menos diminuindo a influência da variável independente sobre a variável dependente, em que se identifica uma variável de supressão, ou mesmo casos onde há um efeito de inversão, em que se identifica uma variável de distorção. Por variável espúria ou parasita define-se uma variável quantitativa que, coadjuvante indesejável da variável independente, modifica o valor da variável dependente, contaminando os supostos efeitos da variável independente sobre a variável dependente. Em outras palavras, são variáveis que, não se constituindo diretamente como objeto de estudo, interferem na relação entre as variáveis independentes e as dependentes. Toda variável espúria que não for controlada configura-se como um limitador das conclusões, de forma que quanto mais variáveis deixam de ser observadas, menos científica é uma pesquisa. Desse modo, todas as variáveis espúrias que são antevistas pelo pesquisador devem ser submetidas a rigoroso controle, convertendo-as em variáveis de controle e, caso necessário variáveis de teste. Frise-se, no entanto, que é impossível controlar todas as variáveis. O ambiente, cenário ou contexto experimental assemelha-se a um cobertor menor do que o corpo do indivíduo, de forma que quando o indivíduo cobre a cabeça, sobram os pés. Assim, diante da detecção de uma variável espúria, mesmo num ambiente, cenário ou contexto rigorosamente controlado, o pesquisador pode adotar uma das seguintes providências: a) assumir a limitação que a variável espúria impõe sobre a conclusão da pesquisa e sugerir seu controle e teste em pesquisas futuras; b) transformar a variável espúria em variável ou fator de teste, quando os dados puderem ser rearranjados conforme a variação dessa variável. Nesse caso, há como quantificar a variável espúria e correlacioná-la com os valores da variável dependente para compreender melhor seu papel nos resultados; c) transformar a variável espúria em variável de controle em nova rodada experimental, evitando que ela contamine os novos resultados; ou d) transformar a variável espúria em variável de teste em nova rodada experimental para compreender melhor seu papel em novos resultados de pesquisa. Para diminuir os efeitos das variáveis espúrias, Malhotra (2001) propõe os seguintes métodos: a) Aleatoriedade, que consiste na seleção aleatória de unidades de teste, de grupos experimentais e de atribuição de condições de tratamento. Fundamentado na noção de probabilidade, a suposição é a de que as variáveis espúrias estarão presentes em quaisquer dos grupos formados, eliminando ou pelo menos minimizando o viés de seleção e o viés de regressão estatística; b) Utilização de grupo de controle, que consiste na formação de um grupo em tudo semelhante ao grupo experimental para o qual não se aplica a variável independente. Essa medida elimina ou pelo menos minimiza os efeitos de história, maturação e mortalidade, pois essas variáveis ocorrem de forma semelhante nos dois grupos. Desse modo, a variável dependente supostamente pode ser comparada nos dois grupos; c) Emparelhamento ou medição antes, que consiste na comparação de características fundamentais das unidades teste para verificar semelhanças entre os grupos experimentais e grupos de controle antes de aplicar tratamento para garantir a semelhança entre os grupos sejam semelhantes. Desse modo, por hipótese, o efeito da variável independente pode ser observado com mais acuidade no grupo experimental, embora não se elimine areatividade da medida antes sobre os resultados da medida depois; d) Medição das variáveis dependentes apenas depois do tratamento, que consiste na eliminação da reatividade da medida anterior sobre a posterior, com o pedágio de reativar possíveis vieses de seleção; Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 7 e) Controle estatístico, que consiste na medição de variáveis espúrias e ajuste de seus efeitos através de análise estatística por meio de análises de correlação; f) Controle de planejamento, que consiste na consecução de experimentos planejados, visando minimizar em extremo a ocorrência de variáveis intervenientes; g) Cuidados na aplicação de instrumentos e técnicas de medição, que consistem em medidas de calibragem dos instrumentos e de treinamento do pessoal técnico envolvido na coleta de dados com vistas à eliminação ou pelo menos