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LEGISLAÇÃO E ROTINA TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA Miriany Stadler Ilanes Contrato individual de trabalho Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir contrato de trabalho, as suas características e os seus elementos essenciais. Explicar as diversas modalidades de contratos de trabalho. Analisar os efeitos do contrato individual de trabalho. Introdução O contrato individual de trabalho se diferencia de vários outros contratos de natureza civil por solicitar a participação de uma pessoa física como empregado. De acordo com a teoria predominante, o contrato de trabalho tem natureza contratual e, portanto, a sua existência sucede da prestação de serviços pelo empregado, seguida de remuneração a ser paga pelo empregador, caracterizando até mesmo ajuste tácito. Neste capítulo, aprenderemos a definir um contrato de trabalho com base nas suas características e nos seus elementos essenciais. Em seguida, estudaremos sobre as modalidades de contratos de trabalho existentes e, por fim, sobre os efeitos do contrato individual de trabalho. Características e elementos essenciais do contrato de trabalho Embora a expressão contrato de trabalho seja compreendida como gênero muitas vezes, nem sempre essa é a sua acepção. Assim, muitas pessoas preferem indistintamente pensar em contrato de trabalho como contrato de emprego, isto é , o vínculo que se estabelece entre empregado e empregador. Todavia, necessitamos defi nir o sentido exato do termo, visto que estamos diante de um fenômeno claramente constatável na esfera das relações trabalhistas: a C02_Legislacao_e_Rotina.indd 1 29/06/2018 08:04:03 abertura tipológica dos contratos de trabalho, que não mais se resumem a um único modelo (NASCIMENTO, 2011). O Direito Processual do Trabalho se adiantou em comparação com o Direito Material do Trabalho com a Emenda Constitucional nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu a reforma do Poder Judiciário, alterando a redação do art. 114 da Constituição Federal para ampliar a competência da Justiça do Trabalho, que passou a processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. Com essa alteração constitucional, a Justiça do Trabalho passou a julgar contratos de emprego e outros contratos, alguns previstos no Código Civil, como os contratos de prestação de serviços autônomos executados por pessoa física. Quando a legislação dispõe sobre a relação de trabalho, refere-se ao contrato de trabalho. A esse respeito, façamos uma ressalva sobre a antiga discussão relativa ao sentido das duas expressões: aquela é uma visão objetivista do vínculo de emprego, enquanto esta adota uma postura contratualista. Contudo, não se controverte que relação de trabalho é um gênero, ou seja, contrato de trabalho é um gênero, não se confundindo com relação de emprego ou contrato de emprego, que é a mais importante modalidade de contrato de trabalho (NASCIMENTO, 2011). Outro fundamento do contrato de trabalho como gênero é o art. 594 do Código Civil, ao dispor que “toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”, e o seu art. 593, segundo o qual “a prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo” (BRASIL, 2002, documento on-line). Depois de relegada a plano secundário pelo advento do contrato de trabalho (contrato de emprego), a prestação de serviços voltou a assumir um papel de notória relevância no cenário jurídico brasileiro nas situações que não caracterizam relação de natureza trabalhista submetida à legislação específica (NASCIMENTO, 2011). Ora, se toda espécie de serviço ou trabalho lícito pode ser contratada mediante retribuição, não é mais possível uma relação taxativa ou monista dos contratos que possuam esse objeto. O que não deve ser seguido por estar superado pelos fatos é a terminologia arraigada no nosso vocabulário e que identifica contrato de trabalho como sinônimo de contrato de emprego, pois, se assim era possível em 1943, no período contemporâneo não é mais, tendo em vista a nova divisão do Contrato individual de trabalho2 C02_Legislacao_e_Rotina.indd 2 29/06/2018 08:04:03 trabalho, que acarreta novas formas de contratos de trabalho (NASCIMENTO, 2011). Outro aspecto a destacarmos é a impropriedade da expressão contrato de trabalho, a não ser como gênero, uma vez que, se o seu significado remete a uma modalidade, então seria mais adequado utilizarmos contratos de trabalho, no plural, não no singular, ao contrário do que versa a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso por causa da variedade de tipos contratuais atualmente regidos pela legislação trabalhista (NASCIMENTO, 2011). Aceita a premissa de contrato de trabalho como gênero, cabe verificarmos a sua classificação e explicitarmos que, no sentido em que usamos o vocábulo aqui, abrangemos um universo que ultrapassa o tradicional. A divisão inicial deve compreender as grandes áreas jurídicas do trabalho humano, que, segundo a antiga concepção binária, abrangia o trabalho autônomo e o subordinado. Por outro lado, de acordo com a teoria contemporânea, funda-se na divisão tridimensional entre autonomia (trabalho para si), subordinaç ã o (trabalho para outro, sob o seu comando jurídico) e trabalho para subordinado, que refere o trabalho com características híbridas de autonomia e subordinação que não se enquadra em nenhuma dessas duas áreas, tendendo à coordenação em vez da subordinação (NASCIMENTO, 2011). Algumas características devem constar no contrato de trabalho da pessoa física, tanto no caso de contrato de emprego — que ademais contará com a subordinação qualificada não existente nos outros contratos — quanto nos contratos de trabalho não subordinados ou de tratamento fora da relação de emprego. Primeiramente, deve haver pessoalidade para selecionar dentre as novas relações de trabalho quais exigem tutela legal. Em princípio, toda relação jurídica cujo objeto reside na atividade profissional e pessoal de pessoa física para outrem se configura como uma relação de trabalho, abrangendo não apenas as relações de emprego, mas também outros vínculos jurídicos ou contratos de atividade profissional de trabalhadores, embora a outro título, excluída a pessoa jurídica prestadora de serviços (NASCIMENTO, 2011). A pessoalidade integra o conceito de relação de trabalho e pode ser compreendida como a intransferibilidade ou infungibilidade por iniciativa unilateral do prestador dos serviços, própria dos contratos intuitu personae, o que não é exclusivo da relação de emprego, porque é exigência também de alguns contratos de Direito Civil (NASCIMENTO, 2011). 3Contrato individual de trabalho C02_Legislacao_e_Rotina.indd 3 29/06/2018 08:04:03 A profissionalidade afasta os serviços gratuitos ou prestados com fina- lidades não profissionais, como o trabalho benemerente e assistencial por espírito de colaboração ou de vizinhança ou com propósitos exclusivamente religiosos. Pressupõe uma troca entre trabalho e retribuição. Ademais, exige- -se a indissociabilidade entre trabalhador e trabalho prestado, posto que o quid a prestar é a própria atividade da pessoa, o que destaca ainda mais a singularidade da relação de trabalho. Com isso, não queremos afirmar que o conceito de empregado perdeu importância, mas, ao contrário, que ele adquiriu conotações novas e cedeu espaço a outras formas de atividade profissional. Quanto à continuidade para a mesma fonte de trabalho, pode estar presente no trabalho autônomo, subordinado e na relação de emprego, porque é perfei- tamente possível o autônomo continuativo, uma vez que a continuidade não origina necessariamente a subordinação (NASCIMENTO, 2011). Os elementos essenciais do contrato de trabalho são (GARCIA, 2017): manifestação da vontade de forma hígida — por meio de declaração bila- teralde vontade, significando o consenso, que pode ser expresso ou tácito; partes capazes e legítimas — no caso, empregado e empregador; objeto lícito e hígido — possível, determinado ou determinável, quanto ao trabalho prestado; forma prescrita ou não defesa em lei — sabendo-se que, no contrato de trabalho, via de regra não se exige forma especial e, assim, é pos- sível acordar de forma tácita ou expressa, verbalmente ou por escrito, conforme o art. 443 da CLT. De acordo com o art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal, é proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos indivíduos menores de 18 anos de idade e qualquer trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, possível a partir dos 14 anos. Pelo art. 5º do Código Civil, a meno- ridade cessa aos 18 anos completos, “[...] quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” (BRASIL, 2002, documento on-line). O parágrafo único do art. 5º do mesmo diploma legal, por sua vez, dispõe que a incapacidade para os menores cessará (BRASIL, 2002): pela concessão dos pais ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público independente de homologação judicial; por sentença judicial, ouvido o tutor se o menor tiver 16 anos completos; pelo casamento; pelo exercício de emprego público efetivo; Contrato individual de trabalho4 C02_Legislacao_e_Rotina.indd 4 29/06/2018 08:04:03 pela colação de grau em curso de ensino superior; pelo estabelecimento civil ou comercial; pela