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CONSTRUÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS DA ESCOLA 1 1 Sumário 2 O COLETIVO NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR ............................................................ 2 2.1 Conceituando o Projeto Político Pedagógico ....................................... 3 2.2 As Relações de poder e a construção do Projeto Político Pedagógico 7 2.3 Construção coletiva do Projeto Político Pedagógico: um fazer possível 12 3 PSICOLOGIA ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO ......... 13 3.1 Projeto político-pedagógico da escola ................................................ 16 4 FOCOS DE INTERVENÇÃO EM PSICOLOGIA ESCOLAR ..................... 20 4.1 FOCO 1 - As implicações do fazer pedagógico .................................. 21 4.2 FOCO 2 - O envolvimento de pais e educadores no processo de formação e educação das crianças e adolescentes: ............................................. 22 4.3 FOCO 3 - O esclarecimento das dimensões psicológicas implicadas no processo de ensino e aprendizagem. .................................................................... 23 4.4 FOCO 4 - Os sistemas de interações existentes no interior da Escola. 24 5 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 26 2 2 O COLETIVO NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR Construir o Projeto Político Pedagógico de uma instituição escolar é uma atividade complexa. Para se definir rumos políticos e pedagógicos, exige-se clareza diante dos objetivos almejados. Como determinar metas sem conhecer o real significado dos termos: PROJETO, POLÍTICO e PEDAGÓGICO? Eis uma indagação que pode ser vista com atenção. O diálogo acerca dos significados pode ser uma forma de clarear objetivos coletivos para guiar a construção do documento. A partir do diálogo, trocam-se experiências, ampliam-se horizontes, possibilitando, além da compreensão frente a termos, um momento de planejamento de metas construídas pelo coletivo em prol da instituição escolar. Contudo para que isso se efetive, faz-se necessário transcender questões pessoais e dispor-se a pensar no que poderá ser melhor para o grupo. Em momentos de diálogo no ambiente escolar, opiniões diversas podem surgir já que, segundo Freire (1996), cada indivíduo traz singularidades específicas de sua história. Contudo, através do debate, da participação dos sujeitos envolvidos pode-se chegar a alguns conceitos comuns. A participação possibilita que os sujeitos colaborem com os pares o que, segundo Luck (2008), pode ocasionar inclusive a satisfação pessoal, pelo fato do indivíduo perceber-se como importante para o grupo. No lado oposto à participação, encontra-se o exercício do poder. Há quem acredite que o envolvimento do grupo na gestão implica na perda de autoridade. Em outras situações, o exercício do poder ocorre de forma implícita levando os demais a acreditarem ser um processo cultural. Superando administrações verticais, surgem propostas de gestão democrática, possibilitando a participação do coletivo na construção do PPP da instituição escolar. Pensar uma construção coletiva remete a superar obstáculos. O “eu” precisa ser substituído pelos “nós”; este processo não deve ser encarado como rápido e simples. Para a participação deixar de ser mera teoria, ela precisa ganhar vida nas ações diárias, consolidando-se como gestão democrática. O grupo precisa ter claro suas ideias de educação e seguir unido, superando as dificuldades que, certamente, surgirão no decorrer do processo e tendo o sonho coletivo como possível de ser alcançado. 3 A crença na mudança é imprescindível para a concretização do sonho coletivo. Através da vivência da participação, o sonho de construção coletiva do PPP pode ocasionar a tão desejada transformação da realidade da instituição escolar e, consequentemente, da sociedade. 2.1 Conceituando o Projeto Político Pedagógico Uma das condições essenciais a toda profissão é a formalização dos saberes necessários à execução das tarefas que lhe são próprias (GAUTHEIR,1998 p.200). Ao se iniciar uma discussão, faz-se necessária a reflexão e a clareza diante do que se pretende problematizar. Os termos balizadores do presente trabalho são: Projeto, Político, Pedagógico. A partir de Veiga (1995, p. 13), principiam-se as reflexões diante da concepção sobre Projeto: “O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente [...]”. As colocações de Veiga destacam a questão da significação dos rumos. Construir um projeto implica em definir os objetivos da escola e ações necessárias para alcançá-los. Vasconcellos (2009) aponta o PPP como o plano global da instituição, a sistematização dos ideais, salientando a questão do processo de planejamento participativo, defendendo que o documento precisa estar em constante construção, já que é na caminhada que a instituição constrói a sua identidade. O autor assegura que o desejo de mudança é o ponto de partida do PPP. Ao projetar metas, indícios de caminhos a seguir podem ser delineados. Sendo a escola uma instituição educacional, sua razão de ser não existiria sem o termo pedagógico, pois são nas ações diárias que a escola efetiva seu papel e consolida-se como educadora: [...] Na dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade. (VEIGA, 1995, p. 13). O termo pedagógico é inerente ao trabalho da escola. Veiga (1995) possibilita a reflexão diante do papel pedagógico da escola na formação dos sujeitos. O planejamento e as atividades diárias definem qual o sujeito que a instituição pretende colaborar na formação. O ato pedagógico pode, e muito, auxiliar na formação de 4 cidadãos participativos ou submissos, críticos ou acríticos, criativos ou meros reprodutores. Diante do papel social da escola, destaca-se a questão da definição de propostas claras para o trabalho pedagógico diário. Fonte: www.sosprofessor.com.bragogica/ O termo pedagógico traz, também, em sua significação, o entendimento do papel da escola como educadora, como instituição de ensino e aprendizagem. Partindo da ideia de que o ato pedagógico de ensinar não é tão somente o de transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a construção de novos saberes, percebe-se que Freire (1996, p. 25-6) é enfático ao destacar que: Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo-relativo. Verbo que pede um objeto direto - alguma coisa - e um objeto indireto - a alguém. Do ponto de vista democrático em que me situo, mas também do ponto de vista da racionalidade metafísica em que me coloco e de que decorre minha compreensão do homem e da mulher como seres históricos e inacabados e sobre o que se funda a minha inteligência do processo de conhecer, ensinar é algo mais que um verbo transitivo-relativo. