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Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Nelci Vieira de Lima Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Silvia Augusta de Barros Albert O Ensino de Língua Portuguesa e a BNCC O Ensino de Língua Portuguesa e a BNCC • Compreender as premissas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) a partir da leitura do texto introdutório do documento, tendo em vista as bases teóricas nas quais se assentam sua organização estrutural e a organização do componente curricular Língua Por- tuguesa, a fim de realizar uma leitura crítico-reflexiva. OBJETIVO DE APRENDIZADO • A Base Nacional Comum Curricular e o Ensino por Competências; • O Enfoque Enunciativo-Discursivo e a Organização do Componente Curricular Língua Portuguesa na BNCC. UNIDADE O Ensino de Língua A Base Nacional Comum Curricular e o Ensino por Competências A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um marco no desenvolvimento dos processos de consolidação do sistema de ensino brasileiro. Já vimos que a disciplina de Língua Portuguesa sofreu uma série de transformações até ganhar as feições atuais. Vale lembrar, sempre, que os documentos que norteiam a construção dos currículos, como os PCN e a BNCC são fatores importantes nesse processo. Ao longo da redemocratização brasileira, já no texto da Constituição Federal, promul- gada em 1988, é previsto que a educação é direito de todos e dever do estado e da família, sendo que, já em seu Artigo 210 aponta a necessidade de serem fixados “conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). Alguns anos depois, em 1996, é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que no Inciso IV do Artigo 9º afirma que é necessário estabelecer “competências e di- retrizes para a Educação” estas que “nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum” (BRASIL, 1996). A partir desses marcos legais tivemos a formulação dos PCN em 1998 e após duas décadas, a publicação da Base Nacional Comum Curricular (2018). Vale lembrar que nem os PCN nem a BNCC são currículos prontos. Esses documentos estabelecem as diretrizes comuns, ou seja, as aprendizagens mínimas que devem ser garantidas. A par- tir desses norteadores cada contexto, municipal e estadual deve criar seus referenciais com as feições regionais e, por fim, cada escola elabora seu currículo, articulando essas aprendizagens mínimas ao Projeto Pedagógico desenvolvido pela instituição escolar. Analisando as diferenças e pontos de convergência entre os dois documentos, embora tenhamos, as mesmas perspectivas teóricas para o componente Língua Portuguesa, a BNCC apresenta-se como mais específica, pois estabelece de maneira pormenorizada quais são os objetivos de aprendizagem de cada ano escolar. Outro ponto importante é a proposta de que os currículos sejam organizados em torno de competências e não a partir de uma listagem de conteúdos, o que já foi estabelecido desde os PCN. Vamos entender melhor o quê e por quais razões o ensino pode/deve ser organizado por competências. Temos observado, nesta disciplina, como as transformações sociais, políticas e eco- nômicas influenciam o ensino. A organização do ensino por competências está também relacionada a todo o contexto que a sociedade vive nas últimas décadas. Analisando as tecnologias disponíveis no século XXI, precisamos refletir como elas nos proporcionam meios nunca antes imaginados para a circulação e o armazenamento de informações. Nesse cenário, a escola precisa ensinar não só saberes, mas também o “saber-fazer” de acordo com os novos moldes da “civilização cognitiva” (DELORS, 2004). A “civilização cognitiva” enfrenta uma profunda modificação nos meios de traba- lho e nos modos como a informação e os saberes circulam na sociedade. 