existência de relação de emprego, desde que em função dele o menor com 16 anos completos disponha de economia própria. O entendimento aqui defendido se refere à capacidade para fins trabalhistas e, logo, não se confunde com a capacidade civil em sentido estrito. Desse modo, ainda que suceda a emancipação na esfera civil, se ainda não alcançada a maioridade trabalhista, a pessoa continua sendo considerada menor face a relação de emprego (GARCIA, 2017). Defende-se que a maioridade trabalhista é regida por disposições próprias, que são independentes da previsão civil. Dessa forma, ainda que a incapacidade do trabalhador menor de 18 anos cesse na esfera civil, ele continua sendo menor de idade para efeitos do Direito do Trabalho e das suas respectivas disposições normativas. Entretanto, cabe registrar a existência de entendimento diverso e não majori- tário na doutrina, no sentido de que a emancipação civil gera reflexos na própria relação de trabalho. De todo modo, essa repercussão não afasta a incidência das normas de proteção ao trabalho do menor, como as que vedam o trabalho insalubre, perigoso e penoso aos menores de 18 (dezoito) anos (art. 7º, XXXIII, da Constituição), uma vez que a emancipação civil não desloca o fundamento das referidas disposições, que consideram a condição do menor como pessoa em desenvolvimento. Portanto, no entendimento em questão, a mencionada emancipação afasta apenas a incidência de disposições como a do art. 439 da CLT, ao estabelecer que na rescisão do contrato de trabalho é vedado ao menor de 18 anos dar quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida sem a assistência dos seus responsáveis legais (GARCIA, 2017). Há disposições específicas que preveem a necessidade de que o contrato de trabalho seja firmado por escrito, como ocorre com o contrato de aprendizagem (art. 428 da CLT), trabalho temporá rio (art. 11 da Lei nº. 6.019, de 3 de janeiro de 1974), atleta profissional de futebol (art. 28 da Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998) e artista (art. 9º da Lei nº. 6.533, de 24 de maio de 1978). Mesmo nesses casos, a eventual ausê ncia da forma escrita faria apenas com o que pacto permanecesse como um contrato de trabalho comum (GARCIA, 2017). 5Contrato individual de trabalho C02_Legislacao_e_Rotina.indd 5 29/06/2018 08:04:03 Ainda sobre a forma prescrita em lei, é importante anotarmos a existência de certos diplomas legais que exigem requisitos formais próprios, como o registro do profissional em determinados órgãos, para a validade de certos contratos de trabalho especiais. Isso ocorre com os jornalistas, uma vez que o art. 4º do Decreto-Lei nº. 972, de 24 de outubro de 1969, solicita prévio registro no órgão competente do Ministério do Trabalho. Há uma corrente que entende não ter sido recepcionada a referida previsão pela Constituição Federal de 1988, que assegura liberdade de trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII), de maneira que não se justificaria a imposição de exigências formais que restrinjam o exercício da profissão em prejuízo da própria sociedade (GARCIA, 2017). Modalidades de contrato de trabalho A rigor, a expressão contrato de trabalho motivaria direta alusão a um pacto envolvendo uma relação de trabalho. No entanto, na forma do art. 442 da CLT, “Art. 442 Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” (BRASIL, 1943, documento on-line). As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo o que não contrariar disposições de proteção ao trabalho, convenções coletivas aplicáveis e decisões das autoridades compe- tentes, conforme determinado no art. 444 da CLT (BASILE, 2011). A doutrina trabalhista compreende que há distintas modalidades de contrato de trabalho, que são classificadas com base (GARCIA, 2017): na duração do trabalho (tempo determinado ou indeterminado); na qualidade do trabalho (manual, intelectual ou técnico); na finalidade do trabalho (industrial, comercial, agrícola, doméstico ou marítimo); nos sujeitos (individual ou coletivo); no local do trabalho (domicílio, distância ou local designado pelo empregador); na remuneração (salário fixo ou variável); na forma (verbal ou por escrito); na manifestação de vontade (tácito ou expresso). Antes da reforma, a CLT assumia como regra o contrato por prazo indeter- minado, em que se contratava uma pessoa sem data previamente estabelecida Contrato individual de trabalho6 C02_Legislacao_e_Rotina.indd 6 29/06/2018 08:04:03 para o fim do contrato. Além disso, a legislação também antevia a viabili- dade do contrato por tempo determinado, em que não bastava que as partes estabelecessem um limite de tempo, pois