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar [...]. Para Paulo Freire, a educação escolar é um processo de ensino e aprendizagem entre sujeitos educativos. Isso porque quem ensina também aprende e o estudante além de aprendente, também pode ensinar. Assim sendo, há de se considerar a necessidade do PPP ser político. Já o termo pedagógico implica em reflexões e direcionamentos sobre o que é ensinar e o que é aprender, pois: [...] Além disto, a omissão do termo político pode ser um fator de distorção, por induzir ao engano de restringir o projetoa tarefa técnica, da qual somente 5 especialistas profissionais da área, poderiam participar na elaboração, deixando de fora segmentos como alunos e a comunidade. Ser político significa tomar posição nos conflitos presentes na Polis, significa, sobretudo a busca do bem comum. Não deve ser entendido no sentido estrito de uma doutrina ou partido. (VASCONCELLOS, 2009, p. 20). Vasconcellos (2009) referência a omissão do termo político como uma forma de negar a participação do coletivo, restringindo a elaboração do documento a profissionais da área pedagógica. Ao considerar o termo político, o PPP perde o sentido de ser construído apenas para fins burocráticos e ganha finalidades sociais. A comunidade passa a ser realmente considerada como integrante da instituição escolar e a realidade em que a escola se encontra passa a ser considerada. Para tanto, o termo político desvincula-se da ideia de partidarismo e leva o sentido de participação cidadã no coletivo da pólis (cidade) e da vida em sociedade. Padilha (2005) também enfatiza que, ao fazer política na escola, passa-se a conhecer os educandos, suas realidades, carências, necessidades, potencialidades e expectativas. Fazendo política se estabelece o equilíbrio de forças e representatividade dos diversos sujeitos; o coletivo passa a trabalhar na gestão e na definição das questões administrativas, financeiras e pedagógicas. Considerando ainda que essa denotação política pode influenciar nas decisões a nível educacional dos municípios, estados ou federação. Optou-se, primeiramente, em desvincular os conceitos de Projeto, Político e Pedagógico para iniciarem-se as reflexões, entretanto, conforme destaca Veiga (1995), os termos assumem um caráter indissociável. Na construção de um PPP, faz- se necessária a articulação de termos tanto na construção teórica do documento, quanto na vida que ganha através da prática do que foi delineado. Propõe-se, então, a articulação: O termo projeto, de origem latina e encontrável em língua portuguesa desde 1680, traduz essa aspiração, posto que etimologicamente ‘ação de lançar para frente’. Do ponto de vista sinonímico, o termo projeto implica aproximações com ideia, plano, intenção, propósito, delineamento. E os adjetivos político e pedagógico, qualificadores do projeto, explicitam-se também pelas suas etimologias: O primeiro, porque político é um ente positivo do termo polis, o qual significa ‘cidade’, posto que envolve uma comunidade de indivíduos; e pedagógico, dado que sua etimologia se vincula ao sentido de ‘condução de criança’, desde a cultura grega, mas veio se configurando, a partir da cultura romana, como área do conhecimento consagrada à estruturação, aos princípios e às diretrizes que têm como fim a ação educativa. E seu caráter teórico prático se guarnece e se expressa pelas dimensões técnica, científica e filosófica. (VEIGA, 2007, p. 13-4). 6 Veiga (2007) caracteriza a origem dos termos e permite a reflexão acerca da interdependência entre eles, já que o projeto se aproxima do ato de lançar ideias e propostas. Ligado ao termo político e pedagógico, assume o caráter de envolver a comunidade na ação educativa. Através da definição de termos, percebe-se que a tarefa de construir um PPP não deve ser encarada como simples. Construir um documento que realmente responda às necessidades da comunidade escolar depende do envolvimento e da participação de seus membros. O propósito de uma escola depende de diversos olhares, afinal, ela insere-se em um contexto, e as reflexões do todo são fundamentais nas práticas pedagógicas. Nessa perspectiva, Libâneo (2006) destaca a proposta de autonomia da escola trazida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº. 9394/1996, que evidencia o objetivo de descentralizar e democratizar a tomada de decisões pedagógicas e organizacionais da escola. Através do PPP, a equipe escolar pode tornar-se corresponsável pelo sucesso dos estudantes e sua inserção na cidadania crítica, contribuindo para o êxito da instituição como um todo. Fonte: fernando-leopoldomachado.blogspot.com Seguindo a linha de pensamento de Libâneo, encontra-se Abreu (1999), ao compreender que a questão dos resultados da aprendizagem dos estudantes está vinculada à possibilidade de a escola definir seu projeto educacional. Somente com a autonomia, a participação da comunidade ganha sentido na escola e o poder de decisão desta pode conduzir aos resultados positivos concretos. A participação política e as descentralizações podem repercutir na melhoria da educação. 