8 9 O conceito de “civilização cognitiva” surge após as transformações sofridas nas relações de trabalho ao longo do século XX. Se antes essas relações eram pautadas no modelo in- dustrial do século XIX, ao longo do século XX, os trabalhadores vivenciam transformações complexas nas relações de trabalho, principalmente em virtude da substituição do trabalho humano pelas máquinas. Essa substituição tornou a ação humana, cada vez mais imaterial e acentuou o caráter cognitivo das tarefas, até mesmo nos trabalhos da própria indústria, assim como a importância dos serviços na atividade econômica. Nesse cenário, a ideia de escola que proporcionava uma grande “bagagem” de sabe- res científicos ou conteúdos não faz o menor sentido. Mais que acumular uma determi- nada quantidade de conteúdos a cada ano da escolaridade, como se o próprio cérebro do aluno fosse um grande repositório de conhecimentos, cabe agora o desenvolvimento de ferramentas para que o aluno possa explorar, em todos os momentos de sua vida, to- das as condições de se atualizar, aprofundar e enriquecer seus conhecimentos de modo que seja capaz de adaptar-se a um mundo em constantes – e velozes – transformações. Dentre as novas tarefas da escola, coloca-se como necessidade central, de ensino e aprendizagem, desenvolver competências que auxiliem os alunos a estabelecer parâme- tros e a construir referências que lhes permitam elaborar critérios de seleção de infor- mações e de dados, para que eles não fiquem à deriva nas enormes ondas de conteúdos e informação que invadem os espaços públicos e privados, por meio dos dispositivos digitais, cada vez mais popularizados. Assim, observamos um forte deslocamento dos modos como a informação e os saberes circulam na sociedade e, consequentemente, várias mudanças que se impõem nos modos e nos processos de interação didática. Importante! A interação didática clássica envolve a tríade: i.professor; ii. saberes e objetos de ensino; e iii. alunos. A nova proposta é que a interação entre os alunos e os saberes/objetos de conhecimento seja maior e que o professor atue, não como um transmissor de saberes, mas como um grande articulador de projetos, em que os alunos sejam os protagonistas do processo, mediado pelo professor. Se antes era necessário, por meio do processo de escolarização, que o aluno adqui- risse um amplo repertório de saberes já estruturados pela sociedade, cabe agora ele aprender a dominar os instrumentos do conhecimento, ou seja, que o aluno se torne ca- paz de pensar cientificamente e, assim, aprender a compreender o mundo que o rodeia. Essa capacidade envolve um jogo entre os saberes cientificamente construídos, como procedimentos de pesquisa, instrumentos de busca, dentre outras habilidades e a rea- lidade local de cada sujeito. É uma articulação entre o global e o local na qual o aluno poderá construir novos sentidos, para além dos significados pré-construídos por pesqui- sadores e especialistas, que muitas vezes não têm o menor contato com a realidade de cada estudante. 9 UNIDADE O Ensino de Língua Nesse movimento, estão implicadas habilidades relacionadas à atenção, à memória e ao pensamento. Mesmo que hoje em dia não seja mais necessário memorizar deter- minados saberes, outros ainda são absolutamente imprescindíveis. O desenvolvimento da faculdade humana de memorização deve ser instigado, visto que a correlação entre informações antigas e atuais é uma faculdade que instrumentaliza o sujeito a agir de maneira crítica. Você Sabia? Que quando dizemos que o cérebro armazena informações, não podemos imaginar que a informação fique guardada dentro de “gavetas cerebrais”? [...] O armazenamento é possível graças à neuroplasticidade, que pode ser definida como a capacidade que o cérebro tem de se transformar diante de pressões (estímulos) do ambiente (MOURÃO, FARIA, 2015, p. 781). Precisamos também ter claro, que o processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado e pode ser enriquecido com toda e qualquer experiência. Assim, na atualidade, a premissa norteadoradas ações escolares deve ser, em primeira instância, desenvolver o ímpeto para o manuseio de ferramentas e estimular a curiosidade pelo novo, para que o aluno seja capaz de aprender sempre. Na “civilização cognitiva” não se espera que se ensine alguém para uma tarefa mate- rial/manual, visando parte da fabricação de um determinado artefato. Com a automati- zação cada vez maior do trabalho, as aprendizagens das pessoas devem ser transforma- das, pois já não basta mais serem consideradas como simples transmissão de práticas, métodos ou procedimentos. No contexto atual do mundo do trabalho, as tarefas físicas são majoritariamente substituídas por tarefas mais intelectuais. Sendo assim, as máqui- nas se tornam mais funcionais para as tarefas físicas e esse tipo de trabalho se desmate- rializa, sai das mãos do trabalhador. Ou seja, vai sendo substituído por meio da organi- zação de coletivos de trabalho e grupos de projetos, em lugar da antiga