minimização do viés de erros de medição. A rigor, portanto, para identificar uma possível interpretação enganosa na relação entre variável independente e variável dependente por alguma variável espúria, controla-se essa variável e a converte em variável de teste. Se a relação entre as duas variáveis se desvanece, ela se deve justamente à suposta variável espúria. Para dar conta da questão do tratamento de variáveis espúrias, há de se considerar três níveis de ambientes, cenários ou contextos de pesquisa: a) O primeiro nível, mais interno, é o ambiente, cenário ou contexto experimental ou laboratorial dentro do qual, por hipótese, não há variáveis espúrias. Nesse nível, o pesquisador isola a relação variável independente e dependente (XY), ou a relação variável independente, moderadora e dependente (XMY) num ambiente, cenário ou contexto em que o maior número de variáveis espúrias está mantido sob rígido controle (variáveis de controle) a tal ponto que qualquer dessas variáveis é condição para os valores da variável dependente e, caso possa ser atribuído a qualquer dessas variáveis pelo menos duas quantidades, podem ser convertida em variável de teste; b) O segundo nível, intermediário, é o ambiente, cenário ou contexto causal dentro do qual é possível admitir três espécies de variáveis espúrias: antecedentes, que precedem a relação variável independente e dependente; componentes, que são aspectos inerentes de uma variável independente assumida como complexa; e intervenientes, que são simultaneamente efeitos da variável independente e causas da variável dependente. Desse modo, as variáveis antecedentes, componentes e intervenientes são relevantes na medida em que elas permitem compreender melhor os elos dessas cadeias causais; c) O terceiro nível é o ambiente, cenário ou contexto externo dentro do qual é possível admitir variáveis espúrias extrínsecas, ou seja, variáveis que não estão diretamente relacionadas à cadeia causal de eventos, mas que afetam todos os elos dessa relação causal. Há três espécies de variáveis extrínsecas conforme os seus efeitos sobre os valores da variável dependente: extrínsecas propriamente ditas, quando geram efeitos de assimetria entre relações simétricas; de supressão, quando geram efeitos de simetria em relações assimétricas; e de distorção, quando geram efeitos inversos. Vejam-se os vários tipos de variáveis. 3.4 Variáveis de controle Por variável de controle (C), conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 198), define-se a variável espúria que “o investigador neutraliza ou anula propositadamente em uma pesquisa com a finalidade de impedir que interfira na análise da relação entre as variáveis independente e dependente”. As variáveis de controle estabelecem um ambiente, cenário ou contexto experimental ou laboratorial no qual a relação variável independente/variável dependente se estabelece. Uma pesquisa Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 8 diz-se controlada quando o valor ou os valores do maior número de variáveis espúrias está submetido a rigoroso controle. Em outros termos, quando o pesquisador tem prévio conhecimento do valor ou dos valores do maior número de variáveis possível. Previamente, destacou-se que as hipóteses podem ser enunciadas, a partir da fórmula: “se x, então y, nas condições a, b, c,..., n”. As variáveis de controle colocam-se, justamente, no lugar dessas condições. Em tese, qualquer controle pode fazer parte do enunciado das hipóteses. Assim, toda variável de controle se constitui em condição para a determinação da influência da variável independente sobre a variável dependente. Ou ainda, o valor da variável dependente é função das condições estabelecidas pelas variáveis de controle. Mais do que condicionar uma pesquisa, diferentes variáveis de controle ou variações quantitativas ou qualitativas nas especificações de controle sobre variáveis espúrias geram novas pesquisas. Assim, a presença, a ausência ou a gradação de uma variável de controle implica uma pesquisa diferenciada. Retome-se o caso do pesquisador que pretende identificar a influência da presença/ausência do texto de base na elaboração de resumos. Quais seriam as preocupações do pesquisador, para que essa relação ocorra dentro de um quadro controlado de variáveis? Uma dica é tentar responder, entre outras, as seguintes questões básicas: “Quem?”, “Quando?”, “Onde?”, “Com quê?” e “Como?”