7 Desse modo, Vasconcellos (2009) coloca que é praticamente impossível mudar a prática de sala de aula sem vinculá-la a uma proposta conjunta da escola. Faz-se necessária a leitura da realidade, as concepções de ser humano, de sociedade, de currículo, de planejamento. Para o autor, essas ações dependem de intervenções e interações dos educadores. Por conseguinte, para Veiga (2007), a construção do PPP vinculada à formação humana significa trilhar caminhos participativos e solidários, visando à construção de uma escola melhor para todos. A autora lembra também que a escola é uma organização viva, que compartilha de uma totalidade social, e seu PPP, também precisa ser vivo e dinâmico, norteando o movimento escolar. 2.2 As Relações de poder e a construção do Projeto Político Pedagógico A escola é um ambiente onde se encontram diferentes indivíduos, com experiências e histórias diversas e isso, muitas vezes, pode acarretar conflitos, mas, através da diversidade, a instituição pode optar pelo crescimento, propondo momentos de discussão e reflexão, visando à construção de um PPP coletivo. Nesse sentido, encontra-se Luck (2008) com a assertiva de que a participação, em seu sentido pleno, caracteriza-se pela mobilização efetiva dos esforços individuais para a superação de atitudes de acomodação e alienação. Para a autora, existe a premissa de eliminação de comportamentos individualistas e ela propõe a construção do espírito de equipe, visando a objetivos sociais e institucionais que podem ser assumidos por todos. A participação pode até mesmo contribuir para a identidade pessoal do sujeito: Entende-se que a natureza humana básica - sua vocação primeira - consiste na necessidade de a pessoa ser ativa em associação com seus semelhantes, desenvolvendo seu potencial. Isto é, o ser humano se torna uma pessoa e desenvolve sua humanidade na medida em que, pela atuação social, coletivamente compartilhada, canaliza e desenvolve seu potencial ao mesmo tempo que contribui para o desenvolvimento da cultura do grupo em que vive, com o qual interage e do qual depende para construir sua identidade pessoal. (LUCK, 2008, p. 61). Luck (2008) destaca que o ser humano em sua unicidade precisa desenvolver seu próprio potencial e, ao mesmo tempo, tem a necessidade de se sentir útil no grupo do qual faz parte. Sendo assim, o caráter individual da participação, de acordo com a 8 autora, ganha sentido ao repercutir como importante para o grupo, transcendendo, dessa forma, o caráter individualista da participação. Até então tudo parece simples, entretanto, a simplicidade pode levar ao engano, tratando-se das complexas relações entre os seres humanos. Foucault (1979) possibilita a reflexão diante do exercício do poder, destacando que, para ser aceito ele não é apenas repressivo, ele cria coisas e induz ao prazer, forma saberes e produz discurso. O poder, segundo Foucault, é uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social. As relações humanas e, em especial, as relações existenciais em uma instituição escolar apresentam-se em constante busca de exercício do poder. Alguns podem sentir prazer em detê-lo e outros podem até mesmo nem perceber que estão fazendo parte de jogos de manipulação. Nessa linha de pensamento, Bourdieu (2001, p. 9) problematiza as relações humanas explicadascomo o poder simbólico: Os sistemas simbólicos, como instrumento de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências. Bourdieu (2001) caracteriza o poder simbólico como estruturado, dotado de força social e podendo conduzir ao conformismo. Este leva a posições acríticas, afinal o contexto é visto como aquele sem perspectivas de mudança. O poder simbólico, segundo Bourdieu, ganha sentido no mundo social, estabelecendo ordens. A escola caracteriza-se como um ambiente social, permeado de relações, nas quais o poder simbólico pode estar presente. De acordo com Foucault (1979), o poder só existe na ação, não sendo possível definir um titular. Todavia, o poder sempre é exercido numa determinada direção, alguns posicionam-se de um lado, e outros, de outro, não sabendo ao certo quem detém o poder, porém é visível quem não o possui, tornando-se uma relação de forças: Dispomos da afirmação que o poder não se dá, não se troca, nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força [...]. (FOUCAULT, 1979, p. 175). 9 Segundo Foucault (1979), o poder ganha vida na ação e caracteriza-se principalmente como uma relação de força. Nas instituições escolares, as relações de força podem materializar-se de forma ideológica, objetivando a manutenção de ideias e ou propostas políticas e pedagógicas. O exercício do poder, isto é, a expressão de formas de influência entre pessoas e instituições, de modo a determinar o rumo que tomam e as ações que promovem, constitui um fenômeno natural e inerente às interações que ocorrem em qualquer organização social. Portanto, a escola não é uma exceção como contexto desse exercício, e essa influência é inerente ao processo educacional, em vista do que é, em si, um processo político. O exercício de poder se expressa continuamente na construção da cultura escolar como um poderoso mecanismo que visa conformar condutas e homogeneizar maneiras de pensar. (FREITAS apud LUCK 2008 p. 100). A compreensão é de que o exercício do poder, segundo Freitas (2008), é um fenômeno presente nas relações sociais. A escola sendo uma organização social, também vivencia situações que contribuem para a manutenção do sistema e de maneiras de pensar. Ao compreender os mecanismos de poder, a inércia pode ser interpretada como saída mais fácil. Entretanto, quando se opta pela crença na mudança, outras posturas tornam-se necessárias, dentre as quais a participação na construção do PPP merece destaque. Fonte: www.sonhoesignificado.com Como destaca Vasconcellos (2009), a participação ou falta de participação dos indivíduos pode ter várias razões, destacando-se: a falta de oportunidade, ao construir o PPP em gabinete; a participação pode ser possibilitada, mas os sujeitos podem não 10 acreditar na mudança e optam por não efetivar a participação; o indivíduo pode resistir psicológica e naturalmente às novas situações; dificuldades no relacionamento interpessoal também podem desencadear na não participação. As causas da não participação são inúmeras. Bourdieu (2001) aponta o poder simbólico, já Foucault (1979) traz a satisfação na ação do exercício do poder e as relações de força por ele ocasionadas, enquanto Vasconcellos (2009) elenca situações desde a descrença na mudança até as relações interpessoais. Entretanto, o conformismo leva a manutenção do poder e para combatê-lo faz-se necessária uma nova postura: “É preciso que haja um empenho permanente, esforçado, continuado, perseguição de objetivos. É uma caminhada que encontra obstáculos, resistências: o novo, brota do velho, mas não espontaneamente; brota vencendo a resistência do velho...”