justaposição de trabalhos prescritos e parcelados. Na atualidade, substitui-se a antiga exigência de uma qualificação ligada à ideia de competência material pela ideia de um mix de competências, combinando a qualificação técnica e profissional ao comportamento social, à aptidão para o trabalho em equipe, à capacidade de tomar iniciativas e ao gosto pela curiosidade em aprender cada vez mais. Nesse contexto, o termo “aprender a aprender” desponta também como grande nor- teador da organização dos sistemas de ensino. De acordo com o Glossário da UNESCO, “aprender a aprender” envolve um processo de projeto de vida de cada sujeito e, para isso, é necessário que aprendam a planejar, monitorar e adaptar seus percursos de aprendizagem. Essa pode ser considerada a competência essencial que inclui a consciên- cia dos próprios processos e necessidades de aprendizagem, assim como a identificação de oportunidades disponíveis e a capacidade de superar obstáculos de maneira cons- trutiva e criativa. “Aprender a aprender” engaja os alunos na construção baseada em aprendizagens e experiências anteriores de vida, visando a usar e aplicar conhecimentos e habilidades em diversos contextos. 10 11 Competência pode ser definida como uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes apropriadas ao contexto. A principal diferença entre pensarmos em conteúdos e competências é que esta última implica a capacidade de aplicar adequadamente os resul- tados de aprendizagem em um contexto definido (educação, trabalho, desenvolvimento pessoal ou profissional). Sendo assim uma competência não se restringe a elementos cognitivos (que en- volvem o uso de teoria, conceitos ou conhecimento); mas também abrange aspectos funcionais (que envolvem habilidades técnicas), atributos interpessoais (como habilidades sociais ou organizacionais) e valores éticos. A BNCC considera todas essas transformações que mencionamos, e salienta, ainda, que “as decisões pedagógicas sejam orientadas para o desenvolvimento de compe- tências” (BNCC, p. 13). Isso implica um deslocamento do papel dos conteúdos a serem ensinados. Se antes, eles eram compreendidos como um fim em si mesmo, ou seja, o professor ensinava para que determinado conhecimento fosse aprendido ou memori- zado, agora, a proposta é que o aluno saiba fazer, sendo esse o objetivo final para o ensino e a aprendizagem. Em outras palavras, os saberes ou conteúdos atuarão de ma- neira instrumental para que o aluno desenvolva habilidades. Ao conquistar um conjunto delas, por fim, almeja-se que ele tenha desenvolvido as competências para uma atuação protagonista e crítica na sociedade. A partir de dez competências gerais da Educação Básica, e tratamos aqui do Ensino Fundamental – do 1º ao 9º anos – temos as competências específicas por Áreas do conhecimento. No nosso caso, o componente Língua Portuguesa está no interior da Área de Linguagens, que apresenta seis competências. A Área é composta por quatro componentes disciplinares: Arte, Educação Física, Língua Portuguesa e Língua Inglesa – a partir do 6º ano. Cada um desses componentes curriculares apresenta suas próprias competências específicas que dialogam tanto com as competências por Área quanto com as compe- tências gerais. Abaixo das competências específicas, temos os campos de atuação e as práticas de linguagem. A articulação entre esses dois grandes organizadores define um arranjo de objetos de conhecimento que são os conteúdos em si. Cada objeto de conhecimento se relaciona a um número variável de habilidades ancoradas naquele determinado saber (objeto de conhecimento) que expressam as aprendizagens essenciais que devem ser garantidas aos alunos. Em alguns contextos, o termo habilidades (em sentido mais amplo) é às vezes usado como equivalente de competências. No entanto, precisamos compreender, no interior da organização da BNCC, o que cada conceito implica na organização do documento. Observe o diagrama abaixo que exemplifica a estrutura do componente Língua Portuguesa: 11 UNIDADE O Ensino de Língua HABILIDADES OBJETOS DE CONHECIMENTO PRÁTICAS DE LINGUAGEM CAMPOS DE ATUAÇÃO COMPETÊNCIAS Figura 1 As competências regem a organização. Os campos de atuação e as práticas de lin- guagem contextualizam os saberes, estes representados logo abaixo como objetos de conhecimento. Por fim, temos as habilidades vinculadas àquele determinado saber, ou seja, o saber-fazer