. A resposta à pergunta “Quem?” fornece os dados sobre os sujeitos da pesquisa, ou seja, os indivíduos, que serão amostrados de uma população e que participarão do experimento. Eis, por exemplo, um conjunto de variáveis controladas: a) C1: Curso = Letras; b) C2: Fase = 8a (formandos de); c) C3: Instituição = Universidade do Sul de Santa Catarina; d) C4: Campus = Tubarão (SC); e) C5: Quantidade de informantes = 40; f) Cn: ... Por que se diz que a variável de controle opera sobre uma variável espúria? Tome-se, por exemplo, a variável ‘Curso’, que se configura numa variável espúria extrínseca. Solicitar um resumo de um estudante de Letras sabidamente supostamente é diferente de solicitar um resumo de um estudante de Engenharia, para quem essa prática, por hipótese, é menos usual. No caso dessa pesquisa, a opção por Letras estabelece um controle sobre essa variável e será um fator condicionante das conclusões: o que se conclui nessa investigação só pode ser válido para estudantes de Letras e não pode ser extrapolado para alunos de Engenharia. É por esse motivo que um dos papeis das variáveis de controle é o de delimitar a pesquisa estabelecendo o quadro sob o qual ela vai ser realizada. No início do exemplo, havia uma pesquisa para verificar a interferência da presença/ausência de textos-base na qualidade de resumos. Agora, observa-se que os indivíduos que elaborarão os resumos são “40 acadêmicos da 8 a fase do Curso de Letras do Campus de Tubarão (SC) da Universidade do Sul de Santa Catarina”. Veja-se Categoria Proposição Tema Interferência da presença/ausência de textos-base na qualidade de resumos Tema (revisado) Interferência da presença/ausência de textos-base na qualidade de resumos de 40 acadêmicos da 8a fase do Curso de Letras do Campus de Tubarão (SC) da Universidade do Sul de Santa Catarina A pergunta “Quando?” estabelece os limites temporais para a pesquisa. Se a faculdade sob pesquisa formou dez turmas, constituiu dez 8as fases; se o experimento ocorre perto da formatura, pode ser afetado por ela; se ocorre na última aula da noite, o sono é fator de influência; e assim por diante. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 9 A pergunta “Onde?” estabelece os limites espaciais para a pesquisa. Que ambientes serão utilizados para elaborar o experimento? Comoesses ambientes serão organizados? Em pesquisas desenvolvidas em laboratórios, no sentido estrito do termo, é fundamental descrevê-los minuciosamente. A pergunta “Com quê?” estabelece os instrumentos e equipamentos necessários para a elaboração da pesquisa. No caso em tela, que textos seriam utilizados? Qual quantidade de linhas eles conteriam? Como seriam apresentados aos informantes (fotocopiado, mimeografado, que tipo de letra)? Como as folhas, para elaboração do resumo, seriam entregues aos informantes? Que mobiliário é necessário para a elaboração dos resumos? Por fim, a pergunta “Como?” daria conta dos procedimentos de coleta e de análise dos dados ou achados de pesquisa, ou seja, o modo como o experimento se realizaria. Que procedimentos seriam necessários? Como os pesquisadores devem se comportar durante o experimento? Quais as atribuições dos sujeitos? Há uma explicação prévia? Os sujeitos permanecem no ambiente até o último entregar o seu resumo? O controle de variáveis está intimamente correlacionado com o aprofundamento teórico da pesquisa não somente no que se refere ao domínio do tema, como no que se refere ao domínio dos métodos de pesquisas. Como dividir os quarenta alunos para permitir a presença do texto de base para uns e não permitir para outros? E, mais a fundo, por que fazer isto? Assim, só obtém um controle efetivo de variáveis se houver conhecimento sobre o tema e a metodologia de pesquisa, razão pela qual se sugere prestar atenção aos modos como os pesquisadores experientes controlam variáveis. 