. (GADOTTI, 1992, p. 90). A mudança de concepções exige empenho de todos. Sentir-se integrante da escola é, certamente, um grande passo que precisa vir seguido da crença na mudança. A gestão participativa se faz no coletivo. A equipe diretiva da escola assume um importante papel, ao caracterizar seu trabalho a partir da centralização ou descentralização dos processos decisórios da escola. Ao centralizar as decisões, a direção toma para si a responsabilidade que seria do todo, perpassa a imagem de autoritarismo, pois não consulta os demais, apenas dita normas. O ponto de vista que nos interessa reforçar é que a escola não tem mais possibilidade de ser dirigida de cima para baixo e na ótica do poder centralizador que dita as normas e exerce o controle técnico e burocrático. A luta da escola é para a descentralização em busca de sua autonomia e qualidade. (VEIGA, 1995, p. 18). A relação de administração vertical e hierárquica é enfaticamente criticada por Veiga (1995). A autonomia e a qualidade comprometem-se e, dessa forma, o poder centralizador precisa ser substituído pela sua descentralização, onde os indivíduos coletivamente fazem suas propostas podendo contribuir para o sucesso da escola e, consequentemente, para a transformação social. Luck (2008) destaca que participar implica em compartilhar poder e responsabilidade na tomada de decisões coletivas, enfrentando os desafios. Nessa perspectiva, a participação através do engajamento implica em envolver-se nos processos sociais e agir com empenho e dedicação, visando a promover os resultados desejados: 11 A participação é uma resposta a um dos anseios mais fundamentais do homem: ser levado em conta, tomar parte, ser incluído, ser respeitado. Todavia a participação só tem sentido quando existe por detrás uma ética, uma disposição em mudar realmente o que for necessário e não apenas as aparências [...] (VASCON¬CELLOS, 2009, p. 24-5). Participar efetivamente e além das aparências é o que nos sinaliza Vasconcellos (2009). A participação só ganha sentido quando realmente é vivida e concretizada na prática. Paro (2001) salienta a participação como processo democrático que se constrói no caminhar, apontando que os obstáculos precisam ser refletidos previamente, e, também, existem as potencialidades que a realidade apresenta para a ação. Gadotti (1992) e Vasconcellos (2009) referenciam a escola como transformadora social e, partindo da mudança na própria escola, propõe-se uma postura diferenciada da equipe diretiva, Orientação Educacional e Supervisão Escolar. A partir da descentralização, pode-se promover a gestão cooperada, permitindo a participação de todos os indivíduos “da” e “na” escola. Participando e sentindo-se parte da instituição escolar, os indivíduos transformam-se em sujeitos e ao se sentirem sujeitos, lutam para que a escola realmente responda às necessidades da sociedade e não simplesmente sirva como órgão em prol da manutenção do sistema. O PPP da instituição escolar, ao caracterizar seus ideais, reflete na própria identidade da escola. Isso porque, no processo de construção a participação de toda a comunidade é fundamental para a efetivação das propostas. A construção da escola democrática constitui, assim, um projeto que não é sequer pensável sem a participação democrática de outros setores e o exercício da cidadania crítica de outros atores, não sendo, portanto, obra que possa ser edificada sem ser em co-construção. (LIMA, 2002, p. 42). Segundo Lima (2002), uma escola democrática só se constrói com a participação. Construir um PPP que realmente responda aos significados dos próprios termos não se concebe sem a participação do coletivo. É nas vozes de toda acomunidade que são expressas as reais necessidades da instituição, a qualidade na educação e transformação social se tornam ideais a serem conquistados. 12 2.3 Construção coletiva do Projeto Político Pedagógico: um fazer possível Ao acreditar na educação e na construção coletiva de um PPP escolar, ousa- se sonhar. Através do sonho, as metas lançadas em um projeto assumem o caráter de atingíveis. É na utopia que se encontra a força para concretizar o almejado: A palavra utopia significa o lugar que não existe. Não quer dizer que não possa vir a existir. Na medida em que não existe, mas ao mesmo tempo se coloca como algo de valor, algo desejável do ponto de vista da solução dos problemas da escola, a tarefa deve consistir, inicialmente, em tomar consciência das condições concretas, ou contradições concretas, que apontam para a viabilidade de um projeto de democratização das relações no interior da escola. (PARO, 2001, p. 9). Através das colocações de Paro (2001) algumas reflexões diante da utopia e do sonho fazem-se necessárias. Ao pensar em uma construção coletiva, visando à transformação da realidade escolar, o sonho caracteriza-se como o verdadeiro desejo do grupo. A utopia pode representar a idealização do coletivo, o lugar que ainda não existe, mas com o envolvimento; através do sonho do todo, pode vir a existir. Transcendendo uma visão romântica da educação, vislumbra-se uma escola possível, capaz de vivenciar a participação, através da democracia, possibilitando que os sujeitos vivenciem a cidadania e contribuam na construção de uma escola democrática e de qualidade. O sonho pode transformar-se em realidade através das ações. Entretanto esse sonhar não traz a ingenuidade imaginária da perfeição. A utopia que move a transformação parece ser a que não nasce da realidade, da consciência, das dificuldades