deveria obedecer a circunstâncias objetivas previstas pelo legislador. As espécies desse tipo de contrato de tra- balho eram por obra certa, safra, experiência, prazo certo, técnico estrangeiro, atleta profissional, artistas e aprendizagem. Já os contratos de estagiários, trabalhadores autônomos, eventuais, temporários e avulsos não contavam com vínculo empregatício, segundo a CLT de 1943. Com a vigência da Lei nº. 13.467, de 13 de julho de 2017, criaram-se novas espécies de contrato de trabalho, como o de teletrabalho, ou home office, o trabalho intermitente, o profissional autônomo exclusivo e o contrato de trabalho de 12 por 36 horas (GARCIA, 2017). Vejamos cada um em detalhes. Acesse o link a seguir para ler mais sobre o teletrabalho, previsto na CLT após a pro- mulgação da Lei nº. 13.467/2017, responsável pela reforma trabalhista. https://goo.gl/pV6rLC Home office Confi gura-se pela prestação de serviços afastada das dependências do empre- gador com o uso de tecnologias da informação e da comunicação que não se estabeleçam como trabalho externo. Nessa modalidade, a prestação de serviços deve ser inclusa no contrato individual de trabalho, que necessita especifi car os serviços realizados pelo empregado e possibilitar futuras alterações do contrato presencial para o teletrabalho caso haja acordo entre as partes. A Lei nº. 13.467/2017 introduziu novo inciso III no art. 62 da CLT, esta- belecendo a ressalva de que os empregados em regime de teletrabalho não são abrangidos pelo regime previsto no Capítulo II celetista em análise: “Da Duração do Trabalho” (BRASIL, 2017). Essa ressalva coloca os empregados em regime de teletrabalho(art. 61, III) ao lado dos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho (art. 61, I, da CLT) e dos gerentes. 7Contrato individual de trabalho C02_Legislacao_e_Rotina.indd 7 29/06/2018 08:04:04 A nova regra legal, entretanto, fixa apenas uma presunção jurídica: empregado que se encontra em efetivo regime de teletrabalho não está em situação compatível com o controle de horários. Por essa razão, ele fica excluído das regras da CLT que regulam, por exemplo, assuntos como jornada de trabalho, horas suplementares ou extraordinárias, e intervalos trabalhistas. Trata-se, naturalmente, de presunção relativa, que pode ser desconstituída por prova em sentido contrário (DELGADO, 2017). Trabalho intermitente Deve ser realizado de forma escrita e conter o valor da hora de trabalho, que obviamente não pode ser inferior à do salário mínimo ou dos demais empre- gados do estabelecimento que desempenham a mesma função, em contrato intermitente ou não. Trata-se de prestação de serviços subordinada e que não é continuada, ocorrendo revezamento de ocasiões de prestação de serviços e de inatividade. O período de inatividade não é contado como tempo à disposição do empregador, de forma que o trabalhador pode prestar serviços a outros contratantes. Ademais, a proposta para esse tipo de trabalho deve ser ofertada pelo empregador pelo menos três dias antes do início do contrato. Em seguida, o empregado dispõe de um dia útil para confi rmar ou negar a proposta. A Lei nº. 13.467/2017 conferiu nova redação ao art. 443, caput, da CLT, inserindo novo § 3º, e introduziu novo art. 452-A na CLT, preceito composto por diversos parágrafos e incisos. Com base no proposto pela Lei da reforma trabalhista, o contrato de trabalho intermitente busca romper com dois direitos e garantias justrabalhistas importantes que integram a estrutura central do Direito do Trabalho: a noção de duração do trabalho (e de jornada) e a noção de salário. A duração de trabalho envolve o tempo de disponibilidade do empregado em face do seu empregador, prestando-lhe serviços efetivos ou não. A Lei nº. 13.467/2017, entretanto, tenta criar um conceito novo: a realidade do tempo à disposição do empregador, mas sem os efeitos jurídicos do tempo à disposição. Igualmente, a noção de salário sofre uma tentativa de desestruturação, sendo conceituada como a parcela contraprestativa devida e paga pelo empregador ao seu empregado em virtude da existência do contrato de trabalho. Assim, a verba salarial pode ser por unidade de tempo (salário mensal fixo), obra (salário mensal variável em face de certa produção realizada pelo obreiro) ou critério misto (denominado salário-tarefa, que envolve as duas fórmulas de cálculo) (DELGADO, 2017). Contrato individual de trabalho8 C02_Legislacao_e_Rotina.indd 8 29/06/2018 08:04:04 Profissional autônomo exclusivo É a forma de trabalho mais similar à relação típica de emprego. O art. 3° da CLT estabelece como condição para um profi ssional ser considerado