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04 Trilha 04 Gênero e Neurociência: implicação dos vieses inconscientes no cenário educacional Introdução ao estudo da trilha de aprendizagem Existe cérebro masculino e cérebro feminino? Neurociência e Gênero Síntese Referências p. 4 p. 5 p. 7 p. 14 p. 15 1 2 3 4 5 Sumário 4 Essa trilha de aprendizagem, intitulada “Gênero e Neurociência: implicações dos vieses inconscientes no cenário educacional”, tem como objetivo colocar em perspectiva as discussões sobre gênero no cenário atual, apresentando elementos neurocientíficos para fomentar essas discussões. Essa é uma temática que vem ganhando espaço em muitos cenários. Apresentar discussões sobre diversidade e vieses inconscientes no contexto educacional é de extrema importância, pois dessa forma podemos contribuir para fomentar a postura de professores e, com isso, minimizar preconceitos e mitos relacionados a gênero, assim como fomentar uma nova geração que seja crítica e empoderada, estimulando um comportamento que promova a equidade dos gêneros em qualquer cenário. Introdução ao estudo da trilha de aprendizagem 5 Vamos começar este e-book de uma forma um pouco diferente. Vou escrever uma situação e gostaria que vocês me respondessem rapidamente a primeira alternativa que vocês pensaram. Pai e filho sofrem um acidente terrível de carro. Alguém chama a ambulância, mas o pai não resiste e morre no local. O filho é socorrido e levado ao hospital às pressas. Ao chegar ao hospital, a pessoa mais competente do centro cirúrgico vê o menino e diz: “Não posso operar esse menino! Ele é meu filho!” Como você explicaria isso? Como foi responder essa pergunta? Quantos de vocês pensaram rapidamente que a mãe do garoto poderia ser a pessoa mais competente do centro cirúrgico? Em várias oportunidades que já tive de discutir esse tema com o público, levo essa pergunta e muitas pessoas pensam nas mais improváveis possibilidades, mas poucos apresentam a mãe como alternativa. Você está perplexo com a sua demora em perceber que a mãe poderia ser uma reposta? Por que isso acontece? Esse é um reflexo de um viés inconsciente cultural, que está arraigado na sociedade em que vivemos. Vocês já devem ter ouvido relatos ou presenciado situações como essas: “Isso é de menino, aquilo é de menina” ou “Meninos têm mais facilidade com números, logo temos mais homens em carreiras de exatas” ou “Meninas são mais cuidadosas e empáticas, logo temos mais mulheres professoras ou enfermeiras”, ou ainda “Homens têm mais facilidade com localização espacial, por isso são melhores Existe cérebro masculino e cérebro feminino? ... 6 motoristas”; mais um exemplo: “Mulheres conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, já os homens conseguem realizar apenas uma coisa por vez”. Para que essas colocações tivessem mais aceitação social, muitas dessas frases vêm logo acompanhadas de características do cérebro de cada um dos gêneros. Isso já se aproximou de vocês? Já se depararam com algum tipo de situação em que houve distinção do tratamento ou do critério considerando gêneros diferentes? Provavelmente, você já deve ter vivenciado alguma situação assim ou mesmo reproduzido alguma situação assim. O quanto disso está enraizado em nós? O quanto disso tem fundamento neurocientífico, ou seja, será que há mesmo uma explicação para os homens serem melhores com números e as mulheres mais empáticas? Será que o cérebro dos homens é diferente do cérebro das mulheres e isso explica esses comportamentos reproduzidos pela sociedade? 7 Esse tema é fundamental no contexto em que vivemos. Precisamos discutir se algo que reproduzimos indiscriminadamente enquanto sociedade faz sentido do ponto de vista cerebral. Será que existem comportamentos masculinos e comportamentos femininos com base no cérebro de cada um? Esse é um debate urgente, uma vez que é causador de muitas injustiças sociais. Desde a infância até a idade adulta percebemos resquícios dessas argumentações moldando o comportamento feminino, principalmente. Agora convido vocês a entrarem na discussão dessa temática do ponto de vista da neurociência. Será que o cérebro do homem é diferente do cérebro da mulher e isso justifica comportamentos? Essa não é uma questão nova. No começo do século XX, devido a uma constatação