concretas. Projetando, ousa-se sonhar a partir das necessidades, lançam-se as metas é e nesse momento que se fazem necessários os sonhos coletivos, pois é a partir deles que a realidade pode ser transformada. Nessa linha de pensamento, Paulo Freire (1971) enfatiza a importância do diálogo, destacando que sua vivência é capaz de transformar a realidade. O diálogo é um conteúdo inato da existência humana e ocorre na relação. Através do diálogo, faz-se necessário a transcendência das relações antagônicas, apontando a importância da conscientização de que é necessário pensar além do individual, assumindo posturas. O diálogo é imprescindível no sonho que se ousa sonhar: a construção coletiva do PPP institucional depende de momentos de interação, reflexão e debate. Freire (1971) permite também a reflexão diante da neutralidade e nos permite afirmar que 13 sem posturas definidas, os sujeitos não contribuem para a transformação da realidade. Através de Sacristán (apud IMBERNÓN 2000), reafirma-se a ideia de que sem sonho não há educação. O autor destaca a educação como cultura conquistada, entretanto, enfatiza que ela encontra seu sentido mais moderno como projeto, a partir da capacidade de aflorar nos homens e mulheres a capacidade de construir sociedades melhores, vidas melhores, justificando-se em transcender o presente. Ainda, segundo o autor, o porvir só existe com os projetos, enraizados nos ideais do passado e presente. Faz-se necessário o resgate do presente para as reflexões e elaborações que trarão as diretrizes para a instituição. Almeja-se um PPP alicerçado nas vozes da comunidade escolar, objetivando que a aprendizagem ultrapasse as fronteiras físicas da escola. A escola deve abrir suas portas e derrubar suas paredes não apenas para que possa entrar o que passa além de seus muros, mas também para misturar-se com a comunidade da qual faz parte. Trata-se “simplesmente”, de romper o monopólio do saber, a posição hegemônica da função socializadora, por parte dos professores, e construir uma comunidade de aprendizagem no próprio contexto. (IMBERNÓN, 2000, p. 95). Imbernóm (2000) propõe a construção de uma comunidade de aprendizagem através da socialização de saberes, e a escola como espaço de conhecimentos acessível a todos. 3 PSICOLOGIA ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) estabelece que a escola tem como responsabilidade a elaboração e a execução da sua proposta pedagógica, respeitando as normas comuns e as do seu sistema educacional. Também determina que os docentes e profissionais da educação devem participar da elaboração do projeto pedagógico do estabelecimento de ensino, com a colaboração das comunidades escolar e local, por meio de conselhos escolares (Lei n. 9394, 1996). Cabe mencionar que a necessidade da construção de uma proposta pedagógica pelas unidades de ensino, a fim de subsidiar o trabalho educativo, havia sido apontada na literatura educacional principalmente a partir dos anos 90, mesmo antes da promulgação da LDB. As publicações valorizavam a importância do projeto 14 político- pedagógico (P.P.P.), destacando-o como uma forma de reivindicar maior autonomia para a escola. Neste sentido, Vasconcellos (2005) ressalta o papel do projeto político- pedagógico como um caminho de consolidação da autonomia da escola, porém chama a atenção para a possibilidade de essa abertura não se transformar em uma estratégia de descompromisso e de transferência de responsabilidade do Estado, em termos de responsabilizar a escola pelo sucesso ou fracasso das ações educativas. Todavia, o autor esclarece que isso vai depender do posicionamento adotado pela escola e da forma da condução do P.P.P., como um movimento coletivo, um instrumento de luta para a construção de uma nova prática. Vários autores (Freire, 1996; Pimenta, 1995; Veiga, 1995) apontam que o projeto educativo representa a articulação de concepções de mundo, de educação e de ensino definidas pela escola, com o propósito de realizar sua função social. Tais estudos destacam a premissa de que todo projeto político-pedagógico também se configura como um projeto de sociedade, visto que inclui, necessariamente, a visão de ser humano que se pretende formar. Para Veiga (2001), o projeto político-pedagógico envolve a organização do trabalho educativo realizado na escola como um todo e também a organização do trabalho do professor no contexto de sala de aula. O caráter emancipador do P.P.P refere-se a um processo de construção coletiva que envolve o interesse em criar uma identidade própria, uma vez que busca resgatar a escola como espaço de debate, de diálogo e de reflexão. Para tanto, também é necessário um referencial que fundamente a compreensão da prática educativa que deve estar relacionada aos interesses da maioria da população. Por último, torna-se essencial o domínio das bases teórico-metodológicas necessárias à concretização dos princípios e objetivos assumidos coletivamente. 15 Fonte: www.colegiocandelaria.com.br O projeto político-pedagógico apresenta uma sistematização flexível da ação pedagógica, dentro de um processo de planejamento participativo, o que implica em um aperfeiçoamento contínuo. É uma forma de enfrentar o processo de alienação, na medida em que implica em ações intencionais e conscientes que correspondam às reais necessidades da comunidade e da escola. Implica também na expressão de uma ética, de um compromisso do grupo com o processo (Vasconcellos, 2005). A construção do projeto político-pedagógico requer a reorganização das formas de gestão da escola tendo em vista favorecer a ampla participação de todos os participantes da escola nas decisões administrativo-pedagógicas ali desenvolvidas. Contudo, a gestão democrática não é um princípio fácil de ser posto em prática, visto que envolve a participação crítica dos seus atores num processo contínuo que se concretiza cotidianamente (Gadotti & Romão, 1997; Veiga,1995). Ademais, a construção coletiva do projeto político-pedagógico, dentro de um contexto da gestão e participação democrática, exige, dentre vários aspectos: (a) o envolvimento e a vontade política da comunidade escolar na direção dos ideais pedagógicos, visando romper com individualismos e estabelecer movimentos de parceria e diálogo; (b) o conhecimento da realidade escolar a partir de um diagnóstico atualizado que contribua com a busca de soluções para os problemas encontrados; (c) a formação continuada da equipe docente, técnica e funcionários da escola; 16 (d) a clarificação constante das bases teóricas que fornecem subsídios à revisão e à dinamização da prática pedagógica nos diferentes níveis: metodologia, avaliação, currículo, entre outros (Bussmann,1995, Malavazi, 1995). Em síntese, o projeto político-pedagógico pode ser visto com um instrumento que objetiva auxiliar a escola a enfrentar os desafios presentes no cotidiano, de uma forma sistematizada, refletida e essencialmente participativa. 