que remonta às competências. Desse modo é fundamental termos em mente que a BNCC encara os conteúdos (objetos de conhecimento) como um meio para que se desenvolvam habilidades e o desenvolvimento do conjunto das habilidades consistirá no domínio das competências (movimento representado pela seta), objetivo fundamental do processo de ensino. A partir desta análise introdutória, a seguir, vamos compreender de maneira mais aprofundada a estrutura do componente Língua Portuguesa. O Enfoque Enunciativo-Discursivo e a Organização do Componente Curricular Língua Portuguesa na BNCC Sabemos que a assunção da perspectiva enunciativo-discursiva, já pressuposta desde os PCN, implica que o ensino de Língua Portuguesa seja orientado pelas práticas de linguagem, o que significa ter as práticas sociais de uso da linguagem como referência. Essas práticas devem envolver as diferentes esferas de atuação como, por exemplo, a cotidiana, a escolar, a midiática. E por fim, implica tomarmos o texto como unidade de ensino e os gêneros como objetos de ensino. Vejamos como o próprio documento da BNCC aponta seu direcionamento teórico fundamental: Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de traba- lho e as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvol- vimento de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades 12 13 de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses. (BNCC, 2018, p. 65) Observe que, ao mencionarem a importância de se “relacionar os textos a seus con- textos” e “uso significativo da linguagem”, o foco do ensino de Língua Portuguesa recai, efetivamente, sobre práticas concretas e situadas de trabalho com os textos. Assim, como os demais componentes curriculares, o primeiro norteador são as competências específicas do componente Língua Portuguesa. Vamos conhecê-las: Leia sobre as “Competências Específicas de Língua Portuguesa para o Ensino Funda- mental” página 87 no documento Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Disponível em: http://bit.ly/2JiE3K8 Ao realizar a leitura das dez competências observamos como os pressupostos da te- oria enunciativo-discursiva estão profundamente implicados: ao conquista-las os alunos terão as ferramentas essenciais para a ampliação de suas possibilidades de participação em práticas de diferentes campos das atividades humanas e para a apropriação do pleno exercício da cidadania. Assim, a partir dessas competências a BNCC se organiza pelas diferentes esferas dis- cursivas, ou como senomeia no documento, pelos diversos campos de atuação. Vamos saber mais sobre eles? Vamos lá! Os campos de atuação Os campos de atuação são uma categoria organizadora central na disciplina de Lín- gua Portuguesa, pois é por meio dela que se contextualizam as diferentes práticas de linguagem. Outra característica importante dos campos de atuação é sua função no movimento de progressão curricular. Observe o seguinte quadro: Quadro 1 – Apresentação dos campos de atuação de acordo com a etapa do Ensino Fundamental Anos iniciais • Campo da vida cotidiana; • Campo artístico-literário; • Campo das práticas de estudo e pesquisa; • Campo da vida pública. Anos fi nais • Campo artístico-literário; • Campo das práticas de estudo e pesquisa; • Campo jornalístico- midiático; • Campo de atuação na vida pública. Fonte: Adaptad o de BNCC, 2018, p. 82 A etapa dos Anos Iniciais do Fundamental ─ 1º ao 5º anos ─ contempla o campo da vida cotidiana, ou seja, aponta para um trabalho que deve ser realizado de forma mais próxima às práticas comuns dos alunos, nas quais há maior circulação de gêneros orais, gêneros escritos mais simples e aqueles oriundos da cultura da infância. 13 UNIDADE O Ensino de Língua Já nos Anos Finais do Fundamental ─ 6º ao 9º anos ─, caminha-se para campos em que são realizadas práticas de linguagem mais institucionalizadas. O campo da vida pública é bipartido em campo jornalístico-midiático e campo de atuação na vida pública, enfatizando assim o predomínio de gêneros escritos e gêneros orais públicos. Sendo assim, os campos orientam a seleção de gêneros, práticas, atividades e pro- cedimentos. Apesar de apontarem para uma divisão, em um primeiro momento, suas fronteiras são tênues e podem ser estabelecidos diversos diálogos. Como é o caso, por exemplo, das reportagens científicas, em que se interseccionam os campos das práticas de estudo e pesquisa e o jornalístico-midiático. A