3.5 Variáveis de teste Por variável de teste ou fator de teste define-se uma variável espúria, previamente controlada ou não, que o pesquisador admite por hipótese ser coadjuvante da relação (XY) para a qual se estabelece uma gradação com a finalidade de analisar seu efeito nos valores atribuíveis à variável dependente. Qualquer variável espúria pode assumir a característica de teste, desde que o pesquisador suponha que a relação (XY) possa ter sido moderada por sua existência. A diagnose dessa possível influência é muito mais fácil, obviamente, se a variável foi controlada. Uma variável espúria assumida como variável ou fator de teste tem o propósito de fundamentar a compreensão da relação entre as variáveis independente e dependente, verificando se o modo como essa relação se dá decorre ou não da suposta variável (T). Em outras palavras, conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 200), dizer que o valor da variável dependente se deve à variável de teste equivale a dizer que a variável de teste é responsável por ou determinante da relação (XY). Tome-se um investigador que pretende verificar se a aplicação de técnicas de leitura de obras de literatura causa melhoria no desempenho dos alunos do ensino médio na matéria, em vez da apresentação exclusiva do conteúdo em quadro-negro. Assim, num colégio com ensino médio matutino e noturno, imagine-se que ele aplicou o experimento com duas turmas, uma da manhã e outra da noite e que seus resultados médios apontaram que, em 70% dos casos, houve melhoria nas notas, o que seria, em princípio, um bom motivo para aprovar a relação. Entretanto, onde estão os 30% que não melhoraram as notas? Nesse caso, uma das soluções poderia ser a de converter uma variável de controle em variável de teste. Ao fazê-lo, percebe-se que 90% dos casos de decréscimo de desempenho vieram da turma da noite, sugerindo que o turno das aulas interfere na relação “leitura de obras de literatura/desempenho”. Em outros termos, a relação (XY) foi condicionada pelo turno diurno das aulas, ou melhor, só funcionou quando os alunos que foram investigados estudavam de dia. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 10 Segundo Rosenberg (1976, p. 44), “nem todos os fatores de teste têm o mesmo significado, servem para o mesmo propósito teórico ou apresentam as mesmas propriedades estatísticas”. Esses aspectos derivam-se da espécie de variável espúria em questão. Desse modo, nas subseções seguintes, apresentam-se as várias possibilidades de variáveis espúrias, iniciando-se pelas variáveis que fazem parte do ambiente, cenário ou contexto causal (variáveis antecedentes, componentes e intervenientes) para depois dar conta das variáveis mais amplas (extrínsecas, de supressão e de distorção). 3.6 Variáveis antecedentes Por variável antecedente (Z), define-se uma variável espúria que, numa cadeia causal de eventos, precede a relação (XY) ampliando, diminuindo ou anulando a influência da variável independente sobre os valores da variável dependente. Tome-se um pesquisador que pretende avaliar a influência de uma nova ração na postura de aves. Escolhida a amostra, os resultados são animadores. Todavia, por descuido, o plantel experimental contém aves geneticamente diferenciadas do plantel de controle. Desse modo, não se pode determinar se a causa da melhora no desempenho desses animais decorre da ração (variável independente) ou das propriedades genéticas do plantel (variável espúria antecedente). Esse impasse reforça o papel crucial do controle rigoroso das variáveis que compõem o cenário experimental. Segundo Marconi e Lakatos (2000, p. 214), há três requisitos estatísticos a serem satisfeitos para se afirmar que uma variável é antecedente, a saber: a) A suposta variável antecedente deve preceder a cadeia de eventos (XY), de modo que a ordem temporal tem de ser Z(XY), ou seja, a variável antecedente deve ocorrer antes da relação causal entre a variável independente e a variável dependente; b) Na hipótese de ser exercido um controle sobre a suposta variável antecedente, a relação entre as variáveis independente e dependente não deve desaparecer; c) Na hipótese de ser exercido um controle sobre a variável independente, a relação entre as variáveis antecedente e dependente deve desaparecer. As variáveis antecedentes podem servir como explicações para a relação (XY). Colocando-se na cadeia de eventos antes da variável independente, elas podem esclarecer influências anteriores à dita relação causal. Vale mencionar, contudo, que as variáveis antecedentes não podem ser confundidas com as motivações da pesquisa que, obviamente, antecedem e configuram a relação causal. Toda pesquisa é de alguma forma motivada, ou seja, possui uma causa, necessidade ou fator desencadeante. O que origina um projeto de pesquisa é a detecção de uma necessidade ou a prospecção de um problema. Contudo, essas variáveis motivadoras antecedentes, em geral, estão mais bem abrigadas na justificativa da pesquisa, de modo que apenas variáveis técnicas específicas devem ser consideradas como variáveis antecedentes. 