3.1 Projeto político-pedagógico da escola A assessoria na elaboração, implementação e avaliação do projeto pedagógico da escola configura-se como uma das funções tradicionalmente atribuídas ao psicólogo escolar (Del Prette, 1999, Witter, 1999). Entretanto, nota-se na literatura atual a existência de poucos estudos abordando experiências ou intervenções dessa natureza. Antes de focalizarmos algumas pesquisas que tratam do tema, consideramos importante mencionar que nas publicações recentes na área da Psicologia escolar evidencia-se a preocupação com a construção de pressupostos teóricos e metodológicos, pautados em uma perspectiva crítica, necessários ao desenvolvimento de ações comprometidas com mudanças na escola e na sociedade (Tanamachi, Rocha, & Proença, 2000, Meira & Antunes, 2003, Martínez, 2005, Marinho-Araujo, 2009, Guzzo & Marinho-Araujo, 2011, dentre outros). Tal fato deriva- se de um movimento, produzido ao longo da história da área, que se contrapõe ao desenvolvimento de ações reprodutoras do processo de culpabilização do aluno e da patologização dos problemas educacionais. No que concerne à prática do psicólogo escolar direcionada para a proposta pedagógica da escola, Martínez (2003) afirma que está se constitui como uma dimensão emergente do trabalho psicológico que pode favorecer a consolidação de sua atuação neste contexto e o aprimoramento da ação educativa na instituição de ensino. Um importante aspecto levantado por Martínez (2003) é que no processo de efetivação da proposta pedagógica evidencia-se a complexidade dos movimentos de mudança de cultura, de práticas educativas e do desenvolvimento de habilidades comunicativas e inter-relacionais na escola. A autora chama a atenção para o fato de 17 esses movimentos apresentarem ritmos e progressos diferenciados e para a possibilidade de ocorrência de conflitos. Tais conflitos podem se apresentar sob diferentes nuances, a saber: conflito de papéis produzido por divergências entre as concepções sobre o que deveria ser o conteúdo do trabalho dos professores da escola, conflito originado devido ao hiato existente entre as demandas da ação educativa e os níveis de preparação necessários à sua execução, conflito proveniente de dificuldades no atendimento às demandas da atividade pedagógica idealizada coletivamente por parte dos educadores, entre outros. Fonte: pponlinesme.campinas.sp.gov.br Além disso, Martínez (2003) exibe vários aspectos da atuação do psicólogo na construção e implantação da proposta pedagógica da escola, tais como: (a) dar assessoria no planejamento, realizado em conjunto com a comunidade escolar, de ações correspondentes a cada etapa do trabalho; (b) monitorar a evolução do processo; (c) promover espaços para a resolução de conflitos e a busca de soluções para as dificuldades encontradas; (d) incentivar a avaliação processual dos resultados obtidos; (e) coordenar a realização de projetos de trabalhos específicos que demandam conhecimentos e habilidades relativas ao campo da psicologia; (f) participar ativamente na formação continuada de professores; 18 (g) colaborar no sistema de seleção de professores e coordenadoras pedagógicas. As referidas atividades se articulariam com as outras possibilidades tradicionais de trabalho para contribuir para a real efetivação da proposta pedagógica no contexto educativo. Em um estudo a respeito da parceria do psicólogo escolar na elaboração de projetos político-pedagógicos, Wanderer e Pedroza (2010) apontam que o psicólogo pode possuir um papel mediador em que não sobreporia seus conhecimentos de autoridade científica, mas estaria juntamente com os profissionais da escola experenciando e analisando conflitos, contribuindo para a internalização da emocionalidade. Com base nos referenciais de Agnes Heller sobre a vida cotidiana, os autores destacam que a atuação do psicólogo junto às comunidades escolares necessita envolver uma relação de proximidade para compreender a dinâmica da escola e os processos de alienação que ali se evidenciam. Outra perspectiva na área é a investigação acerca das concepções e sentidos do P.P.P para os educadores. Com este intuito, Asbahr (2005) buscou conhecer, a partir da Psicologia histórico-cultural e da Teoria da Atividade de Leontiev, o sentido pessoal da ação docente em uma escola pública no contexto de produção do projeto político-pedagógico, que serviria de base para toda a organização da ação pedagógica. Em sua análise, a autora diz que as condições objetivas de trabalho e de produção de vida convertem-se em uma estrutura de consciência e que é frente a essas condições que surgem as dificuldades e impossibilidades de os professores se humanizarem na relação com o trabalho, isto é, na atividade pedagógica. Segundo a autora, isso se expressa por meio da cisão existente entre os sentidos das atividades pedagógicas para o professor e os resultados (significados) concretos de suas ações. Nesse contexto, a fragmentação é produzida pela organização do modelo capitalista de produção que desapropria a classe trabalhadora dos produtos do seu trabalho, bem como do próprio trabalho, que deixa de lhe pertencer. No caso do trabalho docente, a ruptura entre sentido e significado provoca uma