empre- gado a habitualidade, subordinação e salário. Com a reforma, as empresas podem contratar autônomos e, ainda que exista relação de exclusividade e continuidade, não necessita de assinatura na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), permanecendo assim desassistidos dos direitos previstos no art. 7º da Constituição Federal. A interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do art. 442-B da CLT inegavelmente conduz ao seguinte resultado interpretativo: o que importa para o Direito do Trabalho é a presença ou a ausência dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego em vez do simples envoltório formal conferido ao contrato entre as partes. Se presentes os elementos da relação de emprego, estruturados pacificamente pelos arts. 3º, caput, e 2º, caput, da CLT, verificaremos essa importante relação sociojurídica tipificada no Direito do Trabalho brasileiro. Se não estiverem presentes esses elementos fático-jurídicos ou faltar pelo menos um deles, não existe relação empregatícia entre as partes contratuais (DELGADO, 2017). Jornada de 12 por 36 horas Passou a ser facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estipular horário de trabalho de 12 horas seguidas em troca de 36 (trinta e seis) horas ininterruptas de descanso, obser- vados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação. O pagamento mensal estipulado pelo horário previsto envolve os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, considerando-se compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno. Contudo, nessas inserções normativas a nova lei não agiu com equilíbrio, sensatez e ponderação, pois afastou diversas garantias à pessoa humana que vive do seu trabalho, em contraposição ao que deveria ser uma extrapolação excepcional da duração diária do trabalho fixada na Constituição da República, ou seja, de 8 horas, como menciona o art. 7º, em vez de 12 horas. Nesse quadro de literalidade desproporcional dos dispositivos enfocados, novamente cabe à hermenêutica jurídica subsidiar o intérprete conclusivo do Direito na dinâmica de interpretação do art. 59-A da CLT, de maneira a ajustar o preceito legal ao conjunto lógico, sistemático e teleológico da ordem jurídica trabalhista do País, inclusive no plano constitucional (DELGADO, 2017). 9Contrato individual de trabalho C02_Legislacao_e_Rotina.indd 9 29/06/2018 08:04:04 Efeitos do contrato individual de trabalho O contrato de trabalho é um ato jurídico de conteúdo complexo, hábil a detonar larga multiplicidade de direitos e obrigações entre as partes pactuantes. Há efeitos obrigacionais incidentes sobre as fi guras do empregador e do empregado. Os efeitos resultantes do contrato de trabalho podem ser classifi cados em duas grandes modalidades, conforme a sua vinculação mais ou menos direta ao conteúdo contratual trabalhista: efeitos próprios e efeitos conexos ao contrato de trabalho (DELGADO, 1999). Próprios são os efeitos inerentes ao contrato empregatício por decorrerem da sua natureza, do seu objeto e do conjunto natural e recorrente das cláusulas contratuais trabalhistas. São repercussões obrigacionais inevitáveis à estrutura e à dinâmica do contrato empregatício ou que, ajustadas pelas partes, não se afastam do conjunto básico do conteúdo do contrato. As mais importantes são, respectivamente, a obrigação do empregador de pagar parcelas salariais e a obrigação do empregado de prestar serviços ou de se colocar profissional- mente à disposição do empregador (DELGADO, 1999). Conexos são os efeitos resultantes do contrato empregatício que não de- correm da sua natureza, do seu objeto e do conjunto natural e recorrente das cláusulas contratuais trabalhistas, mas que, por razões de acessoriedade ou conexão, acoplam-se ao contrato de trabalho. Logo, são efeitos que não pos- suem natureza trabalhista e, todavia, submetem-se à estrutura e à dinâmica do contrato de trabalho por surgirem em função ou vinculação a ele. São exemplos significativos de efeitos conexos os direitos intelectuais devidos ao empregado que produza invenção ou outra obra intelectual no curso do con- trato e não prevista no objeto contratual. Também ilustra tais efeitos conexos a indenização por dano moral (DELGADO, 1999). Os efeitos contratuais próprios abarcam obrigações dos dois sujeitos trabalhistas: empregador e empregado. Desdobram-se em obrigações de dar, fazer e não fazer distribuídas entre os dois agentes da relação de emprego (DELGADO, 1999). Obrigações do empregado Os principais efeitos próprios ao contrato empregatício que fi cam sob respon- sabilidade do obreiro consubstanciam-se, essencialmente, em obrigações