3.7 Variáveis componentes Por variáveis componentes (C) definem-se os fatores que configuram ou compõe uma variável complexa ou global tomada como variável independente de uma suposta relação causal (XY). Conforme Marconi e Lakatos (2000, p. 208), variáveis sociológicas caracterizam-se por se apresentarem em blocos pluridimensionais. Um indivíduo, observado do ponto de vista social, consiste numa pluralidade complexa de aspectos. Tome-se um professor universitário, como exemplo. No trabalho, ele pode ser simultaneamente docente, pesquisador, orientador, membro de associações, Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 11 gestor, etc.; para além da dimensão profissional, ele é pai, esposo, membro de vários grupos, organismos, instituições sociais. Nesse caso, tomando-se em conta uma suposta pesquisa sobre os comportamentos agressivos de professores universitários diante de uma greve, por exemplo, qual das variáveis componentes (C) do conceito PROFESSOR UNIVERSITÁRIO poderia ser a responsável ou a maior responsável pelo efeito observado? A identificaçãode uma variável componente permite discernir o elemento crucial de um conceito global que é decisivo para a relação. Assim, para lidar com um conceito global, seleciona-se, como fator de teste, uma variável componente (C) que seja expressão, aspecto ou elemento da variável independente global. Caso a relação se desvanece, então a variável componente era a responsável pelo resultado encontrado; caso a relação se mantém inalterada, essa variável componente não tem influência no resultado observado; caso a relação se atenua de forma acentuada a variável componente é o fator mais importante para explicar o resultado assinalado. 3.8 Variáveis intervenientes Por variável interveniente (W) define-se a variável espúria tomada como consequência necessária da variável independente e condição determinante da variável dependente que, na cadeia causal de eventos (XY), coloca-se entre essas variáveis, ampliando, diminuindo ou anulando a influência da variável independente sobre os valores da variável dependente. Embora o conceito de variável interveniente se aplique para qualquer variável que se interponha na relação causal (XY), destacam-se aqui aspectos próprios do cenário experimental que intervêm nos resultados. Imagine-se um pesquisador que pretende verificar como crianças ordenam gravuras de uma história em quadrinhos que foram devidamente embaralhadas. Para isso, executa um protocolo com crianças de uma turma da 3a série do ensino fundamental individualmente numa sala à parte. Por descuido, o pesquisador permite que a criança retorne à sala de aula, onde estão os alunos que não participaram da pesquisa, ignorando o fato de que as crianças que ainda não fizeram o teste, dada sua curiosidade natural, são contaminadas com as informações daquelas que já o fizeram. Desse modo, não se pode determinar se a melhora no desempenho de ordenação das figuras dessas crianças decorre de suas aptidões (variável independente) ou do acesso das instruções das crianças que as precederam (variável espúria interveniente). Segundo Marconi e Lakatos (2000, p. 211), três relações assimétricas são requeridas para afirmar que uma variável é interveniente, a saber: a) A definição de uma relação causal original entre as variáveis independente e dependente (X-Y); b) Uma relação entre a variável independente e a variável interveniente (XW), de tal modo que a variável independente atua como causa da variável interveniente; c) Uma relação entre a variável interveniente e a variável dependente (WY), de tal modo que a variável interveniente atua como causa da variável dependente. Para Marconi e Lakatos (2000, p. 214), mesmo na hipótese de ser exercido controle sobre suposta variável interveniente, nem sempre a relação entre as variáveis independente e dependente se modifica significativamente. Todavia, quanto maiores forem as alterações nos valores da variável dependente, tendo sido controlada alguma variável interveniente, mais importante é o papel dessa variável na relação causal de eventos, motivo pelo qual não se pode negligenciar qualquer detalhe do cenário experimental. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 12 3.9 Variáveis extrínsecas Por variável extrínseca (E) define-se uma variável espúria que, mesmo externo à relação (XY), afeta, altera, amplia, modifica positivamente uma relação simétrica verdadeira entre a variável independente e a variável dependente. Segundo Lakatos e Marconi (1986, p. 191) a conversão de uma variável extrínseca preserva o pesquisador do equívoco de considerar assimétrica uma relação entre duas variáveis, quando de fato isso não ocorre, ou melhor, de considerar que a variável independente exerce influência sobre a dependente, quando de fato não exerce. Em outras palavras, exercendo-se controle sobre a suposta variável extrínseca descobre-se que a assimetria deriva-se da própria variável extrínseca. Em educação, uma variável extrínseca contingente é a maturação, especialmente sentida em pesquisas longitudinais. Tome-se, por exemplo, uma pesquisa que visa aplicar uma sequência didática para o aprendizado de gêneros textuais durante um ano letivo entre escolares do 8º ano do ensino fundamental. Como garantir que o suposto sucesso das atividades decorre do método ou da maturação dos alunos? Em pesquisas sociais ou psicológicas, a história se interpõe como variável extrínseca uma vez que concorre com a variável experimental na consecução dos resultados. Esse é o caso de variações macroeconômicas que podem fazer supor existir uma relação causal entre as variáveis quando elas não existem. Tome-se, por exemplo, o caso da avaliação dos efeitos do treinamento de novos corretores de imóveis nas vendas que seja influenciado por uma crise bancária. A venda de imóveis poderia ter sido alavancada pela crise bancária e não pela suposta expertise dos novos corretores. 3.10 Variáveis de supressão Por variável de supressão (S), define-se uma variável espúria que, mesmo externa à relação (X-Y), anula, cancela, esconde ou reduz uma relação assimétrica verdadeira entre a variável independente e a variável dependente. Segundo Marconi e Lakatos (2000, p. 218), se a conversão de uma variável extrínseca em fator de teste defende o pesquisador de supor uma relação entre duas variáveis que de fato inexiste, a conversão de uma variável de supressão defende o pesquisador de supor a inexistência ou ausência de relação entre duas variáveis que de fato existe, mas fora “mascarada” pela própria variável de supressão. Para se precaver desse erro, o pesquisador deve exercer controle sobre a variável de supressão, de modo a verificar se a suposta ausência de relação decorre da atuação dessa variável espúria. Se isso ocorre, isto é, se emergir uma relação na ausência da variável de supressão, diz-se que a ausência de correlação inicial era devida exclusivamente à variável de supressão. Imagine-se um pesquisador que pretende descobrir se a opinião sobre aspectos controversos da sexualidade diverge significativamente entre meninos e meninas adolescentes. Para dar conta dessa demanda, ele produz um questionário identificado com perguntas sobre o tema e não encontra uma diferença significativa nas respostas. O pesquisador, então, desconfia de que a identificação dos informantes nas respostas altera esse resultado e resolve controlar essa variável, tornando-a fator de teste. Desse modo, faz uma nova bateria de questionários, solicitando identificação somente para metade dos novos informantes. Ao verificar os dados, agora, percebe uma diferença significativa entre meninos e meninas entre os questionários anônimos que não se encontra entre os questionários identificados. Desse modo, a variável identificação diminui a assimetria sexo/opinião atuando como variável de supressão, isto é, anulando uma correlação que de fato existe. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 13 Esse exemplo nos alerta de que tanto é possível encontrar uma assimetria espúria como uma simetria espúria. Nos dois casos, o pesquisador deve converter as supostas variáveis espúrias em fator de teste e, no caso de ressurgir uma assimetria antes não encontrada, identificar essa variável como de supressão. 