dissonância entre a ação educativa e o significado social dessa ação. Em decorrência, os significados sociais da atividade educativa podem até ser apropriados 19 e reproduzidos pelo professor, mas não são refletidos em propostas práticas ou resultados educacionais em virtude das condições desumanas de trabalho. Fonte: especialdeadamantina.wordpress.com Torna-se importante assinalar que, diante do cenário neoliberal em que a educação é vista como mercadoria, evidencia-se a tendência em se atribuir ao setor público a responsabilidade pela crise e pela ineficiência do sistema educacional em nosso país (Frigotto, 1995, Gentili, 2001). A culpa dos problemas na rede pública recai, por conseguinte, nos participantes do processo educacional (educadores, alunos, famílias), sendo desconsiderados os condicionantes políticos e econômicos responsáveis por este processo, o que contribui para a manutenção da política atual que está atrelada aos interesses do capital. Ao considerar as condições concretas da comunidade e do contexto educativo e suas multideterminações, o psicólogo pode direcionar sua prática visando favorecer a autonomia dos sujeitos e a melhoria das práticas pedagógicas, por meio do diálogo com os diferentes agentes da escola (Guzzo, 2005). Nesta perspectiva, a prática do psicólogo no âmbito educacional necessita pautar-se em uma perspectiva emancipadora a fim de fomentar a consciência crítica das pessoas para que possam intervir na realidade, contribuindo para a melhoria de suas condições de vida. Para Guzzo(2002, 2005), os princípios teóricos da conscientização e da libertação podem resultar em um modelo que subsidie as intervenções do psicólogo na busca de transformação do espaço educativo. A conscientização é vista dentro de um posicionamento político a partir do referencial de Paulo Freire (1979) e se constitui 20 como um processo de reflexão crítica acerca da realidade, do cotidiano da escola e dos seus agentes. Outro referencial adotado é a Psicologia da Libertação de Martín- Baró (1998a, 1998b), que tem como propósito favorecer mudanças na realidade dos indivíduos, atentando para o homem em sua corporeidade, em suas características específicas e também para a comunidade sem, contudo, desconsiderar os aspectos estruturais e de ordem social que condicionam situações de opressão e desigualdade. Cabe enfatizar que um importante aspecto da ação do psicólogo se refere ao fortalecimento dos indivíduos ou grupos sociais. De acordo com Montero (2003), o processo de fortalecimento necessariamente supõe as seguintes fases: o desenvolvimento de um forte sentido da pessoa em sua relação com o mundo; a construção de uma concepção crítica sobre as forças sociais e políticas que compõem a realidade e que influenciam o contexto de vida dos indivíduos e das comunidades; o desenvolvimento da capacidade de relacionar reflexão e ação; e, por último, a criação e a aplicação de estratégias e recursos visando fortalecer os grupos e produzir intervenções que beneficiem a coletividade. Para isso, entendemos que o psicólogo necessita estar junto a esses profissionais, participando da rotina escolar e de encontros de trabalho docente com o objetivo de favorecer a discussão e a reflexão acerca das práticas e dos conflitos verificados no cotidiano da escola. Tais momentos são essenciais, pois há troca de experiências entre os participantes e podem configurar-se como espaços nos quais o professor fale de suas percepções, emoções, dificuldades e potencialidades em sua atuação. 4 FOCOS DE INTERVENÇÃO EM PSICOLOGIA ESCOLAR Atualmente o Psicólogo Escolar é um profissional muito requisitado por educadores, equipe escolar e famílias, porém, é ainda compreendido, na maioria das vezes, como “aquele que pode tratar os alunos problemas e devolvê-los à sala de aula bem ajustados”. Essa visão caracteriza e fundamenta a intervenção clínica, uma prática que precisa ser abolida das Escolas, e revela a necessidade do estabelecimento de matrizes teóricas que fundamentem a prática deste profissional tão requisitado e tão pouco compreendido. Entre as tarefas descritas pelo CFP na resolução nº 014/00 destaco as seguintes possibilidades de atuação do psicólogo escolar: 21 a) aplicar conhecimentos psicológicos na escola, concernentes ao processo ensino-aprendizagem, em análises e intervenções psicopedagógicas; referentes ao desenvolvimento humano, às relações interpessoais e à integração família comunidade- escola, para promover o desenvolvimento integral do ser; b) analisar as relações entre os diversos segmentos do sistema de ensino e sua repercussão no processo de ensino para auxiliar na elaboração de procedimentos educacionais capazes de atender às necessidades individuais. A partir das possibilidades acima descritas, alguns focos de intervenção na escola revelam-se como fundamentais e precisam estar embasados em conhecimentos da psicologia científica, tal qual propagada no curso de Psicologia. 4.1 FOCO 1 - As implicações do fazer pedagógico Todo fazer pedagógico precisa estar embasado em teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, sendo que a prática do educador precisa estar coerente com tais teorias. Isso implica em material e atividades adequadas, clima de sala de aula, papel do professor e do aluno e concepção de ensino. Assim, o psicólogo escolar precisa estar atualizado quanto às teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, especialmente com aquelas que embasam o corpo teórico da escola em que trabalha, focalizando os processos cognitivos. Conhecimento necessário: Teorias do desenvolvimento e aprendizagem - inatismo, ambientalismo construtivismo e psicologia histórico-cultural (Santos, 1997; Zanella, 2001; Davis & Oliveira, 1994). Possibilidade de intervenção: Uma reunião inicial com a equipe pedagógica (orientadores e supervisores e direção, assim como professores) é mais que necessária. Faz-se importante deixar claro qual visão de sujeito o psicólogo tem (Andrada, 2005), o que pensa acerca da aprendizagem e quais estratégias diferenciadas tem a oferecer além do esperado atendimento individual na sala do psicólogo. 