principal função da organização do componente em campos é aproximar as prá- ticas de linguagem de seus contextos, possibilitando a compreensão de que os textos circulam dinamicamente, nas diversas esferas sociais. Ou seja, os campos abrangem práticas linguísticas importantes de uso tanto na escola quanto fora dela. Essa proposta da BNCC, portanto, visa à criação de condições para uma formação que possibilite a atuação do estudante tanto no dia a dia, na vida familiar quanto na produção do conhecimento e pesquisa, posicionando-se não só de maneira crítica na vida pública, mas também portando uma visão estética, relacionada a constantes expe- riências com textos artísticos multissemióticos. Nos diferentes campos de atuação circulam as diferentes práticas de linguagem. É o que veremos a seguir, preparados(as)? As práticas de linguagem Como vimos, os campos de atuação são uma proposta para a seleção dos gêneros (os objetos de ensino) aproximando as práticas de linguagem a seus contextos de pro- dução e circulação. Assim, no interior de um campo de atuação e de uma prática de linguagem temos os objetos de conhecimento e, em seu interior, as habilidades. As habilidades são apresentadas no documento, segundo a necessária continuidade das aprendizagens ao longo dos anos, crescendo progressivamente em complexidade. É importante salientar que, embora as habilidades estejam agrupadas nas diferentes práticas, essas fronteiras são tênues, pois, no ensino, e também na vida social, estão intimamente interligadas. Assim, as habilidades devem ser consideradas sob a perspectiva da continuidade das aprendizagens e da integração dos eixos organizadores e objetos de conhecimento, ao longo dos anos de escolarização. Por conta dessas questões, os quadros de habilidades são organizados em seis blocos. Nos Anos iniciais, além das habilidades específicas de cada ano, temos o bloco 15 que compreende habilidades a serem desenvolvidas do 1º ao 5º anos; o bloco 12 que agrupa o conjunto de habilidades comuns ao 1º e 2º anos e, por fim, o bloco 35 que traz aquelas a serem desenvolvidas do 3º ao 5º ano. Já nos Anos finais, além das habilidades específicas de cada ano, temos o bloco 69 que compreende habilidades a serem desenvolvidas do 6º ao 9º anos; o bloco 67 que 14 15 agrupa o conjunto de habilidades comuns ao 6º e 7º anos e, por fim, o bloco 89, que traz aquelas que devem ser desenvolvidas nos 8º e 9º anos. Para visualizar e conhecer o quadro de habilidades, dividido nesses blocos e sub-blocos, com a descrição de cada uma delas, acesse a BNCC (2018). Disponível em: https://bit.ly/3wBm8VV E agora, vamos a um panorama mais geral das práticas de linguagem, que você tam- bém encontra descritas com mais detalhes na própria BNCC (2018), certo? Leitura e escuta Ao longo de muito tempo as práticas de leitura ou de escuta eram consideradas como práticas de recepção. O que isso quer dizer? Supunha-se que ao ler e escutar o leitor ou ouvinte apenas recebia informação e extraía mensagens. É muito comum, ainda atual- mente, observarmos práticas escolares que solicitam a leitura ou escuta de um determi- nado texto e ao final pergunta-se ao aluno “Qual a mensagem?” ou “qual a informação principal?”. Dessa perspectiva, entender um texto seria ler palavra por palavra, sendo suficiente reconhecer o significado literal de cada uma delas, sem estabelecer correla- ções, diálogos ou rupturas. Por assumir a perspectiva enunciativo-discursiva, que compreende a língua como interação, a concepção de leitura e escuta na BNCC é caracterizada como uma ativi- dade interativa, por meio da qual o sentido não está pronto no texto: ele é construído conforme o leitor/ouvinte interage com o texto. Em outras palavras, nessa concepção, a experiência do leitor torna-se indispensável na construção do sentido. Isso significa dizer que não há apenas uma leitura (entendimento) tida como única e verdadeira. Como cada sujeito tem experiências diversificadas, suas relações com o texto serão diversas e cada leitura significará construções e reconstruções de sentidos. Partindo dessa premissa, vale salientar que a BNCC foca não apenas o ensino da leitura de textos escritos. As habilidades previstas no interior do eixo Leitura/escuta envolvem processos para a compreensão de imagens estáticas (esquemas, desenhos, fotos, diagrama, etc.) ou em movimento (filmes, vídeos, gifs, etc.), além