3.11 Variáveis de distorção Por variável de distorção (D) define-se uma variável espúria cuja intervenção na relação (X- Y) provoca uma inversão de resultado, seja anulando uma relação assimétrica, seja positivando uma relação simétrica entre as variáveis independente e dependente. Segundo Marconi e Lakatos (2000, p. 220), o exercício de controle sobre uma suposta variável de distorção, transformando-a em fator de teste, defende o pesquisador de obter uma interpretação que se revela contrária à interpretaçãofactual. Em outras palavras, isso impede o pesquisador de considerar positiva uma relação negativa e de considerar negativa uma relação positiva. Imagine-se um investigador que pretende identificar a opinião de bacharéis de direito sobre a manutenção dos exames de Ordem. Realizada a pesquisa, os dados revelam franca desaprovação do exame. Todavia, seria esse o resultado se houvesse um cotejo entre bacharéis previamente aprovados e aquele ainda não aprovados no Exame? Exercido o controle sob essa variável, convertendo-a em fator de teste, a relação se inverte: o exame é desaprovado somente entre os bacharéis ainda não aprovados e, inversamente, aprovado por aqueles que já se encontram aprovados, sugerindo que a opinião está relacionada com o status do profissional diante do referido exame. Conclusão Neste texto, destacou-se a importância das variáveis quantitativas na elaboração de pesquisas empíricas descritivas, correlacionais, pós-factuais e experimentais. As variáveis foram tomadas como elementos constituintes das hipóteses e suas características foram desenvolvidas conforme a função que as hipóteses desempenham nos estudos. Tendo sido apresentadas as relações de associação e de causalidade entre variáveis e considerando como pano de fundo as pesquisas experimentais, foram apresentados os vários tipos de variáveis que compõem o que se denominou de contexto experimental, contexto causal e contexto ampliado de variáveis. No contexto experimental, encontram-se as variáveis: independente (X), moderadora (M) e dependente (Y). Esse ambiente é neutralizado por inúmeras variáveis espúrias controladas. No contexto causal, incorporam-se variáveis: antecedentes (Z), componentes (C) e intervenientes (W) que, de alguma forma, estão atreladas à relação causal de eventos (XY). No contexto ampliado, por sua vez, incorporam-se variáveis externas à relação causal que afetam todos os elos da cadeia. Nesse contexto, incluem-se as variáveis: extrínsecas (E), de supressão (S) e de distorção (D). Vale mencionar que o conhecimento e a consideração desses vários contextos e das variáveis que os compõe são fundamentais para a correta elaboração de projetos e, portanto, um passo imprescindível para a qualificação de pesquisas quantitativas, razão pela qual não podem ser ignorados ou negligenciados. Referencias HEGENBERG, Leônidas. Etapas da investigação científica: leis, teorias, método. São Paulo: EPU, 1976. V. 2. JOLIVET, Régis. Curso de filosofia. 13. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1979. Anais do IV Simpósio sobre Formação de Professores – SIMFOP Universidade do Sul de Santa Catarina, Campus de Tubarão Tubarão, de 7 a 11 de maio de 2012 14 JUNG, Carlos Fernando. Metodologia científica e tecnológica: módulo 3 – variáveis e constantes. Campinas, 2009. Disponível em: <www.dsce.fee.unicamp.br/~antenor/mod3.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2011. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica: ciência e conhecimento científico; métodos científicos; teoria, hipóteses e variáveis. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1986. MALHOTRA, Naresh K. Pesquisa em marketing: uma orientação aplicada. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. MARCONI, Marina de Andrade, LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica: ciência e conhecimento científico; métodos científicos; teoria, hipóteses e variáveis; metodologia jurídica. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Atlas, 2000 SCHRADER, Achim. Introdução à pesquisa social empírica: um guia para o planejamento de projetos de pesquisa não experimentais, com a colaboração de Magdalene Malwitz-Schütte e Jürgen Sell. Trad. de Manfredo Berger. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1978
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