de fazer, isto é, obrigações de conduta. Como mencionamos há pouco, a principal manifestação desse conjunto de obrigações é a prestação de serviços efetuada pelo obreiro. Ademais, surgemdiversas outras obrigações de conduta que se Contrato individual de trabalho10 C02_Legislacao_e_Rotina.indd 10 29/06/2018 08:04:04 associam à própria prestação de serviços, como o comportamento de boa-fé, diligência e assiduidade na execução laboral, além da conduta de fi delidade quanto aos segredos da empresa. Contudo, há também obrigações de conduta consubstanciadas em omissões, ou seja, obrigações de não fazer, como no caso da obrigação de abstenção de concorrência com as atividades do empregador se essa for a essência da atividade contratada ou cláusula expressa ou tácita do contrato. Na verdade, o caráter fiduciário do contrato empregatício resulta em distintas obrigações de conduta (fazer e não fazer) incidentes sobre o trabalhador como instrumento para observância da fidúcia inerente ao contrato. O pacto empregatício pode originar, porém, certas obrigações de dar a serem adimplidas pelo empregado. A entrega dos instrumentos de trabalho ao final do expediente é uma dessas possibilidades propiciadas pelo cotidiano justrabalhista (DELGADO, 1999). Poder empregatício como efeito do contrato Um relevante efeito próprio do contrato de trabalho é o poder empregatício. Em qualquer das suas manifestações concretas (diretivo, regulamentar, fi sca- lizatório ou disciplinar), esse poder inquestionavelmente se confi gura como um dos efeitos inerentes ao contrato de trabalho. De maneira geral, o poder empregatício consubstancia um conjunto de prerrogativas disponibilizadas ao empregador para o direcionamento concreto e efetivo da prestação de serviços pactuada. Tal poder, portanto, incide em benefício do empregador, atribuindo ao obreiro a obrigação de uma conduta de submissão às ordens lícitas decorrentes do seu exercício (DELGADO, 1999). Portanto, os efeitos conexos são os direitos intelectuais ou direitos deri- vados da propriedade intelectual, que se relacionam à autoria e à utilização de obra decorrente da produção mental da pessoa. São vantagens jurídicas concernentes aos interesses morais e materiais resultantes de qualquer pro- dução científica, literária ou artística. Tais direitos, em especial os chamados direitos do autor, são universalmente consagrados hoje. No Brasil, a Carta Magna de 1988 incorporou tal consagração, estabelecendo diversas normas e princípios convergentes sobre o assunto, como no seu art. 5º, XXVII a XIX (DELGADO, 1999). Os direitos intelectuais podem ser desdobrados em alguns tipos específicos, cuja regência é regulada por textos normativos próprios. Nesse conjunto, citem- -se os direitos do autor, os direitos da propriedade industrial e, finalmente, os direitos relativos à criação e à utilização de software. Os direitos do autor são referidos pelo art. 5º, XXVII e XXVIII, da Constituição, regendo-se também 11Contrato individual de trabalho C02_Legislacao_e_Rotina.indd 11 29/06/2018 08:04:04 pela antiga Lei nº. 5.988, de 14 de dezembro de 1973 e atualmente pela nova Lei de Direitos Autorais (Lei nº. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998). Os direitos da propriedade industrial estão englobados no art. 5º, XXIX, da Carta Magna, regulando-se também pelo antigo Código de Propriedade Industrial (Lei nº. 5.772, de 21 de dezembro de 1971) e pela nova Lei de Patentes (Lei nº. 9.279, de 14 de maio de 1996). Por fim, os direitos intelectuais relativos à criação e à utilização de softwares, que se englobam nos dispositivos constitucionais já citados, são regidos também pela Lei nº. 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 (DELGADO, 1999). Contrato individual de trabalho12 C02_Legislacao_e_Rotina.indd 12 29/06/2018 08:04:04 BASILE, C. R. O. Direito do Trabalho: teoria geral a segurança e saúde. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 27 jun. 2018. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 maio 2018. BRASIL. Lei nº. 13.467, de 13 de julho de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 jul. 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci- vil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso em: 20 jun. 2018. DELGADO, M. G. Contrato de trabalho: caracterização, distinções, efeitos. São Paulo: LTr, 1999. DELGADO, M. G. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2017. GARCIA, G. F. B. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. NASCIMENTO, A. M. Curso de Direito do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
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