do trabalho com elementos sonoros. Considerar a interação entre as diferentes linguagens é fundamental para a compreensão, pois sua integração opera de maneira fundamental na construção dos sentidos. Essa abordagem é especialmente interessante tendo em vista que a inte- gração dessas linguagens tem ganhado cada vez mais relevância nos gêneros digitais. Assim, compreendendo a leitura e a escuta como atividades interativas, destaca-se na BNCC a necessidade de promover tarefas nas quais os alunos consigam entender quais as condições de produção e recepção dos textos, ou seja, quais as intencionalidades do produtor do texto, em que contexto ele escreveu, visando qual público e quais os di- ferentes agentes envolvidos nessa produção. Refletir sobre a dialogia e a relação entre textos é identificar não só as diferentes perspectivas presentes nos textos, compreen- dendo, por exemplo, os diferentes posicionamentos dos interlocutores que estão ali em 15 UNIDADE O Ensino de Língua jogo, mas também o papel de estratégias textuais, como a paráfrase, e de elementos argumentativos, em produções como paródias e charges. É fundamental também a compreensão global do texto lido por meio da reconstru- ção da textualidade, estabelecendo relações entre as diferentes partes do texto, recupe- rando e analisando a própria organização textual, como um fator que opera na constru- ção dos sentidos pretendidos. Abordando a intersecção entre as diferentes linguagens, é fundamental a análise de diferentes recursos, até mesmo a própria formatação do texto para a construção dos efeitos de sentido provocados como, por exemplo, a ironia ou osarcasmo, dentre outros. A ironia consiste em dizer o contrário do que se quer fazer o destinatário compreen- der. Um exemplo de ironia é quando se elogia, mas na verdade se quer criticar, como no enunciado “Que beleza, hem?” quando se quer dizer que algo foi mal-feito, na verdade. É um fenômeno essencialmente contextual, cujos componentes interacio- nais e paralinguísticos são muito fortes. Muitos pesquisadores tendem a classificar o sarcasmo como uma forma de ironia, no entanto, Haiman (1998) destaca duas diferenças: i) situações podem ser irônicas, mas só pessoas podem ser sarcásticas; ii) as pessoas podem ser não intencionalmente irônicas, mas o sarcasmo não pode ser feito sem intenção (HAIMAN, 1998, p. 20, apud FERREIRA, 2014). O desenvolvimento de estratégias e procedimentos de leitura também ganham re- levo na BNCC. Desde a decodificação no Ciclo de Alfabetização, que consiste em locali- zar e recuperar informações explícitas até os processos de inferir ou deduzir informações implícitas. Essas estratégias de caráter mais procedimental são associadas a outras mais relacionadas ao estabelecimento de relações entre o texto, os conhecimentos prévios e habilidades que envolvem a busca, seleção e tratamento de informações de acordo com os objetivos da leitura. Por fim e não menos importante está o conjunto de habilidades que envolvem a adesão às práticas de leitura, com foco especial para a leitura não utilitária, ou seja, a leitura de textos do campo artístico literário. Espera-se que a experiência dos alunos com esses textos avance de modo que se mostrem interessados, inclusive, por textos que rompam com seu universo de expectativa, que representem um desafio frente às suas experiências cotidianas e literárias atuais, em busca da construção de novos sentidos e pontos de vista. Produção de textos O Eixo da Produção de textos envolve práticas de linguagem pautadas na interação e na autoria do texto escrito, oral e multissemiótico. Para isso, são elencadas habilidades que têm o intuito de desenvolver práticas de uso e reflexão sobre a produção de textos. É fundamental que o jovem escritor integre ao ato de produção a reflexão sobre as condições de produção do texto, ou seja, quem serão os leitores, qual o papel social que ele assumirá enquanto escritor e quais aspectos temáticos, composicionais e estilís- ticos do gênero que ele irá produzir. 