22 Faz-se necessário conhecer o Projeto Político Pedagógico da Escola e participar da sua atualização. Trabalhar junto à equipe pedagógica em espaços semanais ou quinzenais de diálogo com os professores (intervenção mediada) a fim de juntos criar novos significados as situações cotidianas de sala de aula, eliminando a possibilidade de estigmatizar os alunos com dificuldade de aprendizagem (Curonici & MacCulloch, 1999). Criar espaços de discussão acerca das teorias de aprendizagem em Paradas Pedagógicas, sempre vislumbrando o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola e a prática pedagógica. 4.2 FOCO 2 - O envolvimento de pais e educadores no processo de formação e educação das crianças e adolescentes: Quando pensamos em processo de formação dos alunos não podemos excluir a participação ativa das famílias e, certamente, dos educadores. Envolver a família, corresponsável no processo de educação de seus filhos e filhas, a fim de que se possa colher dados acerca do outro sistema direto em que participa o aluno é mais que necessário (Andrada, 2003). Conhecimento necessário: história das famílias no Brasil (Costa, 1983); teorias sobre a dinâmica familiar e teorias sobre o desenvolvimento das famílias (Carter & Mcgoldrick, 1995). Possibilidade de Intervenção: Em entrevista com a família levantar dados acerca das seguintes questões: autonomia X dependência; limites; autoritarismo X autoridade; relacionamento cognitivo e emocional na família, com o objetivo de resignificar os relacionamentos intra-familiar (Papp, 1992; Minuchin, 1982). Junto com a família, em encontros sistematizados, refletir sobre a função da dificuldade de aprendizagem neste momento do ciclo de vida familiar (Carter & Mcgoldrick, 1995), criando estratégias com pais e cuidadores que possibilitem o sucesso escolar da criança. 23 Confrontar família e professor quando necessário, criando um espaço de dialogo franco acerca das dificuldades de todos, não só do aluno, diluindo no s sistemas a “culpa” pelo fracasso escolar. Assim, outra armadilha é enfraquecida: “a culpa sempre é da família”. Unir pais e professores no processo educacional das crianças em estratégias cognitivas que contem com a participação de ambas as partes. O Psicólogo Escolar, questionador, curioso e acima de tudo assumindo uma posição investigativa, pode criar junto à equipe uma estratégia de intervenção colaborativa, na qual todos têm influência sobre o aluno, assim como sofrem influência mutuamente (Andrada, 2005; Curonici & McCulloch, 1999). 4.3 FOCO 3 - O esclarecimento das dimensões psicológicas implicadas no processo de ensino e aprendizagem. O processo de ensino e aprendizagem implica em várias áreas do conhecimento humano, sendo que nenhuma área se sobrepõe a outra. A educação é um fenômeno muito complexo para ser vislumbrada somente pela pedagogia, ou pela psicologia, ou medicina. Dessa forma, é preciso reconhecer que a dificuldade de aprendizagem tem origem, causas e desenvolvimento múltiplos o que exige do profissional pesquisa em áreas distintas do conhecimento (Polity, 2001; Fernandez, 1990). Faz-se necessário um trabalho que considere todas as dimensões implicadas, dentre as quais a psicologia se faz presente.Conhecimento necessário: Processos cognitivos; teorias sobre memória, atenção, concentração, apropriação do conhecimento e linguagem (Antunes, 1998; Rezende, Tronca & Tronca, 2004; Antunes, 2002). Problemas de aprendizagem: hiperatividade, déficit de atenção, dislexia, dislalia, disgrafia, entre outros (Ciasca, 2003; Neves & Almeida, 2003). Possibilidades de intervenção: Diagnóstico e encaminhamento das crianças com suspeita de dificuldades de aprendizagem para especialistas da área. 24 Acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Criação de estratégias psicopedagógicas junto à equipe escolar e professores envolvidos. Ouvir os professores, suas demandas e fazê-los participar em alguns dos atendimentos com as crianças, repensando novas práticas e novos olhares sobre o aluno que chama de “problema”. Participar das reuniões e conselhos de classe, nas quais o psicólogo poderá estabelecer novas maneiras de perceber o processo educacional dos alunos, evitando rótulos, diagnósticos imprecisos e hipóteses únicas e fechadas. 4.4 FOCO 4 - Os sistemas de interações existentes no interior da Escola. Os problemas de aprendizagem podem ser fruto de falhas nas inter-relações do sistema direto do qual a criança participa. A criança precisa ser compreendida dentro de seu sistema social de interação, como parte inseparável do seu sistema social, o qual inclui família, escola, entre outros. Dentro da escola, fazse necessário procurar entender os problemas que a criança está apresentando relacionando-os aos diferentes sujeitos envolvidos, com o objetivo de planejar as intervenções necessárias (Del Prette, 2001; Souza, 1997). Conhecimento necessário: Teoria sistêmica (Vasconcellos, 2002; Moraes, 1997); teoria de grupos, papéis e atitudes sociais (Gayotto, 1992; Osório, 2003; Yozo, 2001). Possibilidade de intervenção Criar espaços para escutar as demandas dos sujeitos da escola e pensar maneiras de lidar com situações que são cotidianas. Faz-se necessário circular pelos corredores, estar atento aos movimentos dos sujeitos. Criar formas de reflexão em conjunto com todos os sujeitos (alunos, professores e especialistas) para que se possa trabalhar com suas relações e paradigmas (Andrada, 2003). 25 Faz-se necessário ouvir os alunos, o que pensam sobre sua escola e sua turma. Isso pode ser feito através de desenhos, entrevistas, ou mesmo que escrevam o que pensam, sentem, como percebem sua turma e sua escola. 26 5 BIBLIOGRAFIA ABREU, Mariza. Organização Nacional na Constituição e na LDB. Ijuí: Unijuí, 1999. DE ANDRADA, Edla Grisard Caldeira. Família, escola e a dificuldade de aprendizagem: intervindo sistemicamente. ABRAPEE, v. 7, n. 2, p. 171-178, 2003. ANDRADA, E.G.C. (2005). Focos de intervenção em psicologia escolar. 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