sobre o tamanho do cérebro, que dizia que o cérebro do homem é maior que o das mulheres, o que de fato procede, as mulheres foram impedidas de ingressar nas universidades. Tempos depois, foram feitas investigações e perceberem que o que torna o cérebro dos homens maior que o das mulheres são os ventrículos (vou relembrar aqui para vocês – ventrículos são espaços onde circulam o líquido cefalorraquidiano, chamado também de líquor). Sim, isso confere aos homens um cérebro maior, que está adaptado aos homens e isso não está atrelado de forma alguma a competências cognitivas ou comportamento. Vejam que o grande problema na busca por diferenças está relacionado às explicações sociais que são atribuídas. O tamanho do cérebro foi um balizador para o ingresso das mulheres em contextos acadêmicos. Ao longo de toda conversa sobre esse tema, é importante que tenham Neurociência e Gênero ! 8 em mente a justificativa social que atende aos interesses dos homens do início do século XX. Existe uma busca por evidências que corroboram cenários de poder e opressão. Vamos agora pensar num cena corriqueira e cotidiana. Imaginem-se comprando presente para uma criança, imagine que essa criança é um menino de 5 anos. O que você, em geral, encontra nas lojas? Carrinhos, pistas de corrida, peças de montar, maleta com ferramentas, bola, entre outros possíveis brinquedos. Agora imagine que a criança é uma menina de 5 anos, o que, em geral, você encontra disponível nas lojas? Bonecas, panelinhas, utensílios de casa. Com esse exemplo bem simples, de cenas bem prováveis do nosso cotidiano, é possível perceber que temos elementos sociais que modulam o desenvolvimento desses cérebros. Quando falamos de cérebros masculinos serem mais hábeis para espacialidade, não podemos esquecer que os cérebros dos meninos desde muito cedo foram submetidos a estímulos que treinaram o desenvolvimento da espacialidade, não é surpresa que eles apresentem desempenhos, em média, superiores. Mas o ponto aqui é, justamente, a pergunta inicial: será que, por serem homens, eles são mais hábeis espacialmente? A resposta é não. Precisamos levar em conta os estímulos que foram apresentados às crianças, dessa forma, homens não são melhores em exatas por serem homens, os homens foram, desde muito cedo, mais preparados para lidar com espacialidade e, com isso, desenvolveram circuitos cerebrais que serão, também, utilizados para o processamento matemático. Pensando dessa forma, quais foram os estímulos oferecidos para meninas ao longo da infância? Elas são muitos estimuladas com brinquedos que fazem alusão ao cuidado de outras pessoas, como cuidar das bonecas, por exemplo. Vejam que áreas cerebrais relacionadas com empatia, afeto, comunicação são muito estimuladas. Dessa forma, segue a mesma linha de raciocínio exposta acima. Por serem mulheres, são mais empáticas e comunicadoras? A resposta 9 é não. Há um treino mediante estímulos apresentados. Precisamos entender que os estímulos sociais são importantes treinos cerebrais. Da mesma forma, podemos analisar a sentença que diz que “mulheres conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, já os homens conseguem realizar apenas uma coisa por vez”. Isso não é uma vantagem do cérebro feminino, isso é treino. As mulheres são expostas socialmente a inúmeras tarefas, isso modula o cérebro e amplia a capacidade de memória de trabalho, por exemplo. A fim de corroborar essas evidências sociais, um grupo de pesquisadores no mundo iniciou um processo de investigação a respeito de gênero e neurociência, intitulado, em inglês, Neurogender. Uma das expoentes desse movimento é uma pesquisadorachamada Daphna Joel, professora e pesquisadora da Universidade de Tel-Aviv, em Israel. Para vocês que estão seguindo a trilha de aprendizagem, o TED a que pedi que assistissem, para que possamos ter uma conversa mais aprofundada, é o dela. Ela dedicou-se por um ano a um único tema, exaustivamente, esgotou as bases de dados científicas em buscas de evidências contundentes sobre diferença de cérebros entre homens e mulheres. Encontrou vários artigos científicos que corroboravam o mito de que gêneros diferentes têm cérebros diferentes e, por isso, comportam-se diferentemente. Todavia, também, entrou em contato com uma série de outros artigos que