16 17 A alimentação temática é outro procedimento a ser aprendido no processo de pro- dução. Seu desenvolvimento implica selecionar informações, argumentos e dados oriun- dos de fontes confiáveis. Toda a informação precisa ser organizada para que integre o texto e garanta um nível de aprofundamento adequado. Ao lado desse procedimento, há a construção da textualidade que implica organizar as informações de acordo tanto com as características do gênero quanto com os efeitos de sentido pretendidos. Procedi- mentos que precisam ser aprendidos e incorporados para que o aluno planeje adequa- damente sua produção. No que tange as outras estratégias de produção posteriores ao planejamento e à planificação, salienta-se na BNCC habilidades envolvendo a revisão de aspectos no- tacionais – ortografia, pontuação, concordância nominal e verbal – bem como pro- cedimentos de edição que envolvem questões de formatação, adequação linguística, diagramação dentre outras que implicam o aprimoramento da produção tendo em vista os enunciadores envolvidos, o gênero e o suporte. Oralidade A BNCC concebe o Eixo da Oralidade como “as práticas de linguagem que ocorrem em situação oral com ou sem contato face a face” e também a “oralização de textos em situações socialmente significativas” (BNCC, p. 77). Conforme o próprio documento explicita em nota, grande parte das habilidades des- critas nos eixos de Leitura e especialmente Produção de texto também se relaciona com o eixo da Oralidade. É importante destacarmos que muitos gêneros propostos apresentam uma interface entre escrita e oralidade. Por exemplo, temos a produção de entrevistas orais nas habilidades previstas do 8º ao 9º ano, ou seja, no bloco 89. Ob- serve, nos trechos salientados em negrito, como no interior da habilidade os diferentes eixos dialogam: Quadro 2 Prática de linguagem Oralidade . Objeto de conhecimento Estratégias de produção: planejamento, realização e edição de entrevistas orais . Habilidade (EF89LP13) Planejar entrevistas orais com pessoas ligadas ao fato noticiado, especialistas etc., como forma de obter dados e in- formações sobre os fatos cobertos sobre o tema ou questão discutida ou temáticas em estudo, levando em conta o gênero e seu contexto de produção, partindo do levantamento de infor- mações sobre o entrevistado e sobre a temática e da elaboração de um roteiro de perguntas, garantindo a relevância das infor- mações mantidas e a continuidade temática, realizar entrevista e fazer edição em áudio ou vídeo, incluindo uma contextualização inicial e uma fala de encerramento para publicação da entrevista isoladamente ou como parte integrante de reportagem multimi- diática, adequando-a a seu contexto de publicação e garantindo a relevância das informações mantidas e a continuidade temática. Fonte: Adaptada de habilidades da BNCC 17 UNIDADE O Ensino de Língua Na habilidade do quadro é possível observarmos como há a inter-relação entre habi- lidades de leitura (buscar e selecionar informação), habilidades de escrita (elaboração de um roteiro) para a realização da entrevista oral. Assim, para além das diretrizes já apresentadas nos eixos Leitura e Produção de tex- to, o Eixo Oralidade apresenta como diretrizes a importância em se compreender os diferentes contextos e situações sociais em que se produzem textos orais e as diferen- ças em termos formais, estilísticos e linguísticos. É ressaltado, também, a compreensão dos efeitos de sentido provocados por escolhas de volume, timbre, pausas, gestualidade, entre outros. Por fim, mostra-se a importância de promover atividades que proporcionem a re- flexão sobre a relação fala e escrita, levando em conta como as duas modalidades se articulam em diferentes gêneros como o jornal de TV, programas de rádio, mensagens instantâneas, dramatizações, dentre outros gêneros. Análise linguística/semiótica O quarto Eixo compreende a Análise linguística/Semiótica que perpassa todos os outros eixos por envolver os procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente durante o desenvolvimento das práticas de linguagem. Desenvolver estratégias (meta)cognitivas envolve uma reflexão sobre os recursos expressivos, tendo em vista a construção de noções e/ou conceitos, com os quais se torna possível classificar esses recursos. Essas estratégias pressupõem a construção de uma metalin- guagem que possibilitaria falar sobre o funcionamento da linguagem, os gêneros do dis- curso, as configurações textuais, as estruturas morfossintáticas etc. (GERALDI, 1991). O eixo opera em análises relacionadas às formas de composição dos textos destacan- do elementos que lhes conferem coesão, coerência e a organização da progressão temática típica do gênero em questão. Em textos orais a análise levará em conta ele- mentos próprios da fala e elementos paralinguísticos, como por exemplo, a postura, expressão facial e a gestualidade. As escolhas lexicais, de variedade linguística e mecanismos sintáticos e morfoló- gicos serão abordados como elementos vinculados à situação de produção, à forma e ao estilo de gênero. Os elementos multissemióticos são abordados no interior das formas de composição e estilo de cada uma das linguagens que os integram. Mostrando que a Análise Linguístico/Semiótica está atrelada aos outros eixos, a BNCC salienta que o estabelecimento de uma categoria própria (de análise) se dá apenas para fins de organização curricular. Sobre os objetos de conhecimento abordados, o documento assinala: O que seria comum em todas essas manifestações de linguagem é queelas sempre expressam algum conteúdo ou emoção – narram, descre- vem, subvertem, (re)criam, argumentam, produzem sensações etc. –, vei- culam uma apreciação valorativa, organizando diferentes elementos e/ou graus/intensidades desses diferentes elementos, dentre outras possibilida- des. A questão que se coloca é como articular essas dimensões na leitura e produção de textos, no que uma organização do tipo aqui proposto poderá ajudar. (BNCC, 2018, p. 80) 18 19 Em suma, é desejável que o Eixo Análise Linguística/Semiótica seja desenvolvido de maneira imbricada às outras práticas, como um modo, por um lado, de instigar a pesquisa sobre os elementos linguísticos por meio de seus usos e, por outro, de promover usos mais sofisticados decorrentes dessas análises. É uma proposta que difere bastante do uso do texto como pretexto para o ensino da gramática tradicional, não é mesmo? Por isso, a importância de conhecer à fundo esse documento norteador, para atuar em sala de aula, concordam? Se concordam, não dei- xem de ler, posteriormente, na íntegra a parte do documento que trata sobre o ensino da Língua Portuguesa. Em Síntese Nessa unidade, apresentamos as bases teóricas da Base Nacional Curricular Comum que sustentam toda sua organização em competências, campos de atuação, práticas de lin- guagem, objetos de conhecimento e habilidades. A reflexão que propusemos sobre o conceito de competência é especialmente importante para que você faça uma leitura adequada do documento e seja capaz de planejar e ministrar aulas que instiguem os alunos tornando-os protagonistas de seus estudos da língua portuguesa. Por ora, retomem os conceitos apresentados nessa unidade, fazendo as atividades de sistematização, participando das atividades propostas e aprofundando os novos conhe- cimentos construídos ao ler e assistir as sugestões do Material Complementar. Além de participar das webs com tutores e professores! Bons estudos! 19 UNIDADE O Ensino de Língua Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Movimento pela Base Encontre respostas para as principais dúvidas sobre a BNCC. https://bit.ly/3fUdjR9 A Fundação Lemann preparou um interessante guia para nortear a compreensão sobre as competências da BNCC https://bit.ly/3mtpYM0 Vídeos BNCC: Linguagens No vídeo produzido pela Undime, você poderá compreender ainda mais detalhes sobre a organização da Área de Linguagens na BNCC. https://youtu.be/hizVJKJjkN0 Leitura Na ponta do lápis Para refletir sobre o trabalho com o Eixo Oralidade, confira o artigo de Sandoval Nonato na página 28 da revista. https://bit.ly/3mq2hEo 20 21 Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outu- bro de 1988. ________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996. ________. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 144p, 1997. ________. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, SEB, 2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploa- ds/2018/04/BNCC_19mar2018_versaofinal.pdf>. Acesso em: 30/05/2018. DELORS, J. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI: Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2004. FERREIRA, F. J. O conceito de sarcasmo e a pós-modernidade. Palimpsesto, Rio de Janeiro, n. 19, out – nov. 2014. pp 367-376. Disponível em: <http://www.pgletras.uerj. br/palimpsesto/num19/dossie/palimpsesto19dossie05.pdf>. Acesso em: 31/10/2020. GERALDI. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991. MOURAO, C. A. JR.; FARIA, N. C. Memória. Psicologia Reflexão e Crítica, 28(4), 780-788, 2015. UNESCO. Glossary of curriculum terminology. 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