apresentavam um outro ponto de vista sobre a temática. Um dos artigos chamou bastante a atenção dela. Este demonstrava, cientificamente, que 15 minutos de estresse são capazes de mudar o sexo de algumas áreas específicas do cérebro. O artigo, escrito por Shors, Chua e Falduto (2001), intitulado “Sex difference and opposite effects of stress on dendritic spine density in the mal versus female hippocampus” (tradução nossa para português: “Diferença entre sexos + O TEDx da pesquisadora Daphna Joel está disponível em: https:// www.youtube. com/watch?v= rYpDU040yzc. https://www.youtube.com/watch?v=rYpDU040yzc https://www.youtube.com/watch?v=rYpDU040yzc https://www.youtube.com/watch?v=rYpDU040yzc https://www.youtube.com/watch?v=rYpDU040yzc 10 e efeitos opostos do estresse na densidade de espículas dendríticas no hipocampo de macho e de fêmea”), abriu novas perspectivas para a pesquisadora, pois, segundo ela, havia um número imenso de artigos que apontavam as diferenças estruturais entre cérebros masculinos e femininos, corroborando a ideia de que havia cérebros diferentes e, consequentemente, isso explicaria comportamentos diferentes. Nesse artigo, eles mostraram que características até então atribuídas a sexos diferentes podiam sofrer impactos do ambiente e mudar radicalmente. O que antes era característica do cérebro masculino mudou totalmente com um protocolo de submissão dos ratos a 15 minutos de estresse. Após esse estresse, o padrão apresentado pelo cérebro masculino era, exatamente, igual ao apresentado pelo cérebro feminino. A mesma inversão aconteceu com a fêmea que, após o estresse, apresentou o que foi, inicialmente, chamado de “masculino”. Esses resultados estavam em consonância com muitos outros artigos que, de forma muito enfática, diziam que não fazia sentido chamar alguma característica no cérebro de masculina ou feminina, pois elas podiam mudar radicalmente com interferências do ambiente. E também que fazia mais sentido atribuir nomenclaturas como densos ou esparsos, curto ou longo, presentes ou ausentes. Vejam que essa postura desses cientistas muda completamente o cenário de atribuir o que é masculino ou feminino. Vocês devem estar agora se perguntando: Então não há diferenças estruturais? Sim, existem uma série de achados que são atribuídos ao que é masculino ou feminino, mas que alterações estruturais não condicionam comportamentos, além de serem passíveis de alteração frente a uma característica do ambiente. Então, não posso dizer que homens são assim por conta dessa área do cérebro e que mulheres são dessa forma por conta de outra área do cérebro. Esse desejo de padronizar o que é feminino e ! 11 masculino para o cérebro não se aplica. Se 15 minutos de estresse podem inverter as características apresentadas, outras interferências ambientais, também, podem alterar a estrutura morfológica das áreas. Retomando a parte em que falamos sobre o tamanho do cérebro, é fato que existe diferença de tamanho, relacionada ao tamanho dos ventrículos, mas o mais importante nesse cenário é que essas mudanças não condicionam comportamento. A cognição não estará condicionada ao tamanho do cérebro, mas à capacidade de articulação entre circuitos, por exemplo. Esse ponto de reflexão trazido pela Joel é extremamente importante, pois muda a forma como nos relacionamos com as possíveis diferenças, inclusive, nos alerta que a investigação científica feita dessa forma mais prejudica do que promove equidade de gêneros. É fundamental que sempre que estejamos diante de um cenário onde haja menção ao sexo do cérebro, que vocês refutem essa informação. O cérebro não tem sexo. Na proposta da Joel, após todos esses estudos, o cérebro é intersexual, ou seja, apresenta o que rotulamos como características “masculinas” e características “femininas”. Todos nós. Olharmos atentamente aos estímulos que oferecemos aos cérebros infantis é fundamental para que possamos promover desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, sejam potencialidades de planejamento, de raciocínio lógico- matemático, de comunicação, de empatia, entre outras. Quando temos a possibilidade de nos aproximarmos desse tipo de discussão, temos grande possibilidade de nos afastarmos dos nossos vieses inconscientes relacionados ao gênero, retomando a situação-problema que apresentei logo no começo do e-book sobre a pessoa mais competente do centro cirúrgico e o fato de que muitos de nós não trouxeram a mulher como primeira opção. ! 12 Aqui vale a pena retomar o conceito dos vieses inconscientes, que são preconceitos inconscientes que foram automatizados e são, profundamente, impactados pela cultura e sociedade de que fazemos parte. São capazes de influenciar o nosso comportamento, pois, nossa tomada de decisão é, principalmente, conduzida por raciocínios rápidos e inconscientes. Os vieses inconscientes catalogados já ultrapassam 200 tipos. É uma possibilidade encontrada por nós para lidarmos: com a quantidade de informações existentes, para isso fazemos uso de filtros escolhidos por nós; com a falta de significado, dessa forma fazemos generalizações; com a necessidade de agirmos rápido, para isso utilizamos soluções já consagradas e seguras e, por fim, com a seletividade da memória, dessa forma guardamos o que tem mais relevância emocional e que aconteceu com maior frequência. Esse tema já foi apresentado para vocês em outro componente curricular, a ideia aqui é resgatarmos para relacionarmos com essa temática. Muitas vezes os vieses inconscientes de gênero impactam o processo educacional. São restrições e concessões feitas que têm por base a diferença do cérebro dos meninos e meninas. E vieses como esse impactam a ascensão feminina em cargos de liderança no mercado de trabalho, por exemplo. Ainda hoje, em pleno século XXI, há predominância masculina em C levels nas empresas. Será que é uma habilidade masculina ou será que as mulheres têm menos oportunidades? Certamente podemos responder a essa pergunta com base em dados nacionais e internacionais que demonstram que mulheres têm menos oportunidades para alçar cargos de liderança, com menos oportunidades de promoção. É fundamental que façamos esse tipo de discussão, que levemos essas reflexões do movimento NeuroGender para todos os espaços possíveis, desde os contextos de educação formal até todos os espaços de educação não-formal. ! 13 Precisamos aproximar essas discussões de todos, para que, com o tempo, esse mito de diferença de cérebros entre homens e mulheres possa se enfraquecer e perder espaço na sociedade para discussões mais profundas e que promovam equidade entre gêneros. 14 Esse e-book apresentou um tema urgente em nossa sociedade: falar sobre gênero a partir da perspectiva da neurociência confere uma possibilidade de discutirmos essa temática despidos de nossas crenças sociais, ou melhor, de nossos vieses que foram instaurados num determinado contexto histórico e social. Precisamos discutir equidade de gêneros em nossa sociedade. Fazendo o recorte para o cenário educacional, é fundamental disseminarmos a importância de acesso aos mesmos estímulos lúdicos. É fundamental tanto que meninos quanto meninas construam objetos, assim como cuidem de objetos. Isso propiciará estímulosimportantes para o desenvolvimento integral das crianças. Para o cérebro, não existe o que é de menino ou de menina. Isso é um atributo social que muitas vezes priva o amplo desenvolvimento das crianças em seres humanos mais completos. Para discutir o viés inconsciente de gênero, é fundamental pontuar e disseminar as reflexões apresentadas por pesquisadoras como a Daphna Joel. Discutir a base das crenças a partir de evidências científicas, é dessa forma que podemos transformar as relações, empoderar as pessoas e agregar mais equidade de gênero ao mundo. Síntese 15 JOEL D. Are brain male or female? Frontiers in integrative Neuroscience, v. 5, 2011. SCHMITZ, S., HÖPPNER, G. Neurofeminism and feminist neurosciences: a critical review of contemporary brain research. Front. Hum. Neurosci., v. 25, 2014. SHORS, T. J.; CHUA, C.; FALDUTO. J. Sex difference and opposite effects of stress on dendritic spine density in the mal versus female hippocampus. The Journal of Neuroscience, 21(16), p. 6292–6297, 2001. JOEL, D. TEDxJaffa - Daphna Joel - Are brains male or female? Youtube, 2012. Disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v=rYpDU040yzc>. Acesso em: 26 mar. 2021. Referências https://www.youtube.com/watch?v=rYpDU040yzc https://www.youtube.com/watch?